A Lista de Schindler: um olhar humanitário

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Os judeus usavam artifícios que iam desde esconder-se nos esgotos, até mesmo na fossapara não ser transportados do gueto aos campos de concentração. 

A Lista de Schindler (1993), dirigido por Steven Spielberg, é um filme de romance protagonizado por Oskar Schindler. O enredo se passa durante a Segunda Guerra Mundial na cidade de Cracóvia, Polônia, então ocupada pelas forças militares alemãs. O filme narra a história real de um empresário alemão que salvou da morte mais de mil e cem judeus, empregando-os em sua fábrica, e, por fim, livrando-os do Holocausto.

Todo o arcabouço ideológico do Nazismo foi construído em período que permeia a Primeira e a Segunda Guerra Mundial. Tal construção se deu através da  utilização de ferramentas de comunicação social, pensada e executada por Joseph Goebbels, então ministro da Propaganda do governo alemão que ocupou também o posto de Chanceler da Alemanha pelo período de um dia: de 30 de abril a 1º de maio de 1945, substituindo Adolf Hitler. Entrou para a história como um revolucionário na comunicação e psicologia de massa pela aplicação de dispositivos psicológicos de manipulação.

Os alemães se tornaram máquinas de matar em nome da pureza, da superioridade e da beleza, muitas vezes apresentando sintomas de perversão e mesmo de loucura. No filme, percebe-se a violência contra os judeus, como se estes fossem os responsáveis pela dicotomia e sofrimento interno ocasionado pela lavagem cerebral sofrida pelo opressor da época, num movimento que elegeu os semitas como os bodes expiatórios daquele momento.

A persuasão empregada contra os judeus revela o abuso psicológico, moral e físico em um primeiro momento, quando as vítimas são obrigadas a superpovoar um bairro recluso, murado. Nota-se claramente a evolução do processo, quando um dos personagens declara “o gueto é liberdade” em uma clara inversão de valores: o que era prisão, se torna espaço de liberdade. A tortura é notável e se instala a partir do momento em que os judeus são enviados para campos de concentração. Ali, eles já  estão apartados da sociedade ampla, de seus familiares, contidos no gueto; ali estão sob o controle direto dos opressores, que exercem sobre eles o direito de vida ou morte.

O clima entre os judeus é de sentimento de medo. Os alemães não economizam nas demonstrações de desprezo, mesmo quando toda a lógica aponta como correta a ação do prisioneiro. É notória essa situação quando a engenheira judaica se manifesta, demonstrando os erros cometidos em uma construção e indicando a ação adequada à resolução do problema e é condenada, sumariamente executada, ainda que fosse de grande necessidade para o desenvolvimento da obra.

As doenças decorrentes da péssima alimentação, das condições nocivas de higiene, da superpopulação nos alojamentos, roupas de agasalho insuficientes nas condições de inverno rigoroso (neve) e o excesso de trabalho favoreciam os surtos de doenças e pragas transmissíveis como o piolho, o que tornava ainda mais torturante a vivência dos judeus no campo de concentração.

Nessa irrealidade ou realidade invertida, a visitação de médicos alemães no dia do “exame de saúde” não tinha por finalidade curar os judeus de possíveis males, e sim retirar os que não tinham mais condições de produzir. Os improdutivos e “imprestáveis” – para a lógica da produção – eram simplesmente eliminados. Nos dias de exames de saúde as tentativas de blindagem contra a tortura eram frágeis. Os judeus usavam artifícios que iam desde esconder-se nos esgotos, até mesmo na fossa – para não ser transportados do gueto aos campos de concentração – a fingir ter piolhos para evitar a proximidade dos alemães. Eram muitas as estratégias com o fim de livrar-se da perseguição e do sofrimento gratuito.

Nesse cenário de horror extremo, sobressai o alemão e filiado ao Partido Nazista, Oskar Schindler. Inicialmente interessado em enriquecer com a guerra, Schindler explora os judeus ricos a fim de reunir capital e comprar uma fábrica de panelas, prometendo pagar os empréstimos em produtos da própria fábrica, pois são bens passíveis de troca, único modo de negociar entre os judeus. Schindler  consegue o capital, compra a fábrica e inicia a produção de panelas, tendo como operários os prisioneiros judeus (em verdade, trabalho escravo), onde sobressai o contador e real gerente da fábrica Itzhak Stern, que  tudo organiza e faz produzir. Com o passar do tempo, Schindler se afeiçoa a “seus trabalhadores”, que dizia serem especializados e, ao término da guerra, consegue salvar mais de 1.100 desses empregados, entre homens, mulheres e crianças. São eles que perfazem A Lista de Schindler.

Oskar Schindler comprova que, apesar da intensa propaganda de pureza racial, de culto ao arianismo, conseguiu manter o sentimento de humanidade acima de todo o horror que presenciou e viveu, mesmo que inicialmente a intenção era tirar proveito do caos para fazer fortuna. E com com toda a crueldade se sensibilizou. Entrou para a história como benfeitor dos judeus na Segunda Guerra Mundial. Ademais, com um olhar humanitário, Oskar Schindler ressignifica e se importava com aquelas pessoas ao ponto de salvá-las, mesmo que isso colocasse a sua própria vida em risco.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

A LISTA DE SCHINDLER

Diretor: Steven Spielberg
Elenco: Liam Neeson, Ben Kingsley, Ralph Fiennes;
Gênero :Histórico; Guerra.
País: EUA
Ano:1993

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Homem dos Ratos: um mistério de amor e ódio

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“O Homem dos Ratos” foi o nome dado por Freud ao paciente Ernst Lanzer, que possuía um quadro de neurose obsessiva. Em outubro de 1907, Ernst procura Freud devido aos seus pensamentos de que algo muito ruim aconteceria com seu pai e uma dama à qual tinha afeto, caso ele não fizesse determinadas tarefas. O nome “Homem dos Ratos” derivou-se de seu sintoma principal: uma ideia obsessiva relacionada a uma tortura com ratos (FREUD, 1998; TELLES, 2007).

Certa vez, durante o seu serviço militar, Ernst ouviu a descrição de uma tortura, que consistia em colocar ratos famintos em um balde sob qual a pessoa que seria torturada tinha as nádegas acopladas. Com a pessoa amarrada, o balde era aquecido e os ratos tentavam fugir, penetrando o ânus e comendo a carne do torturado. Ernst passou então a imaginar que essa tortura aconteceria ao seu pai, falecido, e à sua dama, caso ele não obedecesse determinadas circunstâncias rígidas, às quais era responsável (TELLES, 2007).

Por meio do caso do Homem dos Ratos, Freud definiu a estrutura básica da neurose obsessiva e seus mecanismos: ambivalência afetiva, onipotência do pensamento mágico, a dúvida, a anulação, o isolamento, e as idéias de morte. Após o tratamento bem sucedido com duração de um ano, Ernst teve sua personalidade restabelecida e suas inibições cessaram (FREUD, 1998; TELLES, 2007).

Fonte: https://bit.ly/2B31bsm

O Homem dos Ratos aponta para uma série de questões sobre neurose obsessiva. O pensamento obsessivo do paciente e suas relações com as fantasias, seus vínculos com o infantil e suas manifestações em obsessões e compulsões (FERREIRA, 2002).

O paciente relata para Freud as suas sensações infantis por ocasião de suas invariáveis ereções e interrogações feitas à mãe para compreender suas reais motivações. Ernst não conseguia fazer ligações com suas ereções e com os pensamentos que o atormentavam, por exemplo o desejo de ver nuas algumas moças que eram atraentes para ele (FERREIRA, 2002). Ao mesmo tempo, o paciente sentia que poderia evitar as ideias para que não acontecesse nenhuma desgraça a alguém que ele amava. Para tal fim, teria de gerar  mecanismos defensivos em relação a esses desejos. Conversar com a mãe à respeito das ereções correspondia a uma percepção de que seus pais seriam capazes de ler seus pensamentos. E é nesse enigmático de ideias e afetos que ele supõe ter iniciado seus sintomas (FERREIRA, 2002). A imaginação infantil de que seus pais poderiam ser capazes de fazer a leitura de seus pensamentos pode ser retratada como uma precondição universal da constituição psíquica.

Ernst sofria com pensamentos obsessivos, tais como a ocasião em que aguardava sua amada e viu uma pedra na rua onde ela e seu primo parariam com a carruagem. Ele começa a ter o pensamento obsessivo de que a carruagem ia bater na pedra, virar e ferir os dois. Assim, a retira e coloca embaixo de seu banco, ao que começa outros pensamentos de que isso era irracional e absurdo. Ernst permanece então com o ato obsessivo de tirar a pedra do local e colocá-la novamente, o que reflete, além da característica de ideias de morte, sua dúvida. Percebe-se uma ansiedade neurótica em Ernst, um medo inconsciente de ser dominado e perder o controle para os impulsos do id, e que isso levou à diversas punições distorcendo a realidade e utilizando diversos mecanismos de defesas, como o recalque. (KLEINMAN, 2015).

