Relato de experiência sobre a execução do Planejamento Estratégico Situacional na Escola Estadual Cívico-Militar Maria dos Reis Alves Barros

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O referido Plano Estratégico que se apresenta elegeu a Escola Estadual Cívico-Militar Maria dos Reis Alves Barros como foco de ação interventiva, e verificou os seguintes problemas: a baixa autoestima dos/as estudantes, bem como a busca pela imagem perfeita visada nas redes sociais, o bullying entre os adolescentes e a crescente demanda de adoecimento psíquico, como a ansiedade. Com vistas à problematização e ao enfrentamento dos problemas elencados, este relato de experiência apresenta a execução de uma intervenção, cujo procedimento terá na utilização de grupos operativos a sua referência principal.

Quanto à escola, vale destacar que a mesma foi criada pelo Decreto Estadual de Lei Nº 2.785 de 29 de junho de 2006, e inaugurada no dia 29 de junho de 2006. O nome da escola é uma homenagem à Profa. Maria dos Reis Alves Barros, pioneira na educação do distrito de Taquaruçu, e localiza-se no bairro Taquari, no município de Palmas-TO. O perfil dos/as estudantes da escola encontra-se em torno da faixa etária de 09 a 18 anos de idade, no período diurno, nas modalidades do ensino fundamental e ensino médio. No período noturno há exceções de idade para os alunos inseridos no mercado de trabalho, a partir dos 18 anos, sendo a maioria desses/as estudantes, trabalhadores e pais (responsáveis) de famílias.

O perfil dos/as estudantes se mostra desafiador, pois compete à árdua missão de alinhar as aprendizagens desiguais em sala de aula; situação de distorção idade/série; abandono e evasão escolar; formação de vida familiar e social fragmentada, em razão de problemas econômicos; convivência realidade presente ou próxima de drogas lícitas e ilícitas; violência doméstica; a gravidez precoce que tem interrompido a vida escolar de muitas adolescentes, entre outros desafios mais relevantes.

Relato de Experiência

O modelo de trabalho escolhido foi o de Grupos Operativos, este que tem como objetivo principal proporcionar uma experiência de aprendizado grupal, visando a faixa etária de adolescentes. O grupo operativo em questão é regido pelos acadêmicos do curso de psicologia, odontologia e educação física do Ceulp/Ulbra. Referente às escolhas de estratégias para serem aplicadas na resolução dos problemas, foi utilizada a dinâmica de grupo para tal objetivo. Com essa ferramenta foi possível trabalhar diversos aspectos dos indivíduos inseridos nesses grupos, como: melhora na habilidade de comunicação e relacionamento interpessoal, melhor percepção de si mesmo, instigar a interação afetiva entre os indivíduos e entre outros (ZIMERMAN, 2000).

Todas as intervenções educativas ocorreram no dia 09/04/2022 (sábado) das 07:30 às 12:00, facilitada pelos acadêmicos do CEULP/ULBRA, sendo supervisionados pela Professora Micheline Pimentel Ribeiro Cavalcante que administra a disciplina: Práticas Interprofissonais de Educação em Saúde.

Um dos temas propostos para o grupo, foi referente a Ansiedade, Técnica de Meditação mindfulness e Bruxismo. No primeiro momento foi a palestra e discussão sobre a ansiedade e a técnica das tiras de papel que continham palavras relacionadas ao tema (medo, fraqueza, suor intenso, nervosismo, preocupação, sensação de perigo, respiração acelerada e pensar claramente). No segundo momento foi a palestra sobre Bruxismo. E por último foi a técnica de meditação mindfulness (atenção plena) que teve duração de 10m. Quanto à experiência nessa intervenção, devido à preparação no decorrer da semana, foram as várias expectativas no sentido de se estar motivado, tranquilo e centrado na proposta. Ao chegar na escola houve bom acolhimento por algumas professoras que já estavam no local. Às 08:00, as turmas de alunos foram distribuídas nas salas. Apesar do aparecimento de alguns tumultos foi possível dar início à prática educativa, com a presença de um pequeno contratempo de não ter dado certo a demonstração dos slides, focando apenas na exposição verbal do tema. A princípio alguns alunos estavam dispersos, mas aos poucos eles foram interagindo de forma positiva. É importante ressaltar que o último grupo trabalhado correspondeu à prática de forma mais interativa, houve mais dialética em forma de trocas de ideias no qual alguns alunos pediram sugestões de temas de redação para o vestibular. Referente ao tema ansiedade e bruxismo, foi possível associar que o bruxismo está intimamente ligado à ansiedade e explicar que hábitos adquiridos no dia a dia, em excesso, por eles podem afetar o mesmo.
Foram trabalhadas também oficinas sobre aceitação e autoestima, onde foram trabalhadas questões de imagem real e as relações com as redes sociais, aceitação, forma de lidar com a opinião do outro, cuidado com os amigos, tentar entender o porquê da mudança de comportamento, as relações com os pais e familiares, a procrastinação com o uso excessivo das redes sociais. Nas dinâmicas em grupo, foram trabalhadas a dinâmica da caixa do espelho e do papel numerado. A dinâmica do espelho consiste em colocar um espelho dentro de uma caixa, e perguntar aos participantes quem é a pessoa mais importante de sua vida? Após a resposta, entrega-se a caixa e ao abrir se vê no espelho, observando que a pessoa mais importante é ele. A dinâmica do papel numerando e distribuindo dois pares de números e chamar um par por vez em que um fala ao outro uma qualidade e se pergunta se sabiam que o outro tinha conhecimento desta qualidade.

Dinâmicas referentes à estética corporal, a estética facial e influência na mídia foram utilizadas para levar aos alunos um conhecimento acerca dos extremos com o cuidado estético e consequentemente seus malefícios com reflexos a ansiedade e transtornos psicológicos e ainda os cuidados basilares que devem ser cultivados para a manutenção da saúde e da estética como um todo.

Outra oficina trabalhada pelos acadêmicos, refletiu sobre o Bullying, onde foram trabalhadas questões que há uma associação ou uma simultaneidade entre os atos que caracterizam os diferentes tipos de bullying, em como a intimidação sistemática pode se dar por meio de agressões físicas, social psicológico, verbal, material, cyberbullying , expressões depreciativas,  ameaças, perseguição, chantagem, isolamento social, além da tentativa de entender o porquê da mudança de comportamento, as relações com os pais e familiares, observando o comportamento tanto das vítimas quanto dos agressores, na busca de identificação de alguns padrões. Na dinâmica proposta pela oficina de Bullying, foi realizada uma dinâmica da empatia, a dinâmica foi realizada da seguinte forma, os alunos foram instruídos a formar duas filas, ficariam frente a frente, deveriam observar um colega por 1 minuto, durante a observação a música seria usada como concentração. Pouco depois, uma fila foi retirada da sala e outra permaneceu. Quando foram separados, foi necessário que eles mudassem três coisas neles, cabelo, roupas, tirar ou colocar acessórios etc. Quando eles voltaram para a sala com a outra fileira, os demais estarão de costas para eles, então eles se virarão para a frente e olharão para o mesmo colega por 1 minuto. Depois que a observação terminou, as instrutoras começaram a questionar se haviam observado alguma mudança em seus colegas. A intenção da dinâmica era sobre a importância de observar quando alguém do convívio não está se sentindo bem, cabisbaixo com algo, por algum sofrimento, até mesmo sofrido bullying na escola por algum colega. E ter alguém para ouvir sem ter nenhum julgamento é bastante importante. Assim, todos têm a possibilidade de se colocar no lugar do outro. Foi realizada a dinâmica do papel amassado também, onde cada participante recebe uma folha. Em seguida, o instrutor deve pedir que, todos os membros, olhem bem para aquela folha e depois a amassem e formem uma bolinha. Em seguida, peça que todas as pessoas tentem desamassar o papel e deixá-lo igual ao que estava antes. Todos os membros vão tentar voltar o papel ao normal e até mesmo sugerir ideias para que fique como antes, entretanto, cada folha estará alterada e não terá mais a mesma forma de antes de ser amassada, trazendo a reflexão acerca do bullying, onde agressões físicas e verbais ocorrem e mesmo que em determinado momento cessem, esse sujeito tende a não voltar a ser quem era, podendo sofrer consequências emocionais por toda a sua vida.

Fonte: acervo dos autores

Considerações Finais

Este trabalho teve como objetivo uma intervenção na perspectiva de grupos operativos, considerando temas acerca da ansiedade, bullying entre adolescentes, autoestima e as redes sociais, bem como da imagem perfeita, trabalhando-os com jovens do ensino médio Escola Estadual Cívico-Militar Maria dos Reis Alves Barros, com visitas presenciais dos acadêmicos da faculdade do CEULP/ULBRA como facilitadores. Para a condução do grupo, assuntos estudados sobre Pichon e Zimerman se fizeram presentes, associando-se assim, prática a teoria.

