Os perigos escondidos atrás da série Round 6

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Sucesso de audiência entre os assinantes, da Netflix, a série sul coreana, Round 6, conquistou o público ao propor uma gincana assombrosa com centenas de participantes, que aceitaram participar do jogo pelo prêmio milionário, o qual poderia mudar a vida de quem vencesse.  No entanto, os candidatos não sabiam que quem perdesse a partida, que simulavam brincadeiras de crianças, morreria, no final de cada jogada. Uma série interessante, voltada para o público adulto, mas que chamou à atenção e virou febre entre a garotada. Fato que preocupou pedagogos e médicos

Foi sobre essa série, dividida em 9 capítulos, que diversas escolas brasileiras enviaram alerta para os pais sobre os riscos que o seriado poderia ocasionar as crianças, que estão em fase da construção da identidade, bem como processo de ensino aprendizagem. Conforme, matéria publicada pelo jornalista, Gustavo Cunha, no Jornal O Globo (2021), uma escola do Rio de Janeiro, fez uma carta aberta dirigida aos pais sobre os perigos, em que os filhos poderiam ser expostos com ao assistirem a série.

A preocupação do estabelecimento educacional foi informar aos responsáveis que a narrativa, que tornou assunto entre os alunos do ensino fundamental, contém conteúdo com cenas explícitas de violência, tráfico de órgãos, tortura psicológica suicídio, além de palavras de baixo calão. Ainda de acordo com a reportagem do jornal, O Globo, as crianças estavam simulando, no horário do recreio, as supostas brincadeiras infantis, que fazem menção ao assassinato dos perdedores do game.

Fonte: Divulgação/ Netflix

 Moran (1991) adverte que, a maioria das crianças passa longos períodos do dia confinadas em apartamentos, “sem espaço de interação com outras crianças, enquanto os pais trabalham fora”. A televisão passa a ser uma opção, principalmente para os que não tem outras opções (Moran, 1991). “A televisão é agradável, não requer esforço e seu ritmo é alucinante”.  Situação que foi agravada com a pandemia da Covid-19, já que as crianças tiveram que ficar em casa, a maior parte do dia, bem como passaram a ter aulas online.

Nessa mesma percepção, Bee (1996) enfatiza que o principal método de aprendizado das crianças menores é a observação e imitação.  O consumo televisivo, geralmente acrítico e passivo, exerce interferência decisiva na representação que a criança faz da realidade. “Tanto os comportamentos positivos como os agressivos são imitados por crianças que veem televisão já aos 14 meses de idade”.  (Bee, 1996)

O formato convencional televiso sofreu modificações, nos últimos anos, com a revolução digital, hoje é possível assistir TV, por meio dos celulares, notebooks entre outros aparatos tecnológicos. Além disso, as pessoas têm optado por assinaturas de streaming, serviços de transmissão de séries e filmes, por meio da internet. Foi-se o tempo, em que as famílias se dirigiam as locadoras, para alugarem o filme desejado. Toda essa mudança, impactou diretamente o modo de vida do público infantil, pela facilidade ao acesso, de todo tipo de conteúdo.

Fonte: Imagem de Freepik

 Nesse sentido Mattos (2013) aponta que, “a era digital é um momento de novos desafios para as mídias tradicionais e também para a análise de dados devido ao volume, variedade e velocidade com que são produzidos e distribuídos.” Ou seja, o universo digital é um desafio para todos, devido ao grande volume de informação produzido diariamente. Um desafio para os pais e professores no processo de formação de um cidadão saudável e produtivo, devido a exposição excessivamente das crianças e do adolescente.

O Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), em seu artigo 4º, diz que é dever da família, da comunidade e sociedade assegurarem a dignidade, a educação, o respeito, da criança e do adolescente. Nesse aspecto, é dever dos pais observarem o que os filhos têm consumido, e não deixar a cargo dos educadores, a formação dos filhos. Por isso, fica o alerta sobre a exposição dos filhos em frente, não só a televisão, mas também, em relação a internet, que para muitos é terra sem lei.

 

REFERÊNCIAS

Brasília, Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). Lei de Nº 8.069. Promulgada, em 13 de julho, de 1990.

BEE, Helen. A Criança em Desenvolvimento. 7. ed. Porto Alegre. Artes Médicas, 1996.

Jornal, o Globo: Carta de escola carioca, alertando os pais sobre o Round 6 Disponível em <https://oglobo.globo.com/cultura/carta-de-escola-carioca-alertando-pais-sobre-round-6-viraliza-ganha-apoio-de-pediatras-do-rio-25226571> Acesso: 29. De out, de 2021

Mattos, Sérgio (2013). A Revolução Digital e os Desafios da Comunicação. Disponível em <http://www.repositorio.ufrb.edu.br/bitstream/123456789/766/1/a%20revolucao%20digital%20e%20os%20desafios%20da%20comunicacao(1).pdf> Acesso: 29, de out de 2021.

MORAN, José Manuel. Como ver Televisão: Leitura Crítica dos Meios de Comunicação. São Paulo. Editora Paulinas, 1991.

Revista Eletrônica, Uol. ‘Round 6’: no Brasil não faltariam candidatos ao jogo macabro da Netflix. Publicado 10 de out, de 21. Disponível em https://economia.uol.com.br/colunas/carlos-juliano-barros/2021/10/19/round-6-no-brasil-nao-faltariam-candidatos-ao-jogo-macabro-da-netflix.htm >. Acesso: 29, de out, de 2021.

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Bird Box: o apocalipse e os sentidos além da visão

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Muito mais do que apenas uma história de suspense, Birdbox chama a atenção por sua carga dramática, além de fugir de narrativas usuais ao nos apresentar uma história em que o perigo é desconhecido tanto aos personagens como ao próprio espectador

Lançado no final do mês de dezembro, o filme “Bird box”, baseado no romance homônimo de Josh Malerman, sob a direção de Susanne Brier e estrelado por Sandra Bullock, nos apresenta uma história permeada por muito suspense e drama. Seguindo boa parte da narrativa do romance, Bird box constrói, logo no começo do filme, uma atmosfera de tensão que é sustentada até o momento do clímax.

As vivências da personagem principal ao longo das duas horas de filme são intensas e caóticas, e acompanhamos sua evolução ao longo de toda a história, perpassando sua vida antes dos eventos retratados no filme, suas vivências durante e após esses eventos e, como um dos focos principais da história, sua jornada durante a travessia a barco no rio.

