Crise, negacionismo e polarização: ecos psíquicos no cenário político brasileiro

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A experiência humana diante de crises coletivas se assemelha a navegar por um mar revolto: cada onda ameaça desestabilizar o equilíbrio e, por vezes, o vento sopra na direção contrária, tornando o percurso imprevisível. A pandemia de COVID-19 revelou, com brutal clareza, como mecanismos de defesa — individuais e coletivos — se manifestam em larga escala. No início, a famosa “gripezinha” não foi apenas uma frase minimizadora: tornou-se um reflexo de negação coletiva, um escudo simbólico contra o medo da morte e da incerteza. O choque inicial transformou-se em uma dança entre negação e raiva, estabelecendo padrões de comportamento que ainda reverberam na política e na sociedade.

Segundo Dias Silva (2019), o estudo do chiste e suas ressonâncias culturais permite compreender como indivíduos e grupos lidam com tensões psíquicas e sociais, recorrendo a mecanismos de defesa muitas vezes inconscientes. Cada estágio de enfrentamento — choque, negação, raiva, negociação, depressão e aceitação — se assemelha a movimentos de uma orquestra desafinada: nem sempre harmônicos, muitas vezes dissonantes, mas expressivos de uma tentativa de lidar com o impossível.

 De maneira análoga, durante crises econômicas, líderes políticos também recorrem a metáforas que evocam enfrentamento coletivo. Em momentos de turbulência financeira no Brasil, o ex-presidente Lula afirmou que “passaríamos por essa maré baixa”, comparando a crise a ondas que sobem e descem, mas que podem ser navegadas com paciência e estratégia. Essa fala reforça a dimensão psicológica da experiência coletiva: crises mobilizam não apenas decisões econômicas, mas também respostas emocionais, esperança e capacidade de resiliência da população.

O cenário político atual reflete esses padrões. A condenação do ex-presidente Jair Bolsonaro gerou choques que atravessam camadas sociais e políticas. A direita se fragmenta: enquanto alguns defendem contestação judicial, outros buscam respiro externo, articulando alianças internacionais. Eduardo Bolsonaro, por exemplo, atuou nos Estados Unidos em defesa de sanções contra ministros do STF, alegando perseguição judicial no Brasil (UOL Notícias, 2025; ABC News, 2025). Flávio Bolsonaro reuniu-se com emissário do governo Trump, negando que o assunto discutido tenha sido sanções (O Globo, 2025). Jair Bolsonaro chegou a afirmar que Eduardo dialoga com membros do Executivo e Parlamento dos EUA para tratar de tarifas e sanções, agradecendo a Trump por “abraçar” o filho em meio a acusações no Brasil (Folha de S. Paulo, 2025; O Globo, 2025).

A proposta de anistia, que circula no debate político, funciona como tentativa de negociação coletiva. Ao conciliar desejo e realidade, grupos tentam reduzir a ansiedade gerada pelo risco de ruptura institucional. Essa iniciativa provocou debates intensos, não apenas sobre legalidade, mas também sobre percepções emocionais de ameaça e perda (Poder360, 2025). O negacionismo da pandemia persiste, metamorfoseado: minimização de riscos, contestação da ciência e polarização política são extensões coletivas de mecanismos de defesa — negação, racionalização e identificação projetiva (Dias Silva, 2019). É como se ondas de resistência psíquica se chocassem contra os muros da realidade, repetindo padrões históricos que a sociedade parece relutante em reconhecer.

A dimensão intergeracional dessas ações também é evidente. A articulação de Eduardo junto ao governo americano reflete, além de estratégia política, um gesto simbólico: projetar incertezas e medos em territórios externos, onde a percepção de controle se torna tangível. Tal comportamento ecoa os mecanismos de enfrentamento descritos por Dias Silva (2019): diante da ameaça, indivíduos e grupos buscam recursos externos para recuperar equilíbrio psíquico.

A polarização midiática e social revela deslocamento e identificação em larga escala. Parte da população transfere frustração e raiva para instituições ou figuras públicas; outra parte se identifica intensamente com líderes, reforçando laços de pertencimento e sensação de segurança emocional. Esses movimentos coletivos lembram os estágios da crise: muitos oscilam entre negação e raiva, enquanto poucos alcançam aceitação, compreendendo que a realidade política não se dobra às vontades individuais.

O contexto histórico amplia a compreensão desses fenômenos. O Brasil enfrenta crises simultâneas — sanitária, econômica e política. A repetição de padrões negacionistas não é coincidência; revela a dificuldade de enfrentar ameaças complexas sem recorrer a estratégias defensivas. Minimização, contestação e polarização não são apenas estratégias de poder, mas respostas emocionais a uma realidade que desafia crenças, identidades e valores.

As repercussões diplomáticas e jurídicas das ações de Eduardo Bolsonaro são significativas. A tentativa de influenciar autoridades estrangeiras gerou crise Brasil-EUA e reações da embaixada americana (UOL Notícias, 2025; Al Jazeera, 2025). Sanções de tarifas, declarações políticas e investigações no Brasil evidenciam como decisões individuais e familiares reverberam no coletivo, acionando mecanismos de defesa institucionais e sociais (Reuters, 2025; Agência Brasil, 2025). Essa dinâmica lembra conceitos da Teoria Geral de Sistemas (TGS), segundo a qual cada elemento de um sistema — seja uma pessoa, uma família ou uma instituição — influencia e é influenciado pelos demais. Alterações em um ponto específico podem gerar reorganizações em todo o sistema, especialmente quando ele entra em desequilíbrio. Conflitos políticos ou decisões familiares de grande impacto funcionam como “perturbações sistêmicas”, mobilizando respostas coletivas e acionando mecanismos de defesa para restaurar a estabilidade.

Analisar a política brasileira sob a lente da psicologia permite enxergar além das manchetes. Condenações, alianças e polarizações refletem processos psíquicos profundos: medo, perda e incerteza mobilizam tanto líderes quanto apoiadores e opositores. A repetição de padrões negacionistas, a busca por apoio externo e a polarização intensa indicam que crises políticas são também crises emocionais, nas quais a mente coletiva procura estratégias para manter estabilidade e sentido. Essa perspectiva dialoga ainda com a visão sistêmica sobre padrões intergeracionais: crenças, comportamentos e formas de lidar com crises não se repetem apenas em um indivíduo, mas atravessam gerações, moldando respostas coletivas a desafios históricos. 

Compreender mecanismos de defesa coletivos, os estágios de enfrentamento da crise e a repetição histórica de negacionismos não é apenas exercício acadêmico: é chave para interpretar a realidade social e política. Reconhecer as ondas emocionais que moldam decisões pode fomentar diálogo mais consciente, reduzir impactos da polarização e construir caminhos de enfrentamento mais resilientes. Afinal, não é apenas a força do vento que importa, mas a forma como nos equilibramos e seguimos navegando.

Referências 

ABC NEWS. Trump accuses Brazilian authorities of ‘witch hunt’ against former leader Bolsonaro. 2025. Disponível em: [https://abcnews.go.com/International/wireStory/trump-accuses-brazilian-authorities-witch-hunt-former-leader-123545108?utm\_source=chatgpt.com](https://abcnews.go.com/International/wireStory/trump-accuses-brazilian-authorities-witch-hunt-former-leader-123545108?utm_source=chatgpt.com). Acesso em: 14 set. 2025.

AGÊNCIA BRASIL. Governo dos EUA usa as redes sociais para reagir à prisão de Bolsonaro. 2025. Disponível em: [https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2025-08/governo-dos-eua-usa-redes-sociais-para-reagir-prisao-de-bolsonaro?utm\_source=chatgpt.com](https://agenciabrasil.ebc.com.br/politica/noticia/2025-08/governo-dos-eua-usa-redes-sociais-para-reagir-prisao-de-bolsonaro?utm_source=chatgpt.com). Acesso em: 14 set. 2025.

AL JAZEERA. Bolsonaro’s guilty verdict – what it means for US-Brazil relations. 2025. Disponível em: [https://www.aljazeera.com/news/2025/9/12/bolsonaros-guilty-verdict-what-it-means-for-us-brazil-relations?utm\_source=chatgpt.com](https://www.aljazeera.com/news/2025/9/12/bolsonaros-guilty-verdict-what-it-means-for-us-brazil-relations?utm_source=chatgpt.com). Acesso em: 14 set. 2025.

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CAMPOS, Roberto de Souza. Sistemas e Psicologia: fundamentos da abordagem sistêmica. São Paulo: Cortez, 2002.

DIAS SILVA, Ana Carolina. O chiste como operador metapsicológico de investigação das ressonâncias do discurso analítico na cultura: um estudo de caso sobre a vida de Anna O./Bertha Pappenheim. Programa de Pós-Graduação em Psicologia, Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, 2019.

FOLHA DE S. PAULO. Bolsonaro diz ter paixão por Trump e nega ação do filho. 15 jul. 2025. Disponível em: [https://www1.folha.uol.com.br/poder/2025/07/bolsonaro-diz-ter-paixao-por-trump-pede-liberdade-para-falar-com-ele-e-nega-acao-de-eduardo.shtml?utm\_source=chatgpt.com](https://www1.folha.uol.com.br/poder/2025/07/bolsonaro-diz-ter-paixao-por-trump-pede-liberdade-para-falar-com-ele-e-nega-acao-de-eduardo.shtml?utm_source=chatgpt.com). Acesso em: 14 set. 2025.

LEMOS, F. F.; LEITE, J. C. Teoria Geral de Sistemas: fundamentos e aplicações. São Paulo: Atlas, 2005.

O GLOBO. Flávio Bolsonaro encontra representante do governo Trump, mas nega ter discutido sanções contra Moraes. 6 mai. 2025. Disponível em: [https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2025/05/06/flavio-bolsonaro-encontra-representante-do-governo-trump-mas-nega-ter-discutido-sancoes-contra-moraes.ghtml?utm\_source=chatgpt.com](https://oglobo.globo.com/politica/noticia/2025/05/06/flavio-bolsonaro-encontra-representante-do-governo-trump-mas-nega-ter-discutido-sancoes-contra-moraes.ghtml?utm_source=chatgpt.com). Acesso em: 14 set. 2025.

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UOL NOTÍCIAS. Após sugerir que Trump trocasse tarifas por sanção, Flávio apaga post. 18 jul. 2025. Disponível em: [https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2025/07/18/flavio-bolsonaro-comenta-mandados-contra-pai.htm?utm\_source=chatgpt.com](https://noticias.uol.com.br/politica/ultimas-noticias/2025/07/18/flavio-bolsonaro-comenta-mandados-contra-pai.htm?utm_source=chatgpt.com). Acesso em: 14 set. 2025.

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SENGE, Peter M. A Quinta Disciplina: A arte e a prática da organização que aprende. Rio de Janeiro: Campus, 1998.

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Bacharel em Direito pela Faculdade de Palmas (FAPAL), Acadêmica e Estagiária de Psicologia da ULBRA Palmas.

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