O Homem Aranha de Sam Raimi e a Sombra do Herói

Compartilhe este conteúdo:

Um dos super heróis que mais se identifica com seus leitores sem dúvida é o Homem Aranha. Conhecido popularmente como o “amigão da vizinhança” nas suas histórias, o personagem foi criado nos quadrinhos por Stan Lee (1922-2018) e pelo desenhista Steve Ditko (1927-2018) e teve sua primeira aparição na antologia Amazing Fantasy #15 (1962). Nos cinemas, o herói já foi vivido por três atores diferentes em Hollywood desde o começo do milênio; e por motivos de objetividade este texto tratará da versão dirigida por Sam Raimi (de The Evil Dead, 1981 e Oz: The Great and Powerful, 2013) na trilogia de filmes iniciada em Spider-Man (2002) e termina em Spider-Man 2 e 3 (2004; 2007).

 

Fonte: encurtador.com.br/yEHN7

 

No primeiro filme somos apresentados a origem do alter ego Homem Aranha, e a movimentação de Peter Parker (Tobey Maguire) na saída de sua vida comum e adentrando em uma jornada que se inicia quando é picado por uma aranha modificada geneticamente. Aqui ele deve assumir as responsabilidades que são trazidas por suas habilidades extraordinárias, lidar com a morte de sua figura paterna e enfrentar um grande amigo que se torna o grande antagonista de sua saga inicial. Na Jornada do Herói, de Joseph Campbell, descrita em O Herói de Mil Faces (1949), esse filme poderia representar a Partida, rumo à jornada.

No filme de 2004, Peter deve entender que sua vida pessoal e sua vida secreta como herói não podem se misturar, e pessoas queridas por ele começam a entrar em risco. Além de sua figura materna, sua amada também se vê em meio a trama perigosa que envolve o vilão Octopus (Alfred Molina). Mais uma vez deve enfrentar um grande amigo, pois Octopus era seu benfeitor e muito próximo e no fim, acaba tendo de se digladiar com ele. Coincidentemente esse filme é considerado o melhor da trilogia, tanto no meio da crítica especializada quanto pelos fãs; aqui na jornada do herói veríamos a Descida, rumo a parte mais intensa de sua aventura.

O último filme da trilogia retrata Peter tentando viver com o peso do heroísmo e agora também com o fato de sua amada saber de seus segredos heroicos. Esta parte final também fica marcada pelo retorno de seu melhor amigo, Harry Osborn (James Franco) que vem como o vilão Duende Macabro, pelo Homem de Areia (Thomas Haden Church) e pelo nêmeses máximo, Venom, um ser simbionte que vem do espaço, que primeiramente começa a parasitar Peter e entrar em sua mente. Nesse terceiro filme, que seria o Retorno do herói na narrativa de Peter, o protagonista é forçado a enfrentar o pior de si mesmo por conta desse simbionte: sua Sombra passa a ser seu principal inimigo.

Fonte: encurtador.com.br/hlKT5

 

A Sombra de Cada Um

Em uma dissertação sobre perfis fakes intitulada, Manifestações da Persona e Sombra em Perfis Fakes, Bruna Valdez Bizzotto aponta que “a Sombra é composta por conteúdos tanto do inconsciente pessoal quanto do inconsciente coletivo. Ela representa os aspectos negativos da personalidade que são socialmente reprováveis e, portanto, recalcados” (p. 5). 

A partir daí é possível construir uma noção acerca da função desse arquétipo na psique dos indivíduos. C. G. Jung na obra O Homem e Seus Símbolos, ao se referir aos símbolos culturais e sua relação com o inconsciente quando são reprimidos ou confrontados aponta que: 

Estas tendências formam no consciente uma “sombra”, sempre presente e potencialmente destruidora. Mesmo as tendências que poderiam, em certas circunstâncias, exercer uma influência benéfica, são transformadas em demônios quando reprimidas. É por isto que muita gente bem-intencionada tem um receio bastante justificado do inconsciente e, incidentalmente, da psicologia. (JUNG et al., 2016)

Fonte: encurtador.com.br/fFJSZ

 

Então compreende-se nesse recorte que a repressão de conteúdos psíquicos gera consequências, contudo, especificamente os conteúdos de cunho moral, cultural e ideológico, no que diz respeito a visão de mundo e comportamento dos indivíduos podem gerar demasiada tensão psíquica. Mais a frente na mesma obra, M. L. Von Franz define: 

(…) o conceito da sombra, que ocupa lugar vital na psicologia analítica. O professor Jung mostrou que a sombra projetada pela mente consciente do indivíduo contém os aspectos ocultos, reprimidos e desfavoráveis (ou nefandos) da sua personalidade. Mas esta sombra não é apenas o simples inverso do ego consciente. Assim como o ego contém atitudes desfavoráveis e destrutivas, a sombra possui algumas boas qualidades — instintos normais e impulsos criadores. Na verdade, o ego e a sombra, apesar de separados, são tão indissoluvelmente ligados um ao outro quanto o sentimento e o pensamento. (JUNG et al., 2016)

Conclui-se que cada indivíduo então projeta uma sombra, em oposição ou contraposição às características numinosas de sua personalidade, no caso de Peter Parker no terceiro filme da trilogia, não é diferente. O herói passa por um momento de crise em sua vida pessoal – seu relacionamento está abalado, seu melhor amigo está internado e a culpa é sua, por conta de sua identidade secreta. 

 

Fonte: encurtador.com.br/gFHQ8

 

Em dado momento o advento do simbionte (ser parasita cósmico que se alimenta e se fortalece através de seu hospedeiro) literalmente depois de cair do céu e posteriormente se funde ao traje do Homem-Aranha. De maneira muito simbólica esse traje é preto e ao usar ele, Peter cede a pulsões violentas, às paixões e à vaidade devido a suas habilidades sobre humanas, mostrando aspectos extrovertidos de sua personalidade, sendo até malicioso em determinados momentos. Aspectos bem antagônicos a sua personalidade usual, que é pacífica, introvertida e bondosa. 

O Herói e a Caverna

No final apoteótico do filme, Peter deve confrontar sua sombra. Em uma cena marcante, ao se dar conta dos efeitos do traje preto em sua personalidade, ou, simbolicamente ao se ver confrontando sua sombra fisicamente, o herói tem um embate consigo mesmo tentando remover esses aspectos nocivos de si. Na noite tempestuosa numa catedral gótica imensa no topo da torre do sino mais alta Peter Parker se debate e arranca de sua pele a negritude do simbionte.

 

Fonte: https://www.youtube.com/watch?v=_dbwoNlZpeM

 

Ao remover literalmente esse aspecto de si, recobrando contato com seu Self, Peter ainda tem que lidar com as consequências das decisões de sua sombra. O conflito final da película gira em torno das inimizades, dos desafetos e das consequências de comportamentos impulsivos cometidos por ele. Mas dessa experiência ele retorna mais seguro de si, mais ciente de sua força e mais crítico sobre si mesmo.

A descida do herói à caverna é parte fundamental da jornada. Enfrentar seu lado sombrio, entrar em contato com ele propicia amadurecimento, pois é preciso reconhecer que há uma sombra e integrar partes dela. Peter Parker aprende isso de um jeito difícil, mas que ao final da caminhada sempre é recompensador.

Fonte: encurtador.com.br/giptH

 

REFERÊNCIAS

BIZZOTTO, Bruna Valdez; FORTIM, Ivelise. Manifestações da Persona e Sombra em perfis fakes. In: Anais Congresso Brasileiro de Psicologia e Adolescência. 2011.

JUNG, Carl G. et al. O Homem E Seus Símbolos. HarperCollins Brasil, 2016.

Compartilhe este conteúdo:

Mulher Maravilha e os Dons Quixotes

Compartilhe este conteúdo:

Estava lendo uma discussão na internet, sobre o trailer do filme da Mulher Maravilha. Algumas pessoas reclamando que a personagem tinha as axilas depiladas! Sério. Pessoas reclamando de axilas depiladas. Em um filme. De super-herói, de fantasia!! Claro, a problematização nem foi tão grande, a mídia deu um tamanho maior para a bobagem do que ela realmente tinha.

Fonte: http://zip.net/bgtHPKCopiar

Hoje em dia, meia dúzia falando uma bobagem ganha mais espaço na mídia do que realmente merece (o que mostra como a mídia tem nos visto, mas isso é tema para outro post). Mas é impressionante como essa época gerou pessoas com a capacidade de escalar para cima situações simples. Algumas pessoas se sentem no dever de proteger os “inferiores”, quer social ou culturalmente. Classificam tudo e todos, esquecendo que tudo e todos são também classificáveis. Pessoas com uma necessidade imensa de lutar uma batalha válida, acabam se tornando Dons Quixotes, lutando contra nada e perdendo tempo em seus próprios melhoramentos.

Fonte: http://zip.net/bhtHXX

Mais importante que ter razão, que se achar no dever de proteger “os oprimidos, os desvalidos, os excluídos”, seria entender a si mesmo, entender o espaço que ocupa no planeta, sua própria utilidade e capacidades. De posse disso, a pessoa poderia realmente fazer alguma diferença. Sem isso, tudo é ataque, tudo é crítica, tudo é opressão. E, dentro desse sistema que faz a pessoa se sentir culta, sem ter realmente a cultura necessária, vemos figuras semicômicas e tristes reclamando de sovaco de super-herói.

Compartilhe este conteúdo: