Terapia em dia não é sinônimo de saúde mental: análise sobre o conteúdo Prapretoler

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Atualmente, fazer terapia se tornou sinônimo de resolução de todo e qualquer tipo de problemas ou sofrimento. Dita-se que tudo se resolve com terapia, mas não é bem assim. Há muito para além da terapia: existem contextos, e mais contextos em que o paciente precisará muito mais do que acompanhamento psicológico. Começando do mais primordial que é ter suas necessidades básicas atendidas: segurança alimentar, moradia e pertencimento. Além desses fatores, há o contexto sociocultural no qual os indivíduos estão inseridos, que não acolhe todas as suas singularidades e diversidades que é ditado pela classe dominante e não abarca todas as subjetividades. Nesse contexto, desabrocha o sofrimento, pois vive-se em um estado constante de sobrevivência, inadequação e precariedade.

Afirmar que terapia é suficiente para lidar com todo sofrimento é culpabilizar o sujeito por fracassos que estão intrinsecamente ligados à sua situação socioeconômica, à sua falta de oportunidades e acesso a garantia de seus direitos, e até o seu apagamento por falta de representatividade estética e cultural. Então uma mudança de comportamento ou um pensamento positivo não será o suficiente para lidar com esse sofrimento. Neste cenário sabemos que as condições não corroboram para que o sujeito tenha a oportunidade de um bom desempenho.

 “O sofrimento existencial muitas vezes é tido como subjetivo ou particular, podendo ser resolvido com mudanças comportamentais. Mas é fato que o contexto e o território têm muita influência no desempenho individual, criando condições favoráveis ou desfavoráveis.” (Borges; Gomes, 2024).

Um cotidiano marcado por opressões, violências, precariedade, vulnerabilidade e violações de direitos não se resolve em sessão de terapia, é preciso pensar o indivíduo em seu contexto específico de vida. Quando tornamos a terapia um único dispositivo possível para solucionar e elaborar o sofrimento, estamos a universalizando e a aplicando como se coubesse a todos os seres humanos de forma única. Este pensamento já é parte do problema, pois ao padronizar e normatizar o ser humano, negligencia-se as diversas subjetividades. Este ato é realizado pela branquitude, que coloniza toda e qualquer forma de pensamento que se distancie da sua “norma culta”. A visão neoliberal individualiza o campo da saúde mental, coloca o indivíduo como o único responsável pelo bem-estar e manutenção da sua saúde mental. Por isso, o processo terapêutico passa a ser vazio de sentido, implicado apenas de uma prática colonialista e violência simbólica.

Fonte: Freepik

É preciso pensar o sujeito na sua complexidade e multiculturalidade, reduzindo o paradigma de que existe um sujeito padrão, do qual se extrai a média dos demais. Cada ser humano é único em sua subjetividade, legitimidade e formas de existir. Por mais que se desenvolva técnicas e protocolos, jamais devemos tomar como única métrica para se desenhar todos os comportamentos e formas de existir. A relatividade contextual, o “depende”, devem ser eixos norteadores, pois: depende do contexto, do ambiente, da cultura, da raça, do gênero e da classe social a qual o ser humano é atravessado. Todos os marcos interseccionais, por tanto, a clínica deve ser pensada a: 

“Considerar a pertença racial de todo sujeito em sofrimento, ainda que não seja uma temática de interesse do paciente, pois compreende que ela é um dos elementos que estruturam as dimensões biopsicossocial do indivíduo. É uma clínica atenta ao cotidiano, com vista a identificar crenças e valores que fortalecem um referencial de humano universal, que na verdade tem, raça, gênero e classe. É uma prática que se confronta diariamente com a solidão dos múltiplos abandonos e privilégios experimentados pelas diferentes categorias raciais no Brasil” (Borges; Gomes, 2024). 

Assim, quebrando paradigmas de universalidade e hegemonia que circundam o fazer clínico que enquadra e rotula todos os sofrimentos. É estando sensível ao ser humano único que chega a você, é tornando sua escuta apurada e livre, é desconstruindo certezas, é resistir e renunciar o lugar do suposto saber mais sobre o outro por ocupar o espaço do poder, do detentor do conhecimento, é saber ler o sofrimento e compreender em que crenças e valores eles estão estruturados, é quebrar a ideia de ser humano universal, é ouvir para além dos estereótipos, é emancipar o saber psicológico, torna-lo capaz de atender todas as camadas sociais e culturais é:

“A psicologia precisa assumir seu passado-presente como operadora da colonização das subjetividades enquanto ciência da norma, que nada mais é do que as formas hegemônicas (brancura, cisgeneridade, masculinidade, heterossexualidade, magreza e etc.) convertidas norma de saúde. Para além de mera culpa, a psicologia precisa fazer seu compromisso ético-político e se divorciar da norma como baliza ontológica e etiológica! Não adianta ter discurso alinhado e prática violenta! Afinal, há violências que são cometidas com voz suave e palavras doces. Denunciar a norma como produtor de sofrimento e violência é fundamental para questionar as práticas de ajustamento que recebem cotidianamente roupagens mais coloridas em eufemismos da gramática psi.” (Miranda,2024).

Por isso é necessário o cuidado para não cair na cilada de afirmar que a clínica é o único dispositivo de manutenção de saúde mental enquanto ferramenta da psicologia, para não a colocar a favor de uma ciência que normatiza, coloniza e violenta diferentes subjetividades, produzida para uma lógica de mercado que desconsidera outras formas e construções de saberes.

Referências 

BORGES, Bárbara, GOMES, Francianai. Nem todo mundo precisa de terapia, algumas pessoas precisam apenas experimentar um cotidiano digno. Bahia. 21 Jul. 2024. Instagram: @prapretoler. Disponível em: <link>. Acessado em 18 set. 2024.

BORGES, Bárbara, GOMES, Francianai. Não confunda vulnerabilidade socioeconômica com sofrimento existencial. Bahia. 21 Jul. 2024. Instagram: @prapretoler. Disponível em: <link>. Acessado em 18 set. 2024.

MIRANDA, Deivison. (sem título). Bahia. 20 Ago. 2024. Instagram: @deivisonmiranda_. Disponível em: <link>. Acessado em 18 set. 2024.

 

 

 

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Por que fazemos o que fazemos? – Uma reflexão acerca da motivação

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Qual é o propósito de tudo o que fazemos? O objetivo desta reflexão é buscar ter uma consciência mais aguçada em relação às razões que nos levam a fazer ou a deixar de fazer certas coisas, com base no livro do filósofo e escritor brasileiro Mario Sergio Cortella.

O livro, publicado pela Editora Planeta do Brasil, traz dentro dos seus 20 capítulos, pontos acerca da relevância do propósito no âmbito do trabalho, e como a busca por ser reconhecido e valorizado vai muito além do ganho salarial. Na capa está estampado o desenho de um alvo, remetendo a um objetivo, uma pretensão, algo que se almeja alcançar. No decorrer da leitura, nota-se que ele escreve mais voltado para o ramo empresarial, mas de forma alguma impede que as reflexões sejam levadas para outras áreas de nossas vidas a partir de diferentes associações e interpretações.

A palavra “propósito” em latim significa “aquilo que eu coloco adiante”.

O que estamos buscando? A clareza sobre esta questão dá mais sentido a nossa existência. No primeiro capítulo já nos é apresentada que a ideia de uma vida com propósito retoma um princípio do pensador alemão Karl Marx, do séc. XIX: a recusa à alienação. Alienado é aquele que não pertence a si mesmo. Uma pessoa alienada é alheia a algo. Ela não faz nada com intenção, não têm consciência direta no que produz, está vivendo automaticamente. No trabalho alienado, desumanizado, não existe a percepção autoral.

Fonte: encurtador.com.br/aor89

Atualmente, no ramo organizacional, a consciência do que se faz e o porquê é algo de muito valor. As empresas inteligentes incentivam isso nos funcionários, pois produz engajamento e inovação, que sejam pensadas outras formas de se fazer aquilo que se faz cada vez melhor. Não simplesmente fazer um trabalho de forma robótica e automática. No capítulo 3, “Odeio segunda feira”, aborda como a situação profissional e o desgosto com ela são as grandes causadoras do ódio coletivo à este dia. Na verdade quando a pessoa não se encontra naquilo que faz, precisa rever os propósitos que tem para aquilo que está fazendo. O propósito reordena as nossas ações.

Steve Jobs dizia “que a única maneira de fazer um excelente trabalho é amar o que você faz”. Sim, mas o autor traz a reflexão de que é mais fácil procurar gostar daquilo que se faz do que fazer o que gosta.

É possível ser feliz na empresa?

Segundo Cortella, a felicidade não é possível em lugar nenhum de maneira inteira, exclusiva, hegemônica. Há uma grande obsessão pela ideia da felicidade, e as pessoas acabam vivendo mais a expectativa do que a realização. O autor aborda no capítulo 10 sobre a ética do esforço, que a fixação hedonista de que encontrar prazer no mundo do trabalho, na empresa, é fora de propósito. Que quem entra no circuito do trabalho achando que irá encontrar um prazer imenso acaba se frustrando rapidamente. Porque trabalhar dá trabalho. O prazer de um trabalho bem realizado muitas vezes é a consequência de eventos anteriores não tão gratificantes. Como por exemplo, enquanto estou escrevendo esta resenha (em pleno sábado), estou abdicando de algo que no momento poderia ser muito mais prazeroso. No capítulo 12 ele traz o questionamento “por que eu faço o que faço”? E traz outra pergunta na sequência: “Por que não faço o que não faço?” nos mostrando que não há escolha sem exclusão, não há decisão sem abdicação. Se eu entendo a minha vida como resultante de opção livre, consciente, deliberada, intencional, todas as vezes que escolho, sei que deixo outras coisas de lado.

No contexto da psicologia, há uma diversidade enorme nos conceitos de motivação, e tais conceitos abordados de maneiras muito diferentes.

Vernon (1973) traz um conceito de motivação logo na primeira página do seu livro: Motivação Humana.

“A motivação é encarada como uma espécie de força interna que emerge, regula e sustenta todas as nossas ações mais importantes. Contudo, é evidente que motivação é uma experiência interna que não pode ser estudada diretamente”. (Vernon, 1973, p.11).

No início do trecho citado, motivação é uma força sem que se especifique de que natureza. Logo após, a motivação é tida como uma experiência interna, algo que sentimos e ninguém pode observar. No senso comum, costumamos utilizar esses dois significados como dois aspectos de um mesmo fenômeno. Motivação é uma força interna que nos leva a agir, e por ser interna só nós mesmos a podemos sentir.

Fonte: encurtador.com.br/owJS4

Para finalizar este resumo sucinto do livro, que em suma trata dos pilares do entendimento do ser humano como um ser que trabalha e se sustenta, levando em consideração alguns pontos que despertaram mais interesse, percebo que algumas questões estão atreladas ao surgimento da motivação, como estar em um ambiente onde haja aprendizado, pois aprendizado gera crescimento. Além disso, ter desafios a serem cumpridos e conseguir conquistar metas, fazem o sujeito se sentir competente, e isto é algo extremamente gratificante, principalmente quando há o reconhecimento desse esforço no dia a dia.

As insatisfações com o labor podem ser revistas a partir de algumas reflexões, se buscadas por uma lógica de trabalhar não apenas para o seu sustento, ou pagar as contas, e sim que seja algo socialmente relevante, que o esforço do trabalho repercuta em algo melhor ou um bem maior, algo de valor que não seja mensurado em números, mas sim que o sujeito se identifique e sinta que há um propósito positivo por trás disso, ou seja, que essa força que nos faz levantar e prosseguir, essa capacidade interna que nos faz agir nos alcance, para que possamos obter maior qualidade de vida não só dentro das organizações, mas em toda a amplitude da nossa existência.

Mario Sergio Cortella é um filósofo, escritor, educador, palestrante e professor universitário brasileiro. É autor de vários livros, entre os quais Por que Fazemos o que Fazemos?, em que analisa a vida profissional na contemporaneidade.

FICHA TÉCNICA 

Título: Por que Fazemos o que Fazemos?
Autor: Mario Sergio Cortella
Editora: Planeta
Páginas: 174
Ano: 2019

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Cultura (En)Cena’s

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As mídias digitais aproximam cada vez mais seus usuários numa relação de troca, de cumplicidade. No campo da saúde não é diferente, experiências são compartilhadas num ir e vir de subjetividades que encantam por meio de imagens, gestos, sons e palavras.

Neste contexto, os videoblogs ganharam espaço de destaque nas redes, com conteúdos de curta duração que visam informar seus espectadores por meio de uma linguagem leve e acessível que alcança grandes públicos.

O Portal (En)Cena não ficou de fora desse movimento, e logo seguiu este modelo de disseminação da informação. Durante a IV Mostra de Experiências em Atenção Básica – Saúde da Família, a equipe produziu diversos vídeos com alguns momentos culturais da Mostra. O ensaio contempla o resultado dessa ação.

 

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