Com relação às atividades desenvolvidas, foram divididos e organizados temas para o encontro que aconteceriam ao sábado, das 7:30hrs às 12hrs, no dia 09/04/2022. Inicialmente, procurou-se conhecer melhor os participantes, bem como entender o que eles buscavam com suas participações no grupo e em seguida transmitir o conhecimento visando aprendizado e troca de experiências. O encontro foi marcado por grandes discussões acerca da temática, visando provocar nos participantes do grupo a busca pelo amor-próprio, autoaceitação e educação em saúde, proporcionando momentos descontraídos e de reflexão.

Ao final das atividades, foi possível perceber que os grupos onde a faixa etária era maior, o alcance bem como a participação dos envolvidos era maior. Outra percepção reflete a carência percebida de apoio emocional dos participantes, com alguns jovens apresentando pensamentos destrutivos e incapacitantes, entretanto, outros participantes buscaram as facilitadoras para esclarecer algumas dúvidas e outros temas não abordados, além de demonstrar interesse sobre o futuro e suas formações. No geral, todos os alunos foram bem comunicativos, muitos participaram corretamente e foi possível realizar uma bela apresentação para todos.

Avaliamos o projeto de intervenção como uma experiência enriquecedora, pois beneficia o desenvolvimento pessoal e profissional da equipe. Além disso, as atividades que os alunos realizaram possibilitaram perceber mudanças nas percepções e práticas dos alunos. Trabalhar de forma integrada facilita o alcance dos objetivos das atividades propostas.

Referências bibliográficas

PICHON-RIVIÈRE, Enrique. O processo grupal. Trad. Marco Aurélio Fernandes. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1991.

ZIMERMAN, David E. Como trabalhamos com grupos. Porto Alegre: Artes Médicas, 1997.

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Musicoterapia e Psicanálise: conceito e aproximações

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A musicoterapia se respalda no uso científico da música de forma sistemática por um profissional qualificado e de um modo geral, objetiva por meio da música, “participar e interagir com o paciente” em atividades tanto grupais quanto individuais (QUEIROZ, 2013, p. 1535). Por sua importância e eficácia, é interessante realizar o esclarecimento de seu conceito e suas aproximações da abordagem psicológica psicanalítica, amplamente utilizada entre os profissionais clínicos da atualidade.

Ao dialogar sobre os fundamentos epistemológicos da musicoterapia, Ulkowski, Cunha e Pinheiro (2019) revisitam a história dessa prática que está presente na sociedade desde a antiguidade, sendo utilizada para fins terapêuticos. As autoras colocam que uma das principais características que diferem as práticas musicoterápicas realizadas antigamente para as que se fazem presentes nos últimos 50 anos, é a preocupação que atualmente se tem em relação a sua cientificidade, tendo em visto que o uso da música e seus efeitos na antiguidade tinha um cunho mais religioso e filosófico, como por exemplo, sua utilização para espantar maus espíritos em práticas mágicas antigas.

Foi no final do século XVIII e início do século XIX que as primeiras dissertações médicas sobre o uso da música no contexto terapêutico aconteceram, dando início a uma mudança no discurso que embasava sua prática. Percebe-se que a musicoterapia é uma área que desenvolveu-se primeiro pela prática para depois passar pelo processo de fundamentação (ULKOWSKI; CUNHA; PINHEIRO, 2019). Esse processo pode ter culminado no que Cunha (2018) vem chamar de interdisciplinaridade ou a hibridez da construção teórica musicoterapêutica, tendo em vista que essa é uma prática que perpassa diversos saberes e áreas (por exemplo, artes e saúde). Apesar desse pluralismo teórico, a autora fala sobre a necessidade de bases conceituais que “iluminem as interpretações, que levem a metodologias e resultados de estudos, que facilitem as discussões e construções explicativas. São elas que oferecem fundamentos para o entendimento de realidades” (ibid. p. 26).

Fonte: encurtador.com.br/dxyBL

Quando se fala sobre a fundamentação da musicoterapia no Brasil, Ulkowski, Cunha e Pinheiro (2019) relembram as atuações pioneiras na década de 1960 com Cecília Conde, Gabrielly de Souza Silva e Dóris de Carvalho sucedidas pelos primeiros cursos e palestras com enfoque científico em solo brasileiro. Outro importante nome foi a da educadora musical Clotilde Espínola Leinig que implantou a Especialização Lato Sensu em Musicoterapia, na Faculdade de Educação Musical do Paraná, e mostra como conceitos psicanalíticos estiveram presentes na fundamentação da musicoterapia no Brasil, tendo em vista que os livros do médico e psicanalista Rolando Benenzon (responsável pelo Modelo Benenzon de Musicoterapia, hoje conhecido como Terapia Não-Verbal) foram utilizados na implementação do curso.

Todo esse processo colaborou para que a prática da musicoterapia fosse reconhecida como uma atividade clínica regulamentada não somente no Brasil, como em diversos outros países. Formação reconhecida pelo MEC, o musicoterapeuta pode atuar nas áreas da saúde, educação, social/comunitária, entre outros, sempre estabelecendo um plano de cuidado que proporcione a promoção, prevenção e/ou reabilitação da saúde do sujeito, individualmente ou enquanto grupos (UNIÃO BRASILEIRA DAS ASSOCIAÇÕES DE MUSICOTERAPIA, 2018). De acordo com a Federação Mundial de Musicoterapia (1996, p. 4):

Musicoterapia é a utilização da música e/ou seus elementos (som, ritmo, melodia e harmonia) por um musicoterapeuta qualificado, com um cliente ou grupo, num processo para facilitar, e promover a comunicação, relação, aprendizagem, mobilização, expressão, organização e outros objetivos terapêuticos relevantes, no sentido de alcançar necessidades físicas, emocionais, mentais, sociais e cognitivas. A Musicoterapia objetiva desenvolver potenciais e/ou restabelecer funções do indivíduo para que ele/ela possa alcançar uma melhor integração intra e/ou interpessoal e, consequentemente, uma melhor qualidade de vida, pela prevenção, reabilitação ou tratamento.

Fonte: encurtador.com.br/lsx05

Em outras palavras, a musicoterapia pode ser utilizada como um processo de intervenção terapêutica, a partir das experiências sonoras que tocam os sentidos do corpo como um todo. Trata-se de um fenômeno criativo que mobiliza o organismo a agir, por meio de ritmos/melodias e também a comunicar-se de forma não-verbal. Pois, entende-se que muitos indivíduos portadores de deficiência possuem limitações na fala, prejudicando a fluidez da comunicação verbal (SANTOS; ZANINI; ESPERIDIÃO, 2015).

Neste sentido, esses autores revelam que a música é um experimento que pode promover auto reflexão, conscientização e exteriorização de conteúdos inconscientes. Com isso, a relação cliente-terapeuta-música pode co-construir aspectos benéficos no desenvolvimento terapêutico.

Na busca por promover um diálogo entre a musicoterapia e a psicanálise, Ulkowski, Cunha e Pinheiro (2019) refletem sobre a importância de se ter uma teoria na qual a prática musicoterápica pudesse se amparar. Além disso, essas interlocuções ampliam o exercício da psicanálise para outros modos de atuação do terapeuta, como em situações de pessoas que apresentam “doenças regressivas”, por exemplo.

Fonte: encurtador.com.br/atL27

Even Ruud, em sua obra Caminhos da Musicoterapia (1990), apresenta a ideia de que a atividade musical tem sua origem nas primeiras etapas da vida do indivíduo, ainda quando o bebê ainda não consegue discernir os limites entre o eu e a realidade, nos primeiros períodos narcísicos da organização psicológica do ego da criança. Ulkowski, Cunha e Pinheiro (2019), ao resgatar trabalhos como os de Christine Lecourt (2011), expressam a relevância das experiências sonoras até mesmo na vida pré-natal, e como esta influência no desenvolvimento verbal e musical do indivíduo.

Retomando Ruud (1900), a autora discorre sobre como conteúdos do nosso inconsciente, como impulsos e desejos, podem ser transformados em arte, afinal tais conteúdos possuem uma carga libidinal. Tanto a atividade musical criativa quanto a passiva, exercem uma gratificação libidinal no sujeito, se analisado através da teoria da libido. Além disso, ela fala como “os elementos da música tais como ritmo, melodia, harmonia e modos também parece ter um significado psicodinâmico específico” tendo em vista que “a repetição rítmica e ênfase rítmica são meios de descarga; o ritmo estável conduz a um alívio gradativo da tensão sexual” (ibid, p. 37).

A música como destino pulsional de conteúdos inconscientes por meio da sublimação, devido ao fato desta expressão ser mais aceita socialmente, também é um assunto comentado pelas autoras Ulkowski, Cunha e Pinheiro (2019), que falam sobre como a musicoterapia atua como facilitadora desse processo. Além disso, essa prática orientada pela teoria psicanalítica também diz sobre a similaridade entre a música (tal como se apresenta) e o processo primário do sujeito (se refere ao ponto de vista topológico, que seriam os elementos do inconsciente, e ao ponto de vista dinâmico, que se refere ao escoamento da energia psíquica de uma representação para a outra), bem como a escuta transferencial e o seu manejo.