Muito mais do que apenas uma história de suspense, Bird box chama a atenção por sua carga dramática, além de fugir de narrativas usuais ao nos apresentar uma história em que o perigo é desconhecido tanto aos personagens como ao próprio espectador, que possui a liberdade de formular teorias a respeito dos eventos do filme. Conservando a fidelidade à história de Josh Malerman, mas adicionando novos elementos que agregam ainda mais suspense à narrativa, o filme acerta em diversos pontos e nos permite também tecer algumas reflexões, que serão discutidas ao longo do texto.

Fonte: https://bit.ly/2F4mqgA

Resumo do Filme

*Os parágrafos a seguir contém spoiler, se você ainda não assistiu ao filme pode seguir para o próximo tópico.

A história gira em torno de uma catástrofe que, progressivamente, acomete o mundo inteiro: uma força ou entidade desconhecida que, quando entra em contato com os seres humanos através da visão, os leva à loucura e consequentemente ao suicídio. A personagem principal, Malorie, ainda no início do filme, se vê no meio de uma situação caótica e extremamente perigosa após sair de uma consulta com sua irmã, para tratar de sua gravidez.

As ruas estão tomadas pela loucura e o desespero, carros capotam, colidem uns nos outros, e pessoas cometem suicídio de maneira desenfreada. Em um dado momento, sua irmã, que estava dirigindo, enxerga alguma coisa antes de lançar o carro com força no asfalto e capotar. As duas sobrevivem ao acidente, mas a irmã de Malorie se atira em frente a um caminhão em movimento. Desnorteada, Malorie vaga pelas ruas e segue uma multidão de sobreviventes até chegar a uma casa cheia de pessoas refugiadas. Os próximos dias de sua vida passam a ser totalmente condicionados a sobreviver, utilizando vendas para proteger a visão, fechando todas as portas e janelas, e nunca saindo de casa, a não ser para buscar suprimentos.

Fonte: https://bit.ly/2H2gx5w

Com o passar dos dias, mais pessoas chegam até a casa, entre elas, Olympia, outra mulher grávida, e, mais tarde, Gary, um homem que diz ter sido vítima de pessoas que andam pelas ruas sem vendas e não são afetadas. Malorie estabelece uma relação de afeto principalmente com Tom, que assume a postura de liderança do grupo, e com Olympia, dividindo com ela os momentos de gravidez. Um dos momentos mais importantes do filme se dá quando, numa visita ao mercado para buscar suprimentos, Malorie e os outros sobreviventes encontram uma caixa de pássaros que fazem barulho quando sentem o perigo por perto. Malorie leva a caixa para o seu novo abrigo.

Um após outro, ao longo do filme, seus amigos são acometidos pelo mal das ruas, uns tentando descobrir a origem da situação, outros durante a busca de suprimentos, e, a maioria deles por causa de Gary, que revela ser uma das pessoas que não se afetam com a loucura, provavelmente por já serem loucos. Enquanto Olympia e Malorie entram em trabalho de parto, Gary força os moradores a encararem o mundo de fora, abrindo as janelas e desprotegendo seus olhos. Todos acabam morrendo, com exceção de Tom, que consegue deter Gary, matando-o. A filha de Olympia passa a ficar sob os cuidados de Malorie, que a assume também como filha.

Anos depois, Tom e Malorie desenvolvem uma relação romântica e passam a traçar um plano para chegar até um abrigo onde supostamente haveria mais suprimentos e melhores condições de vida, conforme informado através de uma transmissão radiofônica. Malorie treina as crianças para identificar sons e andar vendados. Após algumas pessoas invadirem o lugar onde Tom e Malorie haviam buscado suprimentos, ele pede que ela fuja com as crianças e enfrenta os invasores, conseguindo deter todos antes de ser acometido pela loucura e cometer suicídio.

As cenas do rio, que ganham foco ao longo do filme, mostram Malorie e as crianças fugindo de barco para chegar até ao abrigo, levando também a caixa de pássaros. Os três enfrentam muitos perigos, incluindo o ataque de uma das pessoas que andam sem vendas. Após dias de uma viagem exaustiva, os três chegam à terra firme. Em um dado momento, Malorie se separa de seus filhos. Vários sussurros ao redor da floresta orientam as crianças a tirarem suas vendas, muitas vezes imitando a voz de Malorie. Numa cena emocionante, Malorie consegue se reunir com as crianças antes que estas fossem enganadas pelos sussurros. Os três são perseguidos pela força desconhecida, até que conseguem chegar ao abrigo.

Fonte: https://bit.ly/2AtEEUR

O final do filme nos presenteia com cenas carregadas emocionalmente. Descobrimos que o abrigo é, na verdade, uma escola para cegos. Ryan, o homem responsável pelo lugar, assim como outros sobreviventes, é cego. A cena final, a cereja do bolo do filme, mostra Malorie libertando os pássaros da caixa e nomeando seus filhos pela primeira vez, como uma homenagem a seus falecidos companheiros: Olympia e Tom.

Os sentidos além da visão

Um dos temas mais interessantes tratados em “Birdbox” é, sem dúvidas, a utilização dos sentidos além da visão, que é, na maior parte do tempo, nossa fonte principal de informações do ambiente. Malorie e os sobreviventes precisam confiar em seus outros sentidos, principalmente o tato e a audição, para se deslocarem com segurança fora do abrigo. A constante ameaça de um perigo desconhecido para todos é um dos maiores fardos que os personagens carregam na história, com o acréscimo de não poderem enxergar o mundo e suas formas como haviam feito durante toda a vida, a não ser dentro da segurança de seus lares e abrigos.

Trazendo para a realidade, é compreensível a dificuldade em se adaptar com a ausência da visão. Para quem conhece o mundo com os olhos, a ideia de não poder enxergar pode ser horripilante. Expostos a essas condições, os filhos de Malorie, anos após os eventos, se submetem a um exaustivo treinamento imposto pela mãe com o objetivo de se adaptarem ao ambiente utilizando os outros sentidos. Com um faro apurado, uma audição funcional e detalhista e uma capacidade de reconhecer objetos e coisas com o toque, as crianças de Malorie passam a conhecer o mundo como se, de fato, a visão não fosse uma opção.

Privados de sair de casa, suas vidas por quatro anos eram limitadas ao ambiente do abrigo, e o que havia fora desse espaço, todas as formas, cores e aspectos do mundo, eram elementos desconhecidos a seus repertórios. O contato com o ambiente externo, durante a jornada pelo rio, foi o desafio final da família, onde suas habilidades com os outros sentidos foram colocadas à prova uma última vez.

