‘Masculinidade’ por Tiago Iorc, ou será masculinidade tóxica?

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O que a música “Masculinidade” de Tiago Iorc nos diz sobre a própria visão dos homens em relação à masculinidade e a sua toxicidade?

Ninguém é estranho à masculinidade tóxica. Todos nós somos familiares, em diferentes extensões, formatos e intensidades, aos efeitos colaterais da masculinidade tóxica. Alguns de nós fomos vítimas, outros se tornaram algozes que usaram da masculinidade tóxica como uma arma para silenciar, sufocar e enforcar outras pessoas (principalmente mulheres e a comunidade LGBT+).

Mesmo não existindo uma fórmula exata do que se deve ter como figura masculina e feminina, já que tais aspectos além de sociais também são culturais, Kehl (2008) diz que existe uma série de atributos, quase que como um código de conduta que compõem esses aspectos. Apesar dos atenuantes culturais, a distinção entre figura feminina e figura masculina no que diz respeito aos papéis de cada um dos gêneros binários está presente em grande parte da sociedade.

É dessa forma que é desenvolvido o papel da figura masculina e de seus atributos. Atributos dos quais grande parte dos homens não costuma questionar. De acordo com Nigro e Baracat (2018), a superioridade masculina remonta aos tempos da Grécia Antiga. Nessa época a figura feminina era reduzida quase que ao mesmo nível de que um escravo, enquanto os homens se encontravam no outro extremo do espectro.

É no contexto dos dias atuais que entra Tiago Iorc, em Novembro de 2021. Sem aviso, o cantor retornou de um hiato que estava desde Junho de 2020 (quando lançou a música Você pra Sempre em Mim). Com a música Masculinidade, Tiago entra em uma tentativa de redimir seus atos machistas e nas palavras do próprio cantor, pedir um abraço.

Nos últimos tempos o cantor se envolveu em diversas polêmicas, uma delas sendo até mesma citada na música. Ou seja, o erro cometido é um mero efeito colateral da sua masculinidade tóxica da qual foi cultivada por ele mesmo. Por conta desses fatores, o cantor sumiu da mídia. No início da música, o cantor fala sobre isso.

Fonte: Imagem de Elias por Pixabay

Eu ‘tava numa de ficar sumido

Dinheiro, fama, tudo resolvido

Fingi que não, mas, na verdade, eu ligo

Eu me achava mó legal

Queria ser uma unanimidade

Eu quis provar a minha virilidade

Eu duvidei da minha validade

Na insanidade virtual

A partir desse ponto podemos ver algo que se torna recorrente no decorrer da música: a fuga. Seja ela a fuga de si mesmo, dos outros, e muito principalmente da culpa, o cantor debate diversos momentos em relação à fuga. Colocando-se a postos como um homem que quer ser aceito e validado, Tiago levanta a sua virilidade como um fator a ser provado.

De acordo com Vinuto et. al (2017) é impossível pensar a virilidade como uma característica espontânea dos homens, já que a mesma só existe a partir de práticas de performances que as concepções sociais alinham à virilidade, reafirmadas repetida e recorrentemente por aqueles que desejam se apresentar como “homens” em uma dada sociedade.

Uma dessas concepções sociais influencia a masculinidade desde a infância, em que os homens são incentivados a aprender e a reproduzir comportamentos agressivos, seja por meio de brincadeiras, esportes, lutas, brinquedos e jogos (BROUGÈRE, 2008).

Segundo Silva (2014) quando um garoto apanha de um “valentão” rapidamente vira motivo de piada dos colegas e amigos que presenciaram a cena. Desta forma, desde infância é influenciado, não só por adultos, mas também por outras crianças, que o homem não deve expor seus sentimentos.

Em certo trecho da música de Tiago Iorc, o cantor expressa a sua reflexão com os amigos, sobre a exposição de sentimentos, contudo na música, o cantor se diz privado dos seus sentimentos, no seguinte trecho.

Eu cuido pra não ser muito sensível

Homem não chora, homem não isso e aquilo

Aprendi a ser indestrutível

Eu não sou real

Conversando com os meus amigos

Eu entendi que não é só comigo

Calar fragilidade é castigo

Eu sou real

Fonte: Imagem de Free Photos at divvypixel.com por Pixabay

No trecho o cantor mostra uma reflexão como somos ensinados durante a infância, evitando ser frágeis, sensíveis, medrosos e a não chorar, além de perceber, que esta reflexão não acontece só com ele, que outros homens podem possuir essa reflexão.

Segundo Silva (2014), o ideal de masculinidade acaba impondo a repressão de sentimentos e emoções, podendo despertar comportamentos violentos nos homens, pois a repressão desses sentimentos e emoções e a expressão da agressão auto infligida, além que, os sentimentos e emoções fazem parte do indivíduo.

