You – Quando a perversão é confundida com amor.

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É uma série de televisão americana de suspense psicológico, a primeira temporada é baseada no livro homônimo de 2014 escrito por Caroline Kepnes. Que descreve a história de Joe Goldberg (Penn Badgley) que é um gerente de livraria de Nova York, que se apaixona por uma cliente chamada Guinevere Beck (Elizabeth Lail).

Desde o inicio a série é narrada por Joe, o que dá a possibilidade das pessoas que assistem entenderem sua mente. Desde o momento que Beck entra na livraria em que Joe trabalha, o mesmo começa a descrevê-la. Ele gosta da forma como a observa e como busca maneiras de entender seus passos dentro da livraria, mesmo não a conhecendo. Joe antes mesmo de conhecê-la por um encontro ou algo típico de um início de relacionamento, o mesmo à procura nas redes sociais, busca o máximo de informações possíveis, obtendo assim, a sorte de encontrar o endereço de Beck. Joe passa a observá-la por vários dias, chegando a entrar na casa de Beck enquanto ela não estava e furta uma calcinha. Ele a observava até mesmo se relacionando com outros homens. Um desses homens é o Ben, no qual Beck demonstra interesse.

A verdadeira personalidade de Joe começa quando ele sequestra Ben e o deixa por vários dias no porão da livraria, sendo que depois o mata e queima o corpo em um bosque, tudo isso para que Ben ficasse fora de seus planos.  E os abusos de forma secreta continuam, Joe tem a sorte de furtar o celular de Beck sem que ela perceba, passando assim a ter acesso a todas as conversas dela.

Fonte: encurtador.com.br/lBLPU

Depois de alguns encontros, o casal começa a ter um relacionamento mais sério. O problema agora é com as amigas, Joe sempre afirma em suas narrações que as amigas não demonstravam nenhum companheirismo para com Beck, e a rivalidade maior era com Peach, a amiga mais próxima. Uma  grande hipocrisia na fala de Joe é quando ele afirma que Peach era perversa, porque sempre queria Beck por perto, guardava várias fotos da mesma, manipulava e a desejava. Peach também acaba sendo morta por Joe. O mesmo afirma que foi o  melhor para Beck.  O fim desta primeira temporada termina com Beck descobrindo a obsessão de Joe, ela encontra todos os objetos que ele furtou, mas, também encontra objetos da ex-namorada que também foi morta. Beck tenta fugir, mas acaba sendo assassinada por Joe.

Percebe-se que Joe tem um interminável desejo de satisfazer e proteger Beck, “Tudo para o Outro”. Esse é o objetivo dele. Joe até chegou a fazer terapia, mas no intuito de saber se Beck estava lhe traindo com esse psicólogo que ela fazia terapia. Fink, 2008 afirma que “A maioria dos clínicos não recebe muitos pacientes que possam ser classificados com exatidão como perversos, falando em termos psicanalíticos.” Joe jamais se acharia uma pessoa má, para ir à terapia, tudo que ele fazia era por amor a Beck.  Para a psicanálise a perversão é entendida como pessoas estruturalmente perversas, que não se relacionam com o outro como uma pessoa inteira. O perverso toma o outro como um objeto. A finalidade do perverso é sempre sua satisfação sem considerar o outro. Pode se dizer que o perverso não tortura necessariamente sua vítima de forma física, mas pode subjugar sua visão de mundo. O que de fato acontecia com Joe e Beck, ele não aceitava o mundo de Beck, em suas narrações afirmava que a vida dela seria diferente ao lado dele. De forma inconsciente, Joe não pensava em Beck, mas sim no desejo de tê-la somente para ele.

“É comum os perversos terem bastante certeza” (Fink 2008). Joe tinha certeza de que tudo que estava fazendo daria certo, ele transmite isso o tempo todo. Um homem confiante, onde tudo que fazia tinha um propósito, e esse propósito era de salva Beck de sua vida rodeadas de pessoas que não queriam o bem dela, pois apenas ele poderia dar o melhor para ela, exemplo de um relacionamento abusivo. Dessa forma, a psicanálise explica que “na perversão, o desejo parece como vontade de gozo, e o ato é praticado geralmente como vitorioso, isento de culpa. O perverso sabe o que quer.” (Ferreira, 2011)

Fonte: encurtador.com.br/eiyX7

Joe em sua grande perversão, não enxerga que está errado, sempre afirma que tudo isso era por amor, que ele a amou, mas não foi reciproco. O que ele faz nunca é sua culpa, faz porque tem um porque e a culpa é de Beck por ter pessoas ruins à sua volta. Dessa forma, a psicanálise explica que “na perversão, o desejo parece como vontade de gozo, e o ato é praticado geralmente como vitorioso, isento de culpa. O perverso sabe o que quer.” (Ferreira, 2011).  Pode se concluir que Joe é um exemplo clássico de psicopata, um perverso que não sente culpa ao mentir e principalmente ao matar.

REFERÊNCIAS

Fink, Bruce. Introdução clínica à psicanálise lacaniana. 1° edição. Zahar. 2008.

FERREIRA, Breno de Oliveira; MENESES, Hélem Soares de. Perversão à Luz da PsicanálisePsicologado[S.l.]. (2011). Disponível em: https://psicologado.com.br/abordagens/psicanalise/perversao-a-luz-da-psicanalise.  Acesso em 29 de maio de 2020.

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‘Você’: uma perspectiva Sistêmica das relações

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Série exalta complexidade, instabilidade e intersubjetividade do ser humano

Amar e ser amado! A grande máxima da vida de milhares de pessoas. ‘Você’, série recém-lançada pela Netflix, traz um enredo que flutua em torno da busca incessante de Joe por alguém que o ame assim como ele ama. E como ele ama? De uma forma uma tanto intensa e assassina!

Vários personagens estão envolvidos nessa trama, no entanto, essa análise se atentará a três principais: Joe, Beck e Peach.

A história de amor construída por Joe – Joe trabalha numa livraria que herdou de seu acolhedor, por ter sido ele abandonado pelos seus pais que eram adictos. Em um dia comum de trabalho, Beck adentra a livraria e os dois se conhecem. Esse primeiro encontro não rende muita esperança para ele, já que Beck deixa suas intenções soltas no ar.

E o que Joe faz? Segue a vida normalmente e espera ver se o tempo colabora com esse romance? Não mesmo! Ele determina que esse romance irá acontecer e para isso começa procurando por ela nas redes sociais e descobrindo seu endereço, para então passar a espiá-la todos os dias pelas janelas de sua casa.

De início Joe descobre que ela tem uma relação com um homem chamado Bengi, que na verdade é um completo mulherengo que não sente nada por Beck. Vendo o quão ruim era esse relacionamento para ela, o que Joe faz? Mata Bengi, porque para ele é totalmente compreensivo que ele tire esse homem da vida dela, já que ele só piora as coisas e se coloca como um obstáculo para seu possível namoro.

Fonte: encurtador.com.br/cqLQS

Na cabeça de Goldberg (Joe) facilitar os acontecimentos da vida de Beck para que eles possam ter um relacionamento sem nenhum impedimento ou complicação, é simples e o correto a se fazer. E ele realmente consegue estar na hora certa e no local certo para que o namoro aconteça, e ele acontece.

É incrível pensar a partir dessa ótica, como seria se pudéssemos controlar todas as ações que envolvessem as pessoas que “amamos”, com o intuito de nunca perdermos elas. É como se realmente tivéssemos o poder de controlar a vida, fazendo com que tudo aquilo que quiséssemos acontecesse, e tudo que não gostássemos não acontecesse mais. Essa habilidade traria muita segurança para a pessoa dotada, já que nada sairia do seu comando. Entretanto, o que Joe não sabia era que mesmo que ele tentasse controlar as coisas, as coisas não se tornariam constantes e estáveis, porque afinal o indivíduo é um ser Complexo, Instável e Intersubjetivo (VASCONCELLOS, 2002).  

A seguir uma analogia será feita entre os três personagens citados no início e os três pilares do Pensamento Sistêmico Novo-paradigmático trazido por Maria José Esteves de Vasconcellos.

Fonte: encurtador.com.br/hst14

Joe e a ‘Complexidade’ – Joe sabe muito bem o que quer desde o início, ficar com Beck acima de qualquer coisa e fazer todo o possível por ela. É por isso que a partir do momento em que eles se conhecem, ela passa a ser o único foco da vida dele, e é para esse foco que ele direciona toda a sua atenção e importância.

Dessa forma, ele não estabelece outros tipos de relacionamentos ou de hobies. E a sua visão geral de felicidade na vida, está totalmente atrelada a um relacionamento perfeito com Beck.

Joe age totalmente de forma oposta ao olhar da complexidade sobre a vida. A dimensão da complexidade da vida traz que é necessário entendermos que pensar a existência de maneira complexa, é ampliar o foco de observação, percebendo que um único fenômeno isolado nunca será livre das mais variadas influências (VASCONCELLOS, 2002). Portanto, uma tentativa de manter um relacionamento livre de complicações ou estímulos de outras pessoas, é no mínimo uma tentativa fracassada e ingênua de estabelecer uma ordem, o que Joe descobrirá apenas na prática.

A complexidade implica no conhecimento de que múltiplos sistemas estão em contato uns com os outros, e se afetam mutuamente. Esses sistemas são definidos como “um conjunto de componentes em estado de interação” (VASCONCELLOS, 2002, pág. 198). Na vida de Beck existiam vários sistemas, que eram suas amigas, sua vida de escritora, seus flertes no Tinder, seu psicoterapeuta, seu pai adiccto, seus próprios comportamentos e dilemas existenciais, e esses sistemas influenciavam sua relação com Joe e, portanto, de acordo com a visão reducionista de funcionamento vital dele, todos esses sistemas deveriam sumir e não os atrapalharem nunca mais.

Fonte: encurtador.com.br/ftzGO

Beck: a ‘Instável’ – Beck é a personificação da instabilidade. Formada em Literatura, egressa num programa de mestrado, residente em uma casa fornecida pela universidade, professora de Yoga, amiga de três garotas ricas, interessada em homens instáveis e voláteis, aventureira no Tinder, escritora. É a garota que em um dia sabe tudo o que quer e no outro duvida se realmente quer aquilo, uma hora pensa que consegue lidar com sua vida, outra hora se sente totalmente incapaz. Beck é a realidade do jovem nova-iorquino de classe média, e porque não dizer da maioria dos jovens da geração millenium.

A instabilidade da vida se compara exatamente a forma como Beck vive, já que a dimensão da instabilidade retrata o quão imprevisível e incontrolável os acontecimentos podem ser. Apresentando ainda como devemos enxergar essa desordem que é viver, como normal, já que é inevitável que as coisas mudem e evoluam independente se muitas vezes achamos estar no controle (VASCONCELLOS, 2002).

E como já deu pra perceber, é óbvio que Beck daria “muito trabalho” para Joe. É possível notar na maioria das cenas de desentendimento do casal que Beck era a quem sempre saía transtornada e sem ver solução para os conflitos, e Joe era o que sempre tinha uma solução para normalizar a situação. Essa diferença de paradigmas, ou seja, de maneiras de pensar (VASCONCELLOS, 2002), ia desde escolher a comida para o jantar, escolher entre sair com as amigas ou sair apenas o casal, decidir sobre a hora certa de escrever ou não. Para Joe todas essas decisões eram simples de serem feitas, mas para Beck eram difíceis de serem tomadas, e quando eram, podiam e mudavam facilmente. Beck era a tempestade impetuosa no mar calmo da vida de Joe.

Fonte: encurtador.com.br/ryIV4

Peach: a ‘Intersubjetiva’ – Peach era o centro da complicação do relacionamento do casal antagônico. A amiga de Beck que queria a todo custo separá-la de Joe. Peach vinha de uma família rica, tinha glamour, fama, viagens, roupas bonitas e caras, beleza, casa luxuosa, mas não tinha relações profundas com ninguém, e foi na amizade com Beck que ela estabeleceu a sua intersubjetividade e conseguiu se ver parte de um processo de intimidade na relação com o outro.

A intersubjetividade coloca as interações e as relações entre os indivíduos como construtora da experiência da realidade, é através dela que tudo pode existir. O indivíduo quando sabe que sua intersubjetividade nasce na interação com o outro, se percebe como parte de algo e entende que tudo pode ser coconstruído nessa relação (VASCONCELLOS, 2002).

E o que seria essa coconstrução? A coconstrução é a capacidade de unir aquilo que é de sua existência com a existência do outro, sem o estabelecimento de qual experiência é correta ou não, porque na verdade qualquer uma delas é válida partindo do princípio da intersubjetividade (VASCONCELLOS, 2002).

Mas é importante ressaltar que essa coconstrução não parte do pressuposto de algo positivo ou negativo, mas sim de um reconhecimento da realidade do outro como importante e válida também para a sua realidade. Isso é o que acontece com Peach e Beck, já que apesar de o relacionamento delas ser marcado por uma toxicidade e instabilidade, as duas em diversos momentos aprendem a serem e existirem uma com a outra.  

Fonte: encurtador.com.br/iACEL

‘Você’ e a performance do Pensamento Sistêmico – Joe, Beck e Peach, o que eles têm em comum? A busca pelo amor. E o que acontece nesse meio tempo de 10 episódios, é o que o Pensamento Sistêmico defende. Dez episódios que nos mostram o quanto a visão do que é amor para cada um deles é totalmente diferenciada. Cada um viveu e experimentou as experiências românticas a sua maneira, acreditando ser a maneira como eles experimentaram a única correta e aceitável.

No entanto, isso não é possível a partir do instante em que você percebe e leva em consideração as três dimensões da teoria Sistêmica: Complexidade, Instabilidade e Intersubjetividade. Maria José Esteves de Vasconcellos diz que “(…) se não há leis definitivas sobre a realidade, se só temos afirmações consensuais, não teremos mais as expectativas da previsibilidade e controlabilidade. E encontrar diferentes afirmações nos levará a perguntar pelas condições, pelos contextos em que foram feitas (2002, pág. 152).”

Fonte: encurtador.com.br/pyDLR

É aqui que você deve se perguntar, em quais condições e em quais contextos cada personagem viveu? O que os levou a ver e construir as formas de amar da maneira como elas são apresentadas na série. Talvez aí você entenda e coconstrua junto com os personagens, ou talvez não. Pode ser que de acordo com a sua experiência de vida, nem mesmo esse texto inteiro faça o menor sentido para você. Porque é realmente disso que se trata, da complexidade, da instabilidade e da intersubjetividade do ser humano, do ser ‘VOCÊ’!

REFERÊNCIA:
VASCONCELLOS, Maria José Esteves de. Pensamento Sistêmico: O Novo Paradigma da Ciência. Campinas: Papirus, 2002. 272 p.

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