Fonte: https://bit.ly/2VoJ8VA

O maior perigo de todos, silencioso e permeado por mistério, não seria uma ameaça desde que a visão dos sobreviventes estivesse protegida. Entretanto, atravessar um rio em que algumas partes há correnteza, no meio de uma floresta, expostos não só a predadores como também às pessoas que andam desvendadas, é uma jornada extremamente perigosa por si só.

Confiando em seus sentidos, Malorie e as crianças conseguem enfrentar cada um dos desafios que surgem à medida que avançam em direção ao destino final. Uma das cenas que mais demonstram o laço afetivo que une os três, muito além da relação entre mãe e filhos, mas contemplando um vínculo de sobrevivência e interdependência, retrata Malorie chamando por seus filhos, perdidos na floresta e prestes a serem enganados por vozes que enganam seus sentidos. Usando nada além de sua voz para guiar os filhos, Malorie consegue trazê-los para seu lado novamente, demonstrando a minuciosidade da audição das crianças, que conseguem distinguir a verdadeira voz da mãe das vozes da floresta.

A sobrevivência de Malorie e dos outros personagens do filme depende da utilização dos outros sentidos para suprir a falta da visão, e essa condição que os mantém vendados é um dos pontos altos da trama. O modo com que as crianças aprendem a viver sob condições adversas para garantir a própria sobrevivência é, sem dúvidas, tocante. Traçando paralelos com a realidade, é possível estabelecer comparações com pessoas cegas, tanto as que nascem sem a visão como as que perdem esse sentido durante a vida. Em ambos os casos, faz-se necessária a aprendizagem de novos repertórios comportamentais de modo a melhorar a adaptação ao ambiente, assim como representado na trama.

Fonte: https://bit.ly/2BX61Xq

As Crianças do Apocalipse

Outro tópico presente no filme que nos leva a refletir, é o modo como as crianças da história conhecem o mundo e se desenvolvem nele. Privadas de uma infância normal e saudável, apenas condicionados a sobreviver, os filhos de Malorie nunca tiveram a oportunidade de ver e explorar o mundo, brincar com outras crianças e conhecer o que havia além do ambiente do abrigo. Os poucos momentos de descontração que viveram, ainda sob um clima de tensão, foram os partilhados com Tom, que, mesmo em condições caóticas, tentava trazer às crianças um resquício de esperança e um resgate de uma possível infância saudável, contando histórias sobre o mundo antes da situação apocalíptica em que eles se encontravam.

O modo como Malorie tratava os filhos, no entanto, quebrava os momentos de doçura proporcionados por Tom, trazendo o gosto amargo da luta pela sobrevivência, algo que se tornou essencial, indispensável e prioritário na vida de qualquer um após os eventos que devastaram a humanidade na história do filme, incluindo as crianças.

A maneira como Malorie decidiu criar os filhos, apesar de não reservar muito espaço para a afetividade, demonstra sua preocupação maior com o futuro destas. Sua postura ríspida, autoritária e exigente retira delas o que há de mais instintivo no ser humano: a autopreservação e o desejo de sobreviver. Podem ser tecidas críticas acerca desse modo de lidar com os filhos, que, apesar de sobreviventes de um apocalipse, continuam sendo crianças acima de tudo, mas é inegável que Malorie, do seu próprio modo, priorizou a sobrevivência dos filhos, demonstrando assim sua preocupação e amor com eles, o que se torna ainda mais claro durante a cena em que os três se reencontram na floresta, abraçando-se com afetividade.

O fim da luta pela sobrevivência se dá quando Malorie e os dois chegam ao destino final, a escola para cegos. É o primeiro momento em que as crianças podem tirar suas vendas sem a preocupação de sofrerem com os horrores do mundo tomado pelas criaturas. Assim como os pássaros são soltos da caixa, as crianças também tornam-se livres, nesse momento, para serem crianças. É o ponto da trama onde percebemos que Malorie, muito além do que poderia desejar ou fazer para criar seus filhos com afeto, precisou ser rígida e menos amável com os dois para que pudesse viver uma vida construída com relações afetuosas posteriormente, quando não houvesse uma questão maior em jogo. Medidas drásticas e urgentes, mas necessárias dentro do contexto em que as crianças estiveram expostas durante todos os anos.

Fonte: https://bit.ly/2LTcyXG

Crítica

O filme, apesar de apresentar novos elementos à trama, consegue se manter fiel à história do livro. Inicialmente a duração de duas horas pode assustar, mas o enredo flui de maneira coesa, de modo que elas não parecem tão longas quando o filme chega ao fim. Um dos pontos altos é, sem dúvidas, a cena apocalíptica do começo do filme, onde Malorie perde a sua irmã.

Nesse momento, somos presenteados com uma grande dose de suspense e ação, o que atiça nossa curiosidade e eleva o interesse pela história. Os próximos minutos, nas cenas do abrigo, podem parecer mais lentos, pois a ação dá lugar a uma atmosfera de mistério que deverá ser explorada ao longo da história, mas são momentos essenciais para a trama, pois Malorie conhece o lar onde deverá morar pelos próximos quatro anos e também as pessoas que dividirão a casa com ela.

Para quem nunca leu o livro, as cenas da travessia do rio podem parecer, a princípio, deslocadas e confusas, pois o fato delas serem intercaladas com as cenas do passado podem deixar o espectador confuso quanto ao momento em que elas se passam, mas não é um grande problema para o desenrolar da trama, visto que fica nítido ao longo do filme que as cenas do rio se passam após os eventos do abrigo. Uma grande sacada do filme e também um elemento que não estava presente no livro, é o momento em que Malorie e os filhos descem do barco e adentram a floresta. São cenas de tensão onde o destino dos personagens está por um fio. A resolução do problema, que se dá quando os três chegam ao destino final, encerra a história com maestria e emoção, exatamente como no livro.

Um dos tópicos que poderiam ser melhor explorados no filme, que estavam mais presentes na história do livro, é a culpa que Malorie sentia ao tratar os filhos da maneira que tratava. Entretanto, esse sentimento fica nítido em alguns momentos, como no final do filme, quando a personagem dá nome aos filhos pela primeira vez.

