Organizações – Estratégia e Mudança

Compartilhe este conteúdo:

Antes de aprofundar no conceito estritamente organizacional de “planejamento estratégico”, bem como na dinâmica deste, convém apresentar o significado das duas palavras que compõem o termo. Conforme o dicionário Michaelis, “planejamento” diz respeito ao “ato de planejar” e à “organização de uma tarefa com a utilização de métodos apropriados. Outra definição, intrínseca ao contexto organizacional, fala em “determinação de ações para atingir as metas estipuladas por uma empresa”. Quanto ao termo “estratégico”, o mesmo dicionário o explica como “relativo à estratégia; em que há estratégia”. “Estratégia”, por sua vez, é a “arte de utilizar planejadamente os recursos de que se dispõe ou de explorar de maneira vantajosa a situação ou as condições favoráveis de que porventura se desfrute, de modo a atingir determinados objetivos”.

Como ponto de partida para o aprofundamento no conceito estritamente organizacional, Marciniak (2013) escreve que um planejamento estratégico é uma ferramenta que coleta o que a organização quer conseguir para cumprir sua missão e alcançar sua própria visão, ou sua imagem futura. Assim sendo, o planejamento representa o desenho e a construção do futuro para uma organização, ainda que este seja imprevisível. Então, o plano é uma aposta de futuro, o qual desenha este futuro desejável e inventa o caminho para consegui-lo. Ao falar de plano estratégico da organização, estamos referindo ao plano maestro no qual a alta direção coleta as decisões estratégicas corporativas que tem adaptado “hoje” em referência ao que fará nos próximos três anos (horizonte mais habitual do plano estratégico), visando uma organização mais competitiva que permita satisfazer as expectativas das diferentes partes interessadas. (DE VICUÑA, 2012 apud MARCINIAK, 2013).

Conforme Lumpkin e Dess (2003) apud Marciniak (2013), plano estratégico é entendido como o conjunto de análises, decisões e ações que uma organização leva a cabo para criar e manter vantagens comparativas sustentáveis a longo prazo. Bonilla (2003) apud Marciniak (2013) apresenta definição similar, considerando-o como projeto que inclui um diagnóstico da posição atual de uma entidade, a(s) estratégia(s) e organização no tempo das ações e os recursos que permitam alcançar a posição desejada. O diagnóstico no contexto organizacional é tópico importante, o qual será apresentado posteriormente neste trabalho. Para Pedrós y Guitérre (2005) apud Marciniak (2013), um plano estratégico é um documento que sintetiza a nível econômico-financeiro, estratégico e organizativo o posicionamento atual e futuro da empresa, cuja elaboração nos obrigará a levantar dúvidas acerca de nossa organização, de nossa forma de fazer as coisas e a marcarmos uma estratégia em função do nosso posicionamento atual e do desejado.

Marciniak (2013) escreve que um elemento comum nas distintas definições de autores é o conceito de um entorno, de um ambiente, ou seja, de uma série de condições alheias à organização, às quais esta deve responder. Algumas condições são negativas e ameaçadoras, outras são positivas, consistindo-se em oportunidades. Para conhecer essas condições é preciso analisar o entorno, sua quantidade de recursos, suas debilidades e pontos fortes. Além disso, a organização deve possuir a imagem de seu futuro, ou seja, sua visão, e estabelecer metas ou objetivos estratégicos básicos. O objetivo mais alto costuma ser tido como a missão. Por fim, a organização projeta como aplicar seus recursos e descreve os programas de ação a largo prazo (estratégias), que determinam os objetivos estratégicos de desenvolvimento organizacional e mostram como alcançá-los em forma de objetivos operacionais e tarefas específicas a realizar.

Um plano estratégico inevitavelmente visa uma mudança organizacional, esta, por sua vez, refere-se a alterações nas organizações advindas de intervenções planejadas cujo fim é afetar conteúdos/componentes organizacionais e gerar impactos para os resultados, a sobrevivência, eficiência, eficácia, produtividade ou sustentabilidade organizacional. (WOOD et al apud NEIVA; DEMO; MACAMBIRA, 2016). Faz-se importante a implementação de práticas de gestão de mudanças, tais práticas compreendem uma variedade de intervenções que, se executadas corretamente e em coerência com eventos internos e externos da organização, facilitam a promulgação de processos de mudança organizacional. Como exemplos de práticas de gestão da mudança organizacional, temos: desenvolver uma nova visão; elaborar o diagnóstico da organização; comunicar a necessidade de mudança; preparar/planejar um plano de mudança; comunicar o plano de mudança; mobilizar outros para apoiar a mudança; avaliar a implementação da mudança; e medir os resultados da mudança (RAINERI, 2009 apud NEIVA; DEMO; MACAMBIRA, 2016).

Uma das práticas anteriormente citadas representa questão importante a ser considerada antes de qualquer planejamento estratégico, trata-se do diagnóstico organizacional. Muitas vezes, os estudos sobre gestão da mudança organizacional se destinam a responder três perguntas: por que (as causas da mudança), como (o processo de mudança) e o que (o conteúdo da mudança) […] O diagnóstico organizacional deve dar respostas à primeira e à terceira questão, além de responder às seguintes: por que a organização pode ser alterada? Qual deve ser o conteúdo incluído na mudança, ou seja, o que deve ser mudado na organização? (NEIVA; DEMO; MACAMBIRA, 2016).    “Diagnóstico organizacional pode ser interpretado como um método utilizado para a análise da organização, a fim de identificar deficiências organizacionais que possam ser neutralizadas por meio de mudança organizacional” (NEIVA; DEMO; MACAMBIRA, 2016). Trata-se de um conceito relacionado ao conceito de “análise organizacional”. Contudo, há semelhanças bem como também diferenças entre eles.

Fonte: encurtador.com.br/fisOW

A principal semelhança entre a análise organizacional e o diagnóstico organizacional reside no fato de que ambos os métodos estão focados na compreensão do conteúdo organizacional, ou seja, a identificação dos elementos da organização e sua natureza, bem como as relações entre eles. Ambos os métodos começam com alguns modelos organizacionais e usam as mesmas técnicas de coleta e processamento de dados. A principal diferença entre a análise organizacional e o diagnóstico organizacional é o seu objetivo. O objetivo da análise organizacional é a compreensão da organização com o propósito de sua exploração, enquanto o objetivo do diagnóstico organizacional é a compreensão da organização com o propósito de mudar e melhorar aspectos negativos (ação). Pode-se dizer que o diagnóstico organizacional é uma forma específica de análise organizacional – uma forma voltada para a realização da mudança organizacional com o objetivo de melhorar o desempenho organizacional (NEIVA; DEMO; MACAMBIRA, 2016).

Tal diagnóstico é um estudo necessário para todas as organizações, ele, em essência, busca gerar eficiência na organização através da mudança. Há uma variedade de situações que requerem este método, entre as tais estão:

  1. O crescimento da organização: Devido ao fato de que isso representa uma grande mudança, é necessário conhecer o impacto deste crescimento em todas as áreas da organização;
  2. O atraso da organização: Enquanto algumas empresas dão enormes passos com a tecnologia, muitas outras paralisam a ponto de quase extinguirem, então, é mais do que óbvio que os problemas sejam considerados à luz de um diagnóstico organizacional.
  3. A oferta de qualidade: Aqui cabe mencionar o contemporâneo mundo competitivo no qual se necessita uma vantagem competitiva, logo, a qualidade do que se oferece é de suma importância, visto que há uma variedade de produtos que cobrem uma mesma necessidade;
  4. Outras situações nas quais é necessária esta ferramenta é a aparição de tecnologias de ponta que prometem maior produtividade e qualidade, a inovação que cada empresa deve decidir fazer, os problemas sociais do entorno da empresa e, por fim, a simples necessidade da empresa de conhecer-se, e o desejo de melhoras que a tornem um melhor lugar de trabalho.

            O diagnóstico organizacional pode apresentar cinco perspectivas:

  1. Perspectiva social: Onde o interesse se concentra em conhecer os efeitos gerados pela organização nos distintos subsistemas da sociedade. Busca saber como a sociedade vê a organização, em que a beneficia ou, caso contrário, em que a prejudica, e o que ela sugere;
  2. Perspectiva executiva: Compreende a participação dos sócios, donos e diretivos da empresa, os quais se encarregam de avaliar questões como sua posição no mercado e o uso adequado de seus recursos;
  3. Perspectiva dos departamentos: Refere-se à relação entre os diferentes departamentos da organização, sua convivência, suas contribuições ao desenvolvimento organizacional e a eficiência de cada área;
  4. Perspectiva dos grupos informais: Cada empresa tem um certo número de empregados. Ainda que todos devem compartilhar interesses para o bem-estar da organização, há grupos que se formam de acordo com interesses mais particulares, como o gosto por algum esporte, a religião ou preferências políticas. Logo, é necessário detectar tais grupos e avaliar a facilidade de boa interação dos interesses particulares deles com os interesses da empresa;
  5. Perspectiva individual: As expectativas que tem cada indivíduo que conforma a organização, independentemente da área ou posição que ele tenha. De igual maneira, os agentes externos à empresa como os provedores ou clientes.
Fonte: encurtador.com.br/fnrsN

 A respeito do processo de mudança em si, ou da implementação das intervenções, muito pouco foi elaborado em se tratando de modelos teóricos (NEIVA; DEMO; MACAMBIRA, 2016). Há destaque para as formulações de Kurt Lewin (1951), o qual sugeriu três fases da mudança: “Descongelamento”, que implica diminuição da força dos valores, atitudes ou comportamentos prévios a partir da percepção de novas experiências ou informações que os desafiam, aqui percebe-se uma insatisfação ante a situação atual. “Essa fase de descongelamento exprime, pois, a motivação para a mudança, a qual poderá estar associada a processos de ansiedade que requerem a criação de segurança psicológica como forma de reduzir a resistência para alterar a situação presente”. A segunda fase, “movimento”, é quando a organização alcança um novo nível, onde são desenvolvidos novos valores, atitudes, comportamentos etc. Trata-se de um processo sociocognitivo, afetivo e comportamental, para o qual é imprescindível motivação prévia das pessoas para obter nova informação que as permita ver a situação diferentemente. Finalmente, a fase do “recongelamento” é a estabilização das mudanças, as quais são integradas nos processos operacionais normais conforme a dinâmica da organização. Fase necessária para evitar retrocessos à situação prévia, durando conforme a especificidade da mudança realizada.

Em todo este processo em prol da transformação está eminente o agente de mudança, ou os agentes de mudança, devendo estes ter uma liderança voltada não apenas para os direcionamentos técnicos concernentes às funções de seus subordinados, mas também para a consideração empática e ouvinte em relação a estes como pessoas, o que influencia o sucesso ou fracasso do processo de mudança. É preciso que haja líderes que não apenas se comportem em relação às tarefas de seus trabalhadores, mas também orientados para pessoas, para a inter-relação entre eles e os outros, promovendo a comunicação e a participação individual e grupal.  Para mais informações acerca dos estilos e características de liderança ideais no processo de mudança, consultar Neiva, Demo e Macambira (2016).

O discurso é prolífico, mas a prática é árdua e nem sempre o acompanha. Segundo pesquisas, mais da metade dos programas de mudança fracassa, e a maior parte desses fracassos é devida à impossibilidade de obter mudanças nas atitudes e comportamentos dos profissionais (SALLES; JR; CALDAS, 2018)

Cinco grandes obstáculos dificultam mudanças culturais. O primeiro é a resiliência da cultura existente, que pode decorrer do histórico recente de sucessos da empresa ou das características do setor. O sucesso passado não garante o sucesso futuro. Entretanto, é muito difícil mobilizar pessoas para a mudança quando não há percepção de resultados insatisfatórios ou de ameaças. Em outras situações, a fonte de resiliência está no setor. O ramo de atividade da empresa, muitas vezes, consolida comportamentos e práticas; e a mudança fora dessas normas pode não ser bem-vinda.

Fonte: encurtador.com.br/lntDN

Ainda de acordo com Salles, JR e Caldas (2018), na lista de obstáculos está o “descompasso entre soluções padronizadas e o gigantismo de algumas organizações”. Estas contam com muitas unidades, cada unidade tendo uma distinta subcultura de comportamentos e hábitos. Quando executivos procuram aplicar princípios reducionistas, com um discurso homogeneizante, sobre as distintas unidades da empresa, pode atrair resistências e, embora haja mudança, mantêm-se comportamentos e práticas e, eventualmente, surgem atitudes cínicas.  Os traços da cultura nacional também dificultam a mudança de uma organização. No caso do Brasil, há atitudes e comportamentos enraizados cuja alteração é árdua e traz frustração aos agentes de mudança. Por exemplo, o personalismo e prevalência das relações pessoais, a passiva postura de espectador, baixo nível de observância e compromisso em relação à ética, ou baixo nível de accountability, e o comportamento de vítima.

Tentar utilizar métodos e práticas implantadas por outras empresas, sobretudo as icônicas, supostamente bem-sucedidas, também engrossa a lista de obstáculos de uma mudança exitosa, afinal, cada organização tem um contexto particular, e o que deu certo para uma empresa pode não dar certo para outra. Por fim, o obstáculo representado por líderes que banalizam o impacto da cultura organizacional e a complexidade de uma mudança, supondo que uma mudança de discurso e de alguns detalhes irão interferir nas atitudes, comportamentos e valores dos funcionários, e que isso é o bastante. Resumindo, há cinco grandes obstáculos à mudança, são eles a resiliência da cultura atual, apoiada em sucessos passados ou características da área na qual a organização está situada; influência das subculturas; força de traços nacionais; atração por modelos exógenos; e a onipotência ingênua de líderes (SALLES; RJ; CALDAS, 2018).

Finalmente, convém ressaltar a necessidade de líderes que sejam cientes dos benefícios da mudança e também dos desafios que esta pode gerar. Os líderes também devem assegurar que o balanço de ganhos e perdas é positivo, promovendo a reflexão de todos na empresa acerca das dificuldades de adesão ao processo e de seu papel na mudança. Além disso, os agentes de mudança devem promover o engajamento dos outros níveis hierárquicos para que o processo se sustente em médio e longo prazo. Isso obviamente torna mais complexa a situação, visto que traz novos pontos de vista, mas não há outra forma de garantir o sucesso e a perenidade das mudanças. Como disse Maquiavel, “nada é mais difícil de executar, mais duvidoso de ter êxito ou mais perigoso de manejar do que dar início a uma nova ordem de coisas” (SALLES; JR; CALDAS, 2018).”

Fonte: encurtador.com.br/opsxB

Referências 

Dicionário Michaelis. Disponível em: <http://michaelis.uol.com.br/moderno-portugues/>. Acesso em 23 março 2019.

MARCINIAK, Renata. ¿Qué es um plan estratégico? Disponível em: <ttps://renatamarciniak.wordpress.com/2013/01/07/que-es-un-plan-estrategico/>. Acesso em 23 março 2019.

NEIVA, Elaine Rabelo; DEMO, Gisela; MACAMBIRA; Mago Oliveira. Processos de mudança organizacional: diagnóstico e monitoramento da gestão. In MENDONÇA, Helenides. Análise e Diagnóstico Organizacional. Teoria e Prática. São Paulo:Vetor, 2016.

El diagnósico organizacional. Disponível em: <https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/5/5e/EL_DIAGN%C3%93STICO_ORGANIZACIONAL_wikipedia.pdf>. Acesso em 25 março 2019.

Texto originalmente publicado em: <https://comunidadepsi.com/>.

Compartilhe este conteúdo:

Herbert Marcuse e a Teoria Crítica da Técnica

Compartilhe este conteúdo:
Fonte: http://zip.net/bgtGct
Fonte: http://zip.net/bgtGct

O filósofo alemão Herbert Marcuse foi um dos primeiros pesquisadores a estudar os mecanismos de dominação tecnológica e política que surgiram com o desenvolvimento da sociedade moderna. Ele realizou estudos que foram fundamentais para compreensão do avanço da ciência e das tecnologias que transformaram a vida humana. As suas interpretações sobre o funcionamento das sociedades industriais avançadas, do desenvolvimento da técnica e da tecnologia, das implicações sociais do desenvolvimento da tecnologia na sociedade moderna, continuam importantes para a compreensão da sociedade contemporânea, sobretudo no que tange às contradições sociais.

Marcuse tornou-se membro do Instituto de Pesquisa Social, conhecido como “Escola de Frankfurt”, em 1933. O Instituto, a partir da década de 1930, começou a utilizar um conceito de Teoria Social crítica opondo-se a teoria tradicional de cunho positivista. Marcuse entende que um dos objetivos da Teoria Crítica é analisar o desenvolvimento da sociedade e examinar as alternativas históricas para melhoria da qualidade de vida, no sentido de minimizar a luta pela existência e aperfeiçoar os recursos materiais e intelectuais disponíveis.

Marcuse na Universidade Livre de Berlim, 1967. Fonte: http://zip.net/bgtGct
Marcuse na Universidade Livre de Berlim, 1967. Fonte: http://zip.net/bgtGct

A Teoria Crítica deve analisar as origens dos problemas e examinar a maneira como a sociedade está organizada comparando com outras formas possíveis buscando demonstrar as possibilidades reais de desenvolvimento e satisfação das necessidades humanas. Para tanto, ela parte de bases empíricas, isto é, da análise das condições objetivas de organização social, priorizando a forma como está estruturado o sistema de produção e consumo para verificar as possibilidades de produzir emancipação.

Notadamente, Marcuse observa que no capitalismo o sistema de produção e consumo precondicionam os indivíduos e os condenam à unidimensionalidade das condições de existência, tanto subjetiva quanto objetiva, inviabilizando a crítica e impedindo o afloramento de outras possibilidades históricas. Portanto, não produz emancipação, apenas aumenta a labuta pela existência, reproduzindo um estilo de vida pautada na troca da liberdade pelo conforto.

A Teoria Crítica visa analisar a opção histórica de organização social estabelecida e mostrar, mediante os critérios estabelecidos, as opções viáveis para organização da vida humana. Organização essa que privilegie todos os homens de forma igual. Que leve a satisfação das necessidades humanas de forma consciente e com a menor degradação possível

Em 1941, Marcuse publicou o seu primeiro livro, intitulado Razão e Revolução, onde “[…] introduziria Hegel, Marx e a teoria social ao público de língua inglesa e que iria delinear as origens e perspectivas do tipo de teoria social crítica que estavam sendo desenvolvidas pelo Instituto […]” (KELLNER, 1999, p. 24). Nesse mesmo ano ele também publicou o ensaio Algumas implicações sociais da tecnologia moderna, que trata sobre o processo de dominação tecnológica, a produção da escassez, o conformismo, surgidos a partir de mudanças ocasionadas na esfera da produção.

Fonte: http://zip.net/bmtF52
Fonte: http://zip.net/bmtF52

A Teoria Crítica da técnica e tecnologia de Herbert Marcuse começou a ser delineada na década de 1940 visando mostrar as implicações sociais do desenvolvimento de um projeto histórico de sociedade, o projeto capitalista. Em um primeiro momento Marcuse defendeu que a técnica em si mesma é neutra, podendo servir para várias finalidades, e somente inserida em um modo de produção capitalista que é utilizada pela tecnologia como instrumento de dominação. A técnica, vista desse modo, pode servir tanto para a manutenção do status quo da sociedade industrial avançada quanto para suavizar a luta humana pela existência. Definindo a tecnologia como um mecanismo de dominação ideológica.

Logo após os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, Marcuse viu a necessidade de repensar o papel da técnica e da tecnologia enquanto inseridas em uma determinada ordem social que utiliza as suas bases materiais como instrumentos de dominação. Dessa forma, a técnica, a ciência e a tecnologia passam a ser percebidas como meios de dominação nos seus processos de elaboração. Portanto, já estariam precondicionadas a uma determinada finalidade. Finalidade essa que é criar ferramentas para o desenvolvimento da produção capitalista e, concomitantemente, meios de coordenação da vida. A aparente neutralidade da técnica só serviria para consumar a sua força conservadora, alegando que ela não estaria ligada a fins políticos ou econômicos.

A moderna sociedade industrial capitalista é um projeto social que foi estabelecido em detrimento de outros. A sociedade industrial avançada é racional e eficiente no seu modo de produção. Produção tanto de bens materiais quanto de harmonia e coesão social. Entretanto, a produção capitalista não é disponível para satisfação das necessidades de todos os indivíduos. Ela é mantida em prol da geração e acumulação de capital nas mãos de poucos indivíduos. Sendo assim, ao mesmo tempo em que há abundância de bens disponíveis em determinados setores coexistem zonas de escassez.

Herbert Marcuse e Angela Davis , 1968. Fonte: http://zip.net/bgtGct
Herbert Marcuse e Angela Davis, 1968. Fonte: http://zip.net/bgtGct

Após constatar que a sociedade industrial capitalista não é a melhor forma possível de organização social, Marcuse afirma que é necessária uma mudança na estrutura da sociedade para buscar melhorias sociais para todas as pessoas, visto que o capitalismo, apesar de ter aumentado a qualidade de vida, realizou melhorias de modo quantitativo, com o aumento da produção de bens de consumo, mas não modificou de forma qualitativa a vida dos indivíduos. A pouca melhoria da qualidade de vida foi à custa da ampliação do trabalho, da produção de riqueza para poucos em detrimento da labuta de muitos. Sendo que para manutenção de uma ordem repressora das potencialidades humanas foi instituído um governo de dominação e coordenação.

Com as mudanças qualitativas “a própria estrutura da existência humana seria alterada; o indivíduo seria libertado da imposição, pelo mundo do trabalho, de necessidades e possibilidades alheias a ele […]”, e ainda “[…] ficaria livre para exercer autonomia sobre uma vida que seria sua” (MARCUSE, 1978, p. 24).

Herbert Marcuse, a partir da Teoria Crítica, defende que somente mediante uma transformação da base material da sociedade capitalista poderemos passar de uma realidade de repressão e dominação para uma de emancipação de todas as aptidões humanas, instaurando uma sociedade fundamentada nos princípios de pacificação, preservação e melhoria da vida de todos os indivíduos.

REFERÊNCIAS:

FREITAG, Barbara. A Teoria crítica: ontem e hoje. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988.

KELLNER, Douglas. Tecnologia, Guerra e fascismo. Marcuse nos anos 40. In: MARCUSE, Herbert; Tecnologia, Guerra e Fascismo. Douglas Kellner (ed.), Tradução de Maria Cristina Vidal Borba e Isabel Maria Loureiro. São Paulo:  Editora da UNESP, 1999.

MARCUSE, Herbert. Tecnologia, guerra e fascismo. Douglas Kellner (ed.).Tradução de Maria Cristina Vidal Borba e Isabel Maria Loureiro. São Paulo :  Editora da UNESP, 1999.