Fonte: encurtador.com.br/rty59

No que se refere aos processos facilitadores da musicoterapia para a expressão de conteúdos, desejos, impulsos inconscientes, Ruud (1990) retoma os trabalhos de Wright e Priestley (1972) para falar sobre como a música pode ser um instrumento para que o indivíduo mergulhe em si mesmo, podendo alcançar o inconsciente e trazer aspectos de si mesmo como sentimentos, memórias, complexos, antes encobertos, para a consciência.  A  autora assinala que: “a música é considerada equivalente ao conteúdo manifesto do sonho e pode ser analisada e compreendida pelas mesmas técnicas que são aplicadas na interpretação do sonho e do chiste” (RUUD, 1990, p. 38). Isso porque tais conteúdos manifestados através da música conseguem burlar a censura da consciência e dar-se com menor resistência (WHEELER, 1981).

As formas de estabelecer essa ponte são infinitas: desde deixar o paciente tocar livremente um instrumento ou escolher uma música. É fato que esse processo de percepção interna, propiciada através da música, o leva ao objetivo maior que é integrar esses elementos, agora conscientizados, em sua psiquê. Trata-se de tornar consciente aquilo que estava fora de alcance, no inconsciente. Elaborar esses elementos e integrá-los. Isso leva o indivíduo a viver de forma mais satisfatória e saudável. E isso porque todo esse processo favorece também a resolução de conflitos, aumento da autoaceitação, trabalha novas técnicas para enfrentar os problemas e fortalece a estrutura do ego do sujeito (RUUD, 1990).

Christine Lecourt (1996), já citada neste artigo, é uma pesquisadora francesa, e em seu trabalho com Lapoujade (1996) discorreu sobre como a musicoterapia contribui também em outros sentidos. Elas descrevem como ela atua na compreensão da experiência musical do indivíduo, verificando possíveis presenças de psicopatologias ligadas ao som, assim como transtornos mentais. Alguns exemplos são a hiperestesia de som, diferentes níveis de surdez, alucinações, entre outros.

Fonte: encurtador.com.br/hvyT4

Outra importante profissional na área fala sobre como a música pode ser usada também na musicoterapeuta, como forma de lidar com impasses na própria prática. Márcia Cirigliano, em A Canção Âncora (2004), declara que em situações de impasse ou impotência com o seu paciente, tendo dificuldades para interagir com ele, o musicoterapeuta pode utilizar uma canção como recurso para se apoiar nela, e a partir dela estabelecer uma interação mais segura com o seu paciente. Isto é, a música não tem funcionalidade apenas para o paciente, mas também para o terapeuta que pode se ancorar nela.

Para Benenzon (2011), a música viabiliza a possibilidade de uma comunicação entre inconscientes (do musicoterapeuta para com o paciente e vice-versa), sem precisar atravessar o pré-consciente e o consciente. É isso o que ele vem chamar de contexto não-verbal. Essa ideia corrobora com a afirmação de Wheeler (1981) sobre o poder da música de burlar as censuras. Assim, para Benenzon (2011), o objetivo principal da musicoterapia é viabilizar canais de comunicação com o paciente.

Desta forma, percebe-se como o trabalho da música está para além de uma simples forma da energia básica e desejos latentes se expressarem. O ego utiliza da música (tendo em vista que é uma atividade iniciada por ele para atingir diversos objetivos) para levar-se a gratificação das necessidades particulares, como defesa contra forças diversas, para realizar funções sintetizadoras e/ou integrativas, e etc (RUUD, 1990). Assim, fica claro como a música tem um papel significativo no desenvolvimento dos seres humanos.

REFERÊNCIAS

BENENZON, Rolando. Musicoterapia: de la teoría a la práctica. 1ª edição. Madrid: Paidós, 2011.

CIRIGLIANO, Márcia. A Canção Âncora. In Revista Brasileira de Musicoterapia. ano IX, n. 7, 2004. Disponível em: http://www.revistademusicoterapia.mus.br/wp-content/uploads/2016/11/5-A-Can%C3%A7%C3%A3o-%C3%82ncora.pdf. Acesso em: 21 de setembro de 2020.

CUNHA, R. Conceituação em musicoterapia: temos fundamentos universais? In Anais do XIX Fórum Paranaense de Musicoterapia e III Simpósio Paranaense de Pesquisa em Musicoterapia. n. 19, p. 25-32, 2018.

LAPOUJADE, Christine; LECOURT, Edith. A Pesquisa Francesa em Musicoterapia. In Revista Brasileira de Musicoterapia. ano I, n. 1, 1996. Disponível em: http://www.revistademusicoterapia.mus.br/wp-content/uploads/2016/12/2-A-Pesquisa-Francesa-em-Musicoterapia.pdf. Acesso em: 21 de setembro de 2020.

QUEIROZ, Isabela Cristina Sousa. O autismo: aspectos gerais e um breve relato de experiência. In: CONGRESSO NACIONAL DA ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE EDUCAÇÃO MUSICAL, 21., 2013, Pirenópolis-­go. Anais […]. João Pesso: Editora da Ufpb, 2013. p. 1530-1541. Disponível em:

ULKOWSKI, Iara Del Padre Iarema; DOS SANTOS CUNHA, Rosemyriam Ribeiro; PINHEIRO, Nadja Nara Barbosa. Da musicoterapia à musicoterapia orientada pela teoria psicanalítica: fundamentos epistemológicos. Revista InCantare, v. 10, n. 1, 2020.

UNIÃO BRASILEIRA DAS ASSOCIAÇÕES DE MUSICOTERAPIA. Definição Brasileira de Musicoterapia. 2018. Disponível em: http://ubammusicoterapia.com.br/definicao-brasileira-de-musicoterapia/. Acesso em: 16 nov. 2020.

UNIÃO BRASILEIRA DAS ASSOCIAÇÕES DE MUSICOTERAPIA. Revista Brasileira de Musicoterapia, p. 4, 1996.

RUUD, Even. Caminhos da Musicoterapia. São Paulo: Summus, 1990.

SANTOS; Elvira Alves dos, ZANINI; Claudia Regina de Oliveira, ESPERIDIÃO; Elizabeth. Cuidando de quem cuida: uma revisão integrativa sobre a musicoterapia como possibilidade terapêutica no cuidado ao cuidador. Revista Música Hodie. V. 15, N.2, P.273. Goiânia, 2015. Disponível em: https://www.revistas.ufg.br/musica/article/download/39740/20296. Acesso em 22 de setembro de 2020.

WHEELER, B. The relationship between music therapy and theories of psychotehrapy. In Music Therapy. v. 1, issue. 1, p. 9-16, 1981. Disponível em: https://academic.oup. com/musictherapy/article/1/1/9/2757052. Acesso em: 22 de setembro de 2020.

 

 

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Utilização do sistema sensorial como prática inclusiva para pessoas com necessidades especiais

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Apesar de algumas iniciativas em prol da inclusão social e escolar de pessoas com deficiência terem sido desenvolvidas, ao longo da história do Brasil e do mundo, um grande marco na garantia de direitos desse público se deu através da Declaração de Salamanca

Os conceitos e práticas referentes à inclusão escolar permeiam uma série de condicionantes históricos e sociais. Machado, Almeida e Saraiva (2009) explicam esse fenômeno como fortemente influenciado por um funcionamento social que data de séculos, enraizado em práticas de exclusão e preconceito. Mantoan (2003) entende essa lógica como um conjunto de regras, crenças e valores que norteiam o comportamento da sociedade durante um determinado período, ou seja, paradigmas. Dessa forma, trabalhar a inclusão significa, necessariamente, reconhecer e quebrar com paradigmas e ações individuais, sociais e institucionais promotoras de exclusão.

Quanto à inclusão de pessoas com deficiência, entendendo os paradigmas que fundamentam a exclusão desse público, Castro (2015) fala sobre o papel de pesquisas e práticas ocidentais que, durante vários períodos históricos, segregaram e promoveram violência a essas pessoas, construindo saberes e conhecimentos pautados apenas no viés biológico da deficiência, contribuindo para o desenvolvimento de práticas de medicalização e internação compulsória. Essa visão, ainda influente na sociedade, desconsidera os condicionantes sociais, psicológicos, culturais e até mesmo institucionais que permeiam o fenômeno da deficiência, o que, sem dúvidas, dificulta a implementação de práticas inclusivas.

 Apesar de algumas iniciativas em prol da inclusão social e escolar de pessoas com deficiência terem sido desenvolvidas, ao longo da história do Brasil e do mundo, um grande marco na garantia de direitos desse público se deu através da Declaração de Salamanca, em 1994, na Espanha, que se trata de um acordo estabelecido entre 92 países e 25 organizações internacionais a respeito do direito da pessoa com deficiência (CASTRO, 2015). Dessa forma, todas as crianças, independentemente de quaisquer diferenças que possam ter entre si, possuem o direito de conviver e interagir no mesmo espaço escolar, usufruindo dos mesmos direitos.

No que tange à educação de pessoas com deficiência intelectual e múltipla, no Brasil, a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (APAE), fundada em 1954 no Rio de Janeiro, segue sendo a principal instituição responsável por realizar a inclusão escolar desse público. Pensando na importância das ações desenvolvidas pela APAE, e levando em consideração a inserção da psicologia nesse campo, o presente trabalho foi desenvolvido a partir de práticas e intervenções em uma unidade da APAE de Palmas – To, na Rua 706 Sul Alameda 14.

O foco da intervenção foram os alunos de uma sala da unidade da APAE. O principal aspecto trabalhado foi a integração sensorial, sendo o objetivo principal a utilização e desenvolvimento destes aspectos. Lira (2014) reforça a importância da aquisição e regulação das habilidades sensoriais para o desenvolvimento da interação social e comunicação no ambiente escolar, principalmente no que tange às crianças com transtornos cognitivos e comportamentais, para que possam se relacionar melhor com o ambiente e processar as demandas deste com mais facilidade e adaptação.

Visto que o preconceito e exclusão de pessoas com deficiência segue sendo uma realidade no Brasil, este trabalho inseriu acadêmicos de psicologia em um campo promovedor da inclusão a fim de ampliar a visão destes e propor uma intervenção de qualidade. Segundo Mantoan (2003), faz-se necessário implantar uma nova ética no âmbito escolar, que provém da individualidade e do social. Desse modo, a intervenção não foi composta somente para os professores e pedagogos, que estão diariamente sendo desafiados pela proposta inclusiva, mas também para os alunos da instituição, que são aqueles que mais estão expostos ao preconceito e à exclusão por parte da sociedade.

Trilha metodológica

Este trabalho é uma pesquisa aplicada, de campo, com objeto metodológico exploratório de natureza qualitativa, via relato de experiência. Para a elaboração deste, primeiramente houve o estudo por meio de aulas expositivas, utilizando principalmente o espaço da sala de aula para discussões e buscas na literatura sobre práticas inclusivas que abordavam principalmente o meio educacional de pessoas com deficiência, expondo os desafios e dificuldades da inserção de uma prática inclusiva em escola de ensino regular e porque as políticas educacionais ainda resistem em adequar essa prática. Posteriormente, deu-se início à confecção do projeto.

Como já apresentado, o presente trabalho é uma pesquisa aplicada, cuja prática é guiada pela amenização de determinadas demandas que o campo apresenta, este sendo o local (Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais – APAE) onde ocorreu a pesquisa e a coleta de dados. Além disso, a pesquisa é do tipo exploratória, que tem como objetivo propiciar uma maior proximidade com a demanda a fim de levantar hipóteses.  Teve a adequação de uma pesquisa qualitativa, que, segundo Córdova e Silveira (2009) possui preocupação com as questões da realidade que não podem ser quantificadas, tendo foco principal na compreensão e explicação da dinâmica das relações sociais e procedimentos de uma Pesquisa-ação, baseada em um relato de experiência. Esta, como define Thiollent (apud SILVEIRA; CÓRDOVA, p.40, 2009),

(…) é um tipo de investigação social com base empírica que é concebida e realizada em estreita associação com uma ação ou com a resolução de um problema coletivo no qual os pesquisadores e os participantes representativos da situação ou do problema estão envolvidos de modo cooperativo ou participativo.

Além do método da observação, foi utilizado um diário de campo para o registro de informações referentes à demanda e a proposta de intervenção que está presente no cronograma deste projeto. Os encontros aconteceram uma vez por semana, na quinta-feira, no período das 10:00 às 11:00 Este horário poderia estar sujeito a alterações ao longo do semestre, pois a instituição possui um cronograma próprio, podendo acontecer atividades internas no mesmo horário das intervenções. O principal público-alvo desta intervenção foram os alunos da instituição.  Cada grupo de acadêmicos de Psicologia foi sorteado a ficar em uma sala para levantar demandas, para que posteriormente pudessem delinear um projeto que se adequasse aos alunos daquela sala. O projeto que foi delineado está presente no cronograma das atividades realizadas no tópico 3 deste trabalho.

Encontros de Observação

O início das atividades no campo, logo após o encontro com o psicólogo da APAE, se deu nos dias 5 e 12 de setembro, quando os estagiários tiveram contato direto com as atividades de sala de aula programadas pela instituição. Foi possível estabelecer vínculo facilmente com a professora responsável pela turma foco da intervenção. Em ambas as datas, o levantamento de dados foi o eixo principal do trabalho realizado. A princípio, três alunos foram apresentados aos estagiários: L., S. e W., que, no primeiro dia, mostraram-se tímidos.

Durante os dois dias, especialmente no primeiro, os minutos de encontro foram utilizados principalmente para conhecer o ambiente da sala de aula, bem como a rotina da professora, sua interação com os alunos e suas possíveis dificuldades naquele contexto. A comunicação com os alunos aconteceu de maneira mais significativa no segundo dia de observação, quando foi possível estreitar vínculos com os três. Durante os dias de observação, algumas demandas foram levantadas explícita e implicitamente no contexto da sala de aula, como a necessidade de melhorar o ambiente, tornando-o mais lúdico e confortável, além de demandas implícitas psicológicas e relacionais, atreladas às necessidades de trabalhar as relações interpessoais entre alunos, envolvendo também a professora. Algo bastante presente nos dois dias de observação foi a temática sensorial, pois o aluno L. possui diagnóstico de paralisia cerebral, além de ser deficiente auditivo e mudo. Sua comunicação ocorre principalmente por meio do toque, o que afugenta e assusta alunos e visitantes, dificultando o processo de interação, socialização, e consequentemente, de inclusão desse aluno.

A necessidade de trabalhar aspectos sensoriais na sala de aula também foi levantada a partir da percepção dos estagiários a respeito de hábitos alimentares disfuncionais relatadas pelo aluno W, que disse “já ter comido um pote inteiro de Arisco” (sic). Dessa forma, a integração sensorial foi pensada para ser trabalhada privilegiando as sensações táteis e gustativas. Quanto às relações interpessoais, pensando principalmente na aluna S., percebeu-se que esta possui uma grande necessidade de se comunicar e interagir. Tem apreço pelos colegas e pela professora, além de ser extremamente afetiva, prestativa e alegre. Apesar dessas características, o vínculo entre S. e seus colegas pareceu frágil, principalmente devido a dificuldades de comunicação com estes, especialmente com L., que é surdo e mudo. Dessa forma, despertou-se nos estagiários o interesse em trabalhar aspectos interpessoais de convívio e interação.

Encerrando os dois encontros de observação, três eixos principais foram pensados para a intervenção:

  1. Trabalho dos aspectos sensoriais, com foco no tato e paladar;
  2. Trabalho das relações interpessoais entre alunos e professora;
  3. Decoração e planejamento de uma sala de aula mais lúdica e confortável.

1º encontro

No primeiro dia de atividades de intervenção, os estagiários levaram para a sala de aula um pote de brigadeiro. A atividade inicial, além de possuir como intuito secundário a aproximação entre estagiários, professora e alunos, foi pensada para estimular os últimos a tocar nos alimentos, fazendo as bolinhas e colocando-as nas forminhas. Lira (2014) ressalta que, no ambiente escolar, é possível propiciar um espaço onde os alunos tenham suas habilidades sensoriais estimuladas e/ou moduladas, de modo a promover aprendizagem.

Desse modo, a atividade programada foi pensada para o contato direto com o alimento por meio das sensações, entretanto, a professora não permitiu o toque, alegando que os alunos poderiam sujar os materiais. Além disso, no dia do encontro, uma atividade com o corpo de bombeiros havia sido programada pela instituição e foi necessário que os alunos participassem. Sendo assim, os estagiários agilizaram a intervenção, servindo o brigadeiro aos alunos com colheres.

Apesar do objetivo de a atividade não ter sido atingido de maneira íntegra, os alunos degustaram o alimento, e foi possível orientá-los quanto ao modo de consumo. W., o aluno cuja alimentação mostrou-se desregulada, foi orientado a comer devagar e levar colheradas menos cheias à boca. W. foi receptivo às orientações. O aluno L. ingeriu uma grande quantidade do doce, e a professora falou sobre sua compulsão por alimento. Maturana (2010 apud PERLS, 1947), ao tratar sobre a relação entre o sujeito e o objeto de alimentação, fala sobre o desajuste alimentar. De acordo com a autora, a relação banalizada com o alimento, seja por consumi-lo apenas para se satisfazer ou para suprir uma outra necessidade, caracteriza um comportamento pré-reflexivo, onde o indivíduo não se encontra presente na experiência, ou seja, mantém com a comida uma relação banal e instintiva. No caso de L., essa dinâmica é percebida principalmente por se tratar de um aluno cujo contato estabelecido com o meio é disfuncional e até mesmo inoperante.

No caso de W., foi informado pela professora aos estagiários que sua relação com o excesso de comida ocorre por questões familiares. Maturana (2010) também cita a importância do processo familiar na dinâmica da alimentação. Conforme a autora, a família transmite regras e condutas específicas a respeito do ato de se alimentar, que também passam a constituir a personalidade do sujeito. O aluno em questão, de acordo com as palavras da professora, utiliza da alimentação desregulada como forma de enfrentar as regras impostas por seu contexto familiar, mantendo uma relação disfuncional com o alimento à medida que o “introjeta” de maneira agressiva.