O sucesso de Bird Box se deve, entre outros fatores, ao clima de suspense e mistério que permeia a história, que prende tanto quem nunca leu o livro e/ou não conhece a história como os que já leram. Apesar de dividir opiniões, o filme gera curiosidade, o que, sem dúvidas, levou as massas a consumi-lo. A liberdade de criar teorias e explicações sobre os eventos do filme também divide as opiniões de quem assiste, além de acentuar o interesse geral pela história. É inegável dizer que Birdbox encerra 2018 deixando um legado, positivo para uns e negativo para outros, mas, sem dúvidas, um marco de uma história carregada de suspense e mistério, além de trazer uma proposta pouco vista até então, que deverá influenciar futuramente outras histórias.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

BIRD BOX

Título original: Bird Box
Direção:
Susanne Bier
 Elenco:  Sandra Bullock, Vivien Lyra Blair, Julian Edwards, Trevante Rhodes;
País: Estados Unidos
Ano: 2018
Gênero: 
Drama, Suspense

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Kim Kardashian e o perigo do narcisismo nas redes sociais

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Especialista explica como isso se dá e por que ​pode ​ser uma armadilha para a pessoa.

Kim Kardashian é uma personalidade conhecida por ser uma narcisista assumida. A bela já declarou ter tirado mais de 6 mil selfies durante as viagens que fez. Além disso, já estrelou um comercial fazendo piada do próprio narcisismo e ensinou em vídeos na web como fazer a selfie perfeita.

Para o psicanalista João Nolasco, do Instituto Brasileiro de Psicanálise Clínica, Ciências Humanas e Sociais (IBRAPCHS), o narcisismo surge na mitologia grega onde um jovem chamado Narciso se destacava por sua beleza. Ele atraia o amor de muitas mulheres, porém sofria de um forte amor e admiração pelo próprio corpo, e com isso não conseguia aceitar o amor de ninguém. “Conta-se que um belo dia ao ver seu reflexo num lago ficou tão excitado com sua imagem que se lançou morrendo afogado. ”

Fonte: https://goo.gl/6p6s4U

– Narcisismo também pode ser definido como um conceito da psicanálise que define o indivíduo que admira exageradamente a sua própria imagem e nutri uma paixão excessiva por si mesmo.  Para Freud o tema é uma característica normal em todos os seres humanos e está relacionado com o desenvolvimento dos desejos”.

Para João, as redes sociais são as vitrines para a apresentação do “Eu idealizado”, ou seja, onde se tem a oportunidade de vender uma imagem para obter poder, glamour e amores. “Temos, hoje, um padrão de comunidade virtual onde o que adquire maior adicionamentos, curtidas e comentários torna-se celebridade”.

O psicanalista diz que pessoas como a Kim se consideram as melhores no que fazem, são vaidosas e gostam de ser aplaudidas e bajuladas. Ele diz que todo ser humano possui características narcísicas desde os primeiros meses de vida. “Mas é possível superar essa fase se a criança tiver um desenvolvimento sadio”.

– Caso contrário, poderá se tornar uma pessoa com a autoestima vulnerável, tornando-se muito sensível a críticas e a opiniões contrárias as suas – reflete.

No entanto, a exposição excessiva traz alguns perigos. Por exemplo, a socialite sofreu, em 2016, um assalto milionário em que virou refém de homens armados em Paris. Para Nolasco, as redes sociais muitas vezes se tornam uma espécie de diário que desperta a curiosidade dos outros.

– Não tem como ter o controle de onde as imagens podem chegar, tão pouco das interpretações e pensamentos de quem está visualizando. Esta exibição faz com que a pessoa fique à mercê de qualquer situação, principalmente a este tipo de risco como no caso dela – alerta.

Para se prevenir disso, o psicanalista destaca que a primeira a dica é não postar tudo o tempo todo, como por exemplo, o local onde está, onde trabalha ou o que está comprando. “Assim dificulta situações de risco como as vividas pela famosa”.

Fonte: https://goo.gl/6XtVLc

Segundo Nolasco existe cura para o narcisismo. Para isso, é necessário reconhecer a doença. “ É preciso aceitar e procurar ajuda com psicanalistas e/ou psiquiatras”, responde.

João alerta ainda que é importante ir em busca de uma estabilidade emocional. Para Nolasco, o melhor caminho é o gerenciamento das emoções. “Isso só possível quando nos dedicamos a reconhecer nossas limitações, sentimentos e emoções”.

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Mentes Perigosas: risco é real de psicopata viver a seu lado – (En)Cena entrevista a Dra. Ana Beatriz Silva

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Autora do best seller “Mentes Perigosas” e de outros títulos de grande impacto editorial, como “Mentes Consumistas”, “Mentes Inquietas” e “Bullying”, com mais de 1,5 milhões de livros vendidos, a psiquiatra carioca Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva veio a Palmas recentemente, a convite da Laica – Liga dos Amigos do Idoso, Criança e Adolescente, para a palestre “Mentes Perigosas”, num evento de cunho beneficente, realizado no Cristal Hall e que contou com o  apoio do Ceulp/Ulbra (curso de Psicologia) e da GEP Livraria, dentre outros.

Reprodução do livro
Reprodução do livro

A Dra. Ana Beatriz é médica graduada pela UERJ (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), com pós-graduação em psiquiatria pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), e é professora Honoris Causa pela UniFMU (SP). Preside a AEDDA – Associação dos Estudos do Distúrbio de Déficit de Atenção (SP), e é diretora de uma clínica que leva o seu nome, no Rio de Janeiro, além de escritora, palestrante, conferencista, e consultora de diversos meios de comunicação, sobre variados temas do comportamento humano. Em Palmas, a Dra. Ana Beatriz concedeu uma entrevista exclusiva ao Portal (En)Cena, cuja íntegra segue abaixo.

(En)Cena: Em linhas gerais, qual a tônica da palestra “Mentes Perigosas”?

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: O meu foco foi sempre trazer o conhecimento científico, de caráter técnico, para uma linguagem abrangente e basicamente para o público leigo. Mantenho um rigor científico, mas uso uma linguagem que aproxima este conhecimento do grande público. Eu acredito que se você pega um conhecimento, sistematiza-o mas não tem capacidade de propagá-lo, ele fica na estante. E um livro tem de sair da estante, pois ele é uma obra que não se realiza em si; isso só ocorre quando ele começa a circular pelas mãos dos leitores, daí o conhecimento começa a se propagar. A palestra “Mentes Perigosas” é baseada eu meu livro homônimo. E o objetivo é fazer com que mais pessoas conheçam sobre a psicopatia, de forma clara e abrangente.

(En)Cena: Fale-nos um pouco mais sobre o livro “Mentes Perigosas”.

