laranjas mecânicas

Laranja Mecânica: uma experiência sensorial

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Um filme pra ser mais sentido do que propriamente assistido.

Laranja Mecânica (A Clockwork Orange) é uma adaptação cinematográfica feita por Stanley Kubrick do livro de Anthony Burgess.

Na Inglaterra, em um futuro não determinado, Alex DeLarge vive de forma um tanto caótica. Transgredindo regras e convenções sociais por puro prazer, degustando de ultraviolência a Beethoven e criando neologismos misturando o idioma inglês com o russo.

Alex é o violento líder de uma gangue de delinquentes que matam, roubam, estupram, brigam com outras gangues; verdadeiros agentes do caos. Preso, ele recebe o convite para participar de um programa que pode reduzir o seu tempo de pena. Alex torna-se cobaia de experimento chamado Tratamento Ludovico[1].

A combinação dos nomes do protagonista nos mostra quem realmente é o personagem. Alex, etimologicamente, provém do latim “Lex” que significa lei e o “A” é o prefixo referente a afastamento, negação, privação, a sua principal característica psicológica e/ou comportamental, o desrespeito à ordem e consequentemente a disseminação do caos.

O sobrenome DeLarge não é citado no livro, porém afirma-se que Kubrick fez referência a um momento do livro em que Alex chama a si mesmo de “Alexander, The Large”. A forma que nos é apresentado o personagem e a forma como o acompanhamos no decorrer do filme nos faz sentir ódio, repulsa e, às vezes, até pena. Uma divina interpretação de Malcolm McDowell, o ator que dá vida a Alex, também é um dos grandes fatores que nos levam a esses sentimentos.

A cena inicial é, de todas do filme, para mim a mais importante. Uma cena bastante “Kubrick’ana”, ou seja, cada elemento constituído na moldura/quadro é extremamente calculado para criar uma diegese hiper característica de Kubrick. A cena é criada com uma tela toda vermelha e uma música intensa, mostrando-nos previamente o que será o filme: sangue e uma trilha sonora intensamente sensorial.

Segue, então, um close em Alex com uma expressão de significados sentimentais indecifráveis. A moldura/quadro vai ficando mais ampla com o movimento de recuo da câmera e nos apresentando o mundo do personagem, onde suas roupas brancas têm pequenos adereços bizarros em vermelho (metaforicamente representando a pureza do homem social e a possível violência a ser expressada por seu lado animal), manequins femininos com cabelos e pelos pubianos em destaque são usados como objetos (ou seja, a desvalorização da mulher que em cenas ao decorrer do filme é mostrada com estupros), pessoas catatônicas estão sentadas a observar aquele lugar (nós espectadores, que sabemos que todo aquele caos existe e sabemos onde… porém, apenas assistimos).


Stanley Kubrick (26/07/1928 – 07/03/1999), o diretor, tem como característica principal o perfeccionismo em suas filmagens. Enquadramentos geograficamente estudados para constituir uma significação adequada à narrativa de suas obras. Destaco, como minhas preferidas, as obras: Dr. Fantástico (Dr. Strangelove or: How I learned to stop worrying and love the bomb – 1962);  2001: Uma odisséia no espaço ( 2001: A space odyssey – 1968), Laranja Mecânica (A clockwork Orange – 1971); Barry Lyndon (Barry Lyndon 1975); O Iluminado (The Shining – 1975); e De olhos bem fechados (Eyes wide Shut – 1999).

[1] É uma terapia fictícia. Consiste em expor obrigatoriamente o paciente a assistir imagens violentas por grandes períodos de tempo sob efeito das drogas, o que provoca um efeito de experiência de quase morte. Ao ser obrigado a ver imagens horríveis de estupros, assaltos e outros atos de violência enquanto sofre os efeitos das drogas, o paciente assimilará a sensação e tornar-se-á incapacitado a ou sentir-se-á indisposto se tentar realizar ou simplesmente testemunhar tais atos de violência.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

LARANJA MECÂNICA

Diretor: Stanley Kubrick
Roteiro: Stanley Kubrick
Elenco: Malcolm McDowell, Patrick Magee, Adrienne Corri, Aubrey Morris;
Ano: 1971
País: Inglaterra/ EUA
Gênero: Drama

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“Eu não tenho paciência”

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Minha experiência de mãe é de menos de uma década. Neste período já aprendi muita coisa, é claro. Ainda bem. Mas ainda pelejo muito com outras tantas, tenho que admitir. Ter mais paciência, é uma delas. Por isso, quero escrever sobre o drama que é para mim, e tenho certeza, para outras milhares de mães, reforçar esta ‘virtude’.

Pois bem….

Ontem fui ao supermercado com marido e três dos meus filhos (tenho dois enteados). Imagine. Lá, seguiu-se, por várias vezes, uma singela e natural disputa entre eles sobre quem ia ‘dirigir’ o carrinho de compras. Chegaram a um consenso. O caçula – que já tem quatro anos – ficou deitado na cadeirinha de bebê, tranquilamente se divertindo com o ‘meu’ celular. Os outros dois se revezaram no empurra-empurra do ‘automóvel’ de compras.

Cansada, lá pelas tantas, e doendo muito os pés por causa de um calçado que achei bonito e comprei, mas que se mostrou pouquíssimo confortável, parei ao lado da fila de caixas. Enquanto esperava que meu marido identificasse e separasse mais um item da compra, com a turminha peralta, num dos corredores do supermercado, acompanhei atenta – mas sem dar muito na cara – um diálogo áspero que se passava ao meu lado.

– Eu não tenho paciência com menino, dizia a mulher.

– Deixa eles, eu tenho paciência por você, respondeu o marido.

O contexto desta conversa envolvia, também, por coincidência, pais e três filhos. Aqueles, certamente, mais travessos que os meus, com o carrinho já cheio de compras, disputavam quem retiraria os produtos para passar pela esteira do caixa. A mãe, já com os cabelos ouriçados de impaciência, cansada certamente pelo dia cheio de trabalho(no relógio já passava de 21h), não queria deixar os meninos atrasarem, ainda mais, a ida para casa. Na visão deles, com toda razão, a compra era mais uma atividade super-divertida neste período de férias.

Para mim, especialmente identificada com a coitada da mãe, achei curiosa e simpática a posição do pai. Tudo que a mulher dizia, ele repetia: – calma, pode deixar, eu tenho paciência com eles!

Gostei de assistir a cena. Porque, o pai, gordinho(sem preconceito, entendam!!) e sorridente, fez jus ao próprio discurso. Posicionou-se na ponta do caixa, pacientemente, enquanto as crianças, na mesma faixa de idade dos meus, retiravam os produtos, continuavam brigando para dominar o carrinho, e a compra ia sendo concluída.

Na vida de quem decide ter família, paciência e bom humor são necessários, sempre. Mais ainda quando uma das partes já está com estes ‘itens’ esgotados. O mais complexo é que não dá para comprar estes ‘produtos’ na prateleira do supermercado. No meu caso, posso dizer, a vida – e Deus, com certeza – foram e são generosos comigo. Ao meu lado sempre tem alguém com mais paciência. Bom humor, eu tenho. E quando ele quer desaparecer, sempre busco um jeito de achar reforços.

Quando tudo parece complicado demais, lembro de Vinicius de Moraes, no poema Enjoadinho:

Filhos…Filhos?
Melhor não tê-los!
Mas se não os temos
Como sabê-lo?
Se não os temos
Que de consulta
Quanto silêncio
Como o queremos!

É isso. Beijos, meus filhos, minha vida!! Meus tesouros!! Paciência, já!!!

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Para os noveleiros de plantão e os noveleiros por acaso

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Sempre que pergunto, em sala de aula, se os alunos acompanham telenovelas, a resposta é sempre negativa. A maioria afirma que não perde tempo com isso e que o que veem na TV são filmes, documentários ou telejornais. Quando admitem que sabem o nome de alguma personagem, justificam dizendo que ouviu o comentário de algum parente ou que estava passando pela sala e viu uma cena de relance, ou que zapeava e acompanhou, por alguns instantes, um trecho desta ou daquela telenovela, ou ainda que ouviu comentários no cabeleireiro!

Por muito tempo também assim me comportava. Não era admissível, especialmente para uma estudante do curso de Letras, perder tempo com telenovelas, enquanto há tantos livros para ler. Durante muito tempo tive que esconder que acompanhava a todas as telenovelas da Globo.

Por que estou colocando o dedo na ferida? Só porque eu admito ser noveleira? Também por isso.

O debate em torno da televisão, em especial das telenovelas, por muitos anos, girava em torno do fato de as telenovelas apresentarem perigo porque seus enredos melodramáticos tinham objetivo de causar manipulação, evasão e alienação. Primeiro nas mulheres, depois em toda a família, que se tornando os humanos embebidos de sonhos e de lágrimas, vazios de vontades, plenos de ilusão. Além disso, as telenovelas eram (e ainda são) consideradas o reduto de maus comportamentos, trazendo más influências aos jovens.

Mesmo com todos esses argumentos de pais e professores quanto à influência no comportamento das crianças e dos jovens, quero chamar à reflexão para alguns pontos. Pensemos em Avenida Brasil, novela de João Emanuel Carneiro e que (posso imaginar!) vocês não estejam acompanhando. Com uma narrativa rápida, personagens surpreendentes e uma direção cuidadosa de Ricardo Waddington, a novela nos faz pensar em tipos que nos cercam. Carminha, por exemplo, usando a máscara da boazinha, comete atrocidades que deixam telespectadores estarrecidos. No primeiro capítulo, rouba o “marido” e abandona a enteada em um lixão. E ainda descola um casamento com um jogador de futebol. Sim, com ares de boa moça, inofensiva e devota cristã. Isso nos mostra como nós somos ludibriados, como o Tufão é: sem perceber. O que o autor nos traz é o retrato de nosso malogro.

Como já comentou Alexandre Garcia, o malogro nosso está em cada dia, na carga tributária que pagamos, na aceitação da corrupção nas várias esferas dos poderes públicos, no comportamento no trânsito, enfim, não vou enumerar mais para não ficarmos angustiados…

Por outro lado, a telenovela traz o que a narrativa traz: momentos de imersão em outro mundo, o mundo da ficção, o mundo do possível. E é no mundo do possível e com a popularidade que a narrativa televisiva possui é que a telenovela cumpre uma função social, a função de desenvolver o senso de tolerância no espectador brasileiro.

A telenovela também dialoga com grandes narrativas da literatura universal: neste momento, Carminha e Nina estão dialogando com Luísa e Juliana, de O Primo Basílio. Basta que fiquemos atentos para percebermos as intertextualidades que se estabelecem nas diversas narrativas televisivas.

Carlos Lombardi, autor de telenovelas como Pé na Jaca e Kubanacan, comentou, no encontro do Obitel (Observatório Iberoamericano de Ficção Televisiva) de 2010, que as telenovelas giram em torno de Hamlet, Romeu e Julieta e O Conde de Monte Cristo. Hamlet (tragédia de William Shakespeare, escrita entre 1599 e 1601) conta a história do filho, que busca vingar a morte de seu pai, explorando temas como a vingança, a traição, a moralidade, a corrupção. Romeu e Julieta (tragédia de William Shakespeare escrita entre 1591 e 1595) em que o amor dos jovens é considerado arquétipo do amor juvenil. O Conde de Monte Cristo (escrito por Alexandre Dumas concluída em 1844) conta a história de um homem que, ao ser preso injustamente, conhece um sacerdote de quem fica amigo. Quando este morre, o amigo escapa da prisão e toma posse de uma misteriosa fortuna. Agora rico, busca vingar-se daqueles que o levaram à vida de prisioneiro.

Enfim, as telenovelas estão cheias desses arquétipos. Basta observarmos. Basta conhecermos a literatura para percebê-la na telinha. E ter coragem para admitir que gostamos de televisão!

Saiba mais:

BORELLI, Sílvia Helena Simões. Telenovelas Brasileiras: balanços e perspectivas. São Paulo em Perspectiva, 2001. Disponível em <http://www.scielo.br/pdf/spp/v15n3/a05v15n3.pdf>

HUPPES, Ivete. Melodrama: o gênero e sua permanência. Cotia, SP: Ateliê Editorial, 2000.

OROZ, Silvia. Melodrama: o cinema de lágrimas da América Latina. Rio de Janeiro: Rio Fundo, 1992.

SOUZA, M.C.J. (Org.) Analisando Telenovelas. Rio de Janeiro: E-papers, 2004a.

_____________. Telenovela e Representação social. Rio de Janeiro: E-papers, 2004b.

THOMASSEAU, Jean-Marie. O Melodrama. São Paulo: Perspectiva, 2005.

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