Também devemos destacar a amizade entre homens, em que a lealdade é comum, quanto às trocas de confidências pode ser vista de forma incomum ou menos frequente, devido à dinâmica construída pela sociedade e cultura anteriores. Por fim, Louro (2013) afirma que existem estudos acerca do tabu que os sentimentos representam para os homens.

A partir destes estudos, podemos quebrar este tabu e ressignificar o que esses sentimentos representam para os homens, e através desta mudança pode haver uma evolução na construção da masculinidade.

Em uma tentativa de conscientização o cantor traz o seguinte refrão:

Cuida, meu irmão

Do teu emocional

Cuida do que é real

E em alguns trechos traz […]

Cuidado com o excesso de orgulho

Cuidado com o complexo de superioridade, mas

Cuidado com desculpa pra tudo

Cuidado com viver na eterna infantilidade

Cuidado com padrões radicais

Cuidado com absurdos normais

Cuidado com olhar só pro céu

E fechar o olho pro inferno que a gente mesmo é capaz

De cara simpatizamos com o que está sendo cantando, cuidados são sim importantes, mas se pensarmos de forma reflexiva, nos deparamos com um discurso pronto e vazio, que tende a mascarar mais uma vez a questão central abordada na canção. A masculinidade tóxica, se transforma em um efeito narcísico, em que o grande outro é culpado (sociedade) o que de fato, não deixa de ter suas verdades, já que vivemos em uma sociedade estruturada pelo patriarcado. O grande problema na canção é que por trás da conscientização, não existe uma responsabilização, apenas justificativas, faz parecer que homens tem ‘’aval’’ para fazerem o que quiserem, por também serem vítimas.

É preciso entender a linha tênue entre “masculinidade dominante” e “masculinidade vitimada’’, segundo Maria Izilda Souza Matos (1996)

“Essa universalização impõe dificuldades de se trabalhar com a masculinidade, que varia de contexto para contexto, sendo, portanto, múltipla, apesar das permanências e hegemonias. Assim, sobrevêm a preocupação em desfazer noções abstratas de “homem” enquanto identidade única, a-histórica e essencialista, para pensar a masculinidade como diversidade no bojo da historicidade de suas inter-relações, rastreando-a como múltipla, mutante e diferenciada no plano das configurações de práticas, prescrições, representações e subjetivações.’’

Quando se ignora a misoginia, a música perde o sentido, fugindo de contextos históricos e sociais, reforçando ao homem, o arquétipo de herói, fazendo dele uma figura viril “injustiçada” pelo mesmo sistema que fornece os seus privilégios. Ao olhar apenas para si, acabam esquecendo as situações vivenciadas pelas vítimas mais injustiçadas desse sistema, sendo que sequer foram citadas ou correlacionadas na música; mulheres. A música traz a ideia de figura masculina frágil e reprimida, quando na verdade sabemos os reais privilégios que os homens possuem, até mesmo na forma de se expressar, podendo agir livremente e sem julgamentos, sendo por muitas vezes seus crimes cometidos, revitalizados.

Percebemos então, quão problemático é a dimensão deste pensamento.

Eu tive medo do meu feminino

Eu me tornei um homem reprimido

Meio sem alma, meio adormecido

Um ato fálico, autodestrutivo

Trazer essa dimensão oposta de feminino e masculino, pode dar razão a um determinismo biológico, reforçando ainda mais a ideia do masculino ser o lado forte, enquanto o feminino é algo frágil. Quanto aos atos fálicos, eles podem ser tornar acertos se bem analisados, o importante e não transmitido na canção, é a responsabilidade que os homens possuem por essa “masculinidade opressora”. Para que a masculina tóxica não faça mais vítimas é necessária uma mudança, para além de apenas palavras, são necessárias ações, e uma conscientização, revisando-se atitudes, pensamentos e falas.

“O paradoxo curioso é que quando eu me aceito como eu sou, então posso mudar”.

Carl Roger, 1986

REFERÊNCIAS

BAGIOTTO, Fernando. AS MASCULINIDADES EM QUESTÃO: UMA PERSPECTIVA DE CONSTRUÇÃO TEÓRICA 2007.  Revista, vernáculo n 19,20. disponível em: file:///C:/Users/Diana/Downloads/20548-73715-1-PB.pdf acesso 25 de novembro de 2021.

BARACAT, Juliana; DOTA, F. P.; CRAVO, F.. Masculinidade: preciosa como diamante, frágil como cristal. 2017. Trabalho de Conclusão de Curso (Graduação em Psicologia) – Faculdade de Ensino Superior e Formação Integral.

