Ecovilas: alternativa a estruturação Capitalista da Sociedade

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José Paulo Netto (2012) afirma que duas inferências são inquestionáveis em relação as mudanças proporcionadas pelo Capitalismo nos últimos anos, que nenhuma das transformações modificou a exploração e dominação inerente a forma atual de estruturação da sociedade e que o capital esgotou a sua capacidade civilizatória.

Segundo o filósofo Herbert Marcuse, membro da primeira geração do Instituto de Pesquisa Social de Frankfurt, a sociedade atual é caracterizada pelo pensamento unidimensional, implementação de uma única forma de pensamento que leva o homem a perceber apenas um horizonte possível de existência, dando-lhes uma aparente liberdade de escolha e um ilusório estado de bem-estar, exigindo em troca submissão a lógica capitalista. Segundo ele a Sociedade Unidimensional oscila entre duas possibilidades históricas, a saber: “1) a de que a sociedade industrial desenvolvida seja capaz de sustar a transformação qualitativa durante o futuro previsível; 2) a de que existem forças e tendências que podem romper essa contenção e fazer explodir a sociedade” (MARCUSE, 1978, p. 14).

A necessidade de uma transformação qualitativa da sociedade visando o estabelecimento de uma ordem fundada na possibilidade de suavizar a vida de todos os seus membros é necessária porque quando o arranjo social estabelecido é comparado com outras maneiras possíveis de ordenamento fica escancarada a sua irracionalidade.

Não existe organização social que não apresente possibilidade de felicidade. A felicidade e a liberdade oferecida pela sociedade capitalista visam à manutenção da ordem social para o progresso e elevação do capital.

Fonte: https://goo.gl/GZhVZ8

Segundo Aldous Huxley, no prefácio ao livro “Admirável mundo novo”, publicado em 1934, a dominação só pôde ser estabelecida mediante uma grande transformação na mentalidade e nos corpos dos indivíduos. Parece que foi exatamente esta transformação que o capitalismo possibilitou. Os homens abdicaram de uma liberdade de construção da própria vida por uma ilusória promessa de bem-estar permanente. A racionalidade da sociedade capitalista é irracional porque ao mesmo tempo em que cria abundância produz escassez, miséria e destruição da natureza.

Como apontou Herbert Marcuse existem na sociedade projetos alternativos que nos levam a perceber um outro modo de organizar a vida individual e coletiva, dentre essas tendências os modelos sustentáveis de vida, conhecidos como ECOVILAS, são excelentes exemplos que estão se consolidando como opções concretas.

As ECOVILAS, são assentamentos humanos sustentáveis, que estruturam um novo modo de vida fundamentado na preservação das riquezas naturais e na economia solidária.

Segundo Marcio Bontempo (2011) “Ecovilas são comunidades organizadas, preferencialmente rurais, compostas por pessoas que se identificam em ideais ou princípios, que procuram viverem em harmonia com as leis naturais, através de um estilo de vida ambiental, econômica e socialmente sustentável. No escopo das ecovilas estão itens como a produção orgânica dos alimentos, a geração de energia limpa, o destino adequado dos resíduos sólidos e líquidos, a reciclagem e o reuso, a economia solidária e de troca, a recuperação de áreas degradadas e a conservação das florestas e mananciais de água”.

A proposta de organização social sustentável já está presente em todos os continentes como forma de vida alternativa que vem se firmando como uma maior capacidade civilizatória. O documentário intitulado ECOVILAS BRASIL – Caminhando para a Sustentabilidade do Ser, “ visitou 10 lugares para entender quais aspectos e valores as Ecovilas estão trazendo para a humanidade e como estes podem colaborar para uma mudança de paradigma do nosso modelo civilizatório”. Vale a pena assistir o documentário, as Ecovilas são formas de percebermos que sempre existiram formas distintas de organizar a vida, elas nos fazem lembrar que inúmeras possibilidades estão abertas. Na sociedade coexistem forças opostas, o capitalismo que busca harmonia e coesão social e, ao mesmo tempo, existe uma força capaz de romper essa ideologia de coesão.

No site do Movimento Brasileiro de Ecovilas é possível encontrar uma lista com informações sobre Ecovilas instaladas no Brasil.

