A mulher maravilha tem sim uma identidade. Porque deve ocultar seu verdadeiro eu do mundo dos homens. William Marston
A Mulher Maravilha ou Wonder Woman como é conhecida originalmente, é uma super-heroína de origem grego-romana, sendo publicadas suas histórias e aventuras desde a Era de Ouro dos quadrinhos pela editora Dc Comics, junto de uma gama de super-heróis como Batman, Superman, Flash, entre outros. Para proteger sua identidade secreta a amazona e guerreira utiliza o codinome de Diana Prince entre os humanos. Pois, depois que o piloto da Força Aérea Americana Steve Trevor caiu na ilha sagrada das amazonas, Diana começa a ficar curiosa e a pensar que existe muito mais em seu propósito do que sua Mãe, a Rainha Hipólita, havia mencionado. Assim, ela decidiu ir junto com o soldado para o mundo dos humanos, lutar por paz e justiça.
Fonte: https://bit.ly/2MZeQEW
Dessa forma é contada a história de uma das maiores heroínas de quadrinhos e do cinema que já existiu em todos os tempos, embora que, por trás de um grande herói sempre há algo a mais. No caso de nossa Mulher maravilha, existe um ingrediente secreto a se acrescentar. Visto que, sua narrativa cativa e remete a temas além do que as outras super-heroínas vinham tratando, como feminismo, autonomia para as mulheres, liberdade de expressão e sexual. Poucos sabem a verdade por trás de suas aventuras e isso se deve ao fato de existir um ponto a mais a se acrescentar em sua gênese, uma história de amor que para se consolidar, teve que enfrentar muitos outros desafios na época.
A Mulher Maravilha foi criada na década de 1940 pelo psicólogo e professor William Moulton Marston; ele preferiu esconder sua identidade por motivos pessoais e assinava os quadrinhos como Charles Moulton. O autor era um estudioso que buscava difundir sua teoria DISC, que traduzida do inglês significava: dominação, indução, submissão e conformidade, sendo interpretadas que as relações humanas se dividem na interação dessas quatros categorias de emoção. Casado com uma mulher também estudiosa, independente e de uma intelectualidade bastante invejada, Elisabeth Holloway Marston, que ao lado de seu marido, descobriu que a pressão arterial sistólica aumentava na medida em que a pessoa mentia sobre algo, assim descobriram o famoso polígrafo. Sua mulher não apenas o ajudava com suas ideias e conceitos, mas tentava se destacar em um tempo em que as mulheres lutavam pelos seus direitos. Elisabeth não apenas serviu de inspiração para a Mulher Maravilha, como também a fez existir com sua personalidade forte e força de vontade.
Fonte: https://bit.ly/2WNlqTL
Outra figura importante a ser citada para entendermos melhor a personalidade da Wonder Woman, foi Olive Byrne, uma estudante que se encantou com as mentes brilhantes dos Marston; Olive era filha de Ethel Byrne e sobrinha de Margaret Sanger, duas ativistas que lutavam pelos direitos das mulheres naquele tempo.
O casamento entre os dois ia indo “normalmente”, até que Olive entra na vida dos dois. William logo se interessa pela jovem e espirituosa mulher, quando menciona isso a sua esposa, ela o encoraja a seguir seus instintos, porém sente ciúmes de forma contida pelo marido e acaba tentando afastar a moça deles. Até que percebe que a jovem também se apaixona por ela. Logo os três decidem arriscar-se num relacionamento poliamoroso, que para os padrões do período não era visto com bons olhos, porém apimentado com exploração dos prazeres sexuais de todos, inclusive Bondage. Eles passam a viver juntos na mesma casa e para proteger sua nova família, assumem uma identidade diferente do que realmente vivem.
Não reprimindo completamente suas vidas fora dos muros de casa, William continua pesquisando e atualizando suas teorias e ligando todas as peças do quebra-cabeça de suas vidas. Até que ele percebe a personificação da heroína e maior ícone feminista dos quadrinhos dentro de seu lar. Ele encontra a mulher maravilha em suas próprias mulheres maravilhas. Elisabeth é a personalidade dela, uma mulher guerreira, autônoma que trabalha para sustentar a família, objetiva, uma secretária (identidade secreta) inteligente, que usa um laço da verdade e da justiça (polígrafo). Já Olive era a alma e o corpo da super-heroína, ela usava constantemente braceletes que desviavam balas, tinha muita bondade, sensível, acreditava na paz e na justiça.
Fonte: https://bit.ly/2WSFmod
Com as histórias da personagem, Marston defendia os direitos das mulheres, a luta pelo sufrágio feminino, como também a independência intelectual, de trabalho para elas e soberania na expressão sexual de seus corpos. Via nela a oportunidade de mostrar a força e poder das mulheres, dentro e fora da sociedade, o que provavelmente não deixou muito feliz muitos segmentos da sociedade, que logo censuravam suas aventuras.
William, Elisabeth e Olive eram pessoas extraordinárias, que se amavam e não tinham uma vida convencional como muitos almejavam, mesmo que essa história tivesse acontecido décadas depois ou até nos dias atuais, não significa que também seriam aceitos. Professor Marston e as Mulheres Maravilhas é um filme que proporciona essa reflexão: será que estamos prontos para aceitar os outros como realmente são? Mesmo em nome do amor, tudo realmente é possível? Sendo sim ou não, podemos admitir que agora vamos ver nossa super-heroína com olhos ainda mais aguçados, seja pela sua verdadeira história, seja pelas histórias que ela ainda irá contar.
FICHA TÉCNICA DO FILME:
PROFESSOR MARSTON E AS MULHERES MARAVILHA
Título original: Professor Marston & The Wonder Women
Direção: Angela Robinson Elenco: Bella Heathcote, Rebecca Hall, Luke Evans, Connie Britton; País: Estados Unidos Ano:2017
Gênero: Drama, biografia
Compartilhe este conteúdo:
Willian Marston e Mulher Maravilha: o pioneiro e a heroína
Super-heróis são na verdade apenas uma personificação de quem acreditamos ser: Pioneiros e Heróis. Lynda Carter
O mês de junho tem sido aguardado ansiosamente pelos fãs da super-heroína da DC Comics, Mulher Maravilha, que ganhará seu primeiro filme solo após a participação em “Batman Vs Superman – A Origem da Justiça”, na pele da atriz israelense Gal Gadot. A personagem, que tem origem nas histórias em quadrinhos da editora americana All-star Comics, atualmente é um ícone da cultura pop. Considerada a maior referência feminina das HQ’s, em 2016 foi nomeada embaixadora honorária da ONU. Mas nem sempre tudo foi tão maravilhoso.
Fonte: http://zip.net/bktDRL
Os super-heróis foram criados por jovens artistas norte-americanos em meio à Grande Depressão, retratados em histórias em quadrinhos descartáveis que poderiam ser compradas por centavos em bancas e farmácias. Apesar da incrível popularização das estórias de super-heróis, os escritores e cartunistas que hoje são venerados pelos fãs do gênero, não eram bem vistos pela sociedade ou considerados artistas genuínos, por isso muitos criaram pseudônimos para usar em suas obras (SUPERHEROES: A NEVER-ENDING BATLLE, 2013).
Na primeira frase de seu artigo “A Surpreendente História de Origem da Mulher Maravilha” para a Smithsonian Magazine, a professora de história dos EUA da Harvard University, Jill Lepore, usa uma manchete de jornal de 1942: “Célebre Psicólogo é Revelado como o Autor de ‘Mulher Maravilha’, o Sucesso de Vendas em Quadrinhos” (LEPORE, 2014, p.1). Até então usando o pseudônimo Charles Moulton, o psicólogo Willian Moulton Marston (1893-1947) foi revelado como o criador da famosa e polêmica heroína. Por que Marston, um profissional prestigiado, usaria um pseudônimo?
Segundo Lepore (2014), Maxwell Gaines, co-criador do gênero dos quadrinhos e fundador da All-American Comics, vendia milhões de cópias de HQ’s dos recém “nascidos” Superman e Batman, porém com a Segunda Guerra Mundial devastando a Europa, as revistas em quadrinhos enalteciam os mais variados tipos de violência, fazendo com que vários críticos e jornais declarassem abominação às histórias. Foi então que Gaines contratou Marston como consultor, uma vez que este já havia se demonstrado ávido defensor dos quadrinhos.
Gaines havia lido sobre Marston em um artigo da revista Family Circle publicado em 1940 pela escritora e redatora Olive Richard. Na ocasião Olive visitou a casa de Marston para pedir sua opinião como um perito em quadrinhos. Ao ser questionado sobre os temas cruéis de algumas histórias, Marston concordou, porém acreditava que o desejo dos leitores ainda era de que o melhor acontecesse no final. Para Willian, a pior coisa dos quadrinhos era sua alarmante masculinidade, e para se defender dos críticos, criou uma personagem feminina (LEPORE, 2014).
Primeiros esboços da heroína. Fonte: http://zip.net/bmtDH5
Marston fez algo extremamente arriscado tendo em vista o pioneirismo e o possível preconceito dos consumidores da época. O medo de Willian e dos editores em desenvolver uma personagem feminina não é exclusivo à década de 40, muitos estúdios e executivos ainda temem investir nas personagens femininas, denotando que o preconceito e a misoginia perpassaram os séculos.
“Célebre psicólogo”: o polígrafo e o mentiroso
Formado pela Harvard University, Willian Marston foi PhD em Psicologia, inventor, e ficou famoso pelo estudo de “pessoas normais”, uma vez que na época havia um grande investimento em estudos psicológicos de patologias e desvios comportamentais. O psicólogo desenvolveu uma teoria para descrever as respostas emocionais a partir da avaliação de quatro fatores: Dominância, Influência, Estabilidade e Conformidade (em inglês formando a sigla DISC), configurando estilos comportamentais. Ele publicou suas descobertas no livro As Emoções das Pessoas Normais (ETALENT, 2016).
Por volta de 1917, Willian publicou seus primeiros estudos quanto à descoberta da correlação entre a pressão sanguínea sistólica e estados mentais, principalmente decepções. Com um invento construído em 1915, por meio de questionários em relação a um determinado assunto, percebeu uma correspondência entre a pressão arterial e mentir, algo que chamou a atenção do governo e atraiu publicidade para seus experimentos (DISCPROFILE, 2017).
Willian Marston era casado com a advogada Elizabeth Holloway. Para Lepore (2014, p. 1), “Marston foi um homem de mil vidas e mil mentiras”, isso porque, Olive Richard, escritora da Family Circle, não foi visitar Willian para entrevistá-lo, ela morava lá. Marston, Elizabeth e Olive (que na verdade tinha o sobrenome Byrne) mantinham um relacionamento polígamo, sendo Byrne apresentada socialmente como uma cunhada viúva de Marston. Durante sua vida, Willian sempre se expressou condenando intolerância e preconceito (LEPORE, 2014).
Marston (extrema direita) aplicando teste do polígrafo enquanto Olive Byrne (extrema esquerda) anota as respostas. Fonte: Smithsonian Magazine
Mulher Maravilha: a heroína acorrentada
Desenhada por Harry G. Peter, em sua primeira aparição a princesa Diana de Themyscira (futuramente com o alter ego de Diana Prince), usava uma tiara dourada com uma estrela, um bustiê vermelho com uma águia e barriga à mostra, uma calcinha azul estrelada e botas vermelhas de cano alto. Ousado. Diana apresentava habilidades de força e reflexos sobre-humanos, durabilidade, resistência e vôo.
Após sua estreia na All-star Comics no final de 1941, ela ganhou sua primeira capa do início de 1942, pela Sensation Comics (LEPORE, 2014). A princesa Diana deixava a Ilha Paraíso, um lugar onde não havia homens e as mulheres tinham um enorme poder físico e mental; para combater o fascismo nos Estados Unidos. Em sua história de origem, após Steve Trevor, um piloto da Força Aérea Americana, cair na Ilha Paraíso as Amazonas competiram entre si para eleger quem o levaria de volta ao seu país. Diana vence a competição e Steve acaba se tornando seu interesse amoroso.
Mulher Maravilha e Steve Trevor
Willian Marston e a Mulher Maravilha foram importantíssimos para a criação da futura DC Comics. O número de vendas crescia e tudo era empolgação até março de 1942, quando a “Organização Nacional da Literatura Descente” categorizou a Sensation Comics como uma leitura inadequada para jovens devido à falta de roupas da super-heroína. Mesmo após a contratação de novos consultores outras polêmicas surgiam.
Um membro do conselho consultivo de Gaines decidiu alertá-lo sobre as constantes referências sádicas nas histórias da Mulher Maravilha. Nas palavras de Lepore (2014, p.1), “episódio após episódio, a Mulher Maravilha é acorrentada, atada, amordaçada, laçada, amarrada, agrilhoada e algemada. ‘Grande cinta de Afrodite!’, grita a Mulher Maravilha em certo momento. ‘Eu estou farta de ser amarrada!’”. Cada vez mais editores se opuseram as práticas de tortura às quais a heroína tinha que vencer.
De acordo com Lepore (2014), as ideias das amarras podem ser visualizadas através de editoriais e correspondências de Willian para seu ilustrador, onde ele descreve detalhadamente cenas que insinuavam fetiche sexual por imobilização. Sem dúvidas era uma controvérsia sobre as verdadeiras intenções de Marston, mas há uma história por detrás das correntes e cordas.
No balão: “Por que eles me amarram com correntes tão pequenas? Isso é um insulto!” Fonte: http://zip.net/bxtFGz
Devido ao seu relacionamento com Olive Byrne e sua família, Willian, Elizabeth e Harry G. Peter (o ilustrador) foram fortemente influenciados pelos movimentos feminista, sufragista feminino (para ter o direito de votar) e contraceptivo, por meio da tia de Olive, Margaret Sanger. Cada um desses movimentos continha como símbolo central as correntes e amarras, que “prendiam” as mulheres à desigualdade de direitos (LEPORE, 2014).
Desde o surgimento do movimento sufragista feminino nos Estados Unidos, no início do século XIX, mulheres ameaçavam (e eventualmente o faziam) acorrentar-se aos portões de órgãos públicos e instituições como forma de protesto. Margaret Sanger por sua vez, publicava caricaturas de mulheres alegóricas se livrando de cordas e correntes feitas pela artista Lou Rogers, em sua revista Birth Control Rewiew (“Revista de Controle Contraceptivo”). Para Sanger, a mulher se encontrava acorrentada ao seu lugar na sociedade (LEPORE, 2014).
Marston manteve o segredo da influência de Sanger sobre a Mulher Maravilha até sua morte, e só foi descoberto anos depois. A Super-Heroína que quebrava todos os paradigmas feminilidade da época, em poucos anos conquistou milhões de fãs e aos poucos foi se readaptando e perdendo algumas características originais, uma delas, após muitas polêmicas foi o excesso de correntes, coincidindo (felizmente), em certo grau, com as “amarras” das mulheres reais, que conquistaram cada vez mais liberdade e direitos.
Margaret Sanger em protesto contra censura e ilustração de Lou Rogers. Fonte: Smithsonian Magazine
Outras referências como o Laço da Verdade, que é uma espécie de polígrafo que muitos gostariam de ter; e os braceletes da Mulher Maravilha iguais aos que Olive Byrne usava; ficam implícitos como presentes para quem é incitado por descobertas, denotando a complexidade tanto da personagem em si, quanto da ligação criador/criatura nesse caso.
Trazer esses temas à tona não transforma Willian Marston na própria figura heróica que ele criou, mas mostra como o psicólogo obcecado pelo “não dito” montou de maneira curiosa uma personagem que (assim como os melhores personagens) representa os embaraçados sentimentos e desejos humanos. Através de uma visão historicista, percebe-se como Marston, com sua profissão e atitudes, trouxe contribuições para a psicologia e para a sociedade de modo geral.
Mulher Maravilha é nomeada Embaixadora Honorária da ONU. Fonte: ONU/Kim Haughton
O pioneirismo de Willian e de seus parceiros se estende para todas as obras de quadrinhos, cinema e TV que trazem personagens pouco representados e diferentes do “comum”. É válido destacar o aumento de protagonistas femininas heróicas com menos apelo sexual aparente e mulheres mais parecidas com a “realidade” em obras como as séries Supergirl (2015) e Jessica Jones (2015); personagens dos quadrinhos como Miss Marvel (Kamala Khan), a Nova personagem da Marvel, America Chavez; e também uma menção honrosa à inovadora série televisiva Wonder Woman (1975), estrelada pela atriz Lynda Carter.
Após milhares de palavras para chegar aqui, no último parágrafo, retomo a frase usada no começo desse texto, mas para discordar dela. Lynda Carter diz que Super-heróis são na verdade apenas uma personificação de quem acreditamos ser, porém, assim como a Mulher Maravilha denota inevitavelmente o psiquismo do seu criador e de certa maneira o que ele era, todo tipo de arte que consumimos denota o nosso psiquismo, e portanto, o que nós somos. Desse modo, se você consome as diversas artes de Super-Heróis, não precisa acreditar que é um, porque em partes você já é.
Wonder Woman (1975). Fonte: http://zip.net/bvtFdN
REFERÊNCIAS:
LEPORE, J. The Surprising Origin Story of Wonder Woman. Smithsonian Magazine, out. 2014. Disponível em: < http://www.smithsonianmag.com/arts-culture/origin-story-wonder-woman-180952710/?page=1>. Acesso em: 09 de fev. de 2017.
METODOLOGIA DISC. Etalent. Rio de Janeiro: 2016. Disponível em: <http://www.etalent.com.br/sobre/metodologia-disc/>. Acesso em: 06 de fev. de 2017.
SUPERHEROES: A Never-Ending Battle. Produção de Michael Kantor e Sally Rosenthal. Estados Unidos (US): Ghost Light Films, 2013. Ep. 1 Truth, Justice and the American Way.
WILLIAN MARSTON. Discprofile. Em En-US. 2017. Disponível em: < https://www.discprofile.com/what-is-disc/william-marston/>. Acesso em: 06 de fev. de 2017.