Sebastião Salgado – Da sombra do preto à luz do branco

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Sebastião Ribeiro Salgado Júnior, economista e fotojornalista, é conhecido e reconhecido por suas impactantes obras fotográficas, em preto e branco, que retratam de maneira ímpar e clara os diferentes temas que dão nome aos seus projetos pessoais e de trabalho, transformados em livros, como “Outras Américas” (1985) que retrata culturas camponesas e indígenas em diversas viagens de 1977 a 1984; “Trabalhadores” (1997) o qual tinha o objetivo de mostrar a veracidade dos trabalhos manuais quase extintos de 26 países aos quais viajou por 6 anos, de 1980 a 1986. Aqui tem-se como mais conhecido como os “formigas”, garimpeiros de ouro da Serra Pelada.

Serra Pelada / Livro: Trabalhadores – Foto: Sebastião Salgado

“Êxodos” (2016) onde testemunha a migração humana durante seis anos em 35 países, milhares e milhares daqueles povos morriam na busca de agarrar a vida e fugir da morte. Aqui, Sebastião afirma ter a certeza de que esses povos foram assassinados; e “Gênesis” (2013) em mais de 32 viagens pelo mundo realizou cliques da natureza em sua mais extrema pureza; entre outras obras.

Sebastião Salgado diante da sua obra “Gênesis” – Foto: Divulgação

Nascido em 1944, na cidade Aimorés, no interior do estado de Minas Gerais é filho único do sexo masculino, entre 7 irmãs. Estudou Economia na Universidade Federal do Espírito Santo (1964-1967), ao contrário do que seu pai queria, mas tal graduação o auxiliou no entender de mercado global, comércio e indústria, o que mais tarde fortaleceu seu trabalho de fotógrafo, desenvolveu sua personalidade aventureira e empática, e o levou a conhecer a África quando ainda trabalhava para a Organização Mundial do Café.

Casou-se no mesmo ano em que se formou na universidade com Lélia Deluiz Wanick, seu grande amor e parceira de vida. Depois de se engajarem no movimento esquerdista contra a ditadura militar, no ano de 1969 viram-se obrigados a emigrarem para Paris, França buscando asilo político. Lá sua esposa ingressou na École Nationale Supérieure des Beaux-Arts para estudar arquitetura e ele iniciou um doutorado. Para um dos projetos da escola Lélia comprou uma câmera fotográfica, a qual quem realmente se apaixonou por ela foi seu esposo, Sebastião Salgado.

Na fotografia encontrou sua vocação. Decide arriscar e se jogar no caminho do fotojornalismo, em 1973, quando inicia seu trabalho como free-lancer. Nos anos seguintes trabalhou para várias agências da Europa, como a Gama em 1974; a Sygma de 1975 a 1979; Magnum Photos também em 1979 onde trabalhou por 6 anos onde realizou sequências de fotos documentais em diferentes viagens de trabalho que deram origem ao seu primeiro livro fotográfico conhecido como, supracitado, de “Outras Américas” (1985), com projeto gráfico de sua esposa, Lélia Salgado.

Engajado, no mesmo ano, produz sua obra conhecida como “Sahel: O Homem em Pânico” onde filiado a ONG Médicos sem Fronteiras cobriu a seca no Norte da África por 1 ano. Ali se via cada vez mais de perto a morte, relata que a maioria das mortes ocorriam á noite, por conta do frio. Pais limpando os filhos para serem enterrados era uma cena comum, como sentar e assistir ao jornal da televisão. Revoltava saber que o governo tinha a posse dos alimentos e água necessária, mas não autorizava a distribuição dos mesmos.

“Trabalhadores”, obra que reúne fotografias de 1980 a 1986, confirmou sua excepcionalidade como fotógrafo documental de qualidade ouro. Esta é dividida em pequenas histórias que formam seus capítulos contando, mostrando 350 fotos em preto e branco, a crueldade da pesca de atum na Sicília, o espetacular combate a incêndios nos poços de petróleo do Kwait, a obstinação dos garimpeiros de Serra Pelada, de analfabetos a doutores com o sonho de enriquecer, a colheita da cana de açúcar em Cuba e no Brasil, entre outros trabalhos manuais dos 26 países em questão.

Deserto em chamas, foto do livro Trabalhadores publicado em 1997.

Com foco nos excluídos e desfavorecidos, em “Êxodos” e “Retratos de Crianças do Êxodo”, Salgado dedicou-se por 6 anos (1993-1999) a capturar em suas lentes as histórias esmagadoras de fuga da guerra de diferentes povos, retrata os hutus de Ruanda escondidos em selvas remotas, os habitantes das favelas da sufocante (e que sufoca) São Paulo, além dos ocupantes dos barcos da África Subsaariana que tenteavam atravessar o Mar Mediterrâneo e chegar à Europa. Seu trabalho mostra uma sensibilidade e olhar humanista ímpar.

Conhecido como fotografo social, do povo. Sempre se dedicou a retratar o que acontece com as mais diferentes pessoas, tribos e comunidades ao redor do mundo. Aventureiro. Humanista. Sensível. Foi internacionalmente reconhecido e recebeu quase todos os prêmios de fotografia, por seus trabalhos que visam demonstrar e protestar contra a violação da dignidade humana que ocorre em meio as guerras, pobreza e outras injustiças.

Fotos: Sebastião Salgado

Em 1990 Sebastião Salgado e Lélia Wanick herdaram a fazenda dos pais de Salgado. Quando retornaram para o Brasil depararam-se com uma terra devastada e seca, devido aos longos anos de criação de gado e degradação ambiental natural, onde não mais haviam as grandiosas e belas árvores que se lembrava de sua infância. Assim sua esposa teve a fantástica ideia de recriar a floresta que ali havia.

Reflorestaram a antiga fazenda com ajuda de parceiras e recursos captados, assim fundaram o Instituto Terra em abril de 1998, vigente nos dias de hoje, onde reproduz mudas da Mata Atlântica, trabalha com pesquisa científica aplicada, restauração ecossistêmica e outras atividades. Hoje, naquelas terras há uma floresta que abriga a diversidade de fauna e flora da Mata Atlântica.

Do Livro Gênesis – Foto: Sebastião Salgado

Salgado aprendeu amar outras espécies quando resolveu fotografar a natureza intocada, além dos humanos, ideia advinda após o Instituto Terra. Durante oito anos viajou pelo mundo visitando lugares intocados do planeta. Realizou observações meticulosas e respeitosas, em jus a sua personalidade pessoal e fotográfica. “Gênesis” é o nome dado a seu livro lançado em 2013, onde apresenta o material do mundo, da natureza e pureza das mesmas.

Sahara – Foto: Sebastião Salgado

Da sombra do preto à luz do branco as fotografias de estilo documental contam histórias por si só, a imaginação até mesmo de quais cores estavam presentes na tonalidade real leva seus admiradores a profundas viagens através das imagens eternizadas pelas majestosas fotos de Sebastião Salgado, fotojornalista e clamor mundial.

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ROMA: fragmentos de uma infância

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Concorre com 10 indicações ao OSCAR:

Melhor Filme, Melhor Direção (Alfonso Cuaron), Melhor Atriz (Yalitza Aparicio), Melhor Atriz coadjuvante (Marina de Tavira), Melhor Roteiro Original, Melhor Fotografia, Melhor Filme Estrangeiro (México), Melhor Edição de Som, Melhor Mixagem de Som, Melhor Design de Produção (Eugenio Caballero, Bárbara Enriquez)

O diretor mexicano Alfonso Cuarón (ganhador do Oscar por Gravidade) apresenta de forma intimista, mas com quadros grandiosos e repletos de detalhes, um olhar sobre suas memórias de infância na Cidade do México, no início da década de 70, em um bairro chamado Roma (que dá título ao filme). Roma é apresentado sob a perspectiva de uma jovem indígena que trabalha como empregada doméstica para uma família branca de classe média. Ela também é a babá dos filhos do casal e essa personagem foi inspirada na babá da vida real de Cuarón, Liboria “Libo” Rodríguez, que desempenhou um papel importante em sua criação e a quem ele dedicou esse filme.

Desde a abertura, que mostra a água sendo jogada em um chão de azulejo e nela surge o reflexo de um céu que parece estar distante demais da sujeira que escorre pelo ralo, é revelado que a água é a metáfora condutora da história. Seja para mostrar a separação aparente das classes sociais, como analisou o cineasta Guillermo Del Toro [1], seja para dar voz finalmente a personagem principal em um dado ponto da história.

Fonte: https://goo.gl/5bddhj

Em todos os sentidos, Roma é o olhar do Cuáron sobre alguns recortes de sua infância, especialmente sobre a babá que, segundo ele, o criou e contou-lhe histórias de sua aldeia e seus costumes, fatos esses que o inspiraram em sua trajetória como cineasta [2]. Mas, não ouvimos essas histórias de Cleo, a babá interpretada por Yalitza Aparicio em seu primeiro filme, nem sabemos como é a sua família, nem temos a verbalização de suas angústias. O que vimos, na realidade, é a representação do seu silêncio ao acompanharmos sua rotina na casa da família. Ela limpa, faz compras, lava roupa, apaga as luzes, abre os portões, cuida do cachorro, coloca as crianças para dormir e, principalmente, escuta as crianças, compartilha dos seus mundos, o que aparentemente não é algo que os pais fazem.

Ao mesmo tempo que a família é grata a ela, o que é mostrado em pequenos gestos, como quando a levam ao médico para que tenha os cuidados necessários em sua inesperada gravidez, ou compartilham alguns momentos de intimidade, também pode ser observado nos detalhes da convivência a aparente irreconciliável separação entre as classes. O lugar que, de fato, Cleo ocupa naquela família transita entre dois extremos, do tipo, salvou as crianças, que ótimo, somos gratos, estamos todos emocionados, agora vai preparar uma vitamina de banana.

