Poemas que sangram: o mundo interno de Ginny

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Eu to muito velha para me sentir valente?

Eu to num temporal mas o temporal tá na minha frente

Eu só vejo raios, eu só ouço trovões e aparecem um atrás do outro, formando clarões

Eu não conseguia ver, mas agora eu vejo 

As vendas vendidas se desvendaram num lampejo

Mas, por mais que eu tente retornar para o presente

Sair da minha mente, voltar pro lugar

Voltar a não saber

A confiar

Porque agora que eu sei, eu sei o que eu devo fazer por você

E no que você me tornou

E eu daria o mundo pra não ser esse ser

Eu esfrego, esfrego sem parar aquele lugar

Mas a tatuagem não sai com água

Por que agora eu sei, essa culpa é minha mágoa

Eu ranjo, eu rosno e corroo até torrar

Minhas cordas vocais vibrando com verdades vitais e violentas

Que eu preciso falar, que você precisa ouvir

Minha língua se revolta com a revolução pesada do silêncio

Mas o som se tranca na minha garganta

Um acúmulo incômodo que eu engulo a seco

Dizem que a mãe sabe de tudo, mas e se tiverem coisas que a mãe não sabe 

Ela te trata como joia rara mas é fã da Scarlett O’hara

Você sempre diz que eu sou o seu reflexo

Mas eu não consigo me esconder atrás do seu sorriso

E pelo que eu to vendo

Nós estamos de lados opostos de um vidro espelhado

Eu e você contra o mundo?

Mas o mundo quer me destruir de formas que você nunca vai conseguir entender ou sentir

Então como você vai saber o que eu vivi?

Eu sangrei por sofrer em silêncio

Então, hoje eu quero falar, gritar e berrar até cada palavra dentro mim se dissipar

Só por saber, por perceber que eu deixei acontecer

Os meus dedos limpos, agora marcados cheios de pecados daqueles passados com palavras que eu não direi

Com dragões que eu não matei

Eu herdei o pecado e eu me tornei o monstro que me deu à luz.

Ginny (série Ginny e Geórgia, 2021)

O poema recitado por Ginny é uma condensação daquilo que ela vive de forma difusa na série: a dor de crescer em um ambiente marcado por segredos, responsabilidades invertidas e fronteiras familiares confusas. Mais do que palavras bonitas, ele revela o sofrimento de uma jovem que carrega pesos emocionais que não pertencem à sua geração. Essa experiência, tão presente em muitos contextos familiares, mostra como o não-dito, as histórias mal elaboradas e os pactos silenciosos atravessam o desenvolvimento dos filhos, produzindo marcas profundas em sua saúde mental.

Ginny se sente entre dois lugares: de um lado, a lealdade quase inevitável à mãe, que, apesar de suas falhas, é também fonte de amor e proteção; de outro, a necessidade de se diferenciar, de construir sua própria identidade e não repetir os ciclos de dor que herdou. Essa tensão permanente gera ansiedade, culpa e sensação de inadequação. Ela não sabe se rompe ou se permanece, se protege a mãe ou se protege de si mesma – e é nesse campo de contradições que sua subjetividade vai se formando.

O poema, portanto, é uma forma de romper o silêncio. Ao falar, Ginny dá visibilidade ao que costuma ficar encoberto: os efeitos do passado dos pais sobre os filhos, a carga emocional que atravessa gerações e a dificuldade de sustentar uma relação onde amor e ferida coexistem. Ao mesmo tempo, é também um ato de resistência: colocar em palavras sua dor é a tentativa de não se aprisionar totalmente nos padrões herdados.

Assim, o poema pode ser lido como um grito de alguém que não quer carregar sozinha as marcas de sua família. É um reflexo de como os conflitos e segredos familiares impactam diretamente o bem-estar psíquico dos jovens, mas também revela a potência da fala, da expressão e da coragem de nomear a dor como caminhos possíveis para a transformação.

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