Star Wars Os Últimos Jedi: John Williams estava com preguiça?

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Concorre com 5 indicações ao OSCAR:

Melhor mixagem de som, melhor edição de som, melhor efeitos visuais, melhor trilha sonora original, melhor montagem

Apesar de consagrado na esfera cinematográfica, com mais de 50 indicações ao Oscar, John Williams foi alvo de críticas como repetitividade temática, preguiça e pouca criatividade na produção de temas para os novos personagens de seu último trabalho para a saga Star Wars. Ainda assim, a trilha sonora de Os Últimos Jedi lhe rendeu mais uma indicação em 2018.

Para início de conversa “Os Últimos Jedi” abusa do recurso musical, que chega a ser mais explorado que os efeitos sonoros mesmo nos trechos de ação. Isto porque tema é o que não falta em Star Wars, e cada um conta uma história seja sobre um personagem, um objeto ou de uma circunstância.

O caminho do meio?

De fato, não há nenhuma nova composição que seja marcante como esperavam alguns, o que pode ser até mesmo proposital, visto que este último episódio parece focar muito mais na ação da Força do que em um personagem em si, e a Força não possui um tema tão marcante quanto o de Luke ou o de Vader, por exemplo. Isto porque a Força envolve tanto o bem como o mal, e pode ser usada por qualquer dos lados. Como a trilha sonora não está desconectada do contexto, o tema composto para a força também se encontra exatamente no meio de uma escala musical de sete modos (gregos), que vai do mais numinoso ao mais obscuro e tenso. Obviamente o que está localizado nos extremos é sempre mais marcante, a exemplo do tema da destruição da estrela da morte (no extremo numinoso, indicando vitória).

Olhando a partir dessa perspectiva, notamos que mesmo na ausência de uma novidade marcante os temas seguem uma coerência histórica e dramática que conferem o sequenciamento da saga cinematográfica.

Para se ter uma ideia desta coerência e sequenciamento, tomemos o fato de os temas de todos os personagens da família Skywalker estarem conectados entre si. Os temas de Luke e Léia, por exemplo, tem estruturas derivadas de seus pais Anakin e Padmé e, quando qualquer dos personagens transitam entre a luz e as trevas, mudanças no tom garantem a transição sem perder a originalidade.

O tema de Luke, por exemplo, sofre variações à medida que o personagem vai se tornando ambivalente, tomado por dúvidas e medo, ao longo dos episódios V e VI, pelo tema identifica-se Luke e suas variações emocionais, as variações sobre o mesmo tema traduzem desde um momento alegre até um menos esperançoso, marcando a ambientação do filme conforme muda o sentimento de seu personagem.

https://goo.gl/dXyFuu

Fonte: goo.gl/UzKEci

Dessa forma, cada tema segue o perfil psicológico de seu personagem, marcando ainda mais a identidade e personalidade de cada um, ressaltando a dualidade entre luz e trevas, bem e mal, tão marcantes na discussão filosófica de Star Wars.

Para entender o efeito emocional de cada escala basta observar o tema com escala mais intensa em luminosidade que marca, por exemplo, a destruição da estrela da morte, e também faz parte da composição dos personagens Yoda e Anakin criança, delineando suas posições superiores em relação aos demais personagens.

O tema de Luke Skywalker aparece na segunda ordem de grandeza de luminosidade, sendo marcado por um intervalo musical (5ª) que lhe confere um caráter heroico, o mesmo que aparece no tema de Superman, por exemplo, ou no tema de Gondor em O Senhor dos Anéis.

O tema de Leia segue a mesma escala do de seu irmão Luke e, notadamente, são dois temas com ar de esperança que marcam a família Skywalker. Por falar em família, assim como os filhos trazem características de seus pais, a estrutura dos temas de Luke e de Leia derivam do tema de seus pais Anakin e Padmé.

Fonte: goo.gl/XjG82M

A Força em Ray e Kylo

Assim como a Força encontra-se exatamente no meio do caminho entre a luz e as trevas, a mesma escala compõe dramaticamente o tema de Ray, o que pode indicar que é desta personagem que se espera o equilíbrio da Força. Ao passo que Ray se mostra do lado da luz, Kylo Ren, seu antagonista, também tem seu tema derivado da Força, sendo, de forma curiosa, diametralmente oposto ao tema de Ray, como se fosse a mesma música executada de forma invertida, o que mostra dois personagens equivalentes, mas opostos, formando uma fusão perfeita nos momentos em que lutam.

O mesmo ocorre com os temas de Anakin e Vader, que se mostram inversões de um mesmo personagem, e mostram como o mal (Vader) sempre esteve presente em Anakin desde o início. A personalidade de Anakin com seus conflitos internos, também aparece na complexidade de seu tema, composto numa crescente que remete à própria história do personagem, que vai de escravo à homem livre e à jedi, mas que numa queda abrupta adquire uma característica maligna, uma queda da qual tanto o personagem quanto seu tema nunca voltam a se recuperar.

https://goo.gl/C4EqGF

A corrupção de Anakin ocorre com a variação do tema em acordes menores que se intensificam cada vez mais ao ponto de adquirir toda a intensidade de Darth Vader, com harmonias e melodias totalmente típicas do principal antagonista da saga, que também possui um dos temas mais lendários do cinema, com uma complexidade tão intensa quanto o próprio personagem. Sua melodia composta por três notas de acorde maior deveria soar feliz e amável, e este é o coração do tema que, no entanto se torna ameaçador a partir de sua utilização sobreposta a uma harmonia menor, que corrompe a intenção da melodia original, criando um super tema carismático e interessante para Vader, que traz em si tanto características do tema de Anakin quanto do Império.

A redenção de Vader ao final de sua história aparece nas variações harmônicas que correm quando este mata o imperador e resgata seu filho Luke, o tema caminha da escala menor (obscura) para o campo maior sem, no entanto, chegar à total luminosidade, ou “positividade”, que acompanha os acordes maiores. Por fim, a harmonia percorre o mesmo caminho de Vader, que se redime ao fim, sem com isso recuperar toda a luminosidade que poderia ter tido.

https://goo.gl/DnCfQn

Por sua vez, o tema de Kylo Ren é uma imitação do tema de Vader com uma harmonia menos interessante e com menos encanto, derivada de um fragmento da segunda parte do tema de Anakin quando este demonstra seu lado mal. Entretanto a inferioridade de um tema em relação ao seu predecessor é propositadamente utilizada para revelar a fragilidade de Kylo Ren, que teme, inconscientemente, nunca se tornar tão poderoso quanto Darth Vader.

Por fim, pelo menos para os fãs de Star Wars e John Williams, fica explicado o porquê da ausência de um novo tema tão marcante quanto os antigos da série, redimindo o compositor das acusações impostas diante do novo episódio da série e reforçando a torcida pela aquisição de mais uma estatueta para a saga.

FICHA TÉCNICA



                                 STAR WARS: OS ÚLTIMO JEDI

Diretor:  Rian Johnson
Elenco:  Daisy RidleyJohn BoyegaOscar Isaac
Gênero:  Ficção científicaAção
Ano: 2017

Referências:

ALTOZANO, Jaime. Análisis de la Banda Sonora de Star Wars. Los temas del BIEN | Jaime Altozano. Youtube. 16 dez. 2017. Disponível em < https://www.youtube.com/watch?v=VEVIAF_2tUM >. Acesso em: 02 fev. 2018.

ALTOZANO, Jaime. Análisis de la Banda Sonora de Star Wars. EL LADO OSCURO | Jaime Altozano. Youtube. 21 dez. 2017. Disponível em <https://www.youtube.com/watch?v=pobDlg_ShIw&t=109s>. Acesso em: 02 fev. 2018.

SANTIAGO, Luiz. Crítica | Star Wars: Os Últimos Jedi (Trilha Sonora Original).16 dez. 2017. Disponível em: <http://www.planocritico.com/critica-star-wars-os-ultimos-jedi-trilha-sonora-original/>. Acesso em: 02 fev. 2018.

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Experimentação e fotografia: sentidos comuns às inquietações de Man Ray

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“A fotografia é uma arte? Não há necessidade de descobrir se é uma arte.
A arte é algo que está ultrapassado. É necessária outra coisa.
É preciso ver trabalhar a luz. É a luz quem cria.
Estou diante da minha folha de papel fotográfico e penso.”

Man Ray

Man Ray é um artista que teve participação no movimento dadaísta e surrealista dos anos 1920 e 1930 do século XX, utilizou a linguagem da pintura e do cinema para expressar suas inquietações, mas foi com a linguagem fotográfica que o artista imprimiu originalidade e versatilidade à sua obra. Numa época em que a fotografia assume o lugar comum da representação da realidade, Man Ray ousou em experimentar. Fotografia para ele tem o mesmo sentido de experimentação.

Seu nome de batismo era Emmanuel Radnitzky, nasceu na Filadélfia em 26 de agosto de 1890. Filho primogênito de Minya e Melach Radnitzky, mudou-se em 1897 para o Brooklyn em Nova Iorque, onde, ainda menino, começou o contato com o mundo das artes. Fez cursos de desenho industrial, arquitetura, construção mecânica, tipografia e pintura. Essa última o levaria a freqüentar os museus e galerias de arte. Em 1908 recusou uma bolsa de estudos para prosseguir os estudos em arquitetura  para se dedicar à concretização de sua obsessão: ser pintor. Começou por pintar paisagens ao ar livre, retratos de irmãos e amigos.


Autorretrato

Em Nova Iorque, Man Ray teve contato com os trabalhos de Marcel Duchamp e Picabia. Dessa relação, iniciou-se no movimento Dadaísta colaborando para a revista New York Dada. A amizade com Duchamp foi decisiva para a formação cultural do artista. Na mesma época, Man Ray começou a frequentar a galeria 291, do grupo Photo-Secession do fotógrafo Alfred Stieglitz (1864-1946). A galeria era um espaço aberto para artistas e público, era como um campo de batalha para novas ideias na arte e liberdade de criação. O grupo defendia o abstracionismo e as possibilidades na arte, na fotografia.  Esse movimento trouxe para Nova York artistas da arte moderna européia, como Auguste Rodin, Henri Matisse, Paul Cézanne, Pablo Picasso entre outros. A proximidade entre a fotografia e pintura, fez com o que o jovem Man Ray admirasse o trabalho de Stieglitz, o que veio a despertar o desejo de experimentar outra linguagem: a fotografia.


Foto: Man Ray

Man Ray adquiriu a sua primeira câmera fotográfica em 1914, pois necessitava fazer cópias de suas pinturas para a imprensa e para os colecionadores. Ele e Duchamp começaram a registrar em fotografias as ações do movimento Dadá e estas se tornaram um meio de subsistência, pois ele começou a fazer retratos de amigos e até fotografias das obras de outros artistas. A partir de então, trabalhou a pintura com as técnicas de laboratório. Man Ray se reinventou como artista. Fez retratos únicos de artistas como Picasso, Dali, Magritte, Buñuel, Cocteau, Stravinski, James Joyce, Duchamp, Matisse.

O fotógrafo também inovou a linguagem do nu feminino, suas fotografias proporcionaram uma nova estética do belo, do feminino. Para além destas intervenções artísticas que influenciaram grande parte da arte produzida nas décadas seguintes. Com sua visão libertária da arte, Man Ray experimentou ainda o cinema como linguagem artística. Como se não bastasse, o artista experimentou a fotografia de moda e,  com  seu lado criativo desenvolveu uma linguagem singular transmitindo a essência da alma feminina. Man Ray fotografou para as principais revistas editoriais de moda: Harper’s Bazaar, Vanity Fair, Paris Magazine, Charm, Vogue Paris, Vu etc. Foi trabalhando para Paul Poiret,  estilista mais famoso na década de 1910, que, por acaso, fazendo umas tiras em seu laboratório, ele conseguiu obter fotografias sem o aparelho fotográfico. Isso ocorreu ao colocar objetos sobre o papel fotossensível e expô-los por frações de segundo à luz. Man Ray batizou essas imagens de rayografias. Apesar de não ter sido o inventor desta técnica conhecida por fotograma, ele soube como ninguém empregá-la em seus trabalhos.

Solarização por Man Ray

Em 1922, Man Ray dedicou todo o seu tempo aos rayogramas. Suas experimentações surreias chamaram a atenção dos chefes de redação, o que lhe rendeu artigos publicados nas revista Vanity Fair, Aventure, Der Sturm e Broom. Com base na coleção Les Champes Magnetiques (Os campos Magnéticos) de Philippe Soupault e de André Breton, baseada em associações livres de palavras e ideias, é que, em 1924, Breton publicou o seu primeiro Manifeste du Surréalisme(Manifesto do Surrealismo), onde declarava querer aprofundar a exploração dos sonhos, recuperando, por um lado, certas práticas do dadaísmo e, por outro, inspirando-se nos textos de Freud.  Breton citava alguns artistas das artes visuais, entre eles o fotógrafo Man Ray.