Com essas informações, o encontro foi encerrado. A atividade com os bombeiros aconteceu de maneira paralela às intervenções dos estagiários no campo, desse modo, não foi possível integrar as duas programações.

2º encontro

No segundo encontro, os psicólogos em formação levaram para a intervenção alguns materiais, como letras do alfabeto e números em EVA, um painel e post-its para decoração da sala. Neste dia, apenas W. ficou na sala de aula, pois a professora mandou a maioria dos alunos para a aula de música. O intuito do encontro, a princípio, era trabalhar concomitantemente as três demandas levantadas: decoração da sala, integração sensorial e relações interpessoais. Como a maioria dos alunos não puderam estar presentes, a dinâmica do encontro girou em torno da interação dos estagiários com a professora a partir da decoração da sala.

De acordo com Miglioranza (2013), a promoção de atividades lúdicas para pessoas com deficiência intelectual é importante pois permite que estas explorem possibilidades até então desconhecidas, devido às limitações cognitivas. O uso de jogos, colagens, brinquedos e decorações chamativas pode propiciar um clima de aprendizagem onde o aluno é estimulado, sem que a atividade se torne penosa, punitiva ou cansativa. Sendo assim, os estagiários pensaram em decorar as paredes com letras e números em EVA, de modo a tornar o ambiente de sala de aula mais interativo. Em conjunto com a professora, também foi elaborado o “quadro dos pensamentos”, utilizando um painel e post-its. Este último instrumento foi pensado para ser utilizado a longo prazo na sala de aula, com o propósito de permitir que os alunos se expressem desenhando, escrevendo ou pintando a respeito de suas emoções, sensações, pensamentos e sentimentos.

A interação com a professora aconteceu de modo espontâneo e leve. Ela pôde se expressar a respeito da sua rotina, bem como conversar a respeito de assuntos relacionados ao seu contexto de trabalho, além de sua vida pessoal, o que reforçou o estreitamento de vínculo entre a profissional e os estagiários. Entretanto, os alunos não puderam participar da intervenção, o que resultou em certo prejuízo na realização das atividades. W., apesar de presente no ambiente, não quis participar da decoração da sala. Pareceu menos confortável e disposto a interagir com os estagiários.

3º encontro

No terceiro encontro, outra intercorrência aconteceu. A equipe da APAE levou todos os alunos para um passeio no parque, e essa atividade não foi informada a tempo aos estagiários. Entretanto, todos chegaram a tempo da intervenção. Para o encontro, foi levada uma geleca (slime), com o objetivo de continuar o trabalho sensorial desenvolvido. Os estagiários observaram que os três alunos, L., S. e W., chegaram agitados das atividades do parque. Para que todos interagissem de alguma forma, cada estagiário ficou responsável por um aluno, porém, nesse dia, a intervenção ganhou mais um componente, o aluno B., que até então não havia sido apresentado nem comparecido aos encontros anteriores.

Foi possível perceber que L. possui uma forma particular de aprender, que é a partir da observação e imitação. Melo-Dias e Silva (2019) caracterizam esse tipo de aprendizagem como fundamental para a sobrevivência, pois, desde os mais remotos tempos, os seres observam-se mutuamente e repetem esquemas e padrões de comportamento de modo a garantir a própria segurança. Trazendo para o contexto em questão, L., apesar de seu comprometimento cognitivo, é capaz de reproduzir o que vivencia no dia a dia. A própria professora relatou que o aluno, desde o seu primeiro dia na instituição, aprendeu a adequar seu comportamento à medida que participava das aulas e convivia com outros alunos. Sendo assim, as interações com L. foram permeadas por representações gestuais e não-verbais, de modo que o aluno conseguisse adquirir novos repertórios comportamentais que se adequassem à sua maneira de aprender.

A aluna S., como dito anteriormente, é extremamente afetiva e alegre. Sua afetividade foi visível com os estagiários, que construíram um vínculo forte de amizade com esta. Ao longo do encontro, S. os presenteou com um desenho caracterizando-os, e também demonstrou afeto a partir de abraços. Conforme Mattos (2008), o trabalho da afetividade em contextos escolares de inclusão mostra-se imprescindível, visto que constitui um dos combustíveis necessários para o bom funcionamento cognitivo. Esse fator também serve como canal facilitador da aprendizagem. Levando em conta essas particularidades, os estagiários utilizaram do contato afetivo para estimular a aluna a participar das atividades e a relacionar-se com os colegas, promovendo a aproximação entre todos.

Quanto ao trabalho sensorial com a geleca, foi possível perceber que cada aluno interagiu e reagiu de maneira diferente ao objeto. L. demonstrou estranhamento e repulsa a partir de suas expressões faciais e mãos, enquanto S. e W. brincaram sem restrições. No caso da aluna, esta utilizou o brinquedo para escondê-lo, jogando caça ao tesouro com os estagiários. Sua dedicação à brincadeira foi reforçada, de modo que ela se empolgou e quis continuar brincando.

O aluno B., apesar de ter se mostrado levemente retraído, conseguiu manter uma comunicação de qualidade com os estagiários, e assim o vínculo foi estabelecido sem problemas. Percebeu-se que B é afetivo e inteligente. Conversou com os estagiários a respeito de assuntos como faculdade e política, demonstrando ser atento às notícias e atualidades.

4º encontro

No quarto encontro, ao chegar na sala, os estagiários perceberam a ausência da professora e dos alunos, com isso saíram para localizá-los. Ao encontrar a professora, ela os informou que estava cuidando de um aluno em outro ambiente, assim, os alunos pelos quais ela é responsável estavam em outras salas.  Os estagiários foram à procura dos alunos, e ao encontrá-los, os convidaram a irem para sala onde aconteceria a intervenção. Assim, as atividades desenvolvidas foram o uso de massinha com intuito de trabalhar a criatividade e também aspectos sensoriais, além do uso de uma atividade imprimível contendo um labirinto na folha de papel, com objetivo de trabalhar as habilidades motoras, sendo que, somente S. desenvolveu essa atividade, ainda assim demonstrando  dificuldade em encontrar a saída do labirinto. Souza, França e Campos (2006) considera que a solução desse teste envolve a operacionalização da intenção de movimentar-se para alcançar um objetivo. A estabilização do desempenho pode indicar a utilização de estratégias cognitivas e formação de um programa de ação.

Com o aluno L., trabalhou-se também o desenvolvimento motor. Com a utilização de uma folha em branco, um dos estagiários desenhou a mão do aluno na expectativa deste repetir a ação. Com isso, foi possível observar que L. acompanhou atentamente os movimentos do estagiário durante a prática do desenho, e em seguida tentou fazer o mesmo, ou seja, houve uma tentativa de repetição do desenho, o que reforça o que os estagiários haviam percebido anteriormente a respeito da aprendizagem do aluno em questão.

5º encontro

Os estagiários programaram uma atividade de adivinhação para os alunos e a professora da sala. Levaram uma venda para os olhos e alguns objetos como pena, urso de pelúcia, pincel, etc., e balões para animar o clima da sala de aula, com o intuito de trabalhar aspectos sensoriais do tato. Cardoso (2013) ressalta que o contato por meio dos órgãos sensoriais promove aprendizagem e gera conhecimento. Cita o processo sensório-perceptivo como basilar para o desenvolvimento psíquico e biológico, caracterizando esse tipo de aprendizagem como antecedente às abstrações científicas, filosóficas e racionais. Sendo assim, explorar o corpo e o ambiente, ainda conforme Cardoso (2013), promove retorno a um nível de abstração primário do ser humano, possibilitando que a aprendizagem aconteça de maneira íntegra. A respeito disso, Dusi, Neves e Antony (2006) alegam que o aprender significativo é aquele que integra as dimensões cognitivas, sensoriais e motoras do indivíduo, numa perspectiva holística de compreensão do ser humano.

Assim, no contexto em questão, a intervenção realizada permitiu trabalhar as potencialidades da deficiência de cada um, possibilitando que cada aluno pudesse, dentro de suas capacidades, apreender a experiência sensorial e incorporá-la como aprendizado. Os alunos B. e W., por exemplo, surpreenderam a todos com suas capacidades de adivinhação a partir do tato. Conseguiram acertar sem dificuldades os objetos que tocaram em um tempo razoável. No caso de L., apesar de não conseguir raciocinar ou verbalizar sobre a experiência, notou-se que o aluno, ao ser vendado, reagiu com estranheza. Pareceu se divertir após a remoção da venda, sorrindo e ficando agitado quando os colegas participavam da brincadeira.

Todos os alunos estavam presentes e juntamente com os estagiários, encheram os balões e colaram na parede. A professora se animou bastante e até pegou outros objetos de outras salas para a brincadeira continuar. Até os estagiários e a própria professora participaram, dando até a ideia de chamar outras salas para entrarem na brincadeira em encontros futuros. Após o fim da brincadeira, os estagiários se despediram e foram embora.

