O indivíduo oprimido, oprime!

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O desafio é construir um novo indivíduo em uma nova sociedade. ” – Ignácio Martín-Baro

Há anos, pesquisadores de diversas áreas buscam explicações do porquê existirem pessoas ruins. Em meados da década de 70, Philip Zimbardo, professor e psicólogo, realizou o Experimento da Prisão de Stanford, com ele, levantou a ideia de que o papel social determina como o indivíduo irá se comportar. Para isso, um grupo de universitários seriam os guardas, e outro grupo seriam os presos; Zimbardo seria o próprio diretor da prisão.

No decorrer do experimento, os alunos que tinham posição de poder se tornaram autoritários e agressivos com os “presos”, praticando excessos e até se divertindo com a dor alheia. Após apenas seis dias o experimento foi cancelado visto o estado psicológico e físico fragilizado em que se encontravam os participantes. Com isso, Zimbardo declara que forças sociais podem gerar comportamentos ruins, que até pessoas consideradas boas podem se tornar más frente a situações extremas, mesmo que isso signifique ir contra seus valores morais. Temos possibilidades de ser vítima, réu, ou até ambos.

Fonte: encurtador.com.br/afnU9

À vista disso, fica o questionamento: será se há influência de fatores sociais e institucionais que justificam ações/pessoas cruéis? Em paralelo com a situação do Brasil, em 2014 fomos o país sem guerra declarada com mais assassinatos no mundo todo. Tamanha violência deixa de ser sintoma individual e se torna sintoma social, não é mais um caso isolado de roubo na vizinhança, é violência desmedida e por todos os lados, não é só fracasso pessoal, tomou dimensões continentais.

Sob o mesmo ponto de vista, Martim Sampaio, da OAB, relata que “Individualmente, o número de pequenos assaltantes tem aumentado, mas é preciso entender esse fenômeno. Todas as medidas que o governo toma são no sentido de criminalizar o jovem. Se ele quer melhores condições de estudo, o governo chama a polícia e resolve com surra e bomba; se não aceita pagar mais pelo transporte público, não pode protestar que é levado a uma ratoeira e massacrado. Não oferecem alternativa. O que precisamos é de uma política pública inclusiva, de educação e renda. São coisas que falamos há mais de cem anos e não fizemos até hoje.”

Não que o Ser seja passivo ao que acontece a sua volta, não é relegar valores e livre arbítrio, inclusive não é a intenção desse texto reforçar a ideia de que “delinquente é excessivamente vítima da sociedade”. Há uma via de mão dupla: a sociedade constitui o ser e é por ele constituída. Entretanto, estamos sempre, de algum modo, buscando justificativas para culpabilizar um único indivíduo, mas, não é possível ter uma visão holística dele e sua saúde mental sem considerar seu contexto sociocultural.

Fonte: encurtador.com.br/ipwAB

Como relata o psicólogo, filósofo e padre Ignácio Martín-Baro: “Traumas devem ser analisados sob a perspectiva da relação entre indivíduo e sociedade”. De acordo com ele, certos problemas de grupos historicamente oprimidos se expressam de forma compreensível diante de circunstâncias anormais, considerando as idiossincrasias de acordo com o ambiente. Em oposição à psicologia tradicional que tinha seu foco voltado para a abordagem individual e a grupos mais privilegiados economicamente, na metade da década de 1980 surge a Psicologia da Libertação, que enfatiza a alteridade, o conteúdo psicológico sobre influência da sociedade e se compromete em libertar esses grupos menos favorecidos. Essa ideia revolucionou o modo como a psicologia se porta hoje.

Entendendo o que motiva certas pessoas a cometerem atrocidades morais colabora para uma justiça realmente justa. Buscando as raízes do problema e agindo para mudar, o resultado pode demorar, mas as futuras gerações serão gratas. A luta é resgatar a humanidade, mas sem se tornar imparcial. Quem sabe assim o Brasil deixa de ter mais de 70000 homicídios por ano.

 

REFERÊNCIAS

FERNANDES, Nathan. Bandido bom não é bandido morto (2016). Disponível em: https://revistagalileu.globo.com/Revista/noticia/2016/03/bandido-bom-nao-e-bandido-morto.html. Acesso em 17 ago. 2019.

NEVES COSTA, Rita; RODRIGUES, Tiago. Philip Zimbardo: “O heroísmo não existia em nenhum livro de Psicologia” (2018). Disponível em: https://www.jn.pt/nacional/videos/interior/philip-zimbardo-o-heroismo-nao-existia-em-nenhum-livro-de-psicologia-9816275.html. Acesso em 17 ago. 2019.

GISCARDFF. Ignácio Martín-Baro (1942 – 1989) (2014). Disponível em: https://muvucopedia.com/2014/12/23/ignacio-martin-baro-1942-1989/. Acesso em 17 ago. 2019.

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Produtos da Civilização: Um Neonazista Opressor analisado pelo Judeu Oprimido?

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Fazendo uso dos conhecimentos possibilitados por Freud, em “O Mal-Estar na Civilização”, como a impossibilidade de se amar incondicionalmente o próximo e a produção de sofrimento causada pelo processo civilizatório para que possamos viver em harmonia, realizei um trabalho cuja proposta foi analisar a dinâmica social colocada sob os dois personagens principais do longa-metragem “Um Skinhead no Divã” e possibilitar um olhar mais critico acerca daquilo que chamamos de “civilização”.

“Um Skinhead no Divã” é uma produção Sueca de 1993, quinto filme da Diretora Suzane Osten, que apresenta dois indivíduos, frutos de uma mesma civilização, porém, antagônicos. De um lado encontramos Soren, um jovem Neonazista, um skinhead; e do outro Jacob, um psiquiatra judeu que se dispõe a ajudar o primeiro com as suas questões, rumo ao melhor entendimento de sua vida psíquica.

Tudo se inicia com o encontro desses dois personagens em um trem, local no qual o psiquiatra vem a cuidar de alguns ferimentos do neonazista e a convida-lo para ir a seu consultório. Esse filme diz muito da sociedade nazista e dos indivíduos os quais ela produziu, sejam os agressores ou os agredidos, trazendo um pouco acerca de um processo de (não) civilização que se fez presente e causou atrito entre dois grandes grupos culturais.

Existe ódio na relação que foi estabelecida, como não o poderia? Um se torna igual a um violento grupo que odeia os supostos diferentes e o outro é o “diferente”. Toda essa trama de ódio pode ser problematizada a partir da Obra de Sigmund Freud, “O Mal-Estar na Civilização”, a qual nos fornece ferramentas para compreender melhor de onde surge tanto ódio e por que ele é descarregado de forma tão hostil e até mesmo elucidar por que o outro, diferente de mim, merece meu ódio e não o meu amor.

Pode-se inferir, segundo Freud, que a civilização tenta frear a grande descarga de ódio direcionada no outro, isso para que seja possível estabelecer alguma ordem entre os humanos, para que seja possível as pessoas se unirem e viverem juntas, dentro de uma organização social estável. Mas esse ódio não desaparece, ele precisa ser direcionado para algo/alguém, a solução é desferir o ódio contra si mesmo, assim nasce a grande instância do Super-eu que vem a lhe vigiar e a lhe causar sensações de culpa, não apenas por infligir regras sociais, mas por meramente pensar em infringi-las.

Soren aparenta se sentir culpado por descarregar tanto ódio no meio externo, no outro, mas acaba por sofrer ao realizar o caminho inverso. O terapeuta vem para ajuda-lo a compreender a organização social a qual ele se insere e a mostrar que ele, e o seu grupo, não são tão diferentes quanto parece.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

UM SKINHEAD NO DIVÃ

Diretor: Suzanne Osten
Elenco: Etienne Glaser; Simon Norrthon; Anna-Yrsa Falenius e outros.
País: Suécia
Ano: 1993
Classificação: 16

 

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