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: É um livro do final de 2008 e início de 2009. Já passou por uma revisão, e veio para falar sobre psicopatia. Durante muito tempo as pessoas não tinham uma noção exata do que se tratava esse transtorno, e normalmente associavam-no com uma doente mental. Porque o nome psicopata dá esta dubiedade. Mas diferente do que o nome possa indicar, a psicopatia é antes de tudo um transtorno de personalidade, ou seja, é uma maneira de a pessoa ser, no seu funcionamento cerebral.

(En)Cena: Explique-nos com mais detalhes como funciona este funcionamento cerebral do psicopata.

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: A pessoa já nasce com uma tendência a agir com quase 100% de razão e nenhuma emoção. E o que significa isso? Que são pessoas absolutamente frias, calculistas e que não consideram o outro. Ou seja, não têm o sentimento da empatia, não se colocam no lugar do outro. Não têm remorso ou arrependimento. São pessoas que basicamente veem no outro não alguém, mas um objeto de uso. E objeto de uso para quê? Para três funções específicas: status, poder ou diversão.

(En)Cena: Então a pessoa já nasce psicopata? Esta é uma condição apriorística?

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: Na psicopatia legítima, sim. Mas existem gradações, não há dúvida. Eu falo no livro e nas palestras, de que tudo no comportamento tem um grau. Temos que pensar o comportamento humano como aquela luz que tem o dimmer. É o conceito do espectro, os tons… você tem desde o mais leve, passando pelo moderado e, enfim, culminando no mais grave. Dentro da psicopatia vamos ver que os mais graves seriam o que todo mundo mais ou menos já ouviu falar, já conhece, que são os serial Killers. São pessoas com uma enorme indiferença afetiva – sem a capacidade de vincular a existência do outro…

Entrevista ao (En)Cena, na Livraria GEP – Foto: Douglas Erson

(En)Cena: Mas de que forma eles se apresentam? Como eles “transitam” socialmente? Há variações, também, no comportamento?

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: Nunca se percebe quando se cruza com um psicopata. Ele não é aquela pessoa que tem cara de mau, muito pelo contrário. Todos são extremamente sedutores e dissimulados. Para se ter uma ideia, a falta de empatia – que é essa capacidade de você se colocar no lugar do outro, sofrer pelo outro – é tão grande que existem estudos recentes – e eu nem coloquei ainda na última revisão de “Mentes Perigosas” –, de pouco mais de um mês atrás, que indicam que os psicopatas são capazes de não reagir quando alguém boceja perto. Esta reação (de bocejar quando alguém também o faz) é instantânea, pois o cérebro associa o sentimento do outro e se contagia. É tamanha a indiferença com o outro que não há a empatia nem o bocejar. Então não esperem do psicopata aquele cara mal trajado ou alguém com cara de vilão. Pelo contrário, ele vai ser alguém que entra na vida das pessoas sempre de forma benquista.

(En)Cena: E existe um padrão de “ataque”?

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: Sim, eu costumo dizer que existe o “171 afetivo”, que são aqueles homens que vão a lugares estratégicos seduzir mulheres, por exemplo em aeroportos, locais turísticos, etc. É muito comum você ver aqueles homens que ficam ali esperando uma mulher sozinha, ou mesmo duas ou três mulheres, para que eles possam seduzir. E todo bom psicopata se apresenta para você exatamente como você quer que ele seja. Não podemos esquecer que o psicopata é quase que exclusivamente razão, e sem nenhuma emoção. Então ele sabe o que você está pensando.

(En)Cena: Então todo psicopata é absolutamente zero de emoção?

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: Depende da gravidade. Daí voltamos para aquela ideia de gradações. Mas sempre temos que pensar o psicopata como alguém que tem um cérebro que funciona quase que com a emoção zerada, e com a razão quase a 100%.

(En)Cena: Os dados gerais apontam que 4% da população mundial tem algum nível de psicopatia. Há dados específicos sobre o Brasil?

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: Não, não temos. O Brasil se baseia muito nas pesquisas que são realizadas nos Estados Unidos, na Inglaterra, na Austrália e principalmente no Canadá, onde você tem o psicólogo Dr. Robert Hare que revolucionou os estudos e pesquisas em psicopatia. Ele conseguiu desenvolver, dentro dos sistemas penitenciários, um check-list, que chamamos de escala Hare – em homenagem a ele, obviamente – onde se é capaz de diferenciar os presos que são psicopatas dos presos não psicopatas. Então se chegou ao número de que 20% da população carcerária é psicopata. E 20% destes 20% respondem pelos crimes mais pavorosos e hediondos que a gente possa imaginar. A reincidência dos psicopatas também chega a ser de duas a três vezes maior do que a dos outros presos. Então se você for espremer isso tudo, estamos falando em diferenciar os presos recuperáveis dos não recuperáveis, porque hoje estão todos juntos. O sistema penitenciário, hoje, não tem a função que deveria ter, que é recuperar os recuperáveis. Pelo contrário, os recuperáveis acabam se tornando soldadinhos dos psicopatas.

Fonte: R7

(En)Cena: Então, por tudo isso que a senhora nos disse, é quase que uma situação de irreversibilidade em relação à psicopatia.

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: Olha, até hoje não há nenhum indício de recuperação. É importante destacar que há pessoas que têm atitudes psicopatas de forma isolada. O transtorno de personalidade é uma maneira de ser. Então quando for feita uma avaliação, ela sempre será do conjunto da obra, não de uma atitude isolada. Por exemplo, há casos em que uma pessoa ensandecida pelo ciúme tem uma atitude psicopata. Peguemos o caso de um homem que tem um ataque de ciúmes e machuca sua companheira. Isso, isoladamente, é uma coisa grave, uma lesão corporal. Mas se o modo dele ser, no geral, não é assim, e ele demonstra arrependimento real, a gente não pode dizer que ele é um psicopata. Os estudos mostram que 25% dos agressores de mulheres são psicopatas, ou seja, a grande maioria não é. E daí você vai ver que estes 25% são aqueles agressores contumazes, recorrentes. Quando se puxa a ficha desses caras eles já foram denunciados não sei quantas vezes, e só muda de mulher e de Estado. E como não há, ainda, a comunicação entre as polícias de forma mais eficaz, neste país gigante que é o nosso, fica difícil identificar estas pessoas já de primeira. Porque o diagnóstico de psicopatia se faz do histórico de vida da pessoa. Por exemplo, um psicopata de 20 anos já tem uma ficha corrida. Pode até ser que não haja uma ficha criminal, mas ele já tem uma história para contar. Já vai aparecer gente para descrever que, desde criança, dada pessoa já fez tentativas de estupro, ou que na adolescência já começou a roubar, etc.

