Adolescentes em conflitos com a lei: a convivência prematura com as drogas

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“Sinto falta de andar de bicicleta, conversar com meus primos e estou decidido quando sair daqui, estudar e mudar de vida”. São palavras de M.R.A, 14, há quase um ano detido no Centro de Atendimento Socioeducativo de Palmas (Case). O menor em conflito com a lei, lamenta ter passado seu aniversário de 14 anos em um lugar fora da família e isolado do mundo.

Foto: Walquerley Ribeiro

Os pais de M.R.A,  se separaram assim que o menino nasceu, sendo criado pela mãe solteira. Quando completou 11 anos, o garoto seguiu destino e realizou o desejo de ir morar com o pai. Segundo a tia, J.B.A, o ambiente em que o pai de M.R.A vivia, tinha em certas ocasiões convívio com drogas e muitas bebidas. Aos 13 anos, M.R.A começou a sair à noite e ficar fora de casa até por três dias.

A tia conta que o menino passou a se envolver com drogas, apresentando um comportamento totalmente diferente de um adolescente normal. Em certa ocasião, M.R.A  foi flagrado pelo pai usando drogas. Isso fez com que ele decidisse arrumar as malas do adolescente de apenas 12 anos despejando o menino e enviando  a ir “morar na rua”. “A partir dai, meu sobrinho começou na companhia de amizades duvidosas, morando em praças e sem residência fixa”, diz a tia, lembrando ainda que, um parente materno ofereceu apoio e o acolheu na própria residência.  “Mas era tarde demais! O menino já estava bastante influenciado pelo uso de drogas e infrações da lei”. A tia conta ainda que, o garoto aos 13 anos, saiu por conta própria da casa do familiar e foi morar com amigos, identificados pela família como traficantes. Seis meses depois M.R.A, foi detido por tráfico de drogas.

Segundo dados da Secretaria de Estado da Defesa Social do Tocantins (Seds), existe hoje em torno de 150 adolescentes cumprindo medidas socioeducativas em todo o Estado. A história do adolescente M.R.A, é apenas um exemplo de milhares de casos de adolescentes que passam a cometer infrações, causando um dos mais preocupantes e alarmantes problemas sociais de politicas publicas que a sociedade brasileira enfrenta na atualidade. Diante da opinião pública, a sociedade culpa o Estado pela ineficiência no combate e prevenção, já por parte do governo a culpa é creditada a uma péssima base familiar recebida por esses adolescentes.

A responsabilidade social, fica dividida entre as três esferas, a de prevenção que é do município, a segunda etapa é o tratamento em parceria compartilhada com o Estado, e a repreensão que é uma obrigação do Estado junto com o Governo federal.

No caso de medidas de repreensão fechada de internação, quando o adolescente comete um ato infracional grave, ele aguarda a sentença judicial na medida provisória podendo ficar até 45 dias. Ele pode ser liberado ou sentenciado a cumprir medida de Internação, podendo ficar até três anos ou cumprir a semiliberdade para ser acompanhado e avaliado, de acordo com a lei do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA).

De acordo com o Coordenador das Políticas Anti-Drogas da Prefeitura de Palmas (TO), Ricardo Ribeirinha, o município tem atuado com a sua missão de prevenção ao combate de drogas para menores infratores, com palestras nas escolas da rede municipal. Através do esporte, o depoimento do atleta palmense Hudson Lee, campeão mundial de Jiu Jitsu, tem ministrado palestras motivacionais com o título, “A arte de Sonhar”. O atleta faz um retrospecto da sua trajetória de vida, relatando sobre as dificuldades enfrentadas, a superação, e as oportunidades que a espiritualidade e a prática do esporte lhe proporcionaram. “O Hudson Lee, é um campeão da nossa região, e com toda sua bagagem de um jovem vencedor que venha influenciar e mostrar a esses menores que a verdadeira luta não é com as mãos e sim com a inteligência”, explica Ribeirinha, recordando da sua própria experiência de vida, como ex-recuperando da Fazenda da Esperança nos tempos em que já “sentiu na pele” e conheceu o mundo de um menor infrator, “mudar a nossa vida é muito fácil, mas mudar a vida das outras pessoas é muito difícil, pois depende da boa vontade e disposição do recuperando”, diz.

Ainda de acordo com Ribeirinha, a Prefeitura de Palmas, investiu na reestruturação dos conselhos tutelares, que é o órgão que dá garantia aos adolescentes, com a chegada de novos carros, liberando autonomia para deslocamentos dentro da cidade de Palmas, além de uma integração com as redes das políticas públicas, onde serão desenvolvidos projetos do tipo: A Casa Abrigo, CREAS POP e o consultório de Rua em parceria com o Governo do Estado e federal.  “A preocupação da nova política do governo de Palmas não é com o adolescente preso, e sim, que o jovem não seja preso, o nosso trabalho é silencioso, tímido, pois os jovens que adotam e se interessam a mudar de vida pela prevenção, não podem ser identificados, pois, não saem por ai cometendo infração ou com uso de drogas”, finaliza.

J.B.A, tia do adolescente M.R.A, critica as ações de políticas públicas dos governos em todas suas esferas e lembra que na época que identificou o sobrinho como usuário de drogas, procurou ajuda clínica e não teve facilidades e apoio para uma possível prevenção. “Para internação, o garoto tinha que assinar com o próprio punho aceitando o tratamento clínico, uma criança de 13 anos, às vezes, não compreende e não tem a atitude de fazer uma carta a punho solicitando tratamento e aceitando que tem problema de saúde, ele sempre imagina que a vida tá indo bem e que no futuro isso não trará consequências alarmantes”, a tia lembra ainda que o menino não aceitava ajuda, pois não considerava que maconha fosse droga e não acreditava que a maconha poderia levá-lo a uma detenção. “Foi a maconha que levou ele pra rua e fez ele cometer infrações”, desabafa J.B.A.

Projeto: “Um Novo Caminhar: prevenção e tratamento ao uso de drogas”

O Projeto: “Um Novo Caminhar: prevenção e tratamento ao uso de drogas”, desenvolvido pelo governo do Tocantins, pretende promover ações de prevenção, tratamento e reinserção social desses adolescentes dentro do Centro de Atendimento Socioeducativo de Palmas (Case) e no Centro de Internação Provisória (Ceip).

Através da Secretaria de Estado da Defesa Social (Seds), o projeto será realizado nas Unidades Socioeducativas do Tocantins e conta com o apoio da Universidade Luterana do Brasil (Ceulp/Ulbra), Fazenda da Esperança e diversos parceiros que promoverão ações integradas com a finalidade de gerar o retorno social dos adolescentes a suas famílias.

Segundo a diretora do Departamento de Ações sobre Drogas, Magda Valadares, o projeto tende a promover ações integradas com o objetivo de trabalhar a prevenção e o tratamento de dependências químicas, como também ações profissionalizantes e de lazer. “Não gosto da palavra combate ao uso de drogas, porque nos faz pensar que estamos em guerra contra as drogas e não é isto, precisamos trabalhar e nos unir para proporcionar um novo estilo de vida para as pessoas, seja os adolescentes, jovens ou adultos que estão sofrendo as conseqüências da dependência química e também trabalhar a prevenção”, finaliza.

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Medidas socioeducativas: um discurso moralista

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Hoje, após um longo atendimento a um adolescente indignado com a conduta da maior parte dos profissionais da área de disciplina nos Centros de Atendimento Socioeducativo, especialmente onde trabalho, reflexões foram surgindo sobre o sistema socioeducativo imputado aos jovens cujo reconhecimento e prestígio é obtido pelo modo como se relacionam com as leis e regras básicas de convivência com o outro em nossa sociedade.

L. é um jovem de 17 anos. A restrição de liberdade se deu em razão de um sequestro mal sucedido. Reside em uma grande comunidade na cidade de São Paulo. Revólveres, bandidos, drogas, sexo, violência fazem parte do seu dia a dia.

Há nove meses realizo os atendimentos psicológicos, ora individualmente, ora em grupo. Neles, seria mais fácil circunscrever os desejos de L. aos meus: de que a medida socioeducativa serviu como um momento de reflexão e arrependimentos onde pôde se rever enquanto cidadão de direitos e deveres. Bonito, se não fosse inverídico.

L. costuma ser bem-humorado, embora oscilante. Os atendimentos (des)contraídos permitem que seus anseios e desejos sejam colocados sem retaliação. L. gosta de intensidades, ainda que tenha uma vida breve; gosta de luxo, mas não quer se enveredar pelo caminho do trabalho, tampouco dos estudos. Ao mesmo tempo, é divertido, ama sua família e tem flashes de arrependimento por agir de modo tão egoísta. É mais fácil para ele do que para mim.

Há alguns meses tenho pensado nas falhas da medida socioeducativa de internação e o porquê de tantas reincidências (confesso que já prevejo a de L.). Em que pesem os fatores sociais, culturais, econômicos e psicológicos em que os adolescentes estão inseridos, procurei rever meus métodos e os da instituição onde atuo.

É neste momento de auto-avaliação como profissional que o atendimento realizado a L. se insere.  Hoje, ao comentar sobre seu cotidiano, ficou irreconhecivelmente irritado. Inicialmente, desculpou-se comigo, como se não pudesse se permitir a expressão de sentimentos considerados negativos. Ao perceber meu interesse e tranquilidade em escutá-lo, L. prossegue, chega a levantar-se e encenar situações.

A irritação, ironicamente, era com o sistema de justiça aplicado a todos aqueles que cometem crimes: “Por que não somos tratados com respeito aqui dentro”, dizia ele. “Aqui dentro é fácil oprimir… Andar com um rádio no bolso como se fosse um três oitão”, prosseguiu. Em outro momento, observou: “A regra tinha que ser a mesma. Funcionário bateu não dá nada, então a gente tem que poder bater sem dar nada”. Procurei, descrente, asseverar que ninguém estava ali para agir e nem sofrer com violência.

Disse por dizer. Gostaria de garantir a paz pelo qual L., em outras palavras, procurava.

A medida socioeducativa de internação deveria possibilitar que os adolescentes vivenciassem um ambiente menos violento daquele já trazido por eles ao chegar à instituição. De nada adiantam palestras educativas ou grupos temáticos sobre a paz quando somos incapazes de oferecê-lo na prática, no cotidiano institucional. A violência continua sendo uma rotina diária.

L. possivelmente estava irritado porque falhamos todos. Os sermões e discursos moralistas voltados ao “desenvolvimento de sua capacidade crítica e empática” são uma falácia, porque são hipócritas. Não conseguimos provar a ele que é possível conviver sem sermos capturados pelo poder e violência. E é exatamente isso que L. procurava (e, possivelmente, precisava).

Assisto, assim, incólume, chances de um recomeço serem desperdiçadas quase diariamente. A medida socioeducativa de internação deveria ser um momento de reflexão e mudança. Contudo, ao invés disso, tem cronificado e perpetuado posturas pelas quais a instituição, em verdade, deveria combater.

L., desejo que encontre a paz pela qual você não se acostumou a encontrar e que, paradoxalmente, você insiste em procurar. Obrigada pela confiança, sempre.

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