Livro do médico e escritor A. A. A. Fernandes explora os limites da lucidez e desafia o pensamento binário em uma ficção inspirada em grandes nomes da filosofia
Os marginalizados pelo sistema são os protagonistas de Errantes do Pensamento – O Segredo de Poggio: Uma rapsódia filosófica. Os loucos, intelectuais incompreendidos, criativos e místicos tornam a obra do escritor A. A. A. Fernandes uma ficção que desafia a lógica binária do pensamento. Libertos das amarras de uma sociedade que tenta a todo custo padronizar seus integrantes, os personagens desconstroem certezas, celebram o delírio e ressaltam o poder do inconformismo no mundo.
No enredo, o neurocirurgião Urbano enfrenta uma crise existencial e é internado na ala psiquiátrica de um hospital. Após se tornar paciente, imerge em uma jornada introspectiva em busca de novos sentidos para a vida e de ressignificar conceitos pré-estabelecidos. Esse percurso filosófico se expande mais quando entra em contato com Poggio, um jovem internado na instituição com histórico espetacular e cujas experiências estão intimamente conectadas às leituras.
Além dos dois, outras figuras colaboram para a formação de um mosaico sobre a psique humana. Amigos de longa data de Urbano, J. e Asmin contrapõem a perspectiva de uma realidade racionalizada: o primeiro é um intelectual junguiano apaixonado pela união da ciência com a análise simbólica, já o segundo é um inteligente artista que se recusa a seguir o conhecimento acadêmico.
Mas, olha, esse mundo é muito divertido mesmo, nossa! não sabemos nada, ou melhor, não percebemos as coisas, tudo está aí, dado, e nós ficamos a nos entreter com nós mesmos, por vezes com a cabeça enfiada em algum texto fatual, alguma notícia fátua, algum dispositivo a nos despertar, a nos fugir a atenção, e perdemos, perdemos a chance… (Errantes do Pensamento – O Segredo de Poggio: Uma rapsódia filosófica, p. 235)
Compromissado com as temáticas da obra, o autor transmite as ideias também na estrutura da narrativa. Com narradores múltiplos, “não confiáveis” e instáveis, a obra alterna em diferentes pontos de vista entre os personagens e recorre a vozes oníricas. Ainda transita entre muitos gêneros, da carta ao poema, do romance ao ensaio, do relato clínico aos fragmentos textuais, com objetivo de retratar um fluxo de pensamento sem linearidade e um tempo não cronológico.
Ao atravessar filósofos como Gadamer, Lucrécio, Epicuro, Montaigne, Aristóteles, Nietzsche e Schelling, além de artistas como Fernanda Montenegro, Fernando Pessoa e Raul Seixas, A. A. A. Fernandes concebe um mundo onde é impossível desvincular a filosofia e a arte da essência da vida. Por meio de personagens múltiplos e reflexões profundas, ele transforma uma ala hospitalar em um protótipo de uma existência possível vinculada à ética e à sensibilidade.
FICHA TÉCNICA
Título: Errantes do Pensamento – O Segredo de Poggio Subtítulo: Uma rapsódia filosófica Autor: A. A. A. Fernandes ISBN: 978-6554285988 Páginas: 534 Preço: R$ 130,59 (físico) | R$ 19,90 (e-book) Onde comprar: Amazon
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Pensando fora da caixa: breve reflexão acerca da maternidade
11 de junho de 2023 Karla Roberta Santos Lima
Insight
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A sociedade na qual vivemos se constituiu permeada pelo patriarcalismo, que historicamente, posiciona a figura feminina em submissão a masculina, transpassada por papéis de gêneros, onde cada indivíduo deve desempenhar sua função pré-estabelecida. Para as mulheres, a maternidade por muito tempo foi classificada como uma questão necessária e obrigatória, julgava-se que, enquanto mulher, existe o dever em ter filhos, a atribuição fundamental que a vida lhe concedeu. De acordo com Caporal et al (2017), verifica-se que existe uma romantização da maternidade, colocando-a como realização da mulher, invalidando suas subjetividades e as opressões por eles experienciadas, sendo assim, mulheres que tomam a decisão de não serem mães, são pressionadas pela maternidade compulsória, considerada como o propósito inato feminino, outro fator relevante a ser citado é extrema romatização da maternidade.