(En)Cena: E na infância, é possível identificar alguns traços?

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: Aí há um cuidado a mais sobre este assunto. Por exemplo, é muito comum que os pais presenteiem seus filhos com bichinhos de estimação. E é muito capaz que a criança acabe machucando-os, pela ânsia de brincar, já que têm enorme energia. Mas é muito fácil perceber que a criança que tem sentimento, que tem sensibilidade, ao machucar o seu cachorrinho, por exemplo, e ver que ele está sofrendo, ela fica extremamente ressentida, ela fica muito mal. Eu já vi uma criança que chegou para mim e disse: – “Eu machuquei o meu cachorro sem querer, foi sem querer. Ele vai morrer?”. Ou seja, há uma ânsia de se justificar. Uma criança que não tem essa percepção, ela não vai ter a mesma reação. Pelo contrário, ela vai sentir certo prazer com isso e vai tentar repetir. Na série Dexter, por exemplo, o pai chega para o filho ainda criança (o personagem principal, o psicopata Dexter Morgan [Michael C. Hall]) e pergunta se foi ele que matou o cachorro da vizinha. Depois de um tempo insistindo na pergunta, ele acaba por dizer que a mãe estava reclamando muito do cachorro, que fazia muito barulho. Quando finalmente resolve dizer que matou o cão, e perguntado do por que ter feito aquilo, ele diz que queria ver como era um cachorro sofrendo, morrendo… Então até os 5, 6 ou 7 anos de idade, a criança com uma tendência à psicopatia ainda não tem a habilidade de mascarar os seus sentimentos. E se você vai perguntando, ela fala!

Eu lembro de que um casal que levou um garotinho, um filho para que eu atendesse. Na casa, eles tinham um Yorkshire e uma irmãzinha recém-nascida, de 8 meses. E um dia pegaram esse garotinho jogando talco no rosto da bebê. Quando ele foi pego, tentou se desculpar dizendo que tava colocando talquinho para trocar a fralda. Mas no nariz?! Os pais acharam aquilo estranho. Mais à frente, o flagraram beliscando a menina. Até aí, tudo bem! Poderia ser ciúmes… no entanto, num fatídico dia ele pegou o cachorrinho Yorkshire e jogou do 8º. andar. O vizinho viu aquela cena. Quando eu perguntei para ele por que havia feito aquilo, ele disse que “só queria ver como é que era um cachorrinho sofrendo e sentindo dor”. Ele falou isso de uma maneira natural. É claro que se fosse hoje provavelmente ele não diria isso, pois já desenvolveu a habilidade da mentira. Então este instinto deles (dos psicopatas) é muito claro, desde o início. Inclusive há algumas pesquisas que mostram que a partir dos 8 meses o bebê humano pode identificar a empatia. Então digamos que você pega uma criança no colo e leva até uma pracinha. Lá, se ela ver uma criança cair e chorar, na mesma hora o bebê já estabelece uma conexão e percebe que algo desagradável está acontecendo. É comum que eles comecem a chorar também. Já a criança com a tendência psicopata não tem esta conexão.

Mas é preciso ter cuidado. Por exemplo, não se faz diagnóstico de psicopatia na infância, só após os 18 anos. Por quê? Porque pode ser que a criança apresente características que sugerem que, no futuro, desenvolva a psicopatia. No entanto, até os 18 anos essas dinâmicas são nomeadas como transtornos de conduta. O cérebro passa por dois grandes momentos de amadurecimento, sendo um entre os cinco e sete anos, e outro entre 17 e 20 anos. Mas isso é só para haver um padrão, uma marcação média. Porque tem crianças que vão ter esse amadurecimento com 14 anos, e têm pessoas que nem com 28 anos vão ter. Levando-se em conta isso, em alguns países não se fala mais na questão da maior ou menor idade. O que se tenta descobrir é se a criança tem consciência do que ela fez, se ela tem capacidade de entender o que ela fez. E se ela tem capacidade de ter noção da gravidade do que ela fez.

Foto: Reprodução TV Globo

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva:  Tem um caso clássico, que eu até coloquei em “Mentes Perigosas”, que é de duas crianças – à época uma de 12 e outra de 8 anos – que roubam um bebê de uma mãe que está numa sorveteria, e o levam para os trilhos de um trem e deixam-no lá para morrer. Essas crianças foram pegas depois, e em juízo, ao indagadas por que fizeram aquilo, disseram que queriam ver como era um neném explodir. Então existem graus de indiferença com o outro que só um psicopata é capaz de fazer.

(En)Cena: E nos casos daqueles jovens que realizam massacres em escolas, e que logo depois se matam?

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: Neste casos, a maioria é por psicose e não por psicopatia. Porque o psicopata não se arrepende, não existe essa possibilidade. Por exemplo, já se viu determinados políticos irem para a cadeia e se matar lá dentro? (risos). Pelo contrário, têm uns que vão e ficam até mais encorpados e confiantes. Ganham viço e até a retórica melhora.

É interessante lembrar que todo psicopata se aproxima de pessoas – ele escolhe pessoas mais sensíveis – com o discurso da vitimização. Desconfie sempre de alguém que entra na sua vida e já escancara questões muito delicadas. Por exemplo, sempre digo que quando uma mulher no ambiente de trabalho, já na primeira semana, diz que foi abusada sexualmente pelo pai ou pelo tio, devemos acender o sinal de alerta. Eu já boto três pés atrás. Tenho 50 anos e já passei por muitos casos. Para uma mulher dizer que foi estuprada às vezes isso leva anos. Então se deve desconfiar destas confissões instantâneas. Isso acontece muito com mulheres tentando seduzir homens. Porque homens adoram histórias tristes, e em alguns isso gera até certo fetiche.

(En)Cena: Então, pelo que vimos até aqui, o entendimento geral de que toda criança é boazinha não passa de um mito?

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: Um grande mito! Mesmo a criança que não tenha essa formação psicopática, ela tem maldade, ou atos maldosos que são normais à essência humana. A questão é saber se há o arrependimento para que haja a superação.

(En)Cena: E continuando a falar do tema ‘maldade entre as crianças’, pegando aquele caso do filme “Vamos falar sobre Kevin”, a origem [da formação psicopata] é na mãe, na criança, ou em ambos?