É possível afirmar que houve aprendizagem de todas as partes envolvidas no processo: professora, alunos e estagiários. A experiência propiciou a vivência de relações íntimas com o ambiente a partir do tato, e consequentemente, o estabelecimento de relações interpessoais entre os indivíduos. Dusi, Neves e Antony (2006) definem como contato toda a experiência que ocorre entre indivíduos ou entre indivíduo e meio e possibilita crescimento pessoal, a partir da apreensão do novo. Dentro dessa dinâmica, pode-se dizer que o contato ocorreu com qualidade, propiciando aprendizagem e estreitamento de vínculos entre todos.

6º encontro

Neste encontro, a principal proposta foi uma dinâmica, que consistia em um leque de elogios com os alunos, além da confecção de um porta-retrato com palitos de picolé. Devido ao ônibus da instituição estar quebrado, apenas 2 alunos compareceram. Durante a dinâmica, o aluno B. teve dificuldade ao fazer as dobraduras do leque, então com o auxílio da estagiária, ele fez, e assim, deu-se início a rotação. Cada leque iria passar por todas as pessoas da roda e cada uma delas teria que escrever um elogio ou algo que poderia melhorar. A execução da dinâmica foi possível pois apenas os alunos B. e W. estavam presentes, e ambos possuem um nível cognitivo satisfatório para a leitura e escrita.

Melo (2010), no que tange à comunicação com pessoas com deficiência, especialmente as do tipo intelectual, cognitiva ou múltipla, orienta que a fala seja carregada de afeto e atenção. Além disso, ressalta a importância de serem evitadas condutas de superproteção e infantilização desses sujeitos, deixando que estes se manifestem de maneira autônoma e apenas sejam auxiliados quando realmente houver necessidade. Dessa forma, durante a atividade, os estagiários e a professora deixaram que os dois alunos presentes, B. e W., dobrassem o leque e escrevessem os adjetivos. Foi necessário auxiliar o aluno B. na atividade, pois este tinha dificuldade para ler. Entretanto, estagiários e professora incentivaram o aluno a desenvolver sua autonomia, apoiando-o e incentivando-o.

Todos pareceram estar se divertindo e gostando dos elogios. Dantas e Martins (2009) falam sobre a importância do desenvolvimento de relações interpessoais construtivas entre pessoas com deficiência no ambiente escolar, sejam destas com seus colegas, com profissionais, funcionários ou professores. De acordo com as autoras, o contato com o outro propicia desenvolvimento inter e intrapessoal, pois é a partir da mediação social que o sujeito pode se constituir como pessoa. A troca de elogios entre professora, estagiários e alunos propiciou diversão e afeto, aumentando a interação entre todos.

No fim da dinâmica, os estagiários pediram para os alunos fazerem desenhos, e assim, começarem a fazer os porta-retratos. Inicialmente, seriam fotos para compor os porta-retratos, mas como um dos alunos não estava na foto, foi de maior valia fazer um desenho. Nenhum estagiário interferiu no desenho dos alunos, de modo a permitir que cada um pudesse se manifestar autenticamente a partir de suas potencialidades, indo ao encontro com o que Melo (2010) postula a respeito do manejo de pessoas com deficiência intelectual.

7º encontro

Para este encontro, foi planejado fazer pinturas na pele dos estudantes e estes fazerem pinturas nos estagiários, para que todos tivessem um maior contato sensorial. Os estagiários levaram tinta para pintura na pele e pediram primeiramente a permissão da professora para poderem realizar a atividade. Conforme Guero (2013), os órgãos sensoriais são imprescindíveis para a aprendizagem. Sabe-se que o aluno L. possui deficiência auditiva e possivelmente visual, além de seu comprometimento cognitivo, entretanto, consegue apreender o mundo e os objetos a partir de outras maneiras, como pela sensação tátil. Neste encontro, apenas W. e este aluno compareceram. A atividade foi realizada de modo que ambos pudessem sentir o contato da tinta no corpo, tocá-la e cheirá-la. Guero (2013) refere-se a esse tipo de interação sensorial como sensações exteroceptivas, ou seja, pertencente a estímulos externos que ativam onde há a utilização dos sentidos (paladar, tato, olfato, audição e visão).

Uma das estagiárias desenhou no braço de W. o que este havia pedido, uma aranha com seu nome embaixo. O aluno demonstrou interesse e empolgação com a atividade, e se comprometeu em pintar as duas estagiárias. Matera e Leal (2016) falam sobre o papel da arte na educação inclusiva, ressaltando que esta abre caminhos para novas experiências, permitindo a superação de limitações e desenvolvimento de habilidades. A aprendizagem artística foge aos padrões convencionais de educação e promove inclusão à medida que possibilita que cada aluno se expresse de maneira única e autêntica.

No caso de L., o aluno reagiu inicialmente de modo estranho à sensação da tinta em seu corpo. Com a acomodação da experiência, conseguiu até mesmo espalhar a tinta pelo corpo, divertindo-se e interagindo com o estagiário à medida que este o pintava. O contato com o novo é um processo que abala o campo inter-relacional entre indivíduo e meio. L., ao entrar em contato com o elemento tinta, abriu várias possibilidades de aprendizagem. Dusi, Neves e Antony (2006) explicam o ciclo do contato como um processo de várias etapas onde podem ocorrer diversas formas de relacionamento com o meio. No caso de L., o contato inicial com a experiência aconteceu com fixação, houve resistência e medo. Entretanto, à medida que a situação foi assimilada e acomodada, maior foi a fluidez do processo, e o aluno pôde experimentar sensações e agregá-las à sua totalidade. Em dado momento, L., energizado pela experiência, conseguiu partir para a ação, repetindo os movimentos do estagiário e pintando-o.

Como dito anteriormente, L. é um aluno que aprende predominantemente por imitação e observação. Aguiar (1998) salienta que esse modelo de aprendizagem não é meramente uma cópia de um símbolo externo, mas uma reorganização individual de um significado. Dessa forma, apesar de seu comprometimento neurocognitivo, o aluno apresenta um funcionamento próprio no que tange à exploração do meio, o que pôde ser reforçado através da atividade de pintura.

O final do encontro foi marcado por outra experiência sensorial entre o estagiário e o aluno L. Este foi higienizado com água e sabão, de modo a se limpar da tinta. Foi colaborativo com o estagiário e demonstrou apreço pela limpeza, divertindo-se com a água. A interação do aluno com a limpeza reforçou a observação dos estagiários da importância das sensações táteis para L. O outro aluno, W., desejou continuar pintado. Pode-se dizer que ambos, em suas próprias maneiras, apreenderam a experiência e ampliaram o contato com o ambiente e com o outro, um dos objetivos do encontro.

8º encontro

Para o último encontro, foi planejado dar um feedback para a professora de todas as atividades realizadas durante o semestre, juntamente com um lanche e uma lembrancinha. Os estagiários, ao invés de dar uma lembrancinha para cada um, se juntaram e compraram um jogo onde todos da sala poderiam jogar juntos. O jogo em questão é o pula-pirata, onde ao colocar as espadas no barril do pirata, é acionado um mecanismo onde o pirata pula. O brinquedo foi pensado para que todos os alunos brinquem juntos, o que propiciaria maior interação entre todos. A escolha levou em conta as particularidades do aluno L., que, como citado anteriormente, possui o tato como sentido mais aguçado, além de aprender principalmente por observação. Mafra (2008) aponta que o processo de brincar é fundamental para pessoas com deficiência, pois o papel principal do lúdico nesse contexto é de facilitar e promover a aprendizagem e o desenvolvimento cognitivo, neurológico, afetivo e social desses sujeitos. Dessa forma, a presença de um brinquedo a mais no ambiente de sala de aula, sendo ainda um brinquedo que requer interação, mostra-se de grande contribuição.

Os acadêmicos fizeram um apanhado de todos os encontros, desde a principal demanda que levantaram, até às reações dos alunos e da professora. Esta deu um feedback bastante positivo em relação aos encontros. Disse que L., que possui deficiência na fala, audição e cognição, teve melhoras positivas em suas relações interpessoais. Ela, que antes dizia que este não se comunicava, começou a perceber que ele se comunica com as outras pessoas de um modo diferente, que é a partir do toque, da observação. Os estagiários levaram pipoca como lanche de despedida. Além da própria professora, apenas L. estava presente.

CONCLUSÃO

Diante do exposto, pode-se constatar que as atividades propostas foram concluídas encontro após encontro, atingindo os objetivos propostos no início do projeto. O foco das intervenções foi se adaptando conforme as demandas foram se apresentando. É importante salientar que nem todas as atividades planejadas pelos estagiários foram efetivadas por motivo de intercorrências no campo, visto que este já possuía um cronograma estabelecido para o semestre, no entanto, as atividades foram adaptadas no momento para que fossem concluídas.