Fonte: https://goo.gl/a3Vqhp

REFERÊNCIAS:

BOMTEMPO, Marcio. Ecovilas, Sustentabilidade e Consciência Planetária. 2011. Disponível em: https://mbecovilas.wordpress.com/2011/11/30/ecovilas-sustentabilidade-e-consciencia-planetaria/.

HUXLEY, Aldous. Admirável mundo novo. Tradução de Lino Vallandro e Vidal Serrano. São Paulo: Globo, 2009.

NETTO, José Paulo. Crise do capital e consequências societárias. Serv. Soc. Soc., São Paulo, n. 111, p. 413-429, jul./set. 2012.

MARCUSE, Herbert. A ideologia da sociedade industrial. Trad. Giasone Rebuá. 6° Ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1978

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Herbert Marcuse e a Teoria Crítica da Técnica

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Fonte: http://zip.net/bgtGct
Fonte: http://zip.net/bgtGct

O filósofo alemão Herbert Marcuse foi um dos primeiros pesquisadores a estudar os mecanismos de dominação tecnológica e política que surgiram com o desenvolvimento da sociedade moderna. Ele realizou estudos que foram fundamentais para compreensão do avanço da ciência e das tecnologias que transformaram a vida humana. As suas interpretações sobre o funcionamento das sociedades industriais avançadas, do desenvolvimento da técnica e da tecnologia, das implicações sociais do desenvolvimento da tecnologia na sociedade moderna, continuam importantes para a compreensão da sociedade contemporânea, sobretudo no que tange às contradições sociais.

Marcuse tornou-se membro do Instituto de Pesquisa Social, conhecido como “Escola de Frankfurt”, em 1933. O Instituto, a partir da década de 1930, começou a utilizar um conceito de Teoria Social crítica opondo-se a teoria tradicional de cunho positivista. Marcuse entende que um dos objetivos da Teoria Crítica é analisar o desenvolvimento da sociedade e examinar as alternativas históricas para melhoria da qualidade de vida, no sentido de minimizar a luta pela existência e aperfeiçoar os recursos materiais e intelectuais disponíveis.

Marcuse na Universidade Livre de Berlim, 1967. Fonte: http://zip.net/bgtGct
Marcuse na Universidade Livre de Berlim, 1967. Fonte: http://zip.net/bgtGct

A Teoria Crítica deve analisar as origens dos problemas e examinar a maneira como a sociedade está organizada comparando com outras formas possíveis buscando demonstrar as possibilidades reais de desenvolvimento e satisfação das necessidades humanas. Para tanto, ela parte de bases empíricas, isto é, da análise das condições objetivas de organização social, priorizando a forma como está estruturado o sistema de produção e consumo para verificar as possibilidades de produzir emancipação.

Notadamente, Marcuse observa que no capitalismo o sistema de produção e consumo precondicionam os indivíduos e os condenam à unidimensionalidade das condições de existência, tanto subjetiva quanto objetiva, inviabilizando a crítica e impedindo o afloramento de outras possibilidades históricas. Portanto, não produz emancipação, apenas aumenta a labuta pela existência, reproduzindo um estilo de vida pautada na troca da liberdade pelo conforto.

A Teoria Crítica visa analisar a opção histórica de organização social estabelecida e mostrar, mediante os critérios estabelecidos, as opções viáveis para organização da vida humana. Organização essa que privilegie todos os homens de forma igual. Que leve a satisfação das necessidades humanas de forma consciente e com a menor degradação possível

Em 1941, Marcuse publicou o seu primeiro livro, intitulado Razão e Revolução, onde “[…] introduziria Hegel, Marx e a teoria social ao público de língua inglesa e que iria delinear as origens e perspectivas do tipo de teoria social crítica que estavam sendo desenvolvidas pelo Instituto […]” (KELLNER, 1999, p. 24). Nesse mesmo ano ele também publicou o ensaio Algumas implicações sociais da tecnologia moderna, que trata sobre o processo de dominação tecnológica, a produção da escassez, o conformismo, surgidos a partir de mudanças ocasionadas na esfera da produção.

Fonte: http://zip.net/bmtF52
Fonte: http://zip.net/bmtF52

A Teoