Grace and Frankie: uma ode à meia idade, à amizade e ao recomeço

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“Nós somos como vinho, ficamos melhores com o tempo.” – Frankie

A série Grace e Frankie é uma refrescante comédia que narra a jornada de duas mulheres que se reinventam e desafiam paradigmas aos 70 anos. Após quatro décadas de casamento, suas vidas são viradas do avesso quando descobrem que seus respectivos maridos mantinham um relacionamento amoroso há 20 anos e agora decidiram se casar. Devastadas e sem rumo, Grace e Frankie — personalidades opostas — veem seus caminhos se entrelaçam ao serem forçadas a dividir a casa de praia que pertence a ambas as famílias.

O que começa como uma convivência turbulenta se transforma em uma amizade poderosa. Entre risadas, desentendimentos e descobertas, Grace e Frankie constroem um vínculo que as fortalece, recusando-se a aceitar imposições e limitações sociais. Juntas, exploram novos prazeres, redescobrem seus corpos e unem suas mentes brilhantes e criativas, provando que as mulheres são capazes de tudo — em qualquer fase da vida.  

Grace, sofisticada e controladora, e Frankie, uma artista livre e espirituosa, têm personalidades opostas, o que torna a convivência um desafio repleto de impasses e divergências. No entanto, essa relação também é sua maior força: suas diferenças as complementam e as desafiam, despertando uma na outra, potencialidades até então desconhecidas. A série aborda questões fundamentais como aceitação do corpo, desejo sexual e a importância de viver plenamente e com autenticidade.  

Quebrando barreiras, Grace e Frankie escancararam a invisibilização do desejo feminino em mulheres maduras e questionaram a ideia de que a sexualidade tem prazo de validade. A trama explora temas como masturbação, sexo a dois e a necessidade de produtos específicos para o prazer feminino nessa fase da vida, como lubrificantes e vibradores. Com sensibilidade e humor, a série reforça que intimidade e prazer não são exclusividade da juventude.  

Fonte: https://shre.ink/e4Gb

A dinâmica familiar também ganha destaque, explorando os desafios das relações intergeracionais. O convívio com os filhos revela nuances sobre diferentes tipos de maternidade, expectativas e individualidade. Filhos que amam suas mães, mas precisam lidar com suas próprias inseguranças e medos; mães que desejam ser cuidadas, mas se recusam a renunciar à própria independência. Ao longo da série, acompanhamos a luta de Grace e Frankie para provar que são perfeitamente capazes de cuidar de si mesmas. Com bom humor, teimosia e uma dose de caos, elas desafiam os estereótipos da velhice, mostrando que essa fase da vida pode ser sinônimo de vitalidade, ousadia e autodescoberta.  

Outro ponto central da trama é a relação com os ex-maridos, Robert e Sol. Assumidamente gays, eles precisam lidar com a culpa e a dificuldade de reconstruir laços com as ex-esposas e os filhos. Para Grace e Frankie, o impacto da revelação é devastador, levando-as a questionar suas próprias identidades e os papéis que desempenharam ao longo de seus casamentos. No entanto, ao longo da série, vemos essa dor se transformar: da mágoa e do ressentimento surgem a amizade, o respeito mútuo e novos formatos de relações familiares.  

As histórias românticas também assumem um papel importante. Depois de décadas de casamento, Grace e Frankie se veem solteiras e livres para explorar novos amores. Seus relacionamentos são retratados de forma leve e divertida, com momentos cômicos e situações inusitadas, mas a série também aborda temas como insegurança, medo da rejeição e a necessidade de se sentir desejada e amada, independentemente da idade. A trama desafia os estereótipos sobre amor e sexualidade na terceira idade, mostrando que relacionamentos intensos e significativos podem acontecer após os 70 anos.  

Ainda assim, o grande coração da série é a amizade entre Grace e Frankie. Juntas, elas descobrem que são revolucionárias, aprendendo sobre liberdade, amor e o direito de existir sem que suas identidades sejam anuladas no processo. Grace e Frankie é uma série arrebatadora que nos convida a refletir sobre como a cultura apaga e invisibiliza corpos, tornando essencial que essas vozes sejam ouvidas. Mais do que nunca, a série reforça que idade não define o potencial de uma mulher — e que ter alguém ao lado para segurar sua mão torna essa jornada ainda mais poderosa.  

Ficha técnica
 Título original: Grace and Frankie

Estrelando: Jane Fonda, Lily Tomlin, Martin Sheen

Criação: Marta Kauffman, Howard J. Morris

Ano de Produção: 2015

Gênero: Comédia e drama

País de Origem: Estados Unidos

Lily Tomlin conquistou quatro indicações ao Emmy e uma ao Globo de Ouro por seu papel nesta série de comédia.

 

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Análise da série “Adolescência” da Netflix: alerta sobre o impacto das redes sociais nos adolescentes

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Especialista comenta cuidados que pais devem ter com seus filhos no meio digital

Recentemente, a Netflix lançou a minissérie “Adolescência”, que causou um grande sucesso: 66,3 milhões de visualizações em menos de duas semanas, de acordo com o site Omelete. Esse grande interesse dos telespectadores vem do impacto que o enredo traz ao abordar como as redes sociais podem influenciar o comportamento dos jovens, muitas vezes de forma perigosa.

Jamie, de 13 anos, é o personagem principal da trama e é acusado do assassinato de uma colega de escola. Ao longo dos episódios, a produção expõe como o ambiente digital é um terreno fértil para a disseminação de conteúdos misóginos e machistas, discursos extremistas e desafios que colocam em risco o desenvolvimento saudável dos adolescentes.

A série reforça a necessidade de um maior acompanhamento por parte dos pais e educadores, para ajudar a mitigar impactos negativos nas vidas dos adolescentes com o Jamie. Marco Giroto é fundador da SuperGeeks, escola de competências para o futuro para crianças e adolescentes e comenta que a falta de preparo para lidar com o mundo digital é um dos principais desafios da nova geração.

“As redes sociais se tornaram o principal canal de informação e socialização dos jovens, mas nem todos entendem como funcionam as métricas, algoritmos e os impactos do que consomem. O problema não é a tecnologia em si, mas o uso que se faz dela”, explica.

Adolescência: a série que pais e mães precisam ver
Fonte: https://l1nq.com/T65wv

O monitoramento ativo dos pais e a educação digital são fundamentais para garantir um uso mais saudável das plataformas. O ideal não é proibir, mas ensinar. Os pais precisam saber e entender o que seus filhos consomem online e ter conversas sobre os riscos, como fake news, discursos de ódio e desafios virais.

Além da supervisão, Marco reforça a importância de oferecer conhecimento técnico sobre o funcionamento das redes sociais: “Quando os jovens se aprofundam no estudo de programação e tecnologia, eles passam a enxergar a internet de forma mais crítica e responsável. Isso ajuda a evitar que sejam influenciados por conteúdos prejudiciais”.

Com a popularização de séries e filmes que abordam esses temas, a discussão sobre o impacto das redes sociais na juventude se torna ainda mais necessário. O desafio agora, é transformar esses alertas em ações, garantindo que as novas gerações saibam navegar pelo ambiente digital de forma segura e consciente.

Sobre

A rede de franquias SuperGeeks nasceu com o objetivo de formar não somente consumidores, mas também criadores de tecnologia. Desde 2014, a marca assume uma posição importante ao preparar as novas gerações para os desafios e oportunidades do futuro tecnológico, dedicando-se a ensinar programação e robótica de maneira lúdica e criativa, atendendo a todas as faixas etárias.

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The Last of Us: Viver e sobreviver

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The Last of Us é originalmente um jogo de videogame que conquistou tanto sucesso que acabou ganhando uma adaptação para série de TV. Lançada em janeiro de 2023, a série ofereceu aos fãs do jogo uma nova chance de reviver a emoção da história, enquanto, para quem não conhecia, representou uma poderosa oportunidade de experimentar o desespero de um apocalipse zumbi.

A trama gira em torno de um fungo que é capaz de dominar o sistema nervoso central humano, transformando completamente os infectados. Essas pessoas perdem a capacidade de raciocínio, passando a agir sob o controle do fungo, sem autocontrole, livre arbítrio e com sede de matar, existindo apenas para isso.

O enredo é centrado em Ellie, uma adolescente de 14 anos que demonstra ser imune à infecção. Ao lado de Joel, um homem em torno dos 30 anos, ela parte em uma jornada em busca de pessoas que possam ajudá-los. A série retrata, com realismo e intensidade, um mundo devastado e abandonado, onde apenas alguns sobreviventes não infectados resistem — lutando diariamente contra o perigo, a dor e a tentação de desistir. É justamente sobre esse aspecto que quero refletir.

Acredito que o instinto de sobrevivência é algo inerente ao ser humano, algo bastante evidente ao longo da série — e provavelmente também seria em uma situação real de apocalipse. Mas até que ponto esse instinto nos leva? Será que a maneira como os personagens lutam para sobreviver está relacionada ao fato de que muitos deles já não têm mais nada a perder? Existe espaço para sentimentos como tristeza, felicidade ou luto quando tudo o que importa é continuar vivo? E, afinal, viver ainda faz sentido quando tudo ao redor está em ruínas?

Essas foram algumas das questões que me ocorreram enquanto assistia à série, porque ela realmente desperta essas emoções no espectador — e talvez seja justamente por isso que conquistou tanta gente. A semelhança com alguns aspectos da realidade é cativante e prende a atenção de quem assiste, fazendo com que se sintam parte de tudo que está acontecendo, de modo que julgamos as ações dos personagens, mas, ao mesmo tempo, nos imaginamos nesse mundo caótico.

Não é surpreendente que vários personagens acabem se entregando — seja à morte ou ao próprio fungo. Sobreviver no mundo real já é, por si só, um desafio exaustivo; em um cenário infestado por zumbis violentos, torna-se quase impossível. A série mostra que, embora pequenas comunidades tenham conseguido se formar, essas sociedades sobrevivem de forma precária e, muitas vezes, extremamente violenta — com atitudes que chegam a se assemelhar às dos infectados. Isso escancara até onde o ser humano pode ir quando é colocado diante de uma situação extrema e fica evidente a ausência de empatia e de vínculos de confiança — elementos fundamentais para a manutenção da nossa consciência e humanidade.

Fonte: HBO Max

Título original: The Last of Us

Gênero: Drama, Ação, Pós-apocalíptico, Ficção científica

País de origem: Estados Unidos

Idioma original: Inglês

Temporadas: 2 (segunda temporada em 2025)

Episódios: 9 (1ª temporada)

Duração por episódio: Aproximadamente 45–80 minutos

Exibição original: HBO / HBO Max

Estreia: 15 de janeiro de 2023

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Amar, pertencer, existir: The L Word e Generation Q

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Quando a gente assiste uma série como The L Word, percebe rapidamente que ela não é só sobre relacionamentos amorosos entre mulheres. É sobre viver de forma autêntica, mesmo quando o mundo ainda insiste em dizer que isso é errado. É sobre tentar se encaixar ou simplesmente se permitir não caber em nenhuma caixinha.

Para quem cresceu sem ver histórias parecidas com a sua na TV, esses personagens funcionam quase como um respiro: “ah, então não sou só eu”. Tem algo muito poderoso nisso. A série original foi revolucionária por mostrar que mulheres lésbicas, bissexuais, queer podiam ser protagonistas de suas vidas com alegrias, erros, conflitos, paixões intensas. E o melhor: sem serem punidas por isso.

Já a Generation Q traz esse mesmo espírito, mas com os olhos voltados pro presente. A nova geração carrega mais diversidade, mais cores, mais histórias possíveis. Fala-se de transição de gênero, não-binariedade, raça, política, redes sociais. Fala-se também de ansiedade, solidão, reconstrução. Tudo isso de forma crua, mas também afetuosa.

Fonte: Showtime

O mais bonito talvez seja perceber como essas histórias tocam a gente. Não porque são perfeitas, mas porque são reais. As personagens erram, se perdem, recomeçam. Às vezes, machucam quem amam, outras vezes se salvam umas às outras. Como todo mundo.

Talvez por isso The L Word ainda faça tanto sentido. Porque fala sobre existir com coragem. Sobre ter que se afirmar o tempo todo, mas também sobre encontrar um lugar seguro onde não é preciso se explicar. E se esse lugar, às vezes, for uma série de TV, tudo bem. Às vezes, só de ver alguém parecida com a gente vivendo sua verdade já é o suficiente para dar fôlego pra continuar vivendo a nossa.

Além da força dos seus temas, The L Word também se destaca como experiência estética. A fotografia intimista, os diálogos intensos e as trilhas sonoras cuidadosamente escolhidas criam um clima quase cinematográfico, daqueles que a gente sente no corpo. Cada cena parece construída para nos convidar a entrar na vida daquelas personagens, como se estivéssemos ali com elas, sentindo tudo junto. Não é só uma série: é um mergulho sensorial em histórias que misturam dor, desejo, pertencimento e transformação. A forma como a câmera se aproxima dos rostos, o cuidado com os silêncios, os espaços de afeto fazem com que The L Word funcione quase como um filme longo, dividido em capítulos, que a gente assiste com o coração na mão. É arte que acolhe.

Fonte: Showtime

 Ficha Técnica

Título original: The L Word

Criadora: Ilene Chaiken

País de origem: Estados Unidos

Emissora original: Showtime

Gênero: Drama, Romance

Número de temporadas: 6

Número de episódios: 70

Período de exibição: 18 de janeiro de 2004 a 8 de março de 2009

Elenco principal: Jennifer Beals (Bette Porter), Leisha Hailey (Alice Pieszecki), Katherine Moennig (Shane McCutcheon), Laurel Holloman (Tina Kennard), Mia Kirshner (Jenny Schecter), Erin Daniels (Dana Fairbanks), Pam Grier (Kit Porter).

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A Solidão do “Criador” em Rick and Morty

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A série animada “Rick and Morty” é conhecida por sua capacidade de abordar uma vasta gama de temas, muitas vezes com uma abordagem filosófica e crítica. Foi criada por Justin Roiland e Dan Harmon, dois criadores com trajetórias distintas, mas complementares, que se uniram para desenvolver uma das séries de animação mais influentes e populares dos últimos tempos. A série combina a estrutura da ficção científica clássica com um humor sórdido, explorando questões profundas sobre a existência, a moralidade e a condição humana. Tudo isso,  envolta em enredos aparentemente absurdos e hilários.

Uma das principais características da série é a exploração do conceito de multiverso, em que inúmeras versões de realidades alternativas coexistem. Isso permite à série explorar questões sobre identidade, livre-arbítrio e o impacto de nossas escolhas. Em vários episódios, Rick e Morty encontram versões alternativas de si mesmos e lidam com as consequências de suas ações em diferentes realidades. A série frequentemente satiriza aspectos da sociedade moderna, incluindo consumismo, religião, política e o papel da ciência. Rick, com seu cinismo extremo, frequentemente faz críticas contundentes sobre o sentido da vida, questionando valores morais e instituições sociais. Essa abordagem filosófica lembra o niilismo, Rick demonstra uma visão de mundo onde nada tem importância intrínseca, o que contrasta com a tentativa de Morty de encontrar significado e propósito.

No centro de Rick and Morty está a dinâmica disfuncional da família Smith. As interações entre Rick, Morty, Summer (a irmã de Morty), Beth (a mãe) e Jerry (o pai) são uma fonte constante de conflito e drama. A série usa essas relações para explorar abandono, auto-estima, fracasso, e o impacto de traumas geracionais. Apesar do humor sombrio, a série frequentemente revela momentos de vulnerabilidade e afeição entre os personagens, no qual surpreende as expectativas do público sobre o que significa ser uma família.

A série também mergulha em questões de psicologia e existencialismo. Rick, em particular, é um personagem complexo que luta com depressão, alcoolismo e uma visão niilista da vida. Ele é uma representação do “herói trágico” moderno, cuja genialidade é também sua maldição. A série aborda como o intelecto superior: “O Criador”. Este fato o isola dos outros e o deixa preso em um ciclo de autodestruição e vazio existencial.

Embora trate de temas significantemente pesados, Rick and Morty é, acima de tudo, uma comédia. O humor da série é frequentemente absurdo, misturando elementos de cultura pop, ciência e paródias de outros gêneros. A série não tem medo de ser provocativa ou bizarra, utilizando desde piadas simples até referências intelectuais complexas, muitas vezes desafiando o espectador a refletir sobre o significado por trás da comédia.

O que indaga muitas vezes as pessoas se identificarem com essa série, com isso é perceptível que são personagens multifacetados. Dito isso, Rick é um gênio alcoólatra com uma visão cínica da vida, enquanto Morty é um adolescente inseguro lutando para encontrar seu lugar no mundo. Essa complexidade permite que os espectadores se vejam em diferentes aspectos de suas personalidades e lutas.

Apesar do cenário e do humor, a série explora temas universais como o propósito da vida, a busca por significado e a complexidade das relações familiares. Essas questões são abordadas de uma forma que, embora muitas vezes exagerada, compartilha com as experiências e sentimentos do público. Rick and Morty, frequentemente faz comentários sobre a sociedade e a cultura de forma crítica e irônica. Essa crítica, muitas vezes disfarçada de humor, pode fazer os espectadores refletirem sobre suas próprias vidas e o mundo ao seu redor.

Rick: Entre Amor e Controle

No episódio “Auto Erotic Assimilation” de Rick and Morty, a relação entre Rick Sanchez e Unity ilustra complexas dinâmicas de controle e poder dentro dos relacionamentos. Unity, uma entidade coletiva que inicialmente parece ser a solução perfeita para as necessidades emocionais e intelectuais de Rick, acaba se tornando uma metáfora poderosa para explorar o controle narcisista e os impactos sobre a identidade pessoal.

Rick, como uma figura narcisista, utiliza seu relacionamento com Unity para atender suas próprias necessidades de validação e controle. Ele manipula Unity para moldar um mundo ao seu redor que se ajuste às suas próprias expectativas e desejos. Essa dinâmica é analisada por Daniel Martins de Barros em seu livro “O Lado Bom do Lado Ruim”, onde ele explora como situações difíceis podem revelar aspectos de crescimento pessoal e autodeterminação. Barros destaca que “a capacidade de manter a autonomia, mesmo em cenários desafiadores, é essencial para o bem-estar emocional” (Barros, 2020, p.127). Essa afirmação ecoa a luta de Unity ao tentar manter sua própria identidade, enquanto Rick tenta controlá-la.

Unity, por outro lado, enfrenta um dilema emocional significativo. Inicialmente, a assimilação de outras consciências e a adaptação ao desejo de Rick parecem oferecer uma forma de felicidade e integração. No entanto, à medida que Unity começa a recuperar sua própria identidade e questionar o controle de Rick, ela se depara com um conflito interno sobre manter sua integridade ou se submeter novamente ao controle de Rick. Segundo Barros, “a preservação da identidade em contextos de pressão emocional é fundamental para a saúde mental e para a realização pessoal” (BARROS, 2020, p. 128). A decisão de Unity de se afastar de Rick é um reflexo direto dessa necessidade de preservar sua autonomia e evitar a manipulação emocional.

Fonte: br.pinterest.com

Esse episódio demonstra como o controle narcisista pode corromper a autenticidade e a saúde emocional dos relacionamentos, ilustrando a importância de manter a integridade pessoal e a autonomia, mesmo em face de uma conexão emocional intensa. A luta de Unity para manter sua identidade é um exemplo claro da necessidade de proteger a própria autonomia em qualquer relação que envolva controle e manipulação.

O episódio “Auto Erotic Assimilation” também ilustra o conceito de ciclo de abuso, conforme discutido pela psiquiatra brasileira Ana Beatriz Barbosa Silva em seu livro “Mentes Perigosas: O Psicopata Mora ao Lado”. Silva descreve como, em muitos relacionamentos abusivos, existe um padrão recorrente de tensão crescente, seguido por um incidente de abuso, e posteriormente uma fase de reconciliação ou “lua de mel”, onde o abusador promete mudar ou se arrepende (Silva, 2008).

No episódio, vemos uma variação desse ciclo. A presença de Rick inicialmente “liberta” Unity, levando-a a excessos que desestabilizam o equilíbrio da entidade. Enquanto Unity se entrega a festas e indulgências sob a influência de Rick, ela começa a perceber o impacto negativo que ele exerce sobre sua vida. Silva explica que “o ciclo de abuso é marcado por uma repetição de padrões que reforçam a dependência e a destruição emocional”. Ao perceber isso, Unity decide romper o relacionamento para preservar sua integridade, uma decisão difícil, mas necessária para interromper o ciclo de destruição.

Unity representa a vítima que reconhece o ciclo de abuso e, ao tomar a difícil decisão de sair do relacionamento, preserva sua própria saúde emocional e mental. Como Silva afirma, “o reconhecimento do ciclo é essencial para que a vítima possa tomar as rédeas de sua vida e interromper a sequência de abuso”. Ao decidir deixar Rick, Unity dá um passo crucial em direção à sua autonomia e bem-estar.

Rick Sanchez, o protagonista de Rick and Morty, frequentemente demonstra traços de narcisismo exacerbado. Ele é apresentado como uma pessoa que possui uma confiança inabalável em sua própria inteligência e habilidades, mas que simultaneamente exibe uma profunda falta de consideração pelos sentimentos e necessidades das outras pessoas. Este comportamento é típico de indivíduos com traços narcisistas, que frequentemente acreditam que são superiores aos outros e merecem tratamento especial.

César Souza, em seu livro “Você é o Líder da Sua Vida”, explora como o narcisismo pode influenciar negativamente tanto o próprio indivíduo quanto as pessoas ao seu redor. Souza discute como a busca incessante por validação e superioridade pode levar ao isolamento emocional e a relacionamentos destrutivos, características que são claramente observáveis em Rick. Segundo Souza, “um líder narcisista frequentemente aliena aqueles ao seu redor ao priorizar suas próprias necessidades e desejos acima dos outros” (Souza, 2016). Essa alienação é evidente na vida de Rick, onde sua incapacidade de se conectar emocionalmente com os outros o deixa profundamente isolado, apesar de suas realizações intelectuais.

No episódio “Auto Erotic Assimilation”, vemos como o narcisismo de Rick o leva a interações disfuncionais com Unity, uma entidade coletiva que, inicialmente, atende às suas necessidades emocionais e físicas. Contudo, quando Unity começa a recuperar sua autonomia e questiona o relacionamento, Rick tenta buscar novamente o controle, resultando em um colapso emocional. A tentativa de Rick de dominar Unity espelha o que Souza descreve como “a tendência dos narcisistas de manipular os outros para manter sua autoimagem e controle” (Souza, 2016).

Essa dinâmica ilustra como o narcisismo pode destruir relacionamentos, corroendo tanto o narcisista quanto as pessoas ao seu redor. Rick é incapaz de manter relações saudáveis porque sua necessidade de controle e validação supera sua capacidade de genuinamente se conectar com os outros. A decisão de Unity de deixar Rick, apesar de sua conexão, reflete a importância de preservar a autonomia emocional e evitar relações onde o narcisismo domina.

Unity, como uma entidade que controla mentalmente uma sociedade inteira, levanta questões profundas sobre identidade e livre-arbítrio. Rossandro Klinjey, em seu livro “Help: Me Eduque!”, aborda como a perda de identidade individual pode ser uma consequência de uma dependência excessiva em outra pessoa ou em uma entidade maior. Klinjey discute como, em relações onde há uma fusão excessiva de identidades, a individualidade de cada parceiro tende a se diluir, resultando em uma forma extrema de codependência.

No episódio, Unity representa essa perda de identidade ao assimilar outros seres e suprimir suas individualidades em favor de uma mente coletiva. Klinjey explica que, quando uma pessoa se anula em prol de outra, seja em uma relação amorosa ou em um contexto mais amplo, ela corre o risco de perder sua essência e, com isso, sua capacidade de tomar decisões autônomas (Klinjey, 2017).

Além disso, Unity enfrenta um dilema interno: continuar com Rick e arriscar perder sua estabilidade, ou se separar dele para preservar sua integridade. Esse dilema reflete a luta de muitas pessoas em relacionamentos tóxicos, que, apesar de reconhecerem o impacto negativo da relação, encontram dificuldade em sair dela devido à intensa conexão emocional. Klinjey afirma que a capacidade de preservar a própria identidade dentro de um relacionamento é essencial para a saúde emocional, e que o livre-arbítrio deve ser exercido para evitar que uma pessoa se perca completamente na outra (Klinjey, 2017).

Assim, a decisão de Unity de deixar Rick para manter sua integridade é um passo crucial para romper com a codependência e preservar sua individualidade. Essa narrativa ressoa com as reflexões de Klinjey sobre a importância de manter a autonomia e a identidade pessoal, mesmo dentro de relacionamentos íntimos, onde o equilíbrio entre conexão emocional e independência é fundamental para a saúde psicológica de ambos os parceiros.

As referências a autores brasileiros contemporâneos, como Daniel Martins de Barros, Ana Beatriz Barbosa Silva, César Souza e Rossandro Klinjey, acrescentam uma camada de profundidade à análise desses temas. Barros, explora como o controle emocional e a manipulação podem desestabilizar a saúde psicológica, um conceito que se aplica à relação entre Rick e Unity, Silva discute como o ciclo de abuso emocional pode prender indivíduos em padrões destrutivos, enquanto Souza ilustra os efeitos corrosivos do narcisismo de Rick sobre seus relacionamentos. Klinjey, por sua vez, destaca a importância de manter a autonomia emocional e a identidade pessoal em face de relações que ameaçam a individualidade.

Unity, ao reconhecer o impacto negativo de Rick sobre sua coesão e decidir se afastar, exemplifica a luta por preservação da identidade e exercício do livre-arbítrio em situações de codependência. A decisão de Unity de romper com Rick para manter sua integridade emocional reflete o que Klinjey descreve como essencial para a saúde emocional: a capacidade de preservar a própria identidade e exercer o livre-arbítrio em relacionamentos.

Essa narrativa reforça a mensagem de que, para alcançar relacionamentos saudáveis, é crucial reconhecer e interromper ciclos de abuso, resistir ao narcisismo que desumaniza o outro e preservar a autonomia emocional. Rick and Morty nos lembra que a verdadeira conexão, deve ser construída sobre a base do respeito mútuo e da independência, sem comprometer a integridade de nenhum dos parceiros envolvidos.

No final, o episódio serve como um poderoso lembrete dos altos custos emocionais associados a relacionamentos disfuncionais e da importância de proteger a própria integridade emocional. Rick and Morty demonstra, através da narrativa de Rick e Unity, que a busca por controle e poder nas relações não só prejudica os outros, mas também desintegra quem exerce esse controle. Por isso, preservar a própria identidade e autonomia é essencial para o bem-estar emocional em qualquer relacionamento.

Referências: 

BARROS, Daniel Martins. O Lado Bom do Lado Ruim. São Paulo: Planeta do Brasil, 2014.

KLINJEY, Rossandro. Help: Me Eduque! São Paulo: Academia, 2017.

RICK and Morty. Auto Erotic Assimilation. Direção de Bryan Newton. Roteiro de Dan Harmon e Justin Roiland. EUA: Adult Swim, 9 ago. 2015. Disponível em: <link>. Acesso em: 22 ago. 2024

SILVA, Ana Beatriz Barbosa. Mentes Perigosas: O Psicopata Mora ao Lado. 6. ed. Rio de Janeiro: Fontanar, 2018.

SOUZA, César. Você é o Líder da Sua Vida: E Se Você Não Lidar Bem Consigo, Como Vai Lidar com os Outros? Rio de Janeiro: Alta Books, 2016.

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Modernidade líquida: uma análise do episódio “Nosedive” da série Black mirror

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  A cada momento que passa, as tecnologias sofrem diversos avanços e trazem novas formas de se conectar com o mundo, formas mais acessíveis e rápidas. O processo de globalização trouxe também uma grande ironia para o atual contexto que vivemos, onde cada vez mais parecemos nos afastar e nos individualizar em nossa existência. Isso é o que pode ser descrito como modernidade líquida.

  Zygmunt Bauman em seu livro “Modernidade líquida” publicado em 1999, descreve como vivemos em mundo moderno de relações líquidas, utilizando uma analogia entre os relacionamentos as ligas formadas pelos átomos em seus diferentes estados. O estado líquido sugere uma ligação mais distante, enquanto o sólido sugere a maior proximidade entre os átomos para levarem tal forma. Nesta obra ele também fala sobre uma “modernização da modernidade”, onde acontece uma desintegração ou modificação de padrões de relacionamentos, além da liquefação dos padrões de dependência e interação. Quando pensamos em uma obra que trazia essa temática em 1999 sobre o distanciamento das pessoas e o aumento dos processos de individualização devido aos novos padrões estabelecidos na modernidade, nos faz pensar se agora, 25 anos de tecnologias depois, nós não estamos vivendo uma nova fase nas relações: a modernidade gasosa.

  Atualmente a temática da liquidez das relações colocada por Bauman, é amplamente retratada em filmes e séries. Entre elas destacamos a série antológica Black Mirror, que busca contar várias histórias independentes entre si que retratam um futuro não tão distante, onde a tecnologia se transforma em um “vilão”, causando impactos a nível mundial. Cada episódio retrata isso de uma forma diferente, em como nós humanos podemos ser facilmente corrompidos e como nós somos capazes de abrir mão até mesmo daqueles mais amados em nossas vidas pessoais.

   Em um de seus episódios mais famosos é o primeiro episódio da terceira temporada, chamado de “Queda Livre” ou “Nosedive”, que narra sobre a queda da protagonista Lacie, em uma realidade que avalia uns ao outros por meio da tecnologia, podendo elevar ou descer a posição de um membro da sociedade. Apesar de ser retratada como uma pessoa “louca” durante o episódio, Lacie é uma pessoa comum, que busca não apenas uma validação em meio a sociedade, mas uma aproximação de sua amiga Jayne.

  Lacie demonstra ir além de tudo que a sociedade retratada avalia como “bom” ou “aceitável” desde que isso signifique poder comparecer ao casamento de sua amiga, deixando sua máscara cair durante o processo e resgatando sua humanidade a cada vez que caia de posição e classificação. 

  Em dado momento, a protagonista Lacie publica uma foto de um brinquedo que possuía grande afeto e relação com a amizade com Jayne, mostrando uma busca por validação. Alguns podem pensar que a busca seria por uma validação em meio e a sociedade e boas avaliações, mas eu particularmente vejo que a felicidade de Lacie ao ver que Jayne deu a melhor avaliação possível para a foto, se dá pelas “migalhas de afeto” que busca em meio a uma modernidade líquida.

  Ao contrário do que os demais prezavam ser importante, Lacie demonstra um real desespero para reatar ou estreitar laços de uma amizade antiga com Jayne, que revela para Lacie que sua intenção ao convidá-la não era uma demonstração de afeto e consideração, mas sim uma tentativa de elevar sua própria classificação. Quando Jayne vê que a classificação de Lacie caiu drasticamente, ela imediatamente desconvida de seu casamento, jogando a fora com apenas uma ligação. Jayne não faz ideia e sequer quer saber as distâncias que sua amiga foi para poder comparecer no casamento, porque os laços não significam nada sem uma boa avaliação da sociedade. 

  O desfecho do episódio se dá com um breve diálogo entre Lacie e um homem, ambos na prisão. No primeiro momento Lacie se mostra irritada com a situação e troca “ofensas” com o homem na cela da frente, o que nos leva de volta ao conceito de avaliar uns aos outros de forma negativa mesmo que seja a primeira impressão sobre alguém que não conhecem profundamente. A cada “avaliação ruim”, tanto Lacie quanto o homem da cela na frente parecem se divertir com a ideia de falarem o que quiserem sem precisar temer uma “má reputação”, finalizando com os dois sorrindo e rindo um para o outro enquanto desbravam sua angústia e raiva pela sociedade com um “vá se foder”.

      Fonte: Reprodução Netflix

  A história de Lacie e Jayne nos coloca para pensar sobre como os valores que cada um de nós colocamos em nossas relações em uma sociedade que a cada dia que passa se torna mais tecnológica e líquida. O que Lacie poderia ter feito de diferente, diante um contexto que se nega a ouvi-la e acolhê-la por suas qualidades? Se Lacie se sentisse sozinha e abandonada, a solução seria tentar subir de classificação? Ou deveria Lacie jogar fora completamente a ideia de classificações, buscando pessoas que valorizem mais relações do que ser “bem” avaliado e visto na sociedade? Teria Lacie finalmente encontrado uma verdadeira conexão mesmo que talvez breve com seu parceiro de cadeia? Isso tudo podemos apenas imaginar.

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The Midnight Gospel: uma reflexão sobre a morte e a busca pelo perdão

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The Midnight Gospel, uma série animada criada por Duncan Trussell e Pendleton Ward, destacou-se por seu formato inovador e temáticas profundas. Lançada na Netflix em 2020, a série combina uma estética psicodélica com diálogos filosóficos e espirituais que busca trazer ao espectador, reflexões sobre questões existenciais. A animação nos convida a uma jornada introspectiva pelos confins do multiverso. No episódio 4, “Ordenando um Corvo”, o protagonista Clancy, em mais uma de suas aventuras intergalácticas, encontra-se em um mundo medieval ao lado da Milady Trudy. Juntos, embarcam em uma jornada de vingança que, aos poucos, se transforma em uma profunda reflexão sobre o perdão. Milady Trudy, é uma figura complexa que encarna muitos dos temas centrais explorados na série. Ela é retratada como uma mulher medieval que vive isolada, contudo tendo alguns companheiros a qual busca quando necessário. Dominada por sentimentos de raiva, ressentimento e desejo de vingança, seu personagem serve como um símbolo da luta interna que muitas pessoas enfrentam ao lidar com emoções dolorosas e traumas do passado.

A temática do perdão, central neste episódio, é explorada de forma poética, psicológica e filosófica, utilizando analogias e metáforas que nos convidam a questionar nossas próprias crenças e valores. A Milady Trudy, com sua carga de ressentimento e desejo de vingança, personifica a dificuldade que muitos de nós enfrentamos em perdoar aqueles que nos feriram. A metáfora das “barras”, utilizadas por Clancy para representar as memórias dolorosas do passado, é particularmente reveladora. Ao carregarmos essas barras, carregamos também o peso emocional das experiências negativas, o que pode nos impedir de seguir em frente. Segundo Maraldi (2017), o perdão envolve um processo psicológico multifacetado, que inclui a tomada de decisão consciente de perdoar, a elaboração emocional das ofensas e o cultivo de sentimentos de compaixão e empatia. Ele enfatiza que o perdão é fundamental para a promoção do bem-estar psicológico e a recuperação de relacionamentos saudáveis”.

Fonte: Netflix – The Midnight Gospel

A jornada de Milady Trudy e Clancy nos mostra que o perdão é um processo gradual e complexo. A busca por vingança, muitas vezes, é uma forma de tentar recuperar o controle sobre uma situação que percebemos como injusta. No entanto, ao nos apegarmos à raiva e ao ressentimento, é nosso próprio bem-estar que colocamos em risco.

Além disso, o episódio aborda a importância do mindfulness e da aceitação, que são conceitos centrais na Psicologia contemporânea. A prática de mindfulness, que envolve estar presente no momento e aceitar a realidade como ela é, pode ser vista na maneira como o personagem aceita sua morte inevitável. Mindfulness ou Atenção Plena é o termo ocidental para denominar a prática de meditação praticada no Zen Budismo. Jon Kabat Zinn idealizou o programa “Redução de Estresse Baseado em Mindfulness (Mindfulness Based Stress Reduction – MBSR)”. O termo Mindfulness traduzido para o inglês é conhecido como “Atenção Plena” (GERMER, SIEGAL & FULTON, 2016). Contudo, a tradução não corresponde com a amplitude da prática Jon Kabat-Zin (2017, p.26), que inclui prestar atenção de maneira particular no propósito, no presente e o mais importante, sem haver julgamentos.

A Terapia de Aceitação e Compromisso (ACT) explora a aceitação incondicional como uma maneira de lidar com o sofrimento, e essa filosofia está fortemente presente nas interações entre Clancy e Trudy que ele entrevista. Estudos empíricos sugerem que a aceitação é uma estratégia eficaz para lidar com o luto e a ansiedade relacionada à morte, o que reforça a relevância das ideias apresentadas no episódio. Socialmente estamos cada vez mais conectados, em contrapartida tendemos a nos desconectar de nós mesmos e dos nossos momentos (Kabat-Zinn 2017, p. 91).

A solidão, outro tema recorrente no episódio, está intimamente ligada à dificuldade de perdoar. A Milady Trudy, isolada em seu castelo, busca consolo na vingança, na tentativa de preencher o vazio interior causado pela perda de seu amado. A série nos mostra que a conexão com os outros é fundamental para nossa saúde mental e que o perdão pode ser um caminho para superar a solidão e encontrar um novo sentido para a vida. Essa solidão pode ser vista como um reflexo de uma sociedade individualista, onde as conexões humanas autênticas se tornam cada vez mais raras. A busca pela vingança, nesse contexto, pode ser interpretada como uma tentativa desesperada de se conectar com algo maior do que si mesma, a ausência de uma comunidade solidária e acolhedora dificulta a superação do trauma e a busca pelo perdão.

A estética visual de “Ordenando um Corvo” é um elemento fundamental para a construção do significado e da atmosfera do episódio. A animação psicodélica, as cores vibrantes e as formas orgânicas criam um universo onírico e surreal que reflete a complexidade dos temas abordados. A animação pode ser vista como uma representação visual do interior da mente de Milady Trudy. As cores vibrantes e as formas distorcidas refletem a turbulência emocional que ela experimenta.

Muitas das imagens utilizadas no episódio possuem um significado simbólico. Por exemplo, o corvo pode ser interpretado como um símbolo da morte ou da má sorte. A natureza é representada de forma exuberante e selvagem, contrastando com a artificialidade do castelo de Milady Trudy. Essa oposição pode ser interpretada como uma metáfora da luta entre a natureza humana e a civilização.

“Ordenando um Corvo”, nos convida a uma profunda reflexão sobre a natureza do perdão, e a importância de cultivar relacionamentos saudáveis. Ao explorar os conceitos de perdão, solidão e busca por sentido, o episódio nos mostra que a jornada de autoconhecimento é um processo contínuo. A série como um todo, nos presenteia com uma obra que transcende a ficção científica, oferecendo ferramentas para lidarmos com as complexidades da vida e encontrar paz interior.

Referências 

GERMER, Christopher K; SIEGEL, Ronald D.; FULTON, Paulo R. Mindfulness e psicoterapia. Tradução: Maria Cristina Gularte Monteiro; rev. Melanie Ogliari Pereira. -2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2016.

KABAT-ZINN, J. Viver a catástrofe total: como utilizar a sabedoria do corpo e da mente para enfrentar o estresse, a dor e a doença; tradução de Márcia Epstein; prefácio de Thich Nhat Hann. – Ed. rev. e atual – São Paulo: Palas Athena, 2017.

MARALDI, Everton de Oliveira. Perdão e espiritualidade na psicologia: uma revisão de literatura e considerações para pesquisa no Brasil. Psicologia em Estudo, Maringá, v. 22, p. 119-130, 2017.

WARD, Pendleton; TRUSSELL, Duncan. The Midnight Gospel. Los Angeles: Netflix, 2020. Disponível em: https://www.netflix.com. Acesso em: 16 ago. 2024.

 

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Manejo da ansiedade pela Gestalt

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A ansiedade vem sendo assunto em todos os cantos, desde o consultório até as mesas de bar, é um assunto que gera dúvidas, curiosidades e angústias. As pessoas buscam encontrar formas para resolver os impactos que a ansiedade vem provocando no dia a dia, com isso junto à ansiedade, é comum encontrar alguns verbos como: “controlar”, “resolver”, “lutar contra”, “vencer”, buscando manter um controle sobre ela. Porém, segundo Pinto (2021) a melhor forma para lidar com a ansiedade é dialogando com a mesma, tirando-a do papel de vilã, e, essa será a discussão nesta resenha.

Aquelas sensações de: falta de ar, coração acelerado, sudorese, insônia, medo constante, pensamentos catastróficos, cansaço frequente, dificuldade de concentração, são alguns sinais que aparecem do nosso organismo chamando atenção para algo, são sofrimentos patológicos que circundam na história de cada pessoa, podendo ser genéticos, ambientais, afetivos, conscientes ou não, resultado dos mistérios da existência humana (PINTO,2021).

Nota-se que são sintomas que uma hora ou outra alguém já sentiu, assim a pessoa vai se identificar, porém, acaba gerando confusão e preocupação. Pensam na ansiedade como uma doença, que precisa de cura, ou por vezes até, como algo que já pertence a ela, quantas vezes escuta-se algo do tipo “é porque eu tenho ansiedade”, sim, de fato essa frase é real, todos têm ansiedade, a diferença é como ocorre a vivência dela de pessoa por pessoa, em cada situação (PINTO,2021).

Mas, o que é a ansiedade? Segundo Perls, Hefferline e Goodman (1977) a ansiedade é o vácuo que existe entre o agora e o depois, ou seja, é estar em um lugar que não é o agora e nem o depois. É aquele pensamento acelerado que tira a pessoa do presente, aquele momento que está pensando em tudo, menos no que está fazendo ou sentindo, é aquela sensação de estar aéreo, vazio.

A compreensão da ansiedade é complexa e muda de acordo com teorias, abordagens da psicologia e cada situação que a pessoa vive. Conforme Pinto (2021) a ansiedade é uma defesa que produz sinais de alerta no organismo humano, é uma vivência pessoal e saudável, um sinal insistente que se não der atenção pode provocar sofrimento e gerar ansiedade patológica. A ansiedade causa desconforto, germina necessidade de mudança, exige sair da zona de conforto, anunciando que algo precisa ser modificado.

Dessa forma, quando se fala de mudanças, muitas pessoas se mostram resistentes, tentando lutar contra essa energia. Conforme Perls, Hefferline e Goodman (1977) a ansiedade é uma excitação que ocorre no organismo e pode manifestar diversos comportamentos quando é interrompida, assim percebe-se que quanto mais luta, mais sofre.

                                                                                             Fonte: Organização Mundial da Saúde (OMS)

O Brasil é considerado o país mais ansioso do mundo e o quinto mais depressivo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS).

Concordante, Pinto (2021) fala que a sociedade tenta lutar contra a ansiedade ao invés de compreender e dialogar com ela, o que acaba trazendo consequências danosas, se for repetitivas. Ela provoca desconforto, exige novos ajustamentos, dá sinal de que algo não está mais adequado e precisa ser flexibilizado. Diante disso, a ansiedade exige uma autorregulação pessoal, e esse é um dos objetivos da psicoterapia na abordagem da Gestalt.

A Gestalt é uma abordagem terapêutica que tem como foco a compreensão do indivíduo como um todo, considerando suas emoções, pensamentos e comportamentos em relação ao ambiente em que está inserido (PERLS; HEFFERLINE; GOODMAN, 1977). O manejo para tratamento da ansiedade pela Gestalt começa com a compreensão da experiência do indivíduo. O terapeuta busca entender como o paciente vivencia a ansiedade, quais são os pensamentos e emoções que o acompanham, e como ela afeta seu comportamento e suas relações interpessoais.

A partir dessa compreensão, o terapeuta pode ajudar o paciente a identificar e expressar suas emoções de forma mais clara e autônoma, e desenvolver uma maior consciência de si mesmo e do ambiente em que está inserido. Como por exemplo, ao ser escolhido para fazer uma apresentação, pode aparecer várias emoções no momento e muitas vezes o sujeito não pára para observar e identificá-las. Dependendo de como o indivíduo receber o convite para apresentação, a ansiedade poderá paralisar a pessoa e ela não conseguirá se preparar para apresentá-la, terá nervosismo, sudorese, gagueira, entre vários sintomas que aparecem, essa será uma ansiedade patológica, onde a pessoa não consegue se reajustar diante da situação.

Nesse ínterim, também tem a ansiedade saudável, que dentro desse exemplo, mesmo com várias emoções à tona, a pessoa consegue identificá-las, compreendê-las e se ajustar diante da situação. O sujeito se encontra aberto para novas exigências. Em ambos os casos, é necessário compreender como a ansiedade é vivida pela pessoa, qual sentido ela tem naquele momento, e daí encontrar o potencial para vivenciar essa apresentação de trabalho de forma criativa e saudável.

Para trabalhar com a ansiedade na linha da Gestalt, não interessa o episódio da ansiedade e não se trata da ansiedade como patologia, utiliza-se o termo para ficar mais fácil a compreensão da diferença das ansiedades. Na Gestalt trabalha-se com vivências, não trata por exemplo, da síndrome do pânico, mas trata das pessoas que estão vivenciando esse transtorno, entendendo que a vivência de uma pessoa será diferente da outra (PINTO, 2021).

O mesmo autor ainda relata que, para compreender melhor a ansiedade que cada um está sentindo, poderá trazer à terapia a ansiedade vivida ali no momento, dentro do setting terapêutico, ou relatar como algo que foi vivido no cotidiano. O terapeuta trará perguntas de “como”, “o que”, questões que permitirão dialogar com a ansiedade que está sendo emergida no presente da sessão terapêutica. Perguntas de : “como se sente nesse momento?”, “o que está passando por ai agora?”, “o que aconteceu agora quando você fala sobre isso?”.

Então o manejo não se refere a ansiedade, mas a vivência da ansiedade que o indivíduo experiencia naquela situação, e , assim a Gestalt atua em todos os outros campos, trabalhando diretamente com a vivência de cada sujeito dentro da sua realidade biológica, psicológica e social, dialogando com o que aparece como sinais de alerta no organismo, buscando suas potencialidades.

Em suma, para a abordagem gestáltica a ansiedade aparece na vida de todo ser humano, de acordo com Pinto (2021) é uma qualidade humana, que não tem como escapar e pode ser vivida de maneira saudável ou patológica. Assim, seu manejo depende da postura do terapeuta, da experiência observada e sentida pelo cliente, da compreensão da vivência no como e no agora, do diálogo com a ansiedade, promovendo a responsabilidade pessoal do cliente, ajudando-o a compreender que ele é o responsável e precisa buscar soluções criativas para viver de forma mais autônoma e satisfatória.

Referências:

PINTO, Ênio Brito. Dialogar com a ansiedade: uma vereda para o cuidado. São Paulo. Summus editorial, 2021,

PERLS, Frederick; HEFFERLINE, Ralph; GOODMAN, Paul. [tradução Fernando Rosa Ribeiro]. São Paulo: Summus, 1997.

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Manejo da ansiedade a partir da Análise do Comportamento

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No Brasil, de acordo com informações da Organização Mundial da Saúde (OMS), há mais de 18 milhões de pessoas que sofrem de ansiedade.

É notável o grande número de casos de ansiedade que vem sendo acompanhados pelos psicólogos atualmente, o que evidencia a necessidade de dedicação em lidar da forma mais profissional e ética possível com tal demanda. Isso porque passamos por cenário inédito na história do mundo atual e também porque as pessoas frequentemente encaram a ansiedade, o medo e a incerteza, em suas vidas. É importante que os psicólogos se apresentem habilidosos, com conhecimento e responsabilidade o bastante para atender às demandas recorrentes da ansiedade (ALBUQUERQUE et al., 2022, p. 726).

            A Análise do Comportamento se apresenta como uma das abordagens científicas que contribuem na discussão e manejo da ansiedade, definindo-a como um fenômeno comportamental complexo onde variáveis que mantém o comportamento ansioso podem abranger a filogenia, ontogenia e cultura (VON BACKCHAT e LAURENTI, 2020, p. 15).

Pode-se afirmar, conforme Albuquerque et al. (2022, p.732), que “a ansiedade é um conjunto de respostas de interação com o meio”, onde tem-se um estímulo que anuncia a apresentação de um estímulo aversivo, abreviando a frequência do comportamento que produz, gerando junto ao estímulo pré-aversivo, estados corporais e cessação de comportamentos operantes vigentes (ALBUQUERQUE et al., 2022, p.727).

De modo geral, entende-se que no nível ontogenético, “o comportamento ansioso exibe interações de respostas reflexas e operantes, com topografias abertas e encobertas, que ocorrem com a função de evitar o contato com estímulos aversivos condicionados” (VON BACKCHAT e LAURENTI, 2020, p. 1).

                                                                                                                                         Fonte: Pixabay

A Organização Mundial da Saúde (OMS) afirma que, as mulheres tendem a ser duas vezes mais ansiosas do que os homens, pois estão à mercê das oscilações hormonais.

 

É importante destacar que existe a ansiedade “normal” e a patológica, onde entende-se que a primeira é um estado emocional existente em todos os seres humanos (SANCHES; GOUVEIA-JUNIOR, 2011, P. 23) caracterizada a partir de eventos agradáveis que podem eliciar sentimento de ansiedade em contextos que demandam algum tipo de espera, e a segunda refere-se ao tipo de ansiedade que impede a execução de tarefas do cotidiano do indivíduo, ao envolver grau significativo de sofrimento e frequente emissão de respostas de fuga e esquiva (ZAMIGNANI; BANACO, 2005).

            Como formas de tratamento da ansiedade de acordo à Análise do Comportamento, Pezzato, Brandão e Oshiro (2012) sugerem a utilização de recursos que construam o processo terapêutico menos aversivo e mais reforçador, cooperando para uma relação reforçadora ente o cliente e o terapeuta.

            O psicólogo, ao se utilizar dos conhecimentos oriundos dos estudos analítico comportamentais, realiza análises funcionais dos comportamentos para verificar o que está gerando e mantendo tais comportamentos e qual a função destes para o indivíduo, ou seja, quais as contingências e os estímulos reforçadores ou punitivos estão afetando o cliente/paciente (ALBUQUERQUE et al., 2022).

A Psicoterapia Analítica Funcional (FAP) também entra como importante estratégia e instrumento de intervenção que pode propiciar maior adesão do cliente à terapia (PEZZATO; BRANDÃO e OSHIRO, 2012). A interação entre terapeuta e cliente é o foco dessa psicoterapia, onde o terapeuta responde contingentemente aos comportamentos manifestados em sessão pelo cliente, no “aqui e agora” (Tsai, Kohlenberg, Kanter, Kohlenberg, Follette & Callaghan, 2011).

Para a FAP, um indivíduo age de maneira semelhante fora e dentro da sessão, ou seja, seus comportamentos alvos são evocados durante a sessão, na relação terapeuta-cliente onde tais comportamentos, reconhecidos como CRBs (Comportamentos Clinicamente Relevantes), são divididos em “comportamentos problemas do cliente emitidos em sessão (CRB1), os comportamentos de melhora do cliente em sessão (CRB2) e os comportamentos de interpretação do cliente sobre seu comportamento (CRB3)” (LOVO, 2019, p. 34), tendo como objetivos principais o aumento da frequência de comportamentos de melhora do cliente (CRB2) e a diminuição da frequência daqueles comportamentos problema (CRB1) (LOVO, 2019).

            Pode-se utilizar também do Reforço Diferencial do comportamento verbal no manejo clínico da ansiedade, uma vez que refere-se à realização de questionamento reflexivo com o objetivo de elevar a frequência do comportamento verbal do cliente, lançando mão de perguntas abertas e selecionadas tendo como base o controle discriminativo do comportamento verbal que se caracteriza por instigar o cliente a ser bem sucedido nas suas ações discriminatórias, levando também à elaboração de auto regras (ALBUQUERQUE et al., 2022).

            Além dessas técnicas há o Treino de Habilidades de Solução de Problemas, que contribui para que o indivíduo identifique seus próprios problemas e consiga resolve-los ao invés de praticar a fuga-esquiva, como antes, melhorando assim sua resposta adaptativa para tais situações problema (ALBUQUERQUE et al., 2022). Existem também as técnicas de relaxamento e treino respiratório que auxiliam no equilíbrio das reações físicas da ansiedade e, uma vez praticados, podem reforçar positivamente o indivíduo o levando a realizar essas técnicas mais vezes para que consiga de fato um equilíbrio e consiga realizar suas atividades cotidianas com maior tranquilidade (ALBUQUERQUE et al., 2022).

            Por fim, destaca-se que a literatura analítico comportamental tem definido a ansiedade como um fenômeno comportamental complexo, onde as variáveis que mantém o comportamento ansioso podem abranger os três níveis de variação e seleção (filogenético, ontogenético e cultural), sendo necessários novos estudos principalmente no nível cultural para que novas técnicas e instrumentos possam ser construídos a fim de alcançar melhores resultados no tratamento da ansiedade (VON BACKSCHAT e LAURENTI, 2020).

REFERÊNCIAS

ALBUQUERQUE, Amanda et al. A ANSIEDADE PARA A ANÁLISE DO COMPORTAMENTO. Revista Ibero-Americana de Humanidades, Ciências e Educação, v. 8, n. 6, p. 725-734, 2022.

LOVO, Aline Redressa Boni Rayis. Psicoterapia analítica funcional como tratamento de transtorno de ansiedade social. 2019. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo.

PEZZATO, F. A; BRANDÃO, A. S; OSHIRO, C. K. B. Intervenção baseada na psicoterapia analítica functional em um caso de transtorno de pânico com agorafobia. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, v. 14, n. 1, p. 74-84, 2012.

SANCHEZ, C. N. M.; GOUVEIA JUNIOR, A. O teste da simulação do falar em público não gera ansiedade em adolescentes surdos ou ouvintes. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, v. 13, n. 2, p. 21-32, 2011.

Tsai, M., Kohlenberg, R. J., Kanter, J. W., Kohlenberg, B., Follete, W. C., & Callaghan, G. M. (2011). Um guia para a Psicoterapia Analítico Funcional (FAP): consciência, coragem, amor e behaviorismo (F. Conte, & M. Z. Brandão, trads.). Santo André, SP: ESETEc (Obra publicada originalmente em 2009).

VON BACKSCHAT, Letícia De Paula; LAURENTI, Carolina. Um panorama da discussão sobre ansiedade nos periódicos nacionais de análise do comportamento. Revista Uningá, v. 35, p. eRUR3411-eRUR3411, 2020.

ZAMIGNANI, D. R; BANACO, R. A. Um panorama analítico-comportamental sobre os transtornos de ansiedade. Revista Brasileira de Terapia Comportamental e Cognitiva, v. 7, n 1, p. 77-92, 2005.

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