Romantizar quer dizer tornar o fato mais romântico, doce ou agradável. No universo feminino, podemos perceber falas como “parem de romantizar a mulher”, abrindo discussão para o fato de que não somos diferentes dos homens: podemos falar alto, podemos não querer vivenciar o casamento e a maternidade. Então, ouvimos muito a frase: “Parem de romantizar a maternidade” como um pedido para que a sociedade mude o foco das matérias a esse respeito, ou que, pelo menos, admita que exista outro lado da maternidade que não aparece com frequência nas capas de revista. (SILVA; ARANHA, 2020, p.68).
Atualmente, mulheres ainda são cobradas, seja pela família ou amigos, com apontamentos sobre o ideal de felicidade, e que, enquanto mulher, ela só será completa quando for mãe, não é incomum que em conversas cotidianas, em que uma mulher expresse verbalmente o seu desejo de não ter filhos que frase como: “você vai mudar de ideia com o tempo”, “eu também pensava assim e hoje amo o meu filho”, “você vai se arrepender quando for mais velha”, “quem vai cuidar de você na velhice?”, “tomara que você tenha vários filhos”, entre outras frases que soam como uma maldição lançada contra aquela pessoa que escolheu não maternar.
Fonte: Alleksana/Pexels.
Outro ponto importante para se pensar é, para os homens a perspectiva é o total oposto, sempre são considerados novos demais para analisar a possibilidade de paternidade e quando eles se deparam com tal responsabilidade, grande parte a rejeita, não sendo surpreendente os inúmeros casos de abandono paterno, que mesmo sendo muito numerosos, a importância que dão para rejeição de tal comportamento não chega aos pés do mínimo da cobrança que as mulheres recebem. E além dos homens não receberem condenação familiar e social, muitas vezes ainda ouvimos discursos de defesa em relação a sua negligência.
O fato de homens mal participarem das discussões relativas à maternidade (ou mesmo à paternidade) já demonstra que não possui grande peso em suas vidas. Os raros que se apresentam como responsáveis pela maior parte da maternagem dos filhos expõem justamente a diferença na forma como são reconhecidos e tratados pela sociedade em comparação com mulheres que demonstram o mesmo envolvimento na criação dos filhos. Não relatam se sentirem oprimidos, mesmo que suas ações se distingam das de boa parte dos pais ou do que socialmente se espera que um homem faça em relação àqueles que concebe ou adota. (SOUZA, 2019, p. 66).
Quando uma mulher apresenta pensamentos relacionados a não maternidade, esses têm a tendência de incomodar, quando se adota uma postura, e um estilo de vida que não é composto por esses padrões definidos previamente. Em concordância com Rios e Gomes (2009), quando não se decidem pela maternidade, a mulher é vista socialmente com contestação, pois essa atitude vai na direção oposta ao papel social designado a mulher, dessa forma, mulheres que escolhem não ter filhos são classificadas como pessoas egoístas, entre outros atributos negativos, pelo simples fato de não quererem ser mães.
Fonte: Kassandre Pedro/Pexels.
Ainda que seja possível observar que o feminino é rotineiramente rotulado, e designada para diversos papéis ao qual a mulher é “destinada”, ao longo dos anos também é viável apontar que essa formatação vem se alterando por meio de lutas sociais relevantes lideradas por mulheres em busca de equidade e autonomia, principalmente em relação ao próprio corpo, consoante com Araújo (2014), é necessário entender a maternidade enquanto processo natural vivenciado durante a vida de uma mulher, mas não colocar esse fator como parte essencial da identidade feminina, eliminando essa ideia de que é uma parte indispensável que deve ser experienciado por todas as mulheres. A maternidade compulsória estabelece que toda mulher foi criada para ser mãe, tal ideia foi naturalizada e pouco questionada, no livro “O Segundo Sexo” Simone de Beauvoir afirma que:
(…) Não há nisso nenhum ‘instinto materno’ inato e misterioso. A menina constata que o cuidado das crianças cabe à mãe, é o que lhes ensinam; relatos ouvidos, livros lidos, toda a sua pequena experiência o confirma; encorajam-na a encantar-se com essas riquezas futuras, dão-lhe bonecas para que tais riquezas assumam desde logo um aspecto tangível. Sua ‘vocação’ é imperiosamente ditada a ela”.
