Estresse e ansiedade causados pela quarentena são gatilhos para surgimento ou piora de doenças psicodermatológicas

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Sociedade Brasileira de Dermatologia alerta:

Vitiligo, psoríase e dermatite atópica são alguns exemplos de enfermidades que podem ser agravadas durante a pandemia pelo Novo Coronavírus

A confirmação de pandemia pelo Novo Coronavírus e a necessidade de realizar a quarentena com isolamento domiciliar trouxe muitos questionamentos, medos, ansiedade e estresse. Uma das consequência disso são as queixas, nos últimos dias, de surgimento ou piora das doenças psicodermatológicas, área da dermatologia que foca na interação entre as doenças de pele e a saúde mental dos pacientes. Alguns exemplos das queixas são a acentuação de queda de cabelos, piora da dermatite atópica, agravamento da psoríase e a volta das manchas brancas de vitiligo que já estavam pigmentadas.

Já é comprovado que estressores psicológicos são gatilhos para o aparecimento ou piora dos quadros cutâneos. “Emoções são importantes fatores em todas as doenças de pele. Os estressores tanto internos quanto externos rompem o equilíbrio do organismo estimulando uma série de reações do sistema neuroendócrino afetando vários aspectos imunológicos das doenças da pele”, explica a Dra. Márcia Senra, Coordenadora do Departamento de Psicodermatologia da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).

Fonte: encurtador.com.br/GHJKV

Algumas pessoas com pouca resiliência, sensíveis ao estresse, portadores de transtornos ansiosos e depressivos, pioram muito com a experiência de quarentena, afastados de seus entes queridos, pela perda de liberdade, fobias desenvolvendo quadros de pânico, insônia pelas incertezas quanto à doença e ao futuro, inclusive levando à ideação suicida. “Com tantas emoções negativas, com toda certeza, as somatizações na pele irão aumentar enormemente justamente por essa inter relação entre a pele, o sistema nervoso e o psiquismo”, afirma Márcia Senra.

Diante do cenário, a SBD orienta que a população, nesse período de quarentena, invista em bons hábitos que vão ajudar a reduzir o estresse e prevenir alterações em sua pele, como prática de atividades físicas, ter um bom sono, se alimentar bem e ocupar a cabeça com atividades que causem prazer (desenhar ou realizar jardinagem, por exemplo).  Além disso, é importante ter uma rotina diária de cuidados com a pele.

Quanto ao profissional dermatologista, cabe a ele abordar tanto a pele quanto o psiquismo de quem o procura. “O dermatologista deve desenvolver a melhor relação médico paciente com total empatia, acolhimento, fornecendo ferramentas, oferecendo terapias complementares e indicando em alguns casos, o aconselhamento psicológico/psiquiátrico”, finaliza o Dr. Sérgio Palma, Presidente da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).

Fonte: encurtador.com.br/muzMO
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As diferentes camadas em “Sob a Pele”

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Come to me

Sobre a pele

O filme Under the Skin, que de forma muito feliz foi traduzido literalmente para Sob a Pele, é fruto de uma colaboração americana, suíça e inglesa, sendo filmado em 2012 e lançado antecipadamente em 2013 no festival de Telluride (Colorado, EUA) e nos cinemas em 2014, inspirado no conto original homônimo de Michel Faber. Em suma, a estória conta o percurso de uma, implicitamente, visitante de outro planeta, que possui trejeitos e comportamentos muito específicos, com poucas falas, subjetivismo e curiosidade perante a raça humana, e o aspecto mais exótico de sua natureza extraterrena: um quimérico meio de caçar e se “alimentar” de homens durante a película.

O baixo orçamento do longa-metragem não impediu a participação de Scarlett Johansson, que possui um histórico de incursões em produções independentes desde antes do seu sucesso em blockbusters. O processo de gravação se aproveitou das locações em Glasgow na Escócia e arredores, para amplos planos abertos, cenas em ambientes citadinos, solitários e selvagens que enriquecem a obra. De igual modo, muitas das personagens masculinas não são atores profissionais, mas sim, homens que foram envolvidos na trama num exercício proposto pelo diretor Jonathan Glazer, de tenta-los com o poder de sedução da atriz americana, a protagonista sem nome, dando maior realismo à sua proposta de exposição destas situações para o espectador.

Sob a Pele pode facilmente ser colocado no grupo de filmes incompreendidos pelo público em geral. O ritmo paulatino de desenvolvimento lento, a trilha sonora quase inexistente ou minimalista, os cenários sombrios e a economia de falas em prol da potência das representações imagéticas contribuíram para sua recepção fria à época de seu lançamento.

Por estas razões é preciso que se valorize esta obra, pois de uma maneira simples e complexa a mesma traz características singularizantes dentre tantas recopias, gêneros exauridos (comédias românticas, super-herois, animações, ação, e até mesmo as ficções científicas) e a extenuante crise de criatividade e originalidade presente na sétima arte, ou, ao menos como nos fazem crer, erroneamente, as grandes premiações mainstream da indústria cinematográfica, fato este comprovado pela imensa lista de galardões indicados, pendentes e conquistados pelos realizadores do filme em circuitos periféricos. Infelizmente a obra não obteve grande escala de exibição nos cinemas brasileiros, fenômeno comum nos últimos anos, não só por parte de projeções internacionais mas nacionais também, deixando muitas salas apenas para esquecíveis e vis filmagens de questionável qualidade técnica e narrativa.

E, tendo como base estas primeiras prerrogativas da riqueza e amplitude analítica de Sob a Pele, tentar-se-á elaborar uma proposição dialógica, dentre tantas outras possíveis sobre o caleidoscópio de semióforos que o estrutura. Se os filmes podem ser entendidos como sínteses sígnicas do movimento do nosso tempo, sem dúvida nesta obra há aspectos reflexivos permeados por um realismo mágico e a mundaneidade antinômica que vivemos.

As tessituras tegumentares

Sob a pele pertence a um redutível conjunto de filmes flertam que com temas de filosofia, ficção científica – sem um uso excessivo de efeitos especiais –, questões de gênero, várias simbologias de introspecção, a relação entre ética e estética, a não padronização estilística de seu enredo parco em palavras, mas rico em imagens e inumeráveis subtextos. A este seleto grupo ainda pode-se adicionar: K-Pax (2001) e Lunar (2009) que compartilham muitas destas temáticas, com o diferencial do gênero do personagem principal.

E, por esta razão, destaca-se a escolha por uma protagonista feminina, recurso cada vez mais frequente em muitos trabalhos de maior e menor alcance, mas facilmente recaído em clichês, como masculinização ou extrema ingenuidade alinhados a estas personagens, erros estes não cometidos por Glazer e Johansson, apesar de, talvez propositalmente por ambas as partes, ter uma das atrizes mais assediadas por público e crítica cinematográfica atualmente.

O título do filme já expõe muito das intenções imagéticas que o compõem. A pele como objeto sígnico produz muitas possibilidades de interpretação e representação simbólica, pois, em sendo um significante tão profundo, igualmente complexo e dinâmico serão as visões produzidas a partir desta concreção e abstração deste signo. E, a todo o momento, a pele em sua linguagem metafórica é trabalhada e explorada de diferentes maneiras, verdadeiras tessituras sígnicas de tocante profundidade.

Além destas breves elucubrações, há uma infinidade de simbologias de ampla exploração imagética em Sob a Pele, das quais podem ser colocadas em primeiro plano ao menos três delas. Uma abordagem diferenciada da ideia de femme fatale; a relação entre libido, relações sexuais (inseridas de certo modo no ritual de alimentação) e manifestações emocionais; e o estranhamento individual perante uma coletividade que se distancia entre si e não se reconhece como abertura para a alteridade.

 

Figura 1: Cena filme Sob a Pele
Fonte: Sob a Pele (2014)

O primeiro subtexto simbólico é sobre a mulher fatal, caçadora, mística e sedutora. Alguns elementos contribuem para esta interpretação, a saber: o olhar fixo, por vezes curioso ou enigmático da fêmea fatal quando está à procura de suas “presas”. Algumas propostas de figurino também corroboram para esta mensagem, como no uso do casaco de pele animal, aliado aos lábios vermelhos, como que sedentos por sangue e carne, transferindo a visualidade do perigo que representa.

A personagem principal é reforçada em sua representatividade da fêmea de nossa espécie, e mais ainda por seu comportamento para com os homens, observando-os, seduzindo-os, caçando-os, ludibriando-os e deixando-os à morte enquanto caminha de costas para suas vítimas em sua “essência” fatal.  E, conforme o filme se desenvolve evidencia-se que mais do que presas, os homens constituem seu suprimento vital, remetendo de maneira mais clara nas “sobras” de pele ao final das capturas – um formato metafórico para uma complexa relação sexual –, pois ela mesma busca, desde o início da obra, a pele a qual representará sua essência identitária para consigo.

 

Figura 2: Cena filme Sob a Pele
Fonte: Sob a Pele (2014)

O segundo ponto, este talvez o de maior delicadeza e complexidade, está inserido nas perturbadoras cenas de extração do conteúdo do corpo das vítimas. Toda a constituição das cenas que vão da sedução, condução à sua casa até o mergulho fatal na penumbra liquefeita, englobam uma linguagem simbolista do sexo, imerso na ambientação, sons, movimentos e tensão resultantes no descarte da caça. Por isto, se torna interessante a presença de um dos maiores símbolos sexuais da atualidade na interpretação do papel principal de Sob a Pele, pois esta característica potencializa a obra em suas significações. Em ao menos dois momentos a temática do estupro também é presente, podendo atitudes desta natureza, ocorridas em situações precedentes ao enredo da estória contada, reforçarem ainda mais a postura fatal do ser extraterreno, inclusive em sua fisiologia feminina perante nossa espécie.

 

Figura 3: Cena do filme Sob a Pele
Fonte: Sob a Pele (2014)

Já no que se refere ao terceiro subtexto, este se encontra muito mais explícito pelas situações vividas pela protagonista, como, por exemplo, nos momentos de diálogo e em que contracenam juntos a mulher misteriosa e Adam Pearson – que não é ator, foi convidado para uma participação no filme –, com sua neurofibromatose. Ele é o único que é “escolhido” para passar pelo ritual de inserção no líquido negro da alienígena e sobrevive, talvez pelo fato de haver uma simpatia entre ambos, na busca pela aceitação perante a sociedade.

A cena do espelho, em que a caçadora do sexto oposto aparece completamente despida, é singular neste sentido, por transportar, de certa forma, o questionamento por parte da personagem de Johansson em ser vista e utilizada apenas como objetivo sexual pelos homens. O seu olhar diante do próprio corpo, ou ao menos a representação deste, parece estar imbuído de uma curiosidade em torno do seu poderio de sedução, cuja ação em suas investidas demonstra a facilidade com que as presas são envolvidas por suas feições corporais no despertar do desejo em consumi-lo, até o momento, obviamente, em que cegados pela apetência, decaem em seus fatídicos destinos.

 

Figura 4: Cena do filme Sob a Pele
Fonte: Sob a Pele

E, para além da exemplificação destas ilustrações, há uma aresta interpretativa deixada pelo diretor. Em alguns momentos um motociclista surge no longa, de forma isolada ou em cenas divididas com a protagonista da obra. Não fica claro em nenhum momento a sua real intenção, participação ou importância. Como proposta reflexiva fica a possiblidade deste ser um lacaio ou assecla, provendo e fomentando precisões e necessidades específicas da personagem principal, até porque ao final do filme, é ele quem fecha a imagem, após o ciclo de vida da mulher contracena em algumas passagens.

 

A pele sob a pele

 

Figura 5: Cena do filme Sob a Pele
Fonte: Sob a Pele

O final de Sob a Pele é surpreendente e extremamente inquietante. Estas valorações interpretativas precisam ser levantadas pela riqueza escolhida por Glazer em suas tomadas derradeiras. Após os quase 108 minutos de caçada e auto conhecimento da personagem de Johansson, somos finalmente apresentados à pele por debaixo da pele, já que ironicamente esta, a pele, era a única coisa que restava de suas vítimas.

O momento do olhar para sua representação dérmica – numa releitura de Shakespeare (no embate entre Hamlet e o crânio de Yorick) ou então o emblemático Narciso de Caravaggio – beira o surrealismo diegético, já que é neste fitar da pele que não mais é habitada que saltam olhares de surpresa perante o corpo metálico que cobria. Também existe um simbolismo do monstruoso e do sublime – como diria Victor Hugo – nestas breves tomadas, já que há o mostrar-se do monstro (palavras que advém do mesmo radical monstrum latino), no desvelamento da casca para reluzir a última camada, àquela abaixo da qual não estará nada além dela própria, a coisa em si por detrás do fenômeno, neste caso representado pela cobertura cutânea.

E, mais uma vez cabe elucubrar a possiblidade de haver mais subtextos nesta cena, já que o corpo real da mulher lembra em muito os manequins em seus altares comerciais, inertes e postos para contemplação indiferente de outrem, objetificando aquele corpo, como de igual modo, a protagonista era vista pelos homens que caçava: um objeto a ser apreciado e descartado após o seu uso; a cor negra abaixo de sua pele também tem um arco metafórico em sua concepção, por imbricar de maneira direta à inúmeros aspectos de xenofobismo étnico na humanidade; e a tentativa final de violação juntamente com o homicídio cometido, conotam estas simbologias.

Por fim, os elementos metafóricos, narrativos, simbólicos e intertextuais existentes em Sob a Pele fazem com que o filme fuja dos padrões atuais de grandes produções cinematográficas. Percebem-se grandes inspirações em obras de nomes como Stanley Kubrick, Andrei Tarkovski e Krzysztof Kieslowski, cujas propostas também buscavam uma maior introspecção e subjetividade nas imagens e diálogos, assim como Jonathan Glazer, e, inegavelmente, o trabalho de Scarlett Johansson o fizeram. Resta o deleite imersivo desta proposta peculiar e extremamente rica, em suas infindáveis camadas de introspecção.

Trailer:

 

 

 


FICHA TÉCNICA DO FILME

SOB A PELE 
Título Original: Under the Skin
Direção: Glazer Jonathan
Roteiro: Walter Campbell, Jonathan Glazer – Baseado no livro de Michel Faber
Elenco Principal: Scarlett Johansson, Krystof Hadek, Paul Brannigan
Ano: 2014
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A dança das cadeiras

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A crise é o início deste texto. Não estrategicamente, tal como faz Deleuze, em sua entrevista (1), que retoma as reviravoltas da obra de Foucault apontando-o como um dos mágicos que mais ardilosamente se apossaram desse truque de encantamento. Talvez, escrever uma resenha seja defrontar-se com uma crise. O que dá corpo a um texto? Qual seria a sua alma? Seria eu capaz, com o recurso frouxo de poucas palavras, captar os tremores e vibrações de textos tão inquietantes? O que pode uma resenha? Nesta tentativa eruptiva, travo com os afetos a malha que dá voz e verbo as rachaduras que as palavras de Deleuze e suas visitas à obra foucaultiana me provocam.

Uma resenha tem a função de produzir um “duplo” com a obra já lida. Ou seja, cabe a este recurso textual defrontar-se com “a repetição, a duplicação e fatal dilaceração” referente a obra que toma como dobra. E é nestes momentos, nas dobras, que os “instantes instáveis” rompem-se do silêncio de uma leitura atenta. E a resenha busca, tal como fez Deleuze em seu livro sobre Foucault, agir como um prolongamento da obra foucaultiana, num movimento de inércia desta produção, que não só vê o autor e suas humanas “incoerências” (este último aspecto, epicentro do trabalho dos  críticos ou daqueles que leem uma obra complexa e densa tal como os que varrem a rua em dias de ventania), mas que tenta efetivamente manter as lutas vivas e vitais da obra já produzida.

Acaba se tornando estratégico, quando se estuda uma obra e uma “luta filosófica” (seria eu redundante aqui?) captar a obra por inteiro. Para isso Deleuze nos guia a percorrer bifurcações, brechas, aceitando avanços e momentos de estagnação, processos inerentes à “travessia” da crise que organicamente representa a vitalidade de uma obra filosófica (mas também de uma obra ética, estética, política e de concepções de vida e morte!).

Deve-se, pois, aceitar e aprender a ouvir a musicalidade da obra de Foucault. Seus acordes, tons e contra-tons. A ressonância e a intensidade de suas ondas sonoras que nos devem contrair os músculos (não menos os miocardiócitos, esses com ouvidos altamente sensíveis!) e nos mantem em resistência, na busca de outros caminhares.

Para Deleuze é isto, curto e grosso: aula boa, música boa. Incluiria uma boa resenha como integrante deste coro harmonioso. Ampliar a propagação da música, para que ela rompa muros, penetre pelas gretas das portas e tire o sono dos “pobres mortais” que acham que o travesseiro é o melhor dos companheiros de luta, mudo e maleável. Durmamos com as pedras, as do caminho e as que nos atiram, como bem lembra Drummond e Cora Coralina.

E de onde vem esta sonoridade? Esta música que arrepia o que nos é mais profundo, tal como observou o poeta Valéry, a misteriosa e sedutora pele: campo externo das profundezas e dos meandros do corpo. E é esta a proposta de Deleuze quando nos oferece a lupa para se varrer os micrômetros de queratina que nos cobrem de ponta a ponta do corpo: é a filosofia que vê a pele, que sente na pele, que não deixam de nos representar pelos meios,  que nos marcam em cicatrizes não nossas origens, mas nossa constante mudança, descamativa e invisível aos olhos mais galopantes.