__________. Algumas Implicações sociais da tecnologia moderna. In: MARCUSE, Herbert; Tecnologia, guerra e fascismo. Douglas Kellner (ed.), Tradução de Maria Cristina Vidal Borba e Isabel Maria Loureiro. São Paulo: Editora da UNESP, 1999.

__________. A ideologia da sociedade industrial. Tradução de GiasoneRebuá. 6° ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

PISANI, Maria M. A “máquina” como instrumento de controle na sociedade tecnológica: Herbert Marcuse crítico da tecnologia. In: Anais do Congresso Internacional A Indústria Cultural Hoje. Piracicaba: Unimep, 2006.

__________. Técnica, Ciência e Neutralidade no pensamento de Herbert Marcuse. Tese (Doutorado).  São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2008, 235f.

SOARES, Paulo Sérgio Gomes. Uma análise da técnica na concepção de Herbert Marcuse. In Revista Olhar. São Carlos. Ano 6°, vol. 10-11, 2004. p. 77-86.

Compartilhe este conteúdo:

Todo dia é dia de festa: o trabalho no contexto circense

Compartilhe este conteúdo:

O artigo em questão, de autoria de Karlinne de Oliveira Souza e José Eleonardo Tomé Braga Júnior, retrata sobre a pesquisa desses acerca do trabalho no contexto circense, sendo realizada em forma de estudo de caso e investigação qualitativa, através de observação participativa e entrevistas, o que caracteriza bem o processo de pesquisa-ação, em que o pesquisador se insere no contexto estudado.

Inicialmente, os autores abordam a temática das mudanças ocorridas no cenário do trabalho, em que, na contemporaneidade, ele vem causando cada vez mais a perda de direitos dos trabalhadores que, somada à instabilidade, fraca inserção e fraca permanência em um ambiente de trabalho, caracterizam a precariedade com que se encontra esse fator na atualidade.

Fonte: http://zip.net/bstDNz
Fonte: http://zip.net/bstDNz

Em contraponto à sua concepção arcaica, em que trabalho denotava humilhação e tortura, na modernidade a palavra passa a significar como criador de valores e organização social. Dessa maneira, o trabalho torna-se fator constituinte da subjetividade do indivíduo contemporâneo, pois esse passa a empenhar boa parte de seu tempo na execução do trabalho, de modo a satisfazer suas necessidades materiais, promover o contato social, através das relações interpessoais e produzir sua própria cidadania.

A abordagem da pesquisa foi feita com um integrante do Circo do Motoca, que circula pelo Ceará e estados próximos há mais de 20 anos. O artista trabalha no circo como palhaço, mas, dependendo do fluxo de visitantes ao circo, ele desempenha mais de um papel por dia, como atirador de facas, trapezista, bilheteiro e outros, além de ser gerente do circo e fazer projetos para outros circos.

Fonte: http://zip.net/bqtFtG
Fonte: http://zip.net/bqtFtG

Nota-se claramente a precariedade do trabalho no contexto circense, dado que, primeiramente, não há direitos garantidos aos seus trabalhadores. Somado a isso, há o fato de que, quando rompidos os vínculos pessoais entre algum indivíduo e o restante do grupo, o primeiro acaba ficando desamparado, sem moradia e sem emprego, ambos perdidos ao mesmo tempo. Circo lembra alegria, festividade, brincadeiras, tudo carregado com um gostinho de infância. É frustrante saber que em seus bastidores a realidade não é assim também.

REFERÊNCIAS:

Maria Chalfin Coutinho, Odair Furtado, Tânia Regina Raitz. Psicologia Social e Trabalho: perspectivas críticas. Coleção Práticas Sociais, Políticas Públicas e Direitos Humanos. p.140-144. Vol. 1. ABRAPSO editora. Florianópolis, 2015.

Compartilhe este conteúdo: