Desabafo sobre as histórias de amor

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Não são todas as histórias de amor que me fazem suspirar, definitivamente não.

Tem que existir algo mais, não apenas um solo de piano, frases feitas ditas do momento do tesão, não, tem que ter algo além. Além dessa leveza proposital, desses olhares ensaiados, essa alegria forjada na hora em que passa o filme, esse colo que não delira de quente, mas sim delira somente pelo costume idiota de achar que pode ser amor.

Das histórias que me fazem suspirar, nem sei se devo revelar, mas sinto que preciso dizer nem que seja só o começo. Delas, eu amo sempre as partes mais simples.

Esse olhar para as horas que não passam, só por que ele a quer ver.

 Aquele jeito de falar coçando a cabeça despenteando o mais lindo de todos os cabelos.

Da saia dela que ao levantar revela a mais doce obsessão da boca dele.

Da cara que ela faz quando não recebe aquele presente que estava achando que iria ganhar, e no meio da tarde é surpreendida por flores de um gosto tão piegas quanto à poesia que ele lhe sussurra nos ouvidos depois do sexo.

Do sorriso dele devorando ela sentada num banquinho da cozinha enquanto ele prepara o jantar, e depois larga tudo só para agarrar-lhe pelos cabelos e ir fundo naquele corpo que pensa ser dele, e de fato é.

Daquela cicatriz na perna dele, lembrança da queda que levou naquela cachoeira, só para conseguir o ângulo prefeito para aquela foto embaçada no mural do quarto.

O gosto do pastel devorado com toda a fome do mundo naquele dia em que não tiveram tempo para almoçar, pois a fila do banco estava enorme.

Das fugas depois do expediente, uma hora de amor e delírio até que ela percebe que não pode perder a hora de ir embora. Do olhar que ele lança enquanto ela se veste no quarto de motel que minutos antes testemunhara a mais suave cena de amor.

A areia dentro da sandália dela, naquela noite em que resolveram arriscar tudo e fazer amor no meio da praia.

Dos olhos dele sentado naquele banco da praça no dia em que resolveram continuar juntos. Do abraço agradecido dela envolvendo aquele corpo de homem apaixonado.

Sem esquecer, claro, daquela noite em que ela se produziu como uma atriz pornô, cheia de deliciosas intenções e que não fez nada por que ele pegou no sono enquanto ela se arrumava.

E mais, aquelas caminhadas sem destino algum pela grama do parque num dia de domingo.

O lençol estendido na grama, e os dois dormindo agarrados embalados pela música do carro de som daquela passeata estudantil.

Pequenos detalhes que a olhos nus não representam qualquer suspeita, mas que aos olhos de quem vive a história de amor faz toda a diferença.

Definitivamente, não são todas as histórias de amor que me fazem suspirar, têm haver algo mais, detalhes, sempre tem que haver detalhes.

 

 

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Desejos e quereres

De desejos e quereres

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É bem verdade que eu sou do tempo que ter coleção de selos e de papéis de carta era prioridade na vida de meninas adolescentes. E também que ter diário – um caderninho com chave(e não página na internet pra todo mundo ter acesso) – era contar segredos só para você mesma e pra Deus(que tudo sempre soube).

Sou do tempo também que sonhar com o futuro era imaginar terminando a faculdade, ter um bom emprego, viajar o mundo.

O mundo mudou (é obvio). E a gente, junto, também vai mudando.

Até os “quereres” mudaram. E como mudaram.

Na contramão de muita coisa, de repente, me vejo, quase aos 40, querendo coisas absolutamente simples. Como nunca antes imaginei, no auge dos anseios mais ambiciosos da minha simples, mas feliz adole-juventude.

Sei que muito dos desejos são frutos da ausência. Se você nunca teve um carro, certamente sonhará com um carrão de luxo. Se não teve aquele tênis da vitrine, desejará um de marca conhecida/famosa, pouco acessível.?Se não teve a presença de alguém, tentará suprí-la de outra forma. Com mais abraços, mais sexo. Mais do que teve menos. E isso, a psicologia explica, com fundamento.

Mas, voltando aos quereres. Lembro de uma música, que eu costumava dedilhar, quando estava começando a aprender a tocar violão. “Ter uma casinha branca de varanda, um quintal e uma janela só pra ver o sol nascer”. O compositor retratava um desejo que, aparentemente, era por demais singelo, saudosista. Naquele tempo eu queria um pouco isso também.

As cidades cresceram, o êxodo rural se intensificou. Muita gente, sequer, sabe mais o que é um quintal. Nas maiores cidades, não há mais espaço para este lugar tão necessário das casas das nossas infâncias(nossas, para quem, como eu, nasceu na década de 1970, até meados de 1980).?E isso, quintal, eu ainda quero. Também quero a janela. Da minha casa, não dá para ver os primeiros raios de sol, ainda no alvorecer. Mas dá para observar quando o astro-rei surge no céu, azul-lindo, intenso de Palmas.

Eu quero, agora, ainda que no auge da minha juventude – ainda não fiz 40(como já disse antes), viver intensamente. Mas quero a tranquilidade da casa no campo, da música “Casinha Branca”. Ver os meus filhos brincando na grama ou na garagem. Perceber os raios do sol ou mesmo o brilho da lua, da minha janela.

E aí, nesta lista de quereres simples, quero a pamonha, o milho, o caldo, que lembra a fazenda(que eu não tive). Mas quero ainda mais, a companhia dos meus pais, dos meus irmãos, com seus filhos, sempre por perto.

Quero o barulho da nova infância, das minhas crianças que gritam com as descobertas deste novo tempo. Quero a vida se repetindo, mas sempre inovando. Quero o marido, que ama e diz.

Não quero mais o produto, como já quis muito. A casa, o carro, a viagem, a faculdade, o emprego. Sim, são importantes. Mas o que faz muita diferença, mesmo correndo o risco de ser óbvia, é a pessoa. Gente, faz a gente ser feliz.


Nota: Texto publicado originalmente no Blog da autora: www.jocyelmasantana.wordpress.com

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