BROUGÈRE; Gilles. 2008. Masculinidade: Preciosa como diamante, frágil como cristal. 2017. Disponível em: <http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/nNirdcsu8KL0cs0_2019-3-8-17-21-47.pdf#page=7> .Acesso em 25 de Nov. de 2021.

KEHL, Maria Rita. Deslocamentos do feminino. 2ª ed. Rio de Janeiro: Imago, 2008

LOURO; Guacira Lopes. 2013.  Masculinidade: Preciosa como diamante, frágil como cristal. 2017. Disponível em: <http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/nNirdcsu8KL0cs0_2019-3-8-17-21-47.pdf#page=7> .Acesso em 25 de Nov. de 2021.

Os acertos e (muitos) erros de Tiago Iorc ao questionar a “Masculinidade”. Disponível em: <https://www.madsound.com.br/acertos-muitos-erros-tiago-iorc-masculinidade/>. Acesso em 25 de Nov. de 2021.

SILVA; José Remon Tavares da. 2014.  Masculinidade: Preciosa como diamante, frágil como cristal. 2017. Disponível em: <http://faef.revista.inf.br/imagens_arquivos/arquivos_destaque/nNirdcsu8KL0cs0_2019-3-8-17-21-47.pdf#page=7> .Acesso em 25 de Nov. de 2021.

Vinuto, J., Abreo, L. de O., & Gonçalves, H. S. (2017). No fio da navalha: efeitos da masculinidade e virilidade no trabalho de agentes socioeducativos. Plural, 24(1), 54-77. https://doi.org/10.11606/issn.2176-8099.pcso.2017.126635

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Novembro Azul: medo ou vergonha?

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Novembro Azul é uma campanha que tem como objetivo conscientizar sobre a necessidade da prevenção e do diagnóstico precoce do câncer de próstata. Devemos falar sobre esse tema, pois, muitas vezes o machismo e o preconceito do homem atrapalham a procura por atendimento para o cuidado da própria saúde. A dificuldade cultural faz com que muitos só busquem ajuda quando surgem os sinais de agravamento. Nesse caso, o tratamento é mais delicado e longo, aumentando também a necessidade de uma cirurgia.

Sabemos que os modos de dominação estabelecidos culturalmente pelo machismo oprimem mulheres e outras minorias, mas igualmente aprisionam sujeitos do sexo masculino. Existe a ideia de que o sujeito forte é aquele inabalável, que não tem nenhum problema de saúde, a falácia de que o homem não deve sentir dor. Esse pensamento é muito mais comum em gerações passadas, nas quais alguns homens se gabavam de nunca terem ido ao médico.  A negação do sofrimento, da doença e da dor pode ser entendida como um sinal de superioridade. 

A prevenção de câncer feminino entre as mulheres, ao contrário do que ocorre com a população masculina, já é um assunto corriqueiro. É comum também que as mães levem as meninas para os próprios exames ginecológicos e essa cultura naturaliza as falas e a necessidade de prevenção entre o público feminino. Lamentavelmente, o mesmo ainda não ocorre no que diz respeito à saúde masculina permanecendo incomum que os homens falem com seus filhos e mesmo entre si a respeito do tema. Contudo, essa cultura vem mudando ao longo do tempo e campanhas como novembro azul têm sido fundamentais para alertar sobre um problema que ocorre obviamente durante todo o ano. 

Fonte: encurtador.com.br/KY089

Cabe ressaltar que as diversas funções da presença feminina – mãe, esposa, amiga, namorada – podem representar uma força determinante na desconstrução da pretensa invulnerabilidade masculina. Considerando que a maioria dos chefes da família em nosso país são mulheres, essa colaboração se torna mais relevante quando pensamos em mudança de perspectiva sobre os cuidados à saúde masculina. Espaços público de socialização – escolas, mídia, internet – igualmente podem ser estimulados a dar visibilidade para a necessidade de acompanhamento.

Lembrando que 75% dos casos ocorrem a partir dos 65 anos, o que significa que cerca de 35% de homens abaixo dessa idade também podem apresentar o quadro de câncer prostático e isso representa um grande desafio para todos. O processo de diagnóstico de câncer de próstata gera inúmeros conflitos que serão mais árduos quando maior for o preconceito masculino. Um percurso de psicanálise pode ser de auxílio fundamental para ressignificar esse aprisionamento masculino de modo individual. A informação adequada replicada ao longo do tempo no tecido social pode naturalizar os cuidados à saúde masculina como ocorre com a saúde da mulher. São construções e como tais exigem um bom e necessário trabalho de todos.

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