E a pele não só registra, mas também traz o toque como a experiência primeira. A pele é crítica: arrepia, sangra, se engruvinha, fica azul quanto asfixiada. Não pode ser interpretada, nem as linhas das mãos são tão vagas mensagens de futuro, nem a cicatriz umbilical marca início ou começo. A pele é notadamente a corpórea vivacidade da dobra: as digitais, as rugas, as cicatrizes. Ela não É, ela CONTÉM.

A lição da pele, da crise e dos cancioneiros podem sinergicamente retratar a indignidade de falar pelos outros, como bem divulgaram Deleuze e Foucault. Não é tarefa do intelectual ser o universal, apontar as origens e as “verdades”. Talvez a figura do intelectual seja apenas uma “das vistas de um ponto”, a “fala da competência”, tal como fazem os físicos quando explicam os riscos das armas nucleares ou os médicos quando descrevem a fisiopatologia do câncer de mama. Contudo, sobretudo a esses últimos, “não há direito de falar em nome dos doentes”, bem como não são por isso encarregados de abandonar a necessidade de “falar como médicos sobre problemas sociais, políticos, jurídicos, industriais e ecológicos” (1). Somos compelidos, seja por intermédio de pronunciamentos, resenhas ou scraps do facebook a falar em nosso próprio nome!

Tal processo de nomeação, embriologicamente crítico, nos convida a “nomear as potências impessoais, físicas e mentais que enfrentamos e combatemos quanto tentamos atingir um objetivo, e só tomamos consciência do objetivo em meio ao combate” (1). Ou seja, fica claro que falar por seu próprio nome (e deixar que os outros façam o mesmo) é termos consciência de nosso Ser político!

E este ser político é capaz de criar sua obra de arte, sua “estética da existência”. E para isso, é tão importante entender que Foucault ao discutir o saber, busca entender as condições de possibilidade das forças e quando passa a estudar o poder, quer entender melhor a relação dessas forças com relações as demais, suas “duplas”. E finalmente, seu interesse pelo sujeito repousa na capacidade inegável das forças não só interagirem entre si, mas ter um estado de rotação, ou seja, de dobrar em si mesma, de criar relações de força não só com outras, mas consigo mesma, o ato de dar cambalhotas! E é nesta última abordagem que se pode ser mais criativo: cabe ao sujeito de voz própria inventar modos de existência e viver sua vida como “uma obra de arte”. Viver numa casebre diuturnamente visitado por rajadas de vento e abalos sísmicos, mas contudo, continuando a usufruir da brisa do mar e do por do sol vermelho-ouro.

Essas forças que constroem nossa “obra de arte”, nosso canto ou nos mantem em crise são nada mais nada menos que as “forças dos afetos” (3), tendo como afetos a concepção de Spinoza, que  conceitua o afeto ou pathema (paixão) do ânimo, como uma “ideia confusa, pela qual a mente afirma a força de existir, maior ou menor do que antes, de seu corpo ou de uma parte dele, ideia pela qual, se presente, a própria mente é determinada a pensar uma coisa em vez de outra” (3).

Portanto, quando se acredita na potência desses encontros, da força dos afetos, que por mais que nos garantam um estado de “servidão”, não deixam de nos impulsionar a viver uma vida não-fascista, que tenta a duras penas rachar palavras, muros, instituições para que palavras não calem multidões, ou mesmo que, vozes abafadas tenham amplificação e espaço de ressonância, zonas de perturbação. E retornamos à crise, que em si é a criatividade mas também fuga da estagnação, da “conduta mantida”, da delicadeza da experiência vital com o imponderável, a dobra entre a vida e a morte que o risco quer divorciar sem divisão de bens.

Referências:

1) In: DELEUZE, G 2000. Conversação. São Paulo: Editora 34 – Rachas as coisas, rachar as palavras, p. 105-117.

2) In: DELEUZE, G 2000. Conversação. São Paulo: Editora 34 – A vida como obra de arte, p. 118-126

3) SPINOZA, B 2010. Ethica – Edição Bilingue Latim-Português. Tradução de Tomaz Tadeu. Belo Horizonte. Editora Autêntica. 3ª Edição.

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