Com o desenvolvimento das sessões, Freud percebe na fala de Ernst a variável da palavra “rato”, demonstradas nas suas obsessões relacionadas à pagamento, casamento, prestação e ‘rato de jogo’ (SOLANO-SUAREZ, 2011). Assim, existe a interpretação de Freud de que Ernst realizou uma substituição de objeto, atribuindo o rato e suas respectivas associações às ideias obsessivas. Era impensável e moralmente inaceitável que Ernst odiasse seu pai ou tivesse sentimentos hostis e agressivos aos seus semelhantes, assim, recalca esse conteúdo que volta como um sintoma substituto (FREUD, 2010).

Fonte: https://bit.ly/2DCqEvg

Após a morte do pai, Ernst apresenta uma reprovação desproporcional ao fato, e passa a imaginar que seu ele está vivo. Freud busca então um anseio infantil como causa, e descobre que o Homem dos Ratos desejava a morte do pai. O amor intenso que Ernst sente pelo pai seria proporcional ao recalque da raiva que sentiu ao ter seus desejos sexuais infantis contrariados. O pai de Ernst casou-se com sua mãe devido à interesses monetários e contraiu riquezas, e desejava também que o filho se casasse com uma moça rica, e não com a dama. Logo, se Ernst persistisse em seu relacionamento, estaria desagradando ao pai (SOLANO-SUAREZ, 2011).

A transferência que Ernst realiza com Freud, dá mais indicativas para a solução do enigma. Certo dia, o Homem dos Ratos imagina que Freud quer que ele se case com sua filha, demonstrando a raiva inconsciente pois a causa do desejo do pai era o dinheiro. Apresenta-se assim, mais um sintoma da neurose obsessiva, o desejo de anulação do desejo do outro. O obsessivo quer destruir qualquer em torno dele, pois seu próprio depende disso (SOLANO-SUAREZ, 2011).

Cabe lembrar que, apesar do recalque ter sido feito pelo inconsciente, a ideia substitutiva também causa desprazer e angústia (FREUD, 2010). O rato, então, é a expressão dos sentimentos hostis, agressividade e tudo enquanto moralmente inaceitável para Ernst. Por outro lado, há uma ambivalência, característica da neurose obsessiva. Apesar o rato ser o simbólico de repulsa, também estava presente nas fantasias sexuais de Ersnt, que desejava tanto ser castigado do modo como o general lhe contou, como de castigar alguém assim (SOLANO-SUAREZ, 2011).

Outro sintoma característico da neurose obsessiva presente no Homem dos Ratos é sua constante dúvida: dúvida se casa com a mulher por quem tem afeto, se termina sua faculdade, demonstrando sua dificuldade em repetir aquilo que foi resolvido por seu pai no passado, uma dívida que ele morreu sem pagar e que tem na estrutura da palavra algo que repete aos ratos (spielratte) (SOLANO-SUAREZ, 2011).

Fonte: https://bit.ly/2B4hzZC

O tratamento do Homem dos Ratos levou onze meses e a solução dada ao enigma da obsessão por ratos faz com que ela desapareça. Descobriu-se portanto, que na neurose obsessiva o recalque não está ligado ao esquecimento, como na histeria, mas à separação da relação de causalidade que se dá em função de um deslocamento de afeto. Assim o resultado são deformações que buscam mascarar o pensamento proveniente da censura (SOLANO-SUAREZ, 2011).

REFERÊNCIAS:

FERREIRA, Carlos Alberto de Mattos. FREUD E A FANTASIA Os filtros do desejo. Rio de Janeiro: Abdr Associação Brasileira de Direitos Reprográficos, 2002.

FREUD, Sigmund. Introdução ao narcisismo: Ensaios de metapsicologia e outros textos (1914-1916). São Paulo: Companhia das Letras, 2010.

FREUD, Sigmund. Notas sobre um caso de neurose obsessiva (o homem dos ratos). Imago, 1998.

SOLANO-SUAREZ, Esthela. O Homem dos ratos. Opção Lacaniana Online: nova série, São Paulo, v. 2, n. 5, p.1-17, jul. 2011. Disponível em: <http://www.opcaolacaniana.com.br/pdf/numero_5/o_homem_dos_ratos.pdf>. Acesso em: 09 nov. 2018.

TELLES, Sérgio. Resenha do livro FREUD E O HOMEM DOS RATOS de Patrick Mahony: Editora Escuta, 1991, 234 páginas. 2007. Vol.12 – Nº 12. Disponível em: <http://www.polbr.med.br/ano07/psi1207.php>. Acesso em: 27 out. 2018.

KLEINMAN, Paul. TUDO QUE VOCÊ PRECISA SABER SOBRE PSICOLOGIA. São Paulo: Editora Gente, 2015.

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