Rayograma por Man Ray

Foi no final da década de 1920 que Man Ray estava mergulhado nas aventuras fotográficas, explorando e aprofundando o seu potencial criativo. As suas imagens deste período testemunham largamente a excitação da descoberta.  Ele experimentou mover o aparelho durante a pose e confundir a claridade da objetiva espalhando gel sobre ela, obtendo assim imagens que deixavam de refletir o mundo visível. Datadas e emolduradas essas imagens ganhavam o estatuto de arte.

Seus autorretratos denotavam o quanto ele sabia manipular a própria imagem.  Ele apresenta-se ora um homem habituado à vida cosmopolita, ora um artista obstinado e reservado, de olhar melancólico e penetrante desafiando o seu espectador. Man Ray não só saboreava as suas próprias contradições como tinha prazer em explorar a mística do fotógrafo misterioso e do artista que acompanha todos os movimentos que trilha o seu próprio caminho.

A sua obra representou, na prática, os movimentos Dadaísta e Surrealista e, apesar da influência de ambos os movimentos, Man Ray foi original ao criar e usar das técnicas como suporte para sua expressão. Pelo domínio de processos como solarização, sobreposição, rayografias (fotogramas), justaposição, fotomontagens etc., o fotógrafo desenvolveu em seus trabalhos uma singularidade que marcaria a sua trajetória. Man Ray tinha a fotografia como um dado icônico bruto, manipulável como qualquer outra substância concreta, para ele a fotografia podia ser recortável, combinável, integrável em realizaçõess artísticas diversas. Para ele, não havia conflito ente a pintura e a fotografia. Como artista, transitava nas duas linguagens sem nenhum pudor. É certo que as décadas de 1920 e 1930, em Paris, foram as mais produtivas na carreira do fotógrafo. Em 1940, com a ocupação de Paris pelos nazistas, foi para a Califórnia, aí permanecendo até 1951, ano que voltou para Paris.

Man Ray tinha setenta anos quando a longa espera pela consagração terminou. Começou a ser reconhecido como artista e a ser objeto de grandes restrospectivas. Em 1961, recebeu a medalha de ouro na Bienal de Fotografia de Veneza e, no ano seguinte, uma seleção de suas fotos foi exposta na Biblioteca Nacional de Paris. Em 1966 realizou-se em Los Angeles, uma grande retrospectiva do conjunto de sua carreira. Com a sua autobiografia Self Portrait, publicada em 1963, ele criou a versão de seu próprio mito. Man Ray mostrou-se brilhante, atribuiu-se o direito de definir a sua vida e a sua obra. Ele se reinventou como artista. Apesar da idade e da falta de tempo, absorvido por entrevistas e pedidos a que tinha de dar resposta, e de suas dores físicas, nada conseguia impedi-lo de prosseguir com a sua obra inovadora.  Em sua amada Paris, morreu de ataque cardíaco, em seu ateliê, na manhã de 18 de novembro de 1976.

Solarização por Man Ray

Marcada por inovação, criatividade, beleza, sensibilidade, sua obra é singular. Sua genialidade fez com que se tornasse um artista eclético. Suas experimentações artísticas o tornaram um ser onírico, lúdico e diáfano. Man Ray lidava com o inconsciente e o consciente nas fotografias, (re)inventando estilos. Por tanta ousadia, foi reconhecido como um dos principais fotógrafos dos movimentos Dadá e Surrealismo. Até hoje, sua obra fascina, o jogo de luzes e de magia desperta os nossos olhares e desafiam a nossa alma errante.

Curiosidades:

Para Man Ray “tudo pode ser transformado, deformado e eliminado pela luz. Ela é exatamente tão flexível quanto o pincel.”

Rayografia por  Man Ray

Uma de suas fotos “A primazia da matéria sobre o pensamento”, de 1929, foi leiloada em novembro de 2012 em Paris por US$ 841.717,00 – um preço recorde para um autor surrealista.

A primazia da matéria sobre o pensamento. Foto: Man Ray

Ele acreditava que a arte poderia variar no mesmo indivíduo em função da sua curiosidade e do seu sentido de liberdade.

Foto: Man Ray

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