Em Roma, as falas estão sempre em segundo plano perante uma fotografia exuberante, apresentada em uma tela panorâmica e em preto e branco. Assim, quando a mãe da família diz a Cleo, em um momento de embriaguez, “estamos sozinhas; não importa o que eles digam, nós mulheres estamos sempre sozinhas”, novamente, temos o silêncio e o espaço como resposta.

Fonte: https://goo.gl/Nr1b8S

Dos quatro filhos do casal, é Pepe (Marco Graf, que talvez seja a representação do Alfonso Cuarón no filme) que tem mais destaque, pois é a criança mais nova e, consequentemente, a que fica mais tempo com Cleo. Com Pepe, Cuáron traz a premissa de que “tudo é cíclico”, conforme analisa o cineasta Guillermo Del Toro [1], por isso que ele sempre fala de sua vida adulta no passado, quando teve diferentes profissões e viveu inúmeras experiências. Um dos momentos mais bonitos no filme ocorre entre os dois, quando Pepe deitado em um ponto do telhado se recusa a levantar, pois está morto (já que o irmão disse que sua missão nas brincadeiras de pistola com água era morrer). Cleo deita-se também, assim quando é questionada por Pepe sobre o que está fazendo, ela diz: “estou morta”. E acrescenta: “Olha só, gostei de estar morta”. Como diz Caleb Crain [2],

Não há muitos filmes capazes de transmitir o prazer de estar no mundo sem qualquer outro objetivo além da apreciação. Assim, talvez, em parte, a gratidão do espectador por ser lembrado deste prazer é o que faz com que os personagens deste filme sejam tão caros.

Voltando a metáfora da água, citada por Del Toro [1], para contar alguns aspectos importantes na vida da personagem principal, tem-se em uma das sequências Cleo e a avó da família em uma loja de móveis, quando assistem assustadas uma manifestação estudantil se transformar em um motim policial. Cuarón não identificou o incidente, mas é conhecido no México como o Massacre de Corpus Christi de 1971. Nesse contexto, aparece em frente a Cleo, com uma arma na mão, o pai do seu filho que, ironicamente, está com uma camisa dos desenhos “Amar é”. Com o susto, a bolsa se rompe, a água jorra e, mais tarde, o bebê nasce morto. Acompanhamos o olhar dela para a criança morta sendo enrolada em uma mortalha branca, não há música, nem palavras, só a imagem e o som ambiente do movimento dos médicos, das enfermeiras e, especialmente, do seu choro sufocado. Vale ressaltar que nenhuma música foi usada no filme, o som vem apenas das ações que acontecem na tela.

Fonte: https://goo.gl/PD5etM

A outra sequência que mostra a força da água e, consequentemente a força de Cleo, é um dos momentos mais impactantes do filme. Há o barulho das ondas, o grito das crianças e o desespero da babá para conseguir resgatá-las, mesmo sem saber nadar. Quando finalmente consegue e volta a areia e toda a família a abraça, ela fala: “Eu não a queria. Eu não a queria. Eu não queria que ela nascesse.” Ali, ela conseguiu trazer à tona a dor e a angústia que a sufocavam, pois em todos os acontecimentos ela estava sempre em segundo plano, como se ela tivesse vindo ao mundo apenas para servir, para tornar a vida dos outros mais fácil.

Fonte: https://goo.gl/YpUHFv

A criança que eu fui não viu a paisagem tal como o adulto em que

se tornou seria tentado a imaginá-la desde a sua altura de homem.

A criança, durante o tempo que o foi, estava simplesmente na

paisagem, fazia parte dela, não a interrogava, […]

(SARAMAGO, 2006, p. 18 [3])

Quando recordo a minha infância, as imagens vêm em recortes sem uma sequência definida, não lembro de acontecimentos mundiais grandiosos vinculados a alguma passagem, mas de pequenas coisas que me marcaram, como a última vez que estive no colo da minha mãe, ou quando eu corria atrás dos barquinhos de papel jogados na lama. Mas é sempre a pessoa adulta recordando, então, como disse Saramago em suas “pequenas memórias”, talvez essas passagens tão importantes para mim sejam um tanto diferenciadas da real experiência. Assim, também, parece-me coerente deduzir que Cuáron retratou a babá que ele imaginava, ou seja, recriada por ele. Então, mesmo que ela ainda esteja viva e que eles mantenham contato, aquelas passagens descritas no filme, vivenciadas por ele quando criança, estão sujeitas a composição criada em sua memória, a partir do seu olhar. Nesse caso, um olhar em preto e branco, detalhadamente orquestrado, ainda que sem música, mas indubitavelmente pessoal. É um filme sobre Cuáron, não sobre Cleo.

FICHA TÉCNICA:

ROMA

Título original: ROMA
Direção: Alfonso Cuarón
Elenco: Yalitza Aparicio, Marina de Tavira, Marco Graf
Países: México, EUA
Ano: 2018
Gênero: Drama

REFERÊNCIAS:

[1] https://twitter.com/RealGDT/status/1084701184110153729

[2] https://www.nybooks.com/daily/2019/01/12/roma-through-Cuaróns-intimate-lens/

[3] SARAMAGO , José. As pequenas memórias. São Paulo: Companhia das Letras, 2006.

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