A questão do tempo é crucial para entender como as escolas de tempo integral impactam o desenvolvimento dos alunos e a construção de uma sociedade mais justa. Para isso, precisamos pensar em como o tempo escolar se relaciona com as diferentes dimensões culturais, sociais e históricas da nossa vida.
Tradicionalmente, o tempo na escola é muito rígido, parecido com o funcionamento de fábricas e quartéis, como discutem Foucault e Goergen. Esse modelo é criticado por limitar a educação a um conjunto fixo de horários e atividades, ignorando as necessidades e ritmos individuais dos alunos (GOERGEN, 2005, apud ROVERONI; MOMMA; GUIMARÃES, 2019). As escolas de tempo integral surgem como uma alternativa, oferecendo mais horas de aula e atividades, com o objetivo de adaptar o ensino às realidades dos estudantes e permitir uma experiência mais flexível e rica.
Anísio Teixeira, em 1956, já via a escola de tempo integral como uma forma de promover uma educação mais igualitária e democrática. Para ele, essa abordagem ajudaria a preparar melhor os cidadãos, eliminando desigualdades e oferecendo oportunidades iguais para todos (Teixeira, 1956, apud Roveroni; Momma; Guimarães, 2019). Essa
ideia foi parcialmente realizada com a criação dos CIEPs, idealizados por Darcy Ribeiro e Leonel Brizola, que buscavam oferecer uma educação completa e inclusiva, principalmente para crianças em situações de vulnerabilidade social.
Atualmente, a implementação das escolas de tempo integral no Brasil reflete o desejo de ampliar as oportunidades educacionais e promover a dignidade social. De acordo com a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Brasileira (LDB), aumentar a jornada escolar é um passo em direção a uma educação mais completa e integrada (Brasil, 1996, apud Roveroni; Momma; Guimarães, 2019). Esse modelo é apoiado pela Meta 6 do Plano Nacional de Educação (PNE), que busca garantir uma educação de qualidade para todos, com uma ênfase em experiências socioculturais mais amplas (Roveroni; Momma; Guimarães, 2019).
No entanto, é importante questionar se o aumento das horas escolares realmente contribui para uma educação mais humana e menos fragmentada. O conceito de “kairós”, que significa o tempo certo para agir, pode nos ajudar a entender se a ampliação da jornada escolar
está promovendo uma mudança significativa ou apenas prolongando a exposição dos alunos a uma estrutura rígida e hierárquica (Goergen, 2005 apud Roveroni; Momma; Guimarães, 2019).
Vivemos em um mundo onde a conectividade e a informação estão sempre presentes. Portanto, o tempo na escola deve ser repensado para se tornar um espaço que não só acumule conhecimento, mas também contribua para o desenvolvimento integral dos alunos. É necessário que o tempo escolar permita uma abordagem mais holística, considerando as necessidades individuais e promovendo uma cidadania crítica e participativa (Roveroni; Momma; Guimarães, 2019).
Assim, a proposta das escolas de tempo integral deve ser avaliada não apenas pela quantidade de horas, mas também pela qualidade e relevância dessas horas para o desenvolvimento dos alunos. O tempo na escola deve ser um “kairós” — um momento oportuno para a transformação e a melhoria das práticas educacionais. Dessa forma, a verdadeira eficácia das escolas de tempo integral será medida pela sua capacidade de criar um ambiente que respeite e valorize o tempo de cada aluno, promovendo uma educação que seja realmente para todos.
REFERÊNCIAS
ROVERONI, M.; MOMMA, A. M.; GUIMARÃES, B. C. Educação integral, escola de tempo integral: um diálogo sobre os tempos. Cadernos Cedes, Campinas, SP, v. 39, n. 108, p. 223–236, maio 2019. Disponível em: https://doi.org/10.1590/CC0101-32622019219069.