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: Depende, porque aqui você também conta com um componente genético. E a genética não é um jugo de fatalidade, ela é, em alguma medida, fruto da probabilidade. Por exemplo, um pai e uma mãe podem não ter a menor característica psicopática, e ter um filho assim. Mas se for pesquisar na família, vamos encontrar um bisavô ou mesmo avô com estes traços. E no Brasil isso se torna ainda mais evidente. Há muito pouco tempo os nossos avós ou bisavós poderiam perfeitamente ser capatazes de fazendas escravocratas. Então a gente está sempre julgando uma relação de parentalidade muito próxima, e esquece-se dos ancestrais desta família. Outro exemplo: a mãe do traficante Fernandinho Beira-Mar foi uma das pessoas mais dóceis que se conhece. Dos filhos – que se não me engano são nove ao todo – Fernandinho é o único caso que se envolveu na criminalidade. Todos os outros irmãos são pessoas de bem, professores, pessoas batalhadoras. E a própria mãe dele era uma pessoa que tinha essa noção de que ele era diferente. É tanto que enquanto ela esteve viva, manteve uma educação e uma disciplina bem severa com ele. É importante lembrar que a educação não muda a essência, mas modula. Uma criança e um adolescente sabe o que pode e como deve fazer [certas coisas]. Se você tem um pai e uma mãe ali bem focados, para não deixar o filho se jogar para um lado e para o outro, claro que este filho melhora.

Outro exemplo: se vê por aí um pedófilo estuprar uma criança em praça pública? Não se vê! Porque ele é absolutamente maquiavélico. Ele vai friamente calcular a ação. Mas parte das pessoas ainda acha que isso é fruto de impulsos incontroláveis, e eu nunca vi um impulso que só se manifesta em meses. Impulso é impulso, concorda? Você pega um dependente de crack, por exemplo, e ele faz qualquer coisa para obter a droga, até transar com um cachorro em público. Aqui há um transtorno em que a pessoa está fora de si e sem o controle nenhum do impulso.

(En)Cena: E a predominância da psicopatia é mais no sexo masculino?

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: Teoricamente sim, mas eu tenho as minhas dúvidas. A estatística é de três homens para cada mulher psicopata, tendo em vista uma porcentagem de 4% de pessoas acometidas pela patologia. De maneira geral, a estatística é clara quanto àquele percentual que nasce com traços psicopatas. Se vai se manifestar, depende da sociedade. E estamos num momento em que a sociedade favorece para que os casos se aflorem, já que há um pico de materialismo e individualismo, onde a cultura do psicopata ou cultura da esperteza acaba predominando. Os nossos valores sociais, hoje, acabam favorecendo que esses 4% floresçam e que inclusive ocupem posições de poder.

(En)Cena: Então a política é um campo fértil para o psicopata?

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva:  A política é um dos campos mais atrativos para um psicopata. Porque é uma das raras profissões onde você tem poder ilimitado, diversão ilimitada, vaidade e megalomania. Todo psicopata é megalomaníaco.

(En)Cena: O seu livro foi o primeiro do gênero no Brasil? Qual o impacto que ele causa nas pessoas?

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: Eu acho que sim. Ele ampliou a curiosidade do grande público para temas deste gênero. Eu fico feliz quando vejo pessoas leigas no assunto se debruçando sobre o livro e sabendo diferenciar, por exemplo, a psicopatia da psicose. Então quando há um crime e a imprensa vai à rua entrevistar as pessoas, eu vejo estas pessoas simples usarem o termo psicopata com o sentido real da palavra. Não estão falando da psicose. Também agradeço muito o contato que eu passei a ter com o pessoal do Direito. Eu converso com vários juízes que, hoje, já tem uma clareza maior sobre o tema. E “Mentes Perigosas” ainda não cumpriu a sua missão, ainda tem um longo caminho pela frente, que é poder diferenciar no sistema penitenciário os presos que são psicopatas dos que não são psicopatas. Espero sinceramente que possamos avançar sobre isso nos próximos 10 anos, para que pela primeira vez tenhamos um sistema capacitado a identificar no sentido de recuperar [os presos] os recuperáveis. Porque o que acontece hoje é um crime. Os recuperáveis são aqueles que numa rebelião são postos de cabeça para baixo, como se fosse um frango de padaria. Os que morrem numa rebelião não são os irrecuperáveis.

(En)Cena: E seus projetos futuros?

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: Há menos de um ano eu lancei “Mentes Consumistas” que fala deste materialismo todo que permeia a nossa sociedade. Hoje creio que vivemos um momento em que a maior crise não é econômica, mas ética. Quanto aos projetos futuros, eu agora relanço já atualizado o livro “Bullying: mentes perigosas nas escolas”, que já foi um derivado de “Mentes Perigosas”, e estou escrevendo um livro que vai se chamar, talvez, “Mentes Agradecidas”, falando de meus 25 anos de carreira, agradecendo os melhores casos de minha vida, que são 11 no total. Também estou trabalhando num romance chamado “Horizonte Vertical”, que é uma ficção com aquela temática da “volta no tempo”, já que sou fascinada por Física e Cosmologia. Também tenho uma minissérie, “Janelas da Mente”, que são 11 episódios onde cada um abordará um tipo de comportamento. E, por fim, estou trabalhando em um grande projeto, que é uma encomenda chamada “Mentes de Fé”. Este é bem difícil, porque eu não falarei de religião, apesar de estar estudando todas as grandes religiões, mas de espiritualidade, da necessidade que a gente tem de levar em consideração a nossa dimensão espiritual, tendo em vista que contamos com a dimensão física, a mental e a espiritual. Inclusive muito dessa crise ética que assola nosso país é porque nos esquecemos de nossa dimensão espiritual, e aqui volto a falar que não se trata de religiosidade, mas de espiritualidade. Estamos muito materialistas. É preciso repensar este modo de viver.

(En)Cena: O Portal (En)Cena e o Ceulp/Ulbra agradecem a sua gentileza pela entrevista.

Dra. Ana Beatriz Barbosa Silva: Eu é que agradeço pelo espaço concedido, e me anima saber que há um envolvimento do curso de Psicologia daqui, do Ceulp/Ulbra, com temas atuais e desafiadores. É cada vez maior o número de psicólogos, mundo afora e também no Brasil, que encabeçam pesquisas de ponta sobre o comportamento humano. Isso é um avanço enorme e enriquecedor. Continuem firmes. Temos muito a explorar e avançar no nosso país.