Ser mãe deveria ser resultado de uma decisão individual, não uma obrigação coletiva, principalmente quando a maternidade é imposta a todas as mulheres, e é colocada como algo idealizado, e uma função essencial para completar a vida feminina, porém isso é baseada em estereótipos que não levam em conta a subjetividade e individualidade de cada pessoa, além de excluir e ignorar os inúmeros desafios que ter um filho de forma não pensada podem gerar, sustentada por essa pressão social. A maternidade deve ser realocada como um caminho possível para aquelas que querem seguir nessa direção, e as mulheres que seguirem para outros lugares não deveriam ser julgadas, cobradas ou amaldiçoadas por isso, pois a natureza de uma mulher é complexa demais para ser restrita unicamente a ser mãe, para finalizar, é sempre importante ressaltar que, as mulheres deveriam ter suas escolhas respeitadas, optando ou não pela maternidade.
CAPORAL, B. R. et.al. Romantização da maternidade: reflexões sobre gênero. XXII Seminário Institucional de Ensino Pesquisa e Extensão [Anais], 2017. Disponível em: https://home.unicruz.edu.br/seminario/anais/anais-2017.pdf. Acesso em 17/05/2023.
RIOS, M. G.;GOMES, I. C. Casamento contemporâneo: revisão de literatura acerca da opção por não ter filhos. Estudos de Psicologia, v. 26, n. 2, p. 215-225, 2009. Disponível em: https://www.scielo.br/j/estpsi/a/88yxf5HcJdYKY7DZv6ZmhDf/#. Acesso em: 27/05/2023.
SILVA; Janaina, ARANHA, Maria de Fátima. Pode uma mãe não gostar de ser mãe? as controvérsias acerca do feminino. 1. ed. Curitiba: Appris, 2020.
SOUZA, A.L.F. “Me deixem decidir se quero ou não ser mãe!”: narrativas pessoais de mulheres sobre a maternidade nas mídias sociais. Disponível em: https://app.uff.br/riuff/handle/1/14957. Acesso em: 09/06/2023.
BEAUVOIR, Simone de. O segundo sexo. Venda Nova: Bertrand, 1976.
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Pensamentos e saúde mental: existe mesmo essa relação?
A importância dos pensamentos para a “razão” é bem conhecida desde estudos filosóficos antigos. O filósofo René Descartes decretou a máxima: “penso, logo existo”, demonstrando a importância que os pensamentos têm para os comportamentos ditos racionais. A saúde mental, por sua vez, foi por muito tempo associada tanto à racionalidade quanto à normalidade. Nessas concepções, uma gama de aspectos subjetivos e afetivos fundamentais ao ser humano foram desconsiderados.
Os estudos sobre os pensamentos, emoções e saúde mental evoluíram. Hoje sabe-se que estes três elementos caminham de mãos dadas. Então como ocorre essa relação? Seriam os pensamentos positivos responsáveis pela saúde e os negativos responsáveis pelo sofrimento mental?
Bem, a relação não é tão simples. Embora muito divulgados pelas mídias populares, os pensamentos positivos não são tão poderosos assim, a menos que eles sejam baseados em fatos reais.
É fato que pensamentos modificam nosso estado afetivo, assim como estados afetivos modificam nossos pensamentos. A relação é bidirecional e complexa, pois também envolve nossa interação com o ambiente – situações que vivenciamos e a forma como as compreendemos. Além disso, nossa fisiologia também entra em curso, pois um estado de alteração orgânica – hormonal, por exemplo – pode modificar tanto nossos pensamentos, quanto nossas emoções e comportamentos.
A saúde mental consiste em um estado de equilíbrio entre todos estes elementos: pensamentos, emoções, fisiologia, comportamentos e interação ambiental. Você pode estar pensando: “puxa, que complexo isso”. Sim, de fato é complexo, mas ao longo de nossa vida desenvolvemos um padrão particular de funcionamento e, então, nosso organismo alia todos estes elementos automaticamente para conduzir-nos a um estado de equilíbrio.
