Simbologias, mitologias, e arte na promoção de Saúde. Terapeuta que conhece, não padece!

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“É uma das superficialidades do nosso tempo
julgar como opostas a ciência e a arte.
A imaginação é mãe de ambas.”
Theodor Billroth

Cuidar de pessoas não é uma tarefa fácil, principalmente no que se diz respeito ao cuidado psíquico. Um terapeuta deve levar em conta dentro do seu setting terapêutico as origens, a experiência de vida e a sociedade em que está inserido o seu cliente. Por este motivo se faz necessário um amplo conhecimento das mais variadas linguagens e simbologias. Isso porque no momento do atendimento elas aparecerão para o terapeuta representadas em diversas formas, (verbal ou não-verbal) inclusive através de manifestações do inconsciente do paciente (dependendo do tipo de terapia utilizada), contribuindo então para uma melhor interpretação do problema do paciente e facilitando o desenvolvimento e avanço durante as sessões terapêuticas.

Assim, podemos começar refletir sobre os sinais que o cliente pode nos dar durante a sessão, principalmente quando se fala em arteterapia ou musicoterapia, por se tratarem de métodos que fazem do uso da linguagem artística, a base da comunicação cliente-profissional. É necessário que nós, enquanto profissionais, saibamos identificar nas manifestações artísticas de nossos pacientes, os traços de sua história e personalidade, pois quando se fala em arte, falamos também de signos, símbolos, arquétipos, sentimentos e emoções, e tantos outros elementos que fazem parte da experiência humana, afinal

[…] toda obra de arte representa um universo. A esse universo por comodidade chamaremos de mundo (artístico). É o conjunto – forma e fundo, continente e conteúdo, ritmo, ideias, personagens, cenários, sentimentos, acontecimentos – de tudo que é trazido e apresentado pela obra, de tudo o que a constitui e de tudo o que ela constitui. (SORRIAU, ETIENNE, 1983, p.238).

Sabendo da importância da arte, e o que ela constitui, e do que ela pode manifestar no ser humano, acredito que muitos profissionais tenham uma dificuldade em entender como utilizar esses conhecimentos e saber identificá-los nas produções de seus pacientes. Um exemplo, é da psiquiatra brasileira Nise da Silvera, que também fez questionamentos sobre a dificuldade de entender as pinturas de seus pacientes. Seu mestre Carl Gustav Jung, a respondeu categoricamente e a instigou a buscar o conhecimento mitológico quando a disse: “Como você não entende a imagem que expôs? Elas falam a linguagem dos mitos. Você estudou mitologia? (…) Se você não conhece os mitos, não pode entender os delírios dos doentes e a pintura que eles fazem. (…) Essas pinturas vêm do fundo do inconsciente. A linguagem do inconsciente é a linguagem mitológica.”

Pois bem, nós enquanto terapeutas e profissionais da saúde, também iremos nos deparar com dúvidas e com dificuldades em entender o que o paciente tentou expressar. Ao aprofundar seu conhecimento sobre a linguagem mitológica Nise da Silveira reconheceu que: “Importante é conhecer a história pessoal do doente e depois compará-la com a dos mitos, para poder entender o que se passa nas profundezas. Procurar saber por que aparecem aquelas imagens e o que elas querem dizer. Por que apareceu aquele na vivência cotidiana daquela esquizofrênico?”

Sendo assim, a mitologia é mais uma linguagem simbólica, que aparece para auxiliar o profissional a melhor compreender seus pacientes, e o que eles expressam através da arte.

Outro fator relevante, é que as linguagens artísticas (desenho, escultura, música, dança etc.) dentro do setting terapêutico, revelam de modo natural o que está guardado no inconsciente de cada ser, pois cada paciente produzirá algo pensando em experiências e gostos pessoais, pois“a criação de algo novo é consumada pelo intelecto, mas despertado pelo instinto de uma necessidade pessoal. A mente criativa age sobre algo que ela ama.” – (Carl Gustav Jung).

Esse pensamento reafirma o poder das artes, que despertam os sentimentos mais profundos do ser humano, e fazem com que um simples rabisco tenha um imenso significado tanto para o profissional que analisa, quanto para o paciente que o produz, pois costumam retratar a vida.

A tarefa de pintar a imagem da vida, por mais que tenham apresentado os poetas e os filósofos, não é menos insensata: pelas mãos dos maiores pintores e pensadores nunca se resultaram senão imagens e esboços ‘tirados de uma vida’, isto é, de sua própria vida (FRIEDRICH NIETZSCHE, in ‘Miscelânea de conhecimentos’).

O mais importante em valorizar as linguagens simbólicas e mitológicas para os profissionais, é que tais linguagens fazem parte de cada um de nós. Em cada cultura, em cada região, em cada história de vida estão inseridos os símbolos, grande parte representados através das artes. O significado de artista também muda quando se reflete sobre tudo isso. Não teremos grandes artistas plásticos, nem grandes músicos e dançarinos ou escultores dentro de nossa sala de atendimento, porém, encontraremos seres humanos que por algum motivo, esperam que você como profissional, os ajudem a se conhecer, se reorganizarem, a se resolverem, e a seguir os mais diversos caminhos em busca da promoção de saúde. É impossível pensar em tudo isso e não imaginar essas ligações entre as linguagens simbólicas, e apenas levar em conta as linguagens científicas.

Dentro do setting terapêutico se encontram – antes de tudo – duas almas humanas, com características muito peculiares, mas que podem ser compreendidas mais facilmente se o analista está acostumado com os mitos e seus significados. Pode parecer complexo, mas é um processo de aprendizado necessário para aqueles que pretendem cuidar de pessoas. Não é preciso impor tais conhecimentos aos pacientes, mas se o terapeuta busca compreender estes significados simbólicos, uma simples observação trará muitas respostas e um melhor aproveitamento da sessão terapêutica.

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Edinaldo Coriolano – O Lampião da arte, saúde e educação

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Edinaldo presente na IV Mostra Nacional de Experiências em Atenção Básica – Foto: Isadora Fernandes

Edinaldo Coriolano é assistente social da Estratégia de Saúde da Família em Santa Cruz – PE e também apoiador do Programa de Saúde nas Escolas do Ministério da Educação.  O PSE é um programa que une a saúde e a educação com o intuito de melhorar a qualidade de vida dos educandos. Ele implantou em sua unidade em 2011, com o objetivo de promover saúde por meio de expressões artísticas.

A função do assistente social é basicamente fazer com que os princípios do SUS aconteçam, são eles: Integralidade, dar assistência completa ao paciente; Gratuidade, deve ser um serviço gratuito; Equidade, classificar o atendimento de acordo com a necessidade e Universalidade, todos têm direito à assistência. A ESF tem como principal linha de trabalho a atenção primária que visa prevenção e promoção de saúde, portanto a equipe deve assistir ao cliente pautada em um planejamento de intervenções educativas.

Vendo que a Unidade Básica de Saúde na qual ele trabalha não estava obtendo muito êxito com palestras educativas, pois é algo cansativo e pouco atraente, foi quando ele viu a necessidade de trabalhar a saúde nas escolas usando a arte nas suas variadas formas, pois o público principal das escolas é composto por crianças e adolescentes, e pensando nisso, reuniu a equipe para pensar em maneiras de como chamar a atenção desses jovens.

Formou um grupo condutor com seus colegas da UBS, com a finalidade de planejar as “novas intervenções”. Inicialmente ele, junto a equipe, desenvolveu oficinas para conhecer o perfil daquele grupo em especial e permitir que eles expressem o que esperam e como esperam ser abordados pela equipe. Instigava os alunos a mostrar o que eles já sabiam sobre saúde de maneira artística. Suas ações partem do diagnóstico que ele faz da turma, por exemplo, se a demanda do local é esclarecimento sobre DST, higiene, gravidez na adolescência, relações sociais, entre outros.

Trabalhando com os educandos, sentiram que precisavam do apoio dos professores, e para isso, tinham que inseri-los no processo. Portanto passou a criar oficinas com os educadores, de forma que pôde conhecer o que eles já entendiam sobre o assunto e foi uma forma de facilitar na busca da demanda, pois os professores passam a maior parte do tempo com os alunos então têm a oportunidade de observar o comportamento e as necessidades.

Apesar da dificuldade em unir-se com a educação, sua proposta foi um grande sucesso que foi evidenciado pelos excelentes resultados e também, pela grande aceitação entre os escolares ressaltando a importância de sua originalidade e iniciativa. Quando se fala de um público jovem, já se cria uma resistência por parte dos profissionais, porque é uma turma difícil de atrair a atenção, por isso requer muita criatividade e consequentemente muito esforço, que claro não faltaram para Coriolano.

Ponto de Encontro em que Edinaldo apresentou seu trabalho – Foto: Isadora Fernandes

De maneira inusitada apresentou seu trabalho na IV Mostra Nacional de Experiências em Atenção Básica. Vestido de lampião, encantou a todos recitando um trecho da música de Luiz Gonzaga com uma adaptação logo no início de sua apresentação.

 

“A minha vida é trabalhar no meu sertão

Com arte, saúde e educação

Levando informação aos territórios onde eu passei

Andando pelos sertões, muitos amigos eu encontrei

Chuva, sol, poeira e carvão

Longe de casa, seguindo o roteiro da educação

Auê, auê, auê

E com a saúde no coração”.

 

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Drag Queen Viviane Viva Voz é diferencial de “consultório de rua” em Recife

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Método utilizado por Jonathan, que alia humor e informação, foi uma combinação perfeita, e vem ajudando de forma efetiva na “redução de danos” e até reabilitação de muitos os moradores de rua que são usuários de drogas.

Foto: Michel Rodrigues

O recifense Jonathan Reis mudou completamente a vida quando, poucos anos atrás, resolveu criar uma personagem, a “Viviane Viva Voz”, para compor a equipe de um “consultório de rua” na capital pernambucana. O método utilizado por Jonathan, que alia humor e informação, foi uma combinação perfeita, e vem ajudando de forma efetiva na “redução de danos” e até reabilitação de muitos os moradores de rua que usuários de drogas.

Num bate-papo descontraído com o (En)Cena, Jonathan fala dos principais desafios que enfrenta na empreitada, de como tudo surgiu e foi se consolidando, além das perspectivas futuras. Jonathan fala da alegria que é ajudar pessoas desesperançadas a encontrarem “uma alternativa”, além de sua satisfação por ter conseguido mostrar para a sua família – em especial a sua mãe – a importância de seu trabalho como drag queen.

(En)Cena – Qual é a sua participação aqui na mostra?

Jonathan – Eu vim para o lançamento nacional do documentário sobre políticas integrativas no SUS, tendo em vista que, em Recife eu trabalho com “redução de danos” entre usuários de drogas que moram nas ruas.

(En)Cena – Qual é a abordagem propriamente dita que vocês fazem com as populações de rua?

Jonathan – Na redução de danos nós procuramos focar no indivíduo. Nós abordamos uma pessoa, por exemplo, que é usuária de craque, e daí vamos tentar fazer com que essa pessoa troque esta droga pela maconha. Se nós conseguirmos isso, já é um passo para, mais à frente, conseguirmos que esta pessoa largue totalmente as drogas, pois ela demonstrou maleabilidade em relação a questão.

(En)Cena – E o trabalho para por aí, ou você e a equipe que você faz parte age em outras frentes?

Jonathan – Não, nós fazemos um esforço intenso para reinserir o usuário na sociedade. Para tanto, entramos em contatos com outros setores do serviço público e procuramos encontrar encaixes que sejam compatíveis com o perfil deste usuário que demonstra disposição para largar as drogas.

(En)Cena – E como ocorre o contato inicial com as populações de rua? O que é feito para “quebrar o gelo” e gerar confiança?

Jonathan – Eu não sou muito convencional (risos). Você percebeu que tenho 1,90m, mas o salto e a peruca ajudam a criar uma empatia. No entanto, nos consultórios de rua atuam cinco personagens, eu sou apenas uma delas. Na verdade, a “Viviane Viva Voz” foi a última personagens construídas. Ela surgiu depois que eu participei de um seminário de comunicação para o público GLBT. Com o passar do tempo, me convidaram para participar de uma ação informativa no carnaval. O sucesso foi tão grande, as pessoas receberam com tanto carinho, que minha agenda foi se ampliando, até que eu fui contratada para atuar com as equipes dos “consultórios de rua”, dentro do projeto de Práticas Integradoras de Saúde. Ou seja, tudo começa numa brincadeira, mas a informação e o cuidado são passados, o que é mais importante. Hoje nosso trabalho é conhecido no Brasil inteiro, e equipes de outros estados vão até Recife observar nossas práticas.

(En)Cena – Você tem alguma militância, atua em alguma ONG fora deste trabalho que é feito junto à Prefeitura de Recife?

Jonathan – Eu também ajudo numa ONG chamada “Movimento Cultural Fazendo Arte”, que reúne jovens de diferentes níveis sociais e faixas etárias, e procura incentivá-los, pela arte, a desenvolverem suas habilidades. Lá é ensinado dança, teatro. No começo, a ONG atuava na região periférica da cidade. Com o sucesso do projeto, passamos para o centro de Recife, e o ambiente é bem heterogênio, já que não há restrição de público.

(En)Cena – E como foi a construção da personagem Viviane? Houve muitas dificuldades?

Jonathan – Houve sim. Eu até desconfio daqueles personagens que parecem ter caído do céu. É importante que, no desenvolvimento do projeto, os desafios contribuam para a maturação. No começo nós não recebemos apoio de nada, e inclusive há dificuldade com o figurino mais básico. Com o passar do tempo, se você faz um trabalho com consistência e focado no benefício, na melhora da qualidade de vida das pessoas, afinal fazemos rir, então vão aumentando a confiança em nós e passam a contribuir financeiramente para o projeto avançar. Também me marcou muito a mudança da minha família, sobretudo a minha mãe. No começo, ninguém aceitava a minha homossexualidade, e aparecer vestido de mulher causou um grande impacto. No entanto, quando começaram a perceber a importância do meu trabalho, começaram a ver o respeito que as pessoas nutriam por mim, aí sim mudaram de ideia a respeito.

(En)Cena – Você tem conhecimento se o seu trabalho é pioneiro?

Jonathan – Olha, eu sei que tem um grupo de drags em São Paulo, e uma drag em Brasília que também atuam na divulgação dos programas de prevenção e de saúde, mas elas não ficam totalmente envolvidas com a questão da saúde, como no meu caso. Desta forma, no formato que atuamos, creio mesmo que seja um trabalho pioneiro. Eu presto serviço à Prefeitura de Recife, de forma terceirizada, exclusivamente para desenvolver este trabalho.

(En)Cena – Você está satisfeito com o que faz?

Jonathan – Você nem imagina o quanto eu me sinto gratificado quando vejo que atuei de forma positiva na vida de uma pessoa. Fico extremamente feliz quando encontro um usuário ou ex-usuário e ele me diz que, a partir do nosso contato, ele mudou o curso da sua vida, mesmo que isso tenha ocorrido de forma discreta. Isso é o que me motiva.

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