Os alunos que obtiveram maior benefícios das intervenções foram S. e L., respectivamente pelas demandas de relacionamento interpessoal e comunicação não verbal. Os estagiários conseguiram desenvolver vínculo com a turma onde realizaram o relato e em relação aos objetivos alusivos à integração sensorial, com a utilização de atividades que envolviam esse aspecto, foram adaptados para determinados momentos e finalizados. Desse modo, é possível concluir e reafirmar a importância da Psicologia em espaços que dizem promover a inclusão, pois esta ciência está em constante evolução, propõe um olhar acolhedor e empático, além de possuir como uma das premissas a prática inclusiva.

REFERÊNCIAS

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CARDOSO, D. S. Despertar da percepção na educação infantil: caminhos para uma aprendizagem totalizante. 2013. 111f. Monografia (Mestrado em Educação, Arte e História da Cultura) – Universidade Presbiteriana Mackenzie, São Paulo, 2013.

CASTRO, F. M. O papel da APAE frente à inclusão de estudantes com deficiência na rede pública de ensino em Carinhanha-BA. 2015. 47 f. Monografia (Especialização em Desenvolvimento Humano, Educação e Inclusão Escolar)—Universidade de Brasília, Universidade Aberta do Brasil, Brasília, 2015.

DANTAS, D. C. L; MARTINS, L. A. R. Pessoas com deficiência intelectual na escola regular: a educação inclusiva é possível. V Congresso Brasileiro Multidisciplinar de Educação Especial, 3 a 6 de novembro de 2009, Londrina, Paraná, Brasil.

DUSI, M. L. H. M; NEVES, M. M. B. J; ANTONY, S. Abordagem gestáltica e psicopedagogia: um olhar compreensivo para a totalidade criança-escola. Universidade de Brasília, Paidéia, 2006, pg 149-159.

GUERO, M. G. Capítulo I: 1 – Deficiência Intelectual; Áreas do Desenvolvimento; Área Cognitiva; Sensação. In: PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Superintendência de Educação. Os Desafios da Escola Pública Paranaense na Perspectiva do Professor PDE. 2014. Curitiba: SEED/PR., 2016. V.1. (Cadernos PDE).

LIRA, A. V. A. Noções de Integração Sensorial na Escola: Orientações para Inclusão. Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ). 2014.

MACHADO, A. M.; ALMEIDA, I. & SARAIVA, L. F. O.  Rupturas necessárias para uma prática Inclusiva. In Educação Inclusiva: experiências profissionais em psicologia (pp. 21-36). Brasília: Conselho Federal de Psicologia, 2009.

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MANTOAN, M. T. E. Inclusão escolar: o que é? por quê? como fazer?. São Paulo: Moderna, 2003.

MATERA, V. S. M; LEAL, Z. F. R. G. ARTE E DEFICIÊNCIA INTELECTUAL: caminhos, possibilidades e aprendizagem. In: PARANÁ. Secretaria de Estado da Educação. Superintendência de Educação. Os Desafios da Escola Pública Paranaense na Perspectiva do Professor PDE. 2016. Curitiba: SEED/PR., 2016. V.1. (Cadernos PDE).

MATTOS, S. M. N. A afetividade como fator de inclusão escolar. TEIAS: Rio de Janeiro, ano 9, nº 18, pp. 50-59, julho/dezembro 2008.

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SILVEIRA, D. T.; CÓRDOVA, F. P. Métodos de pesquisa. [organizado por] Tatiana Engel Gerhardt e Denise Tolfo Silveira; coordenado pela Universidade Aberta do Brasil – UAB/UFRGS e pelo Curso de Graduação Tecnológica – Planejamento e Gestão para o Desenvolvimento Rural da SEAD/UFRGS. – Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2009.

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Suicídio: tipos e possíveis intervenções

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Primeiramente, é preciso que se defina conceitualmente o que seja suicídio. Segundo Émile Durkheim (1858-1917), diferente de outros tipos de morte, nesse caso, a retirada da vida ocorre mediante a ação do próprio indivíduo. “(…) entre as diversas espécies de morte, há as que apresentam a característica particular de serem feito da própria vítima, de resultarem de um ato cujo paciente é o autor; e, por outro lado, é certo que essa mesma característica se encontra na própria base da ideia que comumente se tem de suicídio” (DURKHEIM, 2000, p. 11).

Fonte: http://zip.net/bktKcV

Cabe destacar que a ação é intencional e acompanhada por algum objetivo. Referente à fundamentação teórica do conceito, temos que: “(…) chegamos portanto a uma primeira formulação: chama-se suicídio toda morte mediata ou imediatamente de um ato positivo ou negativo, realizado pela própria vítima” (DURKHEIM, 2000, p. 11). Dentre os tipos de suicídio, temos os três seguintes: suicídio egoísta, suicídio altruísta e suicídio anômico. A seguir explanaremos a respeito de cada um e por fim, apresentaremos possíveis intervenções para os casos explicados.

Suicídio Egoísta

O egoísmo, segundo o dicionário Aurélio (2017, s/p), é o “amor exclusivo à pessoa e aos seus interesses próprios”. Partindo desse conceito, suicídio egoísta é aquele em que o ego individual se afirma fortemente frente ao ego social, ou seja, há uma individualização exagerada. A fragilização do vínculo relacional/emocional/afetivo contribui com a sensação de solidão e tristeza, o que facilita que a perda de direção/senso/sentido na vida se instale.

Acontece quando as pessoas se sentem totalmente separadas da sociedade. Nele os interesses particulares estão acima dos interesses da sociedade. Geralmente, as pessoas estão integradas à sociedade por papeis de trabalho, laços com a família e comunidade, e outras obrigações sociais (DURKHEIM, 2000).

Quando esses laços são enfraquecidos através de aposentadoria ou perda de familiares e amigos, a probabilidade de ocorrência aumenta. Os idosos que perdem estes laços são os mais suscetíveis ao suicídio egoísta (DURKHEIM, 2000). O suicídio egoísta acontece, especialmente, nas sociedades ditas “superiores” (as sociedades ocidentais modernas em contraposição às “primitivas”, tribais ou indígenas), mas com determinadas carências de integração entre sociedade e indivíduo.

O referido autor acredita que existem diferenças entre as populações mais intelectualizadas e que viver nas cidades seria a razão de terem maior inclinação ao suicídio, por exemplo, quanto maior a cidade, mais a pessoa sente-se sozinha considerando que existem pessoas que ela não conhece e nunca vai conhecer.

Fonte: http://zip.net/bvtKBw

A sociedade é individualista o que leva Durkheim (2000), a afirmar que uma individualização excessiva leva o suicídio. Quando desligado da sociedade, o homem é propenso a se matar facilmente. É o tipo de suicídio que prepondera na modernidade e, geralmente, é praticado por pessoas que não se sentem devidamente integrados à sociedade e, de certo modo, estão isolados dos grupos sociais (família, amigos, comunidade, por exemplo) (DURKHEIM, 2000).

A depressão, a melancolia, a sensação de desamparo moral provocadas pela desagregação social tornam-se, então, causas deste tipo de suicídio. Essa desintegração causa sofrimento à pessoa a tal ponto de ela chegar ao estado mais extremo de se matar para que, dessa forma, não continue sofrendo. Outras características desse tipo de perfil é que costuma ser um ser humano que não possui laços de amizade amigos, perdeu, ou nunca teve namorado/namorada, não se integra à família e não se sente útil de forma alguma. Diante dessa situação, ele é assolado por pensamentos de que ninguém vai sentir sua falta e acaba com tudo.

Ornish (1999, p. 31) salienta que: “o poder curativo do amor e dos relacionamentos tem sido documentado em um número crescente de estudos científicos bem orientados, que envolvem centenas de milhares de pessoas no mundo todo”. Assim, diante do potencial efeito de cura do amor, podemos ressaltar que a manifestação de afeto presente nas relações interpessoais causa em quem o recebe diferentes sensações. Com ações assim, vínculos são fortalecidos e problemas são mais facilmente encarados.

Nesse contexto, cabe destacar que a capacidade de se emocionar e de se comunicar de forma verbal consiste num dos atributos mais relevantes que diferencia o ser humano de outros seres. Segundo um dos principais suicidólogos do país, Carlos Felipe D’oliveira, a principal causa do suicídio é a depressão. “O indivíduo fica deprimido, se isola, e o isolamento alimenta ainda mais esse processo de depressão” (TRIGEIRO, 2015, p. 128).

Fonte: http://zip.net/bltJGY

Ou seja, quando o ser humano não se encontra num estado de experimentação de bem-estar e contentamento, ele tende a fugir de situações festivas, de momentos em que será mais visualizado. Sua tendência é se afastar de contextos que propiciem interação social. No entanto, devemos alargar a visão ao pensar em causas do suicídio, pois as possíveis razões conseguem ir além do que foi supracitado. Adiante veremos mais razões para a emissão desse tipo de comportamento. Durkheim (2000) observa que o homem é um ser duplo, possui uma personalidade individual e uma coletiva, sendo que a última representa um padrão comum entre todas as pessoas.

