O livro da autora Buchi Emecheta “Cidadã de segunda classe” narra a história deAdah, uma jovem nigeriana, que desde pequena lutou para ter uma vida melhor e decide conquistar isso por meio dos estudos.
Adah sabe que a educação e a leitura são as únicas maneiras de ter um futuro. Mas, na Nigéria dos anos 1960, ser mulher significava que você era inferior. Sua mãe fortaleceu muito esse pensamento, pois acreditava que o estudo era voltado para os homens. Afinal, porque as mulheres precisam saber ler e escrever? Contanto que ela possa assinar seu nome e saber como manter os gastos da casa, sua função era reproduzir.
Já adulta, casada e com filhos, Adah passa a viver sob a supervisão da família do marido, acreditando que a única maneira de escapar de toda a opressão cultural que sofre e que no futuro sua filha também sofrerá, é se mudar para a Inglaterra. Porém, ao chegar no seu futuro prometido ela percebe que além da misoginia, racismo e xenofobia ela percebe que naquele país os imigrantes não possuem a tão sonhada qualidade de vida.
A relação de Adah com seu marido é retratada de forma crua, pois a autora não poupa em relatar os abusos cometidos por Francis (marido de Adah) para com ela, e com isso dentre os cidadãos de segunda classe, ela como mulher negra ocupa o nível mais baixo onde o seu único dever é a submissão. E em uma sociedade patriarcal, a mulher é ensinada a não ser tão inteligente, não correr atrás dos seus objetivos e o maior ensinamento dessa sociedade opressora é que a mulher não é tão importante quanto o homem.
Ser uma mulher negra no contexto de uma sociedade machista e racista, também traz ensinamentos, pois ensinam que o padrão de beleza é o padrão da mulher branca, e o fato do seu nariz ser mais achatado, o seu cabelo ser crespo, ter boca maior e até mesmo a cor da sua pele, não faz parte do ideal de beleza. E mesmo a história de Adah se passando na década de 1960, percebe-se que os dias atuais ainda carrega esse ideal, pois ser mulher ainda é um ato de resistência e ser mulher negra é um ato de coragem.
Referência:
EMECHETA, Buchi. Cidadã de Segunda Classe. 1.ed. Porto Alegre: Dublinense, 2018.
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Engenharia Reversa: os impactos dos dispositivos de controle social
Em “Men Against Fire” ou “Engenharia Reversa”, quinto episódio da terceira temporada de Black Mirror, qualquer semelhança com a realidade não é mera coincidência. A história é protagonizada por Stripe, um jovem soldado que juntamente com seus colegas e toda a população local, lutam incansavelmente para erradicar por completo a existência de uma “sub-raça” a qual chamam de “baratas”. Em sua primeira ação em campo de batalha, Stripe mata dois desses seres misteriosos, mas é alvejado por um dispositivo que afeta o controle do sistema de máscara. Uma ferramenta desenvolvida pela tecnologia militar, considerada a arma mais poderosa no que tange ao desempenho de soldados em situações extremas.
Ao ser atingido por esse dispositivo, Stripe tem seu desempenho diminuto e acaba por passar numa bateria de exames a fim de descobrir a causa de seus comportamentos estranhos, como sentir o cheiro, ter empatia, medo e esboçar reações emocionais. O que nunca ocorreu antes. Em sua última etapa, passa por uma breve consulta com uma espécie de psiquiatra chamado Arquette, que o induz a crer que tudo está na mais perfeita ordem. Nos momentos subsequentes, Stripe não consegue mais manter sua rotina de sono e percebe cada vez mais as falhas em sua máscara. Na trama, os sonhos são a representação da paz a ser conquistada, a recompensa por ter realizado um bom trabalho aniquilando as “baratas”.
Fonte: goo.gl/YPwdpX
Todos os acontecimentos até então incompreendidos por ele são trazidos à tona com a total falha no sistema de máscara em plena missão. Nesse momento, Stripe se dá conta de que as “baratas” são na verdade seres humanos como todos os outros, mas os implantes/máscaras foram postos para que os militares os enxergassem como ameaças à humanidade ou à linhagem “pura”. A explicação para esse fato ocorre num diálogo entre Stripe e a mulher que ele salva juntamente com o filho em cenas finais quando consegue enxergá-la sem a máscara, como realmente é. Ela afirma que houve uma guerra e 10 anos depois, cientistas iniciam estudos de triagem do DNA, que visa à criação de uma sociedade sem doenças ou problemas genéticos, num movimento explícito de eugenia.
Todas as pessoas que possuíam algum tipo de tendência genética para doenças como o câncer, atrofia muscular, esclerose múltipla, baixo QI, entre outras, deveria ser extirpada na busca por uma sociedade livre de doenças. Além disso, pessoas consideradas tendenciosas ao crime ou a desvios sexuais também não deveriam existir.
O que se percebe com nitidez neste episódio, é o movimento disciplinador de massas causado pelo dispositivo de controle social, que nada mais é do que um conjunto de mecanismos de intervenção que cada sociedade/grupo social possui e que são usados como forma de garantir a conformidade do comportamento dos indivíduos e essas ações podem ser positivas ou negativas (RODRIGUES, 2016).
Fonte: goo.gl/tEqwDh
Aqui exemplificado pela instituição militar, o controle social toma forma tanto de modo interno como externo, de acordo com o indivíduo a ser atingido pela ordem dominante. Os soldados e a população local já introjetaram em seu modo de ser as regras ditadas, e veem os seres humanos que fogem ao padrão imposto como “baratas”. O ódio gerado na população é livre do sistema de máscara e eles sabem que essas pessoas morrem, enquanto os soldados utilizam o sistema de máscara para cumprir a lei geral através de um entorpecimento emocional.
[…] a construção do sujeito dócil, útil e submisso à ordem estabelecida é possível apenas por meio de processos “disciplinadores”, nos quais o corpo e a mente do sujeito são moldados de acordo com o que se pede no meio social. Fenômeno observado em instituições disciplinadoras, como a escola e os quartéis, onde os indivíduos que ali permanecem vivem sob o controle da instituição. O produto desse processo, quando bem-sucedido, seria um sujeito dócil e “útil” ao seu contexto social (FOUCAULT, 1999, p. 123).
Fonte: goo.gl/EmbRVP
Existe também uma referência crítica neste episódio no que diz respeito à xenofobia praticada por diversos países com a chegada de imigrantes advindos da guerra na Síria, por exemplo, que muitas vezes são vistos como inferiores, perigosos, assassinos e violadores da ordem. O que ocorre em “Engenharia Reversa” não se distancia dos dias de hoje e cria um retrato da realidade aumentada do que vivemos no presente, trazendo reflexões importantes sobre o modo como a sociedade vem sendo construída e os valores que são passados transgeracionalmente. O tema, portanto, é de especial importância para os interessados em Psicologia Política, Ética e Psicologia Social.
REFERÊNCIAS:
FOUCAULT, Michel. Vigiar e Punir: nascimento da prisão. 20 ed. Petrópolis: Vozes, 1999.
LUCAS DE OLIVEIRA RODRIGUES (Brasil). Mundo Educação. Controle Social: delimitando comportamentos. 2016. Disponível em: <http://mundoeducacao.bol.uol.com.br/sociologia/controle-social.htm>. Acesso em: 13 out. 2017.