A seguir, algumas recomendações do pai da psicanálise concernente ao início do tratamento.
1ª: Aceitar o paciente, a princípio, provisoriamente, por período de uma ou duas semanas. Seria uma sondagem, a fim de conhecer o caso e decidir se ele é apropriado para a psicanálise. Longos debates preliminares têm consequências desvantajosas, como o paciente encontrar o médico com uma atitude transferencial já estabelecida e que o médico deve, em primeiro lugar, revelar lentamente, em vez de ter a oportunidade de observar o crescimento e desenvolvimento desde o início.
2ª: Evitar ao máximo possível encarregar-se do tratamento de pessoas com quem esteja em termos de amizade ou laços sociais, ou entre suas famílias. Se isso inevitavelmente acontecer, laços podem ser rompidos, há de se fazer o sacrifício.
3ª: Tempo e dinheiro. Ceder uma hora determinada a cada paciente, a qual pertence a ele que é responsável por ela.
Dizer ao paciente que a psicanálise é sempre questão de longos períodos, de meio ano ou de anos inteiros – de períodos maiores do que o paciente espera.
Não obrigar os pacientes a continuar o tratamento por um certo período, permitir a cada qual interrompê-lo quando quiser. Mas não esconder que, se o tratamento é interrompido após somente um pequeno trabalho ter sido feito, ele não será bem-sucedido, e poderá facilmente, como uma operação inacabada, deixá-lo em estado insatisfatório. Há lentidão com que se realizam as mudanças profundas na mente, atemporalidade dos processos inconscientes.
Sobre dinheiro, tratar com a mesma franqueza natural com que deseja educar nas questões relativas à vida sexual do paciente, rejeitando falsa vergonha, dizendo voluntariamente o preço em que avalia seu tempo. Não acumular grandes somas de dinheiros, mas solicitar pagamentos a intervalos regulares bastante curtos – mensalmente, talvez. Abster-se de fornecer tratamentos gratuitos e não fazer exceções em favor de colegas ou suas famílias.
4ª: Fazer com que o paciente se deite num divã, enquanto o analista se senta atrás dele, fora de sua vista. Motivo pessoal: Não suportar ser encarado fixamente por outras pessoas durante oito horas (ou mais) por dia. Visto que, enquanto escuta o paciente, o analista também se entrega à corrente de seus pensamentos inconscientes; evitar que expressões faciais deem ao paciente material para interpretação ou influenciem-no no que conta.
5ª: O material com que se inicia o tratamento é, em geral, indiferente – a história de vida do paciente, ou a história de sua doença, ou suas lembranças de infância. O paciente é livre para escolher em que ponto começará.
6ª: Se, no decorrer da análise, o paciente necessitar temporariamente de algum outro tratamento médico ou especializado, é muito mais sensato chamar um colega não analista do que fornecer esse outro tratamento.
7ª: Se, na primeira ocasião, o paciente, alegando não conseguir pensar em nada para dizer, solicitar que o psicanalista lhe diga sobre o que falar, não atender esse pedido. Afirmar energética e repetidamente ao paciente que é impossível que não lhe ocorra ideia alguma ao início, e que o que se acha em pauta é uma resistência contra a análise.
8ª: Começar a fazer a comunicação com o paciente, ou revelar-lhe o significado oculto das ideias que lhes ocorrem, e iniciá-lo nos postulados e procedimentos técnicos da análise, somente após uma transferência eficaz ter-se estabelecido no paciente, um rapport apropriado com ele. Demonstrar interesse sério nele, cuidadosamente dissipando resistências que vêm à tona no início e evitar certos equívocos, então, o paciente por si só fará uma ligação transferencial e vinculará o psicanalista a uma das imagos das pessoas por quem estava acostumado a ser tratado com afeição.
9ª: Evitar a vaidade e falta de reflexão de, com o mais breve conhecimento sobre o analisando, dar um diagnóstico-relâmpago.
Referência:
SOBRE O INÍCIO DO TRATAMENTO (NOVAS RECOMENDAÇÕES SOBRE A TÉCNICA DA PSICANÁLISE I) (1913).
Artigo originalmente publicado no site <https://comunidadepsi.com/>
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Em Nome de Deus – dinheiro, armas, poder e dominação fálica: uma visão psicanalítica
O terceiro episódio da série documental Em nome de Deus traz depoimento de pessoas próximas a João Teixeira e informações judiciais sobre o que foi encontrado nos endereços pertencentes a ele, além de histórico de denúncias, ameaças e suspeita de envolvimento com organizações criminosas.
Reprodução: Globoplay
A sexualidade masculina é relacionada com armas, violência, dominação e agressividade quando existem indícios de uma psique em adoecimento. Freud (1923) faz uso do termo falo, fálico e pênis, onde ele afirma que: “o que está presente, portanto, não é uma primazia dos órgãos genitais, mas uma primazia do falo” (FREUD, 1923, p. 158). É válido lembrar que em psicanálise não podemos confundir falo com pênis, entretanto não devemos ignorar a relação entre os termos.
André (1998, p. 172) denota que Freud ao utilizar o termo falo, onde: “se o falo tem relação íntima com o órgão masculino, é na medida em que designa o pênis enquanto faltoso ou suscetível de vir faltar. Portanto, é a falta frequentemente presente como ameaça ou como fato, desse modo, o que corresponde ao elemento organizador da sexualidade não é o órgão genital masculino, mas a representação psíquica imaginária e simbólica que foi construída a partir desse órgão (COSTA; BONFIM, 2014).
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Marcel Maior é jornalista especializado em espiritismo, e releva como João Teixeira era um homem ambicioso, bem articulado e que conseguiu construir um império a partir do exercício da espiritualidade. Marcel expõe detalhes sobre vendas e o comércio que existia dentro da Casa Dom Inácio, onde os pacientes atendidos recebiam receitas psicografadas por entidades médicas, indicações de água fluidificada, uso de cristais para limpeza e fortalecimento espiritual e outras práticas.
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Os pacientes recebiam receitas médicas psicografadas durante os atendimentos realizados por João Teixeira, e em seguida eram orientados a procurar a farmácia da Casa, que fornecia o remédio prescrito. Entretanto, os remédios possuíam propriedades na composição que funcionava para fugir da vigilância sanitária, porém os pacientes acreditavam que cada receita era única.
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A farmácia da Casa Dom Inácio vivia constantemente cheia, afinal, mais de 5 mil pessoas passavam pela casa todos os dias e buscavam a farmácia para comprarem os remédios que foram indicados. Os fiéis se organizavam em longas filas, aguardando pacientemente e em silêncio pela sua vez de ser atendido. Porém, muitas vezes as indicações e recomendações não se bastavam apenas em remédios, mas eram indicados cristais, água fluidificada, livros e outros objetos. Coincidentemente ou não, tudo isso era vendido dentro da Casa Dom Inácio.
Marcel relata sobre o grande comércio que existia na Casa, comércio que movimentava milhões, e era o que João Teixeira dizia que custeava o lugar, os funcionários e todos os gastos existentes. As receitas eram direcionadas apenas para os lugares existentes dentro da propriedade, não podendo sair de lá ou realizar as compras em outras instituições.
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Existia uma grande variedade de cristais e pedras na loja de cristais da Casa, que diziam que eram abençoados exclusivamente pelos espíritos que trabalhavam na Casa, ou seja, os espíritos dos médicos que realizavam os tratamentos espirituais. O preço dos cristais variava muito, podendo chegar a mais de 5 mil reais, de acordo com o tamanho e a indicação.
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Além dos cristais e dos remédios, ainda era indicado que o paciente tomasse água fluidificada que era vendida dentro da Casa. Essa água era vendida como algo abençoado, com propriedades espirituais de limpeza e preparação espiritual. Marcel releva que a água não deveria ser compartilhada ou dividida com outras pessoas, pois era exclusivamente de consumo individual. O que levava os pacientes a comprarem suas garrafas separadamente, gerando mais vendas.
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Além desses produtos, a Casa possuía uma livraria com todos os livros, DVD’s e outros materiais oficiais sobre o médium João de Deus. Marcel afirma que com tantas coisas dentro do local era fácil gastar 100 reais num piscar de olhos, o que reforça a ideia de como o comércio era forte e movimentado dentro da Casa Dom Inácio de Loyola.
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Um ex funcionário da Casa fornece uma entrevista na série, onde ele afirma ser ex contador do local. Esse funcionário revela detalhes sobre como funcionava a contadoria da Casa, e pedidos de João Teixeira para burlar impostos e fugir da Receita Federal.
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Clodoaldo Turcato releva informações sobre como João Teixeira era amado e odiado na cidade de Abadiânia, e como ele exercia o controle do comércio local através de ameaças e chantagem com os empresários locais. Turcato conta sobre no final da década de 1990, as pousadas e hotéis do lado da cidade “pertencente” a João, que era o lado onde o idolatrava, tinham que ter a autorização dele para abrirem as portas, além disso, era cobrado um valor mensal que os empresários deveriam pagar a João Teixeira através de seus capangas para que pudessem continuar funcionando e recebendo os turistas do mundo inteiro.
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Clodoaldo conta sobre como o comércio local girava ao redor de João de Deus, e como ele ameaçava os comerciantes para exercer o poder. Não era permitido que qualquer tipo de comércio fosse aberto sem a autorização prévia de João Teixeira, e sem o pagamento dos valores estabelecidos.
João cobrava taxas de cada pousada, e as que não pagassem ou não fossem autorizadas por ele, eram fechadas e os proprietários eram ameaçados pelos seus capangas. João detinha o poder econômico da cidade e nada poderia acontecer sem a sua permissão.
Turcato relata que no final do dia quando ele realizava o fechamento os caixas da farmácia, água, lanchonete, livraria, loja de cristais e outras lojas dentro da Casa Dom Inácio, o volume de dinheiro era tanto que ele precisava de um saco de lixo para colocar todas as cédulas. Ele revela que levava esse saco para a sala particular de João Teixeira, e ele abria o teto e guardava o dinheiro nesse espaço escondido.
Clodoaldo revela que João Teixeira realizava pedidos a ele para que ele fizesse tudo o que tivesse que ser feito para que ele não pagasse impostos. João não gostava nem queria pagar impostos, então pressionava sua contadoria para que fugissem e burlassem o que fosse necessário. As vendas na casa eram realizadas em dinheiro, o que facilitava o processo de ocultação, desvio e lavagem.
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Nos endereços de João de Deus foram encontrados cofres escondidos em fundos falsos e cômodos ocultos, e nesses cofres existiam quantidades exorbitantes de dinheiro em real, dólar e euro. Os dinheiros estavam escondidos em malas, e a polícia precisou recorrer a máquinas para poder contar tudo o que foi encontrado, que chegou a casa dos milhões.
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As montanhas de dinheiro foram apreendidas, além disso, a Justiça decretou o bloqueio dos bens de João Teixeira, que chegava à casa dos quase 50 milhões de reais. O que a Justiça aponta é que João pode estar envolvido com o comando de uma organização criminosa.
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Além do dinheiro, foram encontradas muitas armas nos endereços de João, e ele ao ser questionado sobre a origem das armas respondeu que eram de amigos que ele não se lembrava mais quem eram, e que ele estava apenas guardando as armas em sua casa a pedido deles. João Teixeira foi indiciado por porte ilegal de armas, visto que, as inúmeras armas encontradas não possuíam registro nem autorização.
Freud (1990) em A interpretação dos Sonhos, apresenta a arma de fogo como um dos símbolos masculinos, além de outros como o falo. O pênis é visto como símbolo de poder desde muito tempo em outras culturas, pois é capaz de perfurar, penetrar e dominar a genitália feminina, e religiões mais primitivas apontam que o poder agressivo do homem em relação a mulher possui características fálicas.
João Teixeira foi acusado de cometer abuso sexual contra mais de 500 mulheres, e em vários desses abusos houve o uso do pênis. O que aponta para essa relação entre a dominação fálica e a arma como símbolo de dominação, uma vez que as armas correspondem a capacidade de controlar o outro para aquele que porta a arma (CONELL, 1995).
Kimmel (1996) armas que são pensadas apenas para casos de legitima defesa dentro da masculinidade hegemônica possuem a função de suprir o medo de dominação por outro indivíduo, o que corresponde a masculinidade dominante: “a masculinidade tem menos a ver com a busca pela dominação, do que com o medo de sermos dominados por outros, e de vermos os outros com poder e controlo sobre nós” (KIMMEL, 1996, p. 6).
No que tange os sonhos, Ferenczi (1992) atribuía que em sonhos com armas emperradas, enferrujadas, que não acertavam o alvo, que a capacidade era curta e durava pouco tempo, possuía relação com o coito mal sucedido, incapacidade sexual e baixo desempenho sexual.
Dessa forma, Kimmel (2010) afirma que a utilização de armas de fogo ocorre como uma maneira de compensar a masculinidade hegemônica, onde o sujeito faz a equação com a perda da capacidade física em decorrência do envelhecimento e a resposta às tentativas de dominação por parte dos outros. Portanto, as armas de fogo possuem o papel simbólico de assunção da virilidade e como uma forma de recuperar a masculinidade reduzida.
FICHA TÉCNICA
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EM NOME DE DEUS
Argumento e criação:Pedro Bial Roteiro:Camila Appel e Ricardo Calil Produção musical:Dé Palmeira Direção de fotografia:Gian Carlo Bellotti e Dudu Levy Produção:Anelise Franco Direção de conteúdo:Fellipe Awi Direção:Gian Carlo Bellotti, Monica Almeida e Ricardo Calil Produção Executiva:Erick Brêtas e Mariano Boni
(A série documental está disponível para assinantes Globoplay).
REFERÊNCIAS
FERENCZI, Sandor. Interpretação e tratamento psicanalíticos da impotência psicossexual (1908). Tradução de Álvaro Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 25-38. (Obras completas, 1)
FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). In: __. Um caso de histeria, três ensaios sobre a teoria da sexualidade e outros trabalhos (1901-1905). Direção geral da tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 119-229. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 7).
FREUD, Sigmund. (1900). A Interpretação de Sonhos. Rio de Janeiro: Imago, 2001. Connell, R. W (1995), Masculinities. Cambridge, UK: Polity.
KIMMEL, Michael. Manhood in America: A Cultural History. 1996. New York: Free Press.
KIMMEL, Michael. “Masculinity as Homophobia: Fear, Shame, and Silence in the Construction of Gender Identity.”. 2010. in Michael S. Kimmel e Abby L. Ferber (orgs.), Privilege. Boulder: Westview.