Demônio em Fuga: a luta continua

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Esse foi o texto mais demorado da minha vida. Protelado. Aquilo que deveria ter sido o grande final, não foi. Não há final. Não enquanto eu lutar.

No meu último texto, que francamente ficou horrível, eu estava sob o domínio da mania. Eu desdenhei e não fui humilde em relação a doença. Além disso, quis dar a impressão de vitória, talvez uma ideia de esperança. Não estou aqui para tirar toda fé. Pelo contrário, quero que você entenda, a simples frase que já citei acima e que citarei no final.

Foto: Brooke Shaden

Tive dois longos anos desde a última vez que escrevi para o Encena. Escrevi algo vergonhoso que não foi digno de ser publicado e mesmo assim foi.

Tive novos psiquiatras, novos diagnósticos e novas descobertas.

Minha vida saltou, deu pulos altos e mergulhos profundos e contraditórios. Bem, eu desisti de encontrar uma maneira de sair desse labirinto que a genética e a filosofia me colocaram. O que eu poderia dizer é que devemos resistir.

Hoje não tenho mais tantas crises como antes, levo uma vida saudável e aprendi muito com a doença. Aprendi a evitar gatilhos como álcool, emoções, impulsos e desespero.

Foto: Brooke Shaden

Hoje vivo apenas como o escitalopram que é um antidepressivo mais fraco e o aripiprazol, que é um excelente estabilizador de humor. Não bebo mais, mas ainda fumo muito – isso me ajuda a controlar a ansiedade.

Não tenho a vida que gostaria de ter e provavelmente nunca a terei. A depressão é um demônio em fuga, que devemos policiar sem questionar. Mantenho-me longe de tudo que seja estressor e qualquer ambiente que possa engatilhar uma crise. E sugiro que você, meu leitor, faça o mesmo.

                                  O que me salvou?

                                                            Como consegui lidar com isso?

                                                                                                Como aprendi a viver com isso?

Bem, aceitando a doença.

E aprendendo com ela. Aprendi que endorfina é um dos bens mais preciosos que nosso corpo pode produzir através de exercícios aeróbicos e por isso sugiro a todos pacientes depressivos que façam uma forcinha, mesmo que seja praticamente impossível sair da cama… Saia!

Vá dar uma corrida, caminhe 15 minutos e prossiga até que isso se torne horas de caminhada. Seu corpo irá agradecer muito.

Eu sou muito grato por tudo, sou grato pelo tempo que tenho vivido atualmente, mesmo com nossa medicina psiquiátrica estando tão longe de solucionar problemas, talvez eu tenha nascido 50 anos antes de poder ver algum progresso significativo para nossa doença química e filosófica ao passo que sou grato por não ter nascido 50 anos atrás, onde os tratamentos eram brutais e desleais.

Faça exercícios, nossos medicamentos atuais são cheios de efeitos colaterais e o mais temido deles é engordar e possivelmente você irá passar por isso ou no último caso emagrecer demais.

Mas faça-os!

Foto: Brooke Shaden

Os benefícios são incalculáveis. A endorfina liberada fará você se sentir pelo menos 80% melhor, falo por experiência própria.

Quando comecei a praticar exercícios era uma lamúria, sair de casa parecia um tormento, mas depois de mais ou menos 3 dias eu estava me encaixando e me sentia bem melhor com minha aparência e comigo mesmo.

Não desista de você. Hoje vivo bem e você também poderá viver, não se deixe aprisionar pelo ciclo vicioso da indústria farmacêutica, faça algo por você mesmo.

                                                          Resista! 

                                                                               Lute! 

                                                                                        E depois, lute com mais força!

Há uma saída para tudo. Pratico hoje muay thai, jiu jitsu, defesa pessoal e academia convencional. Viciei-me em mim mesmo e acredite, nada melhor que isso, nada melhor do que começar a sentir um amor incondicional por si mesmo.

Não se prenda.

Não seja devorado.

E acredite, todo meu relato foi verídico e minha luta continuará. Na depressão não há cura, apenas remissão e lembro todos que temos problemas de serotonina, noradrenalina e endorfina, precisaremos sempre de acompanhamento e tratamento, seja ele exótico como a eletroconvulsoterapia ou não.

Foto: Brooke Shaden

E acredite, todo meu relato foi verídico e minha luta continuará. Na depressão não há cura, apenas remissão e lembro todos que temos problemas de serotonina, noradrenalina e endorfina, precisaremos sempre de acompanhamento e tratamento, seja ele exótico como a eletroconvulsoterapia ou não.

Aceite bem sua doença e a trate com o devido respeito. Lembre-se que você é doente como qualquer outra pessoa – como um diabético que tomará insulina para o resto da vida -, você terá que se medicar e procurar ajuda de profissionais para terapia. Não há outra forma. Ou se há outras formas, ainda não as descobri. Sei que daríamos tudo para sermos normais, mas lembre-se de seus atributos que foram dados só a você e a mais ninguém. Você é capaz de resistir a coisas que ninguém imagina que exista. Você luta contra fantasmas que ninguém vê. Sente dores que ninguém pode curar.

E vê o mundo com magnifica beleza – digna de um escritor ultrarromântico -, quando melhora. O mundo é sua tela, seu livro, sua arte. Você é mais sensível que os demais e nem por isso, isto lhe torna mais fraco, lhe torna um sobrevivente, um ser forte capaz de suportar pesos que nenhum outro suportaria.

                                                                Acredite na remissão.

                                                                                                Acredite em si mesmo.

Sei que demorei para completar essa saga e não terminei ainda. Em um dia claro e menos confuso eu volto para contar sobre meus novos tratamentos, minhas novas experiências. Vocês terão mais notícias.

Aqui me despeço de todos e obrigado por terem acompanhado minha trajetória dolorida.

                                                                                                                                                                                        Abraços.

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O Homem de Aço: a face obscura do Superman

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O novo filme do Superman, intitulado O Homem de Aço, mescla cenas de ações com imagens eloquentes que deslizam lentamente sobre a tela dando ao contexto uma conotação quase espiritual.

Nesse filme, o Superman é um ser angustiado, em fuga, que não sabe o que ou quem é, nem de onde veio, e que está em constante retorno às suas memórias da infância, da adolescência e até daquelas que ele nem consegue identificar em qual tempo ou espaço existiram. Assim, o que diferencia esse Superman de tantos outros que já assistimos talvez sejam os sentimentos (tão humanos) de raiva, frustração e insegurança que o acompanham desde a infância.

Enquanto filmes como “Os vingadores” tinham nos elementos cômicos alguns dos seus melhores momentos, um recurso até mesmo usado no sombrio Batman (seja na comicidade mórbida do Coringa, ou no tom engraçado e paternal do seu fiel mordomo Alfred), em o Homem de Aço, a ausência desse tipo de recurso dá ao filme um diferencial ousado.

Nos outros filmes do Superman, aqueles em que o herói-alienígena ainda usava uma cueca sobre a calça colante, o personagem tinha um ar mais ingênuo, politicamente correto, com um senso moral irrepreensível, alguém que parecia ser um ideal humano. Talvez bem diferente do Super-Homem imaginado por Nietzsche em “Assim Falou Zaratustra”, um conceito que surgiu na medida em que “o homem se tornou uma coisa que tinha de ser superada”, pois este “é uma corda esticada entre o animal e o super-homem, uma corda por cima do abismo”.  Mas, do que estava falando mesmo? Ah, sim… dos outros filmes do Superman.

Pois bem, o novo filme tem lá suas mudanças, mas ainda assim é um filme do Superman. Logo, mesmo que ele já consiga admitir que tenha vontade de esmurrar os moleques que o tornaram o adolescente de Kansas que mais sofreu bullying, ou, em um dado momento, tenha estraçalhado – de fato – um pobre objeto inanimado (não estou nomeando-o aqui para não estragar a surpresa) evitando, com isso, machucar um bêbado insolente, ainda assim, é um jovem íntegro, com vários preceitos morais, criado por uma pacata família do Kansas.

Já tivemos uma apresentação magnífica do Jor-El, feita por Marlon Brando, em Superman – O filme (de 1978), mas nunca tivemos (já estou esperando um comentário dizendo: você esqueceu de…. ) uma reconstituição tão surpreendente do planeta Krypton. Um planeta mais avançado tecnologicamente que a Terra e que, por isso mesmo, sofreu algumas das nefastas consequências que acompanham determinadas inovações. A destruição de Krypton teve relação com duas situações: o excesso da extração de seus recursos naturais e a degeneração do meio social devido ao uso da engenharia genética para a criação de um novo modelo de vida.

Em Krypton, cada pessoa nasce com UM PROPÓSITO. E isso poderia ser uma coisa positiva, dado o fato de que a maioria de nós passa toda uma vida a procura de um propósito, de um sentido. Mas por que em Krypton, Jor-El (o eterno gladiador Russel Crowe) e sua esposa vão de encontro a essa premissa e dão ao seu filho, literalmente, um mundo de dúvidas? Sendo bem ingênua, diria que talvez seja porque não há ser humano (ou kryptoniano) que suporte viver num ambiente totalmente programado,  direcionado pelos preceitos de uma lógica que tem apenas doisstatus: zero ou um (verdadeiro ou falso, bom ou mau, professor ou médico etc ).

Então, nesse mundo de dúvidas que é a Terra, o Clark adulto, além da sua mãe Martha, pode contar com a Lois, que é apresentada nesse filme como uma mulher com a inquietação  e curiosidade peculiares desse personagem, porém mais proativa e independente.

Estamos no século XXI, logo seria complicado nos depararmos com uma Lois que não reconhecesse o Clark por causa dos óculos, ou que gritasse a cada cinco minutos para que ele viesse salvá-la do perigo (ops.. isso é o Super Mouse, mas está valendo). Lois, nesse filme, consegue interagir com um programa de computador com consciência (sem detalhes rs), guardar em sua memória fantástica um plano extraordinário e… Enfim, é um filme de superheróis, e isso não pode ser esquecido. Você só pode aceitar um alienígena que voa, que tenha visão de raio-x e entorta aço ou qualquer coisa que ele queira, se estiver embuído de um espírito imaginativo e permeado por licença poética rs.

Há no filme uma tentativa de aproximar a figura do Superman (cujo S significa Esperança no dialeto de Krypton) ao Messias do Cristianismo. O que é comum em muitas histórias de heróis da ficção científica. Talvez em O Homem de Aço essa proximidade ficou ainda mais evidente, pois há uma série de elementos na tela que remete a isso, seja nas constantes apresentações do Superman de braços abertos (como se estivesse na cruz), seja no fato de ter um pai que existe além desse universo.

Inclusive, em um dos momentos de decisão de Clark, no qual ele precisa ir contra o seu pai da Terra e atender a sua consciência, que é uma mescla da consciência de seu pai de Krypton, é mostrada na tela a clássica imagem de Jesus no Jardim de Getsêmani na noite que antecedeu a traição que ele sofreu por um dos seus discípulos.


Talvez, metaforicamente, o diretor quisesse transmitir a ideia de que ao colocar-se como um defensor da humanidade, o Superman também pudesse ser traído por ela. E é esse o embate principal do filme, o Clark que é tão humano, mas paradoxalmente, tão deus, para salvar a Terra, teria que ir contra aquele que era, de certa forma, seu semelhante, apresentado na figura do General Zod (um homem com um propósito).

O conjunto de elementos que permeia a personalidade do Superman fez nascer uma expressão, que parece ter sido introduzida em 1954 pelo Dr. Fredric Wertham em seu livro Seduction oft he Innocent: complexo de Superman. Tal complexo advém de um “sentimento doentio de responsabilidade, ou na crença de que todos os outros não têm a capacidade para executar com êxito uma ou mais tarefas” 1 . É como se a pessoa tivesse a necessidade constante de “salvar” os outros, já que tem os meios mais concretos para isso (ao menos, em sua concepção).

Um dos pontos mais bonitos do filme é a imagem do Superman a partir do olhar de Jonathan Kent (Kevin Costner). Como um pai amoroso, ele quis proteger seu filho da complexidade que seria revelar sua natureza tão diferente e, de certa forma, tão superior fisicamente à humana. Pela primeira vez em um filme do Superman, essa situação estranha de ter um homem em nosso meio que voa e que tem uma força descomunal é apresentada de forma tão sensível.  A existência de alguém assim poderia representar a ruptura dos mais profundos conceitos que sustentam e definem a humanidade.

Ao ver seu filho brincando de ser um herói, uma brincadeira que faz parte do universo de tantas crianças, ele começa a temer o inevitável, ou seja, parece que aquele indivíduo já nasceu com um propósito. Logo, não haveria meios capazes de provocar uma mudança em sua natureza, pois os poderes que ele possui não existem a partir de uma escolha, mas de uma condição. Não sei se essa conclusão é assustadora ou libertadora, mas, acredito que seja, ao menos, inquietante.

Nota:

1 http://en.wikipedia.org/wiki/Superman_complex


FICHA TÉCNICA DO FILME

O HOMEM DE AÇO

Título Original: “Man of Steel”
Direção: Zack Snyder
Roteiro: David S. Goyer, Kurt Johnstad
Criadores do Superman:Jerry Siegel& Joe Shuste
Elenco Principal: Henry Cavill, Amy Adams, Russell Crowe, Michael Shannon, Diane Lane, Kevin Costner, Laurence Fishburne.
Produção: Charles Roven, Christopher Nolan, Deborah Snyder, Emma Thomas
Fotografia: Amir M. Mokri
Ano: 2013

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