Ao considerarmos que o ser humano é um indivíduo biopsicossocial, por que não considerar o aspecto religioso? No registro da obra Psicologia e Religião, Jung traz essa visão como algo a ser considerado pelos profissionais da saúde mental pois é o que há de mais antigo e universal no ser humano. Para Jung, a religiosidade é considerada uma atitude extremamente interligada com a subjetividade humana.
Fonte: encurtador.com.br/uAXY1
A experiência do numinoso (Contato com o desconhecido, com o sagrado) pode ser uma experiência com bastante dualidade quando se fala na psicologia clínica, pois a luta pela parte da ciência da psicologia às vezes apaga a importância dessas experiências para a construção do self.
Dentro da história da humanidade há um apelo por conhecer a origem de tudo, ter uma explicação para a vida em si. Esse conceito pode ser relacionado intimamente com os arquétipos e a simbologia que eles trazem, algo que está no inconsciente coletivo e que move os seres humanos.
“[…] Em nossa época há muitas pessoas que perderam sua fé em uma ou em outras religiões do mundo. Já não reservam nenhum lugar para ela. Enquanto a vida flui harmoniosamente sem ela, a perda não é sentida. Sobrevindo, porém, o sofrimento, a situação muda às vezes drasticamente. A pessoa procura então subterfúgios e começa a pensar sobre o sentido da vida e sobre as experiências acabrunhadas que a acompanham.” (JUNG, Espiritualidade e Transcendência, p.86).
Neste trecho, Jung fala sobre a importância que a religiosidade e as religiões têm para o sentido da vida dos seres humanos. Quando tais pensamentos de falta de sentido aparecem, é necessário a ajuda de um profissional, antes pessoas dentro da religião, hoje, psicólogos.
Fonte: encurtador.com.br/cNOP9
A relação entre psicologia e religião é íntima, visto que acreditar e ter vontade são conceitos utilizados em ambos. Ao tratar uma pessoa em sofrimento é necessário olhar profundamente no consciente e no inconsciente, a religião sendo uma parte importante dos dois não pode ser deixada de lado.
“No âmbito das interações entre indivíduo e psique coletiva, entende Jung que a existência de uma atitude religiosa viva e válida é o único meio capaz de promover esta conciliação” (ARANHA, 2004).
Referências
ARANHA, Maurício. Alguns aspectos da religião na psicologia analítica. Ciências & Cognição, v. 1, 2004.
JUNG, Carl Gustav. Espiritualidade e transcendência: Seleção e edição de Brigitte Dorst. Editora Vozes Limitada, 2015.
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Carandiru: construção social de realidades e a subjetividade humana
“Cada indivíduo pode ser considerado como um nó em uma extensa rede de inter-relações em movimento.” (Bonin, 1998)
O filme brasileiro Carandiru, lançado em 2003, dirigido por Hector Babenco, foi inspirado no livro “Estação Carandiru” do médico Drauzio Varella. Neste livro, o médico narra algumas experiências vivenciadas na casa de detenção Carandiru após desempenhar um trabalho voluntário de prevenção à AIDS, realizado em meados de 1989. O presídio tinha capacidade para cinco mil detentos, porém, abrigava cerca de sete mil.
Muito esperado pelo público na época, o filme despertou diferentes opiniões, desde grandes elogios a coragem que Babenco teve ao abordar no cinema nacional um conteúdo tão polêmico, quanto às críticas com o “desleixo” no formato que o diretor deu ao filme por enfatizar uma grande quantidade de histórias mal desenroladas.
Carandiru veio logo depois de Cidade de Deus, o que deu muita ênfase às críticas. Cidade de Deus ficou marcado por tratar com veracidade os fatos da comunidade, e trazer para o social as denúncias e a busca por transformações sociais. Carandiru veio pronto, contendo início, meio e fim, e deixou a sensação de que o sistema prisional do Brasil é um problema obsoleto, muito distante. “Carandiru é um filme de personalidade inconstante, frio em certos momentos e inexplicavelmente pretensioso em outros” (OLIVEIRA, 2013).
Fonte: https://goo.gl/zLVFj8
Mesmo com tantos contras, não há como negar que esse longa metragem tem grande relevância social diante da história do Brasil, em novembro de 2015 o filme entrou na lista feita pela Associação Brasileira de Críticos de Cinema, como um dos 100 melhores filmes brasileiros de todos os tempos (DIB, 2015).
Drauzio, em seu livro, se atentou em descrever seu trabalho diário, focando principalmente, em detalhar o cotidiano e os anseios dos presos, bem como, a história de vida de alguns. Com menos riqueza de detalhes, o filme também expõe a realidade do cotidiano da extinta casa de detenção, trazendo o telespectador para adentrar no espaço da prisão antes, durante e depois do massacre que ocorreu em 2 de outubro de 1992 e causou a morte 111 presos.
Por meio do vínculo, em alguns casos, e do contato que o Médico fazia com os presos (quando ia realizar a triagem para ver quem necessitava fazer o exame de detecção do HIV) o espectador vai conhecendo, junto do médico, as personalidades que habitava o Carandiru, quais motivos os levaram a estarem ali e “mesmo quando a personagem principal não está em cena, a plateia continua a acompanhar a jornada diária de cada detento, numa verdadeira luta pela sobrevivência” (AZEVEDO, 2013).
Fonte: https://goo.gl/nvdwk2
Para compreender o ser humano, Bonin (1998, p. 53) ressalta que, “além de estudar seu corpo e sua origem animal, é necessário pesquisar, principalmente, como ele se constitui em um contexto sociocultural”. Ao se interessar em auxiliar os indivíduos que ali residiam, o doutor (interpretado por Luiz Carlos Vasconcelos) passa a conviver com a realidade tal como ela é, atuando com pressupostos para além da medicina, perpassando o social e se habituando cada vez mais, ao contexto do presídio.
Para a Psicologia Social, o indivíduo se constitui através de uma rede de inter-relações sociais. Através dessa rede, ele tende a procurar entender e se adaptar aos movimentos intencionais e futuros do outro (JACQUES, 2014), ou seja, ele deixa de ser individual, interagindo com o ambiente a partir das necessidades, sejam elas próprias ou coletivas.
Cenas que transcorrem a história de vida pessoal dos detentos são comuns. Durante a trama, o telespectador fica entre o passado e o presente dos presidiários. Ao mesmo tempo em que se tem o crime, se tem a motivação que desencadeou o crime, o que acaba permitindo uma contextualização das histórias e perspectivas diferentes sobre o mesmo fato. Em muitos momentos, há a possibilidade de se perceber as construções sociais e as numerosas realidades retratadas pelo enredo.
Fonte: https://goo.gl/ELWazv
O que acontece por exemplo quando Zico (Wagner Moura), carregado por um grupo, chega ao doutor passando mal. Notando que o mesmo já estava se recuperando, o doutor comenta o fato de ter se assustado com a rapidez do chamado. Chateado com a situação, demonstrando afeto e preocupação pela pessoa de Zico, Deusdete (Caio Blat) interrompe o doutor falando “isso é bom doutor, assim ele ver o que a droga faz”.
Percebendo a reação repentina, o doutor retruca perguntando quem era o moço e Zico responde “é o Deusdete, eu e ele vivemos na mesma infância”, posteriormente a essa fala, Zico descreve como conseguiu sobreviver após a partida de sua mãe e como construiu relações afetivas com a família de Deusdete. Por alguns minutos, as cenas seguintes da trama, se desenrola por contar a trajetória de Deusdete e Zico até aquele local. Assim, Zico deixa de ser apenas o drogado traficante e passa a ser visto também, como uma pessoa que, na infância, foi abandonada pela mãe. Deusdete, deixa de ser somente o assassino e passa a ser o cara que matou para defender a irmã.
Considerando a metáfora de Bonin (1998 p. 58) “cada indivíduo pode ser considerado como um nó em uma extensa rede de inter-relações em movimento”, trazendo essa comparação para o filme, conseguimos compreender algo que foi auge de tantas críticas. “A contação de histórias” proporcionada por Babenco concede ao público uma percepção da subjetividade e a realidade de vida de alguns dos 7 mil “nós” (detentos), e ao se concentrar em relatar os detalhes e os fatos que desencadearam o massacre, temos a clareza do quanto a extensa rede de inter-relações (Carandiru) estava em constante movimentação.
FICHA TÉCNICA DO FILME:
CARANDIRU
Título original: Carandiru Direção: Héctor Babenco Elenco: Luiz Carlos Vasconcelos, Milton Gonçalves, Ivan de Almeida País: Brasil Ano: 2003 Gênero: Drama
Referências
AZEVEDO , Kamila. Carandiru. [S. l.], 23 mar. 2013. Disponível em: https://cinefilapornatureza.com.br/2013/04/23/carandiru/. Acesso em: 6 mar. 2019.
BONIN, L. (1998). Indivíduo, cultura e sociedade. In M. Strey et al.Psicologia social contemporânea (pp. 53-58, Coleção Psicologia Social). Petrópolis, RJ: Vozes.
DIB, André. Abraccine organiza ranking dos 100 melhores filmes brasileiros. [S. l.], 27 mar. 2015. Disponível em: https://abraccine.org/2015/11/27/abraccine-organiza-ranking-dos-100-melhores-filmes-brasileiros/. Acesso em: 6 mar. 2019.
JACQUES, Maria da Graça Corrêa et al. Psicologia social contemporânea: livro-texto. Editora Vozes Limitada, 2014.
OLIVEIRA, Rafael W. Crítica | Carandiru. [S. l.], 21 mar. 2013. Disponível em: https://www.planocritico.com/critica-carandiru/. Acesso em: 6 mar. 2019.