Assim, quando a sociedade, por algum motivo, não consegue infundir seus valores coletivos de pertencimento e de existência na pessoa, este pode dar fim à própria vida se alguma situação relacionada tão somente ao seu particular tenha dado origem a uma decepção, desilusão, descrença. Ainda, segundo Émile Durkheim (2000), pessoas casadas se matam em menor proporção que as solteiras, apontando uma relação estreita entre a formação familiar e a preservação da vida.

Há ainda uma relação direta entre o estado civil, que são: casado e solteiro. Foi verificado ainda associação entre o voto de celibato e maior tendência ao suicídio. Segundo o autor:

  • Os casamentos demasiado precoces têm uma influência agravante sobre o suicídio, principalmente em relação aos homens: os casamentos prematuros determinam um estado moral cuja ação é nociva, sobretudo para os homens;
  • A partir de 20 anos, os casados, homens e mulheres, se beneficiam de um coeficiente de preservação com relação aos solteiros;
  • O coeficiente de preservação dos casados com relação aos solteiros varia de acordo com os sexos: o sexo mais favorecido no estado de casamento varia, por sua vez, conforme a natureza do sexo mais favorecido;
  • A viuvez diminui o coeficiente dos casados, homens e mulheres, no entanto, na maioria das vezes, não o suprime completamente. Os viúvos suicidam-se mais do que os casados, mas, no geral, menos do que os solteiros (2000, p. 214-217).

Suicídio Altruísta

Considerando a perspectiva inicial, no que tange a possíveis causas, é sabido que, diferente do exemplo anterior, a individuação insuficiente é um dos fatores relevantes para a efetuação do comportamento de se suicidar (DURKHEIM, 2000).

Para o Dicionário Aurélio (2017, s/p), individuação consiste em: “acentuar as particularidades individuais de”. Assim, se utilizando dessa definição, compreendemos que esse processo existe a partir da visualização/reconhecimento de características pertinentes ao indivíduo.

Fonte: http://zip.net/bvtKBy

Nesse contexto, há os casos de suicídio obrigatórios, em que o meio social aborda a temática de forma explícita/clara. Alguns exemplos: “Suicídios de homens que chegam ao limiar da velhice ou são afetados por doenças; suicídios de mulheres por ocasião da morte do marido; suicídios de clientes e servidores por ocasião da morte de seus chefes” (DURKHEIM, 2000, p. 272).

Existe ainda casos de autoviolência praticada de maneira espontânea, como quando ocorre uma briga conjugal ou mesmo alguma demonstração ciumenta. É importante citar que esses comportamentos são mantidos em razão da falta de interesses próprios, de um sentido maior à existência. E, embora, nesse momento, não sejam, de forma formal, estimulados a se matar, a opinião social favorece a execução desse ato (DURKHEIM, 2000).

Fonte: http://zip.net/bltJKw

Como veem-se nas outras modalidades do suicídio a ausência do olhar apurado da sociedade, a falta de afeto e a falta de amor, constituem-se um quesito importante que levam ao ato suicida. Isso tudo exerce influência sobre como o indivíduo se vê, sobre a realidade de se sentir alguém diferente/diferenciado ou não.

No suicídio altruísta, tem-se uma causa curiosa, que seria o ato heroico do indivíduo, ou seja, dar sua própria vida em uma “suposta melhoria” para as demais pessoas. Não existe depressão, a pessoa está integrada à sociedade, mas mesmo assim decide tirar sua vida, por acreditar, que isso poderá contribuir positivamente na vida das pessoas ou na sociedade. 

Suicídio Anômico

Durkheim (2000) ainda nos fala de uma terceira forma de suicídio como uma tipologia social: o anômico. Esse termo, anomia, ao analisarmos separadamente, refere-se à uma “ausência generalizada de respeito a normas sociais, devido a contradições ou divergências entre estas” (FERREIRA, 2001). No entanto, em “O Suicídio”, o termo está mais relacionado a crises financeiras e individuais.

O suicídio anômico pode ser caracterizado como aquele possivelmente decorrente de perturbações da ordem coletiva, uma ruptura do equilíbrio econômico-social em que o indivíduo se encontra, como crises financeiras; atingem, principalmente, industriais e comerciais (DURKHEIM, 2000). A relação proposta pelo autor há um século continua presente na sociedade atual. Em parte, pode-se afirmar que nosso sistema econômico atual é muito sensível às crises financeiras mundiais devido aos mercados cada vez mais globalizados.

Uma pesquisa realizada em 2009 e publicada na “British Medical Journal”, mostrou que, nos 54 países americanos e europeus pesquisados após a crise financeira de 2008, o número de suicídios masculinos aumentou 3,3% nos países afetados pela crise financeira (BBC, 2013); o que nos mostra que o ato suicida pode ser influenciado grandemente por estes fatores.

Fonte: http://zip.net/bctJ3Y

É importante deixar claro que o suicídio não é um fenômeno social exclusivo de períodos anômicos porque, unicamente, os indivíduos passam a possuir menos. Mesmo em tempos de relativa paz econômica o suicídio ocorre. Contudo, o que se pode observar na anomia é um aumento dos índices.

Durkheim (2000) ainda nos apresenta algumas causas individuais que, decorrentes da anomia, podem atuar no aumento de suicídios. Uma delas é quando suas necessidades já são supridas, mas o indivíduo busca mais, como o luxo. Em outras palavras, significa não ultrapassar a barreira de ter aquilo que se consegue alcançar, baseado no seu poder de compra e classe social. Caso contrário, para o funcionamento dessa dinâmica, haverá dor e infelicidade.

O suicídio anômico é considerado diferente do suicídio egoísta porque aqui temos uma forma que depende da regulamentação da sociedade sob a vida dos indivíduos; diferentemente do segundo, no qual depende da maneira que os indivíduos estão ligados à sociedade (DURKHEIM, 2000).

Possíveis intervenções

No que tange a possíveis práticas interventivas, podemos citar que:

Diferentemente da realidade que vivenciamos, é necessário abordar a temática, por ser considerado um problema social (baseado na perspectiva apresentada até agora) e também de saúde pública – já que fere um dos maiores direitos garantidos por Lei, a saber, a vida. Nesse viés, entendemos que: “Na área de saúde, prevenção se faz com informação” (TRIGUEIRO, 2015, p. 46). Existe também a relação de que a pessoa que comete suicídio apresentada estado de intensos dor e sofrimento mental.

Ao se tratar do suicídio egoísta, a realização de grupos operativos (focados numa tarefa) pode ajudar a estruturar relações, o aprofundamento de vínculo relacional. O que, consequentemente, contribui para uma maior  integração/envolvimento ao meio social/comunidade em que se está inserido. Além disso, a psicoterapia pode ajudar no acompanhamento do estabelecimento de relações saudáveis.

Fonte: http://zip.net/bgtJ6X

Ao se referir ao suicídio altruísta, a base histórico-social precisa ser observada de forma minuciosa, uma vez que, a partir da história de vida do indivíduo é que esses valores – matar por algo maior – são instituídos. Nesse caso, o líder religioso e o momento da pessoa de filiação à determinada religião devem ser consultados.

Por fim, ao abordar o suicídio anômico, os profissionais de saúde mental – principalmente psicólogos e psiquiatras – devem ajudar o indivíduo a se fortalecer para conseguir enfrentar/lidar/superar as adversidades/instabilidades de cunho financeiro.

 

Referências:

Anderson, M.L. and Taylor, H.F. (2009). Sociology: The Essentials. Belmont, CA: Thomson Wadsworth.

BBC. Estudo liga aumento de suicídios à crise global. Disponível em: <http://www.bbc.com/portuguese/noticias/2013/09/130918_crise_economica_suicidio_lgb> Acesso em: 17 mai 2017.

CABRAL, J F P. “Sobre o suicídio na sociologia de Èmile Durkheim”; Brasil Escola

Dicionário Aurélio. Individuação. 2017. Disponível em: <https://dicionariodoaurelio.com/individuar> Acesso em: 16/05/2017

ESTABLET, R. A atualidade de ‘O Suicídio’. In: MASSELLA, Alexandre Braga (org.). Durkheim: 150 anos. Belo Horizonte, MG: Argvmentvm, 2009, p. 119-129.

DURKHEIM, É. O suicídio: estudo de sociologia. São Paulo: Martins Fontes, 2000.

DURKHEIM, É. Suicídio: definição do problema; suicídio egoísta; suicídio altruísta; suicídio anômico. In:______. Émile Durkheim: sociologia. Organizador José Albertino Rodrigues. São Paulo: Ática, 1981, p. 103-122.

FERREIRA, A. B. de H. Miniaurélio Século XXI: o minidicionário da língua portuguesa. 5ª ed. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2001.

ORNISH, D. Amor e sobrevivência: a base científica para o poder curativo da intimidade. Brasil: Rocco, 1999, 268 p.

TRIGUEIRO, A. Viver é a melhor opção: a prevenção do suicídio no Brasil e no mundo. São Bernardo do Campo – São Paulo: Correio Fraterno, 2° ed, 2015, 51 p.

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