Porém, muitas vezes saímos deste equilíbrio e então pode ocorrer o sofrimento psíquico na forma de ansiedade, depressão, dentre outras. Nessas situações vale a pena examinarmos nossos pensamentos e a forma como estamos percebendo a nós mesmos, aos outros e às situações em geral, pois percepções distorcidas podem conduzir a emoções negativas, o que, por sua vez, prejudica nossa interação com o ambiente, podendo dar início a um processo de sofrimento psíquico.
Uma tarefa terapêutica útil é você analisar o que está dizendo a si mesmo em situações de estresse e procurar entender as situações da forma mais realista possível, fugindo de armadilhas de pensamento, tais como:
· Acreditar que as situações são piores ou mais difíceis do que de fato são;
· Não reconhecer suas habilidades e potencialidades, julgando-se incapaz de lidar;
· Acreditar que algo de ruim aconteceu só porque você estava envolvido na situação ou só porque pensou sobre coisas ruins;
· Acreditar que se algo não aconteceu da melhor forma possível, então não tem valor etc.
Enfim, com muita frequência essas armadilhas de pensamento ocorrem, tornando distorcida nossa forma de perceber o ambiente e isto pode ser o desencadeador de um processo de sofrimento. Por isso, é muito importante cuidarmos da qualidade de nossos pensamentos se quisermos cuidar de nossa saúde mental.
O tempo era uma lesma e Manoel se arrastava com ela. Suspirou, bocejou, conteve sua vontade de olhar par o lado para não levar uma advertência: poderia ser desclassificado automaticamente. Como se ao mero sinal suspeito de movimento, um botão fosse apertado e sua cadeira pudesse cair em um infinito buraco negro. Olhou a prova, tinha que voltar sua atenção para ela.
“Assinale a alternativa que corresponda ao nome do atual Secretário da Fazenda”
Pensou…se perguntassem o nome do camisa 5 de qualquer time da primeira divisão responderia sem erro. Aliás, era bom o seu time se esforçar para sair da segunda divisão. Talvez devesse mudar de clube, não aguentava mais sofrer, “Vou escolher um time que só me traga alegria”, decidiu Manoel. Gostaria de ter satisfação, pelo menos no futebol. “Para de pensar em jogo mané, presta atenção na prova.”
“O atual Governo criou um financiamento para os Estado brasileiros chamado”
( ) PAC ( )Bolsa Família ( ) Casa Própria
“Essa eu sei”, Manoel riu preenchendo o círculo. Lembrava-se muito em quando viu a notícia no jornal da manhã, do almoço, do jantar e da meia-noite. Brincou com a sigla:
Pague As Contas, seu programa pessoal. Mas isso ia mudar, porque iria passar no concurso. Receberia mil e quinhentos reais, fora os descontos, e não trabalharia muito. Pensou em como gastar todo esse dinheiro: primeiro financiaria um carro e, depois, uma casa. E, talvez, tivesse que pedir Joana em casamento. Sete anos juntos e suas desculpas para não se ajuntarem sempre envolveram dinheiro, agora não teria para onde correr. Pensou em Joana…namoravam a tanto tempo que ele não saberia viver sem ela. Sua presença era como uma planta que tinha suas raízes nele, difícil de soltar, na verdade não queria. Não reafirmava seus sentimentos com a mesma frequência do início do romance, mas quando aqueles olhinhos amendoados imploravam, ele dizia “Eu te amo”, palavras que eram como chuva sobre a planta que ele não deixava morrer.
O fiscal da sala se levantou e foi até o quadro negro e escreveu: 16:00. “Se eu quiser já posso entregar isso e ir embora”, e ficou passando as folhas da prova entre os dedos. Sentiria falta dos amigos do seu antigo emprego. Lembrou das piadas, das brincadeiras, da cerveja gelada no fim de tarde. Até do chefe sentiria saudades, Sr. Capixaba era muito gente fina com ele.
De soslaio olhou para as carteiras que o cercavam. Os outros candidatos pareciam concentrados, “Com certeza já estavam estudando há uns dois anos para este concurso”, a tristeza caiu dissimuladamente. Manoel tinha começado a estudar há menos de dois meses, exatamente no dia que tomou conhecimento do edital. Pagou até cursinho, faltou a algumas aulas, horas de estudos que pesavam em sua consciência agora. Suspirou e bocejou. “Deve ser umas quatro e quinze agora, o jogo do domingão já deve ter começado…” pensou, recobrando o entusiasmo. “Zezinho Canhoto deve meter uns três gols no adversário hoje, mudo de time se isso não acontecer”.
O que Manoel tinha nas mãos agora era só papeis, repassou as questões rapidamente, para não perder mais tempo, “Nesse aqui acho que não vai dar para passar não”, levantou, entregou a prova e o gabarito, pegou o celular e saiu. “Da próxima vez eu estudo mais e passo, prometo. Joana espera mais um pouco”. Fez a promessa em um turbilhão de pensamentos, que logo a levaram para um espaço longínquo. Manoel já estava ligando para os amigos, queria saber quanto estava o placar do jogo.
Não lembro se já falei disto, tal como falarei agora. Caso o tenha feito, que me perdoe o leitor. É que, às vezes (às vezes?), sou mesmo repetitivo. Ora o faço por provocação (provocação tola talvez), ora, não. Involuntariamente de vez em quando, diria. Vamos lá, então. Quero falar do pensar calado. Aliás, lembro-me agora de que já tratei disso, sim, em 2008 ou 2009. Contudo, vamos lá! Não faz mal.
Fui, sempre fui, ao longo da vida, uma pessoa introspectiva. Era um menino tímido e vergonhoso, cerimonioso, sempre muito metido consigo mesmo, que pensava muito, porém calado, sem revelar o que sentia a quem quer que seja. Assim era, como ainda sou, com projeto de maior monta, mas também com coisas simples, como, por exemplo, pôr no quadro um cartaz que achara bonito.
Vem daí o não desistir facilmente dos meus sonhos, anseios, planos ou coisa que o valha. Sempre adiei muito as coisas, passava anos, pensando calado em fazer determinada coisa, levar a efeito determinado projeto. Isso é verdade. Só que adiava, mas não desistia, como ainda adio, mas, geralmente, não desisto – nem fácil nem dificilmente – dos meus projetos. Adiar, se necessário, sim; desistir, nunca! Eis aí o meu lema.
Falei de cartaz parágrafo acima porque pretendo citar um exemplo acerca do qual falei hoje cedo ao telefone com uma amiga muito querida. Refiro-me a um quadro que possuo na minha modesta biblioteca. Passei, mais ou menos, de 1992 a 2009 com ele guardado, pensando em mandar pô-lo no quadro. Um belo dia o fiz. Pode haver pequeno equívoco de datas aí, tipo 1993 ou 1994 em vez de 1992, e 2010 em vez de 2009. Mas foi isso. Um cartaz, um simples cartaz, mas eu não desisti. Demorou demais? Talvez. Penso que não, porque não havia razão para a pressa.
Muita gente, eu sei, pode pensar e dizer que isso é besteira, ou, pior ainda, que é errado. Concordo, talvez sejam mesmo as duas coisas ao mesmo tempo: erro e besteira, não necessariamente nessa ordem. É, contudo, meu jeito de ver, pensar e agir. Embora respeite a quem pensa e age diferentemente, sempre fui adepto da filosofia do antes tarde do que nunca. É! Eu sou assim mesmo, e daí? Quer ser diferente? Seja!… Às vezes, sou mesmo cínico, ou (como queiram) debochado, mas somente um pouquinho. Já me cansei de viver sempre muito seriamente e sofrer com isso.
E olhem que, um pouquinho debochado ou não, eu vivo quase a morrer de angústia, ansiedade, aborrecimentos e sentimentos que tais, com pessoas e instituições. Viver seriamente é muito difícil e penoso, não vale a pena. O outro, o semelhante, o próximo, o seu como chama, o coisa que o valha é, quase sempre, muito complicado, embora, não muito raramente, o problema esteja em nós mesmos. O outro é o bicho, conquanto, em relação aos demais, todos nós sejamos o outro. Você já pensou nisso? Se não o fez, faça-o! É muito proveitoso e leva a mudar de atitudes (às vezes, claro).
Pois é. Eu pensava calado sempre. Pensava. Isso, contudo, era quando solteiro. Agora, casado, minha mulher me obriga a pensar alto, a falar o que penso. É verdade! Às vezes, de tanto ouvi-la falar de determinados assuntos ou projetos, vejo-me obrigado a revelar-lhe que, há tempo, ando pensando sobre a mesma coisa e planejando fazer isso ou aquilo. “Quando?”, ela, quase invariavelmente, me pergunta. “Ah, isso não sei! No tempo devido”, quase invariavelmente, lhe respondo.
Não desista jamais dos seus sonhos! Antes tarde do que nunca. Eu acredito nisso. A demora, às vezes, traz benefícios. Tudo depende do caso concreto. O que não vale, repito, é desistir. Pensar e guardar em silêncio o que pensa, não raro, faz muito bem, a depender do assunto e da situação, claro.
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A arte de esquecer
18 de setembro de 2013 Valdinar Monteiro de Souza
Narrativas
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Minha alma se faz carregar exagerada e desnecessariamente com o meu apego a pessoas, lugares, instituições, coisas e acontecimentos. Sei que já está ficando chato escrever isso, mas é verdade. Sou assim mesmo e, por isso, quero mudar. Quero esquecer pessoas e quinquilharias que, por causa do meu apego a elas, têm-me perturbado a existência: preciso abandoná-las, esquecê-las definitivamente, como se não tivessem existido para mim. Cansei, porque elas me têm sido inútil e demasiadamente pesadas.
Sempre me preocupei de certa forma com o que pensamos, porque acredito que, como dizem, somos o que pensamos. Eis a razão por que muita gente não é lá coisa boa. No entanto, não sou obstinado e, não muito raramente, trato este assunto com um pouco de ironia, tal qual faço com muitos outros. A vida é muito curta, para ser levada tão a sério. E, demais disso, um pouco de ironia – quando não ofensiva, imoral ou vulgar – faz bem àquele que dela se utiliza e às demais pessoas. Eu, pelo menos, penso assim. Nada tenho, todavia, contra quem pensa diferentemente.
“Se somos o que pensamos, acho que sou um lago ou um rio, porque eu só penso água. Danou-se!” – escrevi, ironicamente, dia 5 de junho de 2012, no grupo “Pensamentos”, do Facebook, a que pertenço. Foi uma brincadeira, é claro, mas a verdade, a despeito disso, é que meu interesse pelo assunto tem-se acentuado cada vez mais, embora não saiba dizer se isso é bom ou é ruim. Não sei nem quero saber. Como disse a amiga Valéria Bargmann, ao comentar no Facebook essa minha frase, “o bom é que temos um lago cristalino de ideiase,na maioria das vezes, as pessoas nos curtem”. É isso, Valéria!
Pois bem. Comprei recentemente e li quase de uma sentada o livro A Arte de Esquecer: Cérebro e Memória, do médico e neurocientista argentino naturalizado brasileiro Iván Izquierdo. Gostei muito. “Somos o que lembramos – e também aquilo que não queremos lembrar”, já diz a capa do livro. “Cada um de nós é quem é porque tem suas próprias memórias – ou fragmentos de memórias”, está insculpido na página 16. E (para fazer apenas mais uma citação), à guisa de epígrafe, está lá na página 19: “Nada somos além daquilo que recordamos.”
Caramba! Se, de fato, somos “também aquilo que não queremos lembrar”, a situação se complica, pois eu abri esta crônica afirmando que quero esquecer pessoas e quinquilharias inúteis que se me têm tornado pesadas. Quero esquecê-las, como se nunca tivessem existido para mim, para me sentir livre e leve. Pelo visto, ainda assim estarão comigo, porque continuarei sendo elas. Qual é, doutor Izquierdo?…Não, isso não! Estou fora! Não aceito isso, não! “Cai fora, jacaré, porque aqui ninguém te quer!”
Brincadeiras à parte, entendi muito bem o que Iván Izquierdo quis dizer. Aliás, quis dizer, não: escreveu, afirmando e fundamentando (o que é muito diferente de querer dizer). Claro, ele o disse fundamentadamente, e eu concordo com ele. Quero, por tudo isso, continuar pensando água. Aliás, o mesmo que a Valéria Bargmann quer fazer, segundo afirmou no mesmo comentário doFacebook que citei acima.
Foto: Irenides Teixeira
Sou um lago, ou um rio (de águas cristalinas, espero), porque só penso água. E escrevo baboseiras. Será?!… É brincadeira, penso que não.