
Autor: Ana Carolina Peixoto do Nascimento
Psicóloga egressa do Ceulp/Ulbra.

A ciranda do querer mais

Heranças da Ditadura
Parece dramático, mas pensar que a Ditadura acabou em 1985 é debruçar-se sobre uma ilusão. Os vestígios deixados por este golpe militar são devastadores e abrem caminho por entre as ondas de protestos que acometem o país nessa fase pré Copa do Mundo. O estopim foi o aumento das passagens do transporte público, no entanto, engana-se quem pensa que brasileiro não sabe reivindicar seus direitos. Pelo contrário, o cume das manifestações é a reivindicação por melhoria na saúde, na educação, redução de impostos e contra a corrupção. Levantamo-nos deste status quo de conformismo, estamos nos levantando, estamos protestando e estamos incomodando. Prova disso é a alienação que meios de comunicação em massa tentam a todo vapor introduzir por meio de suas notícias deturpadas e, convenientemente, a favor da reprimenda aos manifestantes, colocando-os no papel de vândalos, destruidores do patrimônio cultural e tantas outras falácias.
Ademais, não sejamos hipócritas. Há quem se contente com essa política de Pão e Circo que vigora no país. Clamam a plenos pulmões pelos seus direitos, fazem “baderna” na cidade, mas nos dias de jogos estão nos estádios fazendo volume e pagando muito mais do que vinte centavos. A eles, lamento o transtorno. O Brasil está vivendo um processo de mudança, há muito já cantado e relatado por grandes nomes na música brasileira, tais como Renato Russo em sua famosa canção Geração Coca-Cola “Somos os filhos da revolução, somos burgueses sem religião, somos o futuro da nação”.
Há, ainda, mestres tropicalistas que participaram ativamente do momento crítico da Ditadura e foram perseguidos e censurados devido ao caráter revolucionário de suas composições. O hino para os cidadãos daquela época era Para não dizer que falei das flores, ou Caminhando, de Geraldo Vandré, “Há soldados armados, Amados ou não, Quase todos perdidos, De armas na mão, Nos quartéis lhes ensinam, Uma antiga lição: De morrer pela pátria, E viver sem razão”.
Questiona-se o porquê de tais manifestações, segundo eles “são apenas vinte centavos, a massa trabalhadora a quem faz falta não está questionando”. Neste momento, dezenas de cidades por todo o país estão organizando mais protestos e dentre a grande maioria de manifestantes a classe dominante é a classe média, isso é inquestionável. E o motivo é claro, e está dentro das causas da manifestação: falta educação e instrução. A grande massa trabalhadora desconhece seus direitos, seu acesso é limitado e, portanto, deixa-os à margem da democracia.
Então, eu lhes digo esta causa também é nossa! Não irão nos calar, não irão nos deter. Finalmente foi dada a largada para essa corrida desenfreada rumo à liberdade do povo brasileiro.
Dos filhos deste solo és mãe gentil…
Ó Pátria Amada, Brasil!

A morte de todos os dias

Patch Adams e seu amor que contagia
“Quando um médico passou a ser mais do que um amigo de confiança e conhecimento, que visita e trata dos doentes?”
Patch Adams
Após se internar em uma clínica psiquiátrica por tentar suicídio, Hunter Adams descobre em si um potencial e vontade para ajudar os outros, dando-lhes atenção e ouvindo suas queixas. A partir de então, um dos amigos que faz enquanto esteve na clínica passa a chama-lo de Patch Adams, devido a sua capacidade de ajudar e curar as outras pessoas, assim como o ajudou. É neste momento, então, que decide ir para a faculdade de medicina onde se depara com a desumanização da profissão a partir dos preceitos pregados aos estudantes, através de pressupostos extremamente ortodoxos onde os alunos decoram estruturas biológicas e evita-se a dita transferência, ou seja, ligação emocional que se forma entre médico e paciente, dentre outros fatores, que leva o futuro médico a tornar-se próximo de um ser humano. Ao ingressar na faculdade de medicina, Patch visita regularmente o hospital conhecendo e fazendo amizade com as enfermeiras, e visitando os pacientes.
No presente momento no qual estamos vivendo, onde se gera uma discussão a respeito da aprovação do Senado sobre a Lei do Ato Médico, o filme nos mostra uma realidade ainda muito presente, a hierarquia entre a medicina e as demais profissões da área da saúde. Hunter Adams constrói uma imagem absolutamente diferente do estudo da medicina vigorada na época. Através do acolhimento e do afeto, Patch defende a qualidade de vida dos pacientes, buscando conhecê-los, realizando sonhos e mostrando a medicina como uma forma prazerosa de tratar das enfermidades. Uma das cenas marcantes do filme é quando em sua primeira visita ao hospital, Patch acidentalmente entra na ala pediátrica e se depara com diversas crianças deitadas. Utilizando-se de ferramentas médicas, faz um nariz de palhaço para divertir as crianças.
No momento de seu ingresso, ainda, Patch Adams apaixona-se por Carin Fischer, sua colega de faculdade e uma das poucas mulheres no curso de Medicina. No entanto, Carin não se demonstra interessada em prosseguir com o romance e, no decorrer do filme, Patch Adams conquista sua confiança e seu coração com o afeto que demonstra com as demais pessoas e a paixão pela verdadeira prática da medicina. Conhece, ainda, Truman Schiff, um simpático jovem rapaz que torna-se seu amigo de imediato, instigado a conhecer seus métodos.
Apesar de seus métodos pouco convencionais, Patch Adams é o primeiro da turma, com ótimo desempenho escolar. Todavia, suas notas não são o suficiente para convencer o reitor da universidade de medicina de seu enorme potencial como médico inovador das políticas da medicina. Enquanto Adams convive diariamente com os pacientes do hospital, tornando-os mais acessíveis, alegres e saudáveis através do elo emocional que é construído, a sociedade médica, em especial o mesmo reitor, sente-se ameaçado por esta atitude, repudiando-a e levando a juízo.
É através desse paralelo entre humanização da prática da medicina e o “endeusamento” do profissional que atua na medicina, que o filme nos mostra a importância da aproximação do profissional com o paciente, pois, desta forma, a qualidade de vida do paciente melhora exponencialmente, além da aceitação do tratamento. E é com esta paixão por exercer a profissão, esta humanização e melhoria da qualidade de vida através da atenção ao doente, que Patch Adams nos transmite a mensagem “o amor é contagioso”, pois este é o sentimento que um médico deve transmitir a seus pacientes.
No momento culminante do filme, quando Carin é assassinada por um dos pacientes que Patch ajuda, ele passa a se culpar por tê-la ensinado a medicina de ajudar a todos sem descriminação, assim como seu ideal de ser humano. Decide, então, desistir de seguir com seu sonho. Só então, quando coloca-se em reflexão, percebe a provação pela qual teve que passar para compreender o que é ser médico. Lidar com a morte como uma parte inevitável da vida e torná-la o menos dolorosa possível, não como o inimigo indestrutível. O verdadeiro inimigo da saúde é a indiferença que acarreta a falta de saúde, ou seja, a falta de qualidade de vida o que inclui dignidade, decência, condições saudáveis de existência e não simplesmente a ausência de patologias.
É com a paixão em ajudar ao outros que Patch finaliza o filme formando-se com mérito em medicina, levando consigo diversos outros médicos que apoiam seus métodos e sua causa.
Gosto de pensar neste filme como uma lição de vida, não só para futuros médicos, como também para todos os profissionais da área da saúde – e demais áreas que lidem diretamente com o ser humano -, pois, como estudante de psicologia penso no impacto que minhas palavras e atos causam no outro e a importância de transmitir afeto às pessoas que nos procuram. Além do mais, a proposta de igualar a figura do médico aos demais profissionais é crucial, pois, somente assim, é possível pensar na saúde através de uma equipe multidisciplinar.
FICHA TÉCNICA DO FILME:
PATCH ADAMS
Título original: Path Adams
Diretor: Tom Shadyac
Roteiro: Steve Oedekerk
Elenco: Robin Williams, Daniel London, Monica Potter, Philip Seymour Hoffman;
Ano: 1998
País: EUA
Gênero: Drama