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fósforo

Fósforo – Breve ensaio sobre a contenção física e a liberdade humana

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A partir da leitura rápida de alguns artigos que tratam da “contenção física” em hospitais psiquiátricos, em pronto-socorro, nas salas de espera de hospitais públicos, em clínicas particulares, observei que há várias estatísticas nebulosas (porque geralmente os registros de tais ações são realizados de forma superficial e/ou são incompletos) e muitas dúvidas. Considerando o fato de que não tenho experiência no assunto e não há tempo para mais leituras, resolvi subverter a questão e tentar discutir o tema de uma maneira mais livre. Essa decisão, considerando as reflexões que estão por vir, pode se tornar um paradoxo.

Vários são os questionamentos que se formam a partir do momento que tiramos o direito de uma pessoa de mover-se, de ir e vir. Mas talvez essas indagações sejam demasiado exageradas, dado o fato de que a contenção física em situações de surtos psicóticos, de descontrole emocional, dentre outras, tenha como objetivo a manutenção da saúde da pessoa e de quem a cerca. Logo, a contenção, nesse caso, deve ser assimilada como um ato inevitável e extremamente salutar para a saúde do paciente. Mas não podemos esquecer que a “coisa contida” é um ser humano, cujas crenças e emoções estão tão conturbadas que o fazem enxergar um cenário errôneo do seu próprio contexto, levando-o a ações que não condizem com sua personalidade ou com padrões sociais e éticos pré-estabelecidos (e, em muitos aspectos, necessários à vida em sociedade).

No entanto, foi observado em uma pesquisa¹  sobre “contenção física” em hospitais psiquiátricos do Rio de Janeiro, que muitos dos casos que exigiram tal ação foram registrados depois das 17 horas, “quando os médicos da rotina já não estavam mais presentes no hospital”. Isso é um dado pouco consistente, devido à pequena quantidade de registros avaliada no artigo, mas ainda assim é uma informação que pode ser usada nas reflexões sobre esta situação.

Assim como há situações de descontrole absoluto, em que não parece existir outra possibilidade a não ser a contenção física, há também um despreparo por parte de algumas equipes que atendem tais casos de forma a evitar (a partir de medicação e diálogo, esse último obviamente mais utópico) que essa ação se torne a única possibilidade. As pessoas que são contidas ou levadas a locais de isolamento terão que conviver com essa nova realidade, ou seja, a de sua doença provocar, além do seu próprio mal, o mal daqueles que lhes cercam, de ele se tornar um perigo para si e para os outros.

Se isso se tornar um hábito, então, a questão se torna ainda mais complexa, pois depois que um nível de constrangimento é ultrapassado, algumas variáveis de impedimento são refutadas e talvez a própria consciência do constrangimento se torne uma sombra longínqua, até que desapareça totalmente.

Em Moby Dick, o livro de um homem e sua obsessão por uma baleia branca, um dos personagens tem uma epifania sobre a nossa real natureza (Melville, 1851):

Qual de nós não é escravo? Dizei-me. Pois bem; por mais que o velho comandante me ordene que vá de um lado para outro, por mais que me empurrem e me batam, tenho a satisfação de achar que está muito direito, que todas as pessoas, de uma maneira ou de outra, são obrigadas a servir, quer do ponto de vista físico quer metafísico; e assim vai passando a pancadaria universal e todos devem esmurrar-se uns aos outros e ficar contentes.

O interessante dessa constatação é a ideia de que podemos nos acostumar, de fato, com aquilo que nos parecia absurdo em certo estágio da vida. É essa acomodação com a “pancadaria universal” que temo ao fazer leituras sobre contenção física, internação em ambientes isolados etc., pois não tenho conhecimento suficiente da área para inferir se essas ações estão sendo realizadas por ser a única possibilidade dada às circunstâncias, ou por ter se tornado uma prática, ou por ambos os aspectos.

Essa inquietação vem ao encontro de um outro trecho do mesmo livro, uma constatação que sai da mente de Ahab (Melville, 1851):

Sou um fósforo. É injusto que para incendiar os outros seja preciso gastar primeiro a si próprio.  Que ousei, o que desejei, realizei! Pensam que sou louco. Starbuck acredita. Mas sou demoníaco, sou a loucura enlouquecida. Essa loucura selvagem que se acalma somente para se compreender a si mesma.

A visão da mente de Ahab é poética, mas também é especialmente triste, principalmente se refletirmos que a única alternativa que nos resta ao nos depararmos com alguém enfermo e em crise seja impedir que o “fósforo”, que já se incendeia, incendeie também os outros. Como aluna de Psicologia ainda tento compreender se há meios para fazer com que a pessoa não venha a se tornar um “fósforo”, ao mesmo tempo em que procuro digerir as palavras assombradas do grande Inquisidor de Dostoievski (1879):

Queres ir para o mundo de mãos vazias, pregando aos homens uma liberdade que a estupidez e a ignomínia naturais deles os impedem de compreender, uma liberdade que lhes causa medo, porque não há e jamais houve nada de mais intolerável para o homem e para a sociedade!

[…]

Nenhuma ciência lhes dará pão, enquanto permanecerem livres, mas acabarão por depositá-la a nossos pés, essa liberdade, dizendo: ‘Reduzi-nos à servidão, contanto que nos alimenteis’. Compreenderão por fim que a liberdade e o pão da terra à vontade para cada um são inconciliáveis, porque jamais saberão reparti-los entre si! Convencer-se-ão também de sua impotência para ser livres sendo fracos, depravados, nulos e revoltados.

O grande inquisidor faz aquilo que o define, ou seja, provoca e, consequentemente, perturba. Ele provoca um Deus que não sabe o que fazer com um conceito que, segundo o inquisidor e seus inúmeros fatos, não pode ser vivenciado por nós (as criaturas) justamente porque precisamos nos sentir cativos, contidos, guiados. Então, se nós (no sentido da humanidade) não suportamos a liberdade, por que aqueles dentre nós que são considerados loucos, desajustados, doentes mentais, provocariam nossa reflexão sobre temas como a contenção e o isolamento?

Bom, criei uma falácia facilmente refutada, ousei até equiparar termos aparentemente não passíveis de equiparação (como cativo e guiado), expandi a temática inicial, perdi o foco (contenção física) e divaguei aleatoriamente (e ingenuamente) sobre a liberdade humana e sua relevância.

Um texto sem lógica à espera do fósforo que lhe “libertará” do papel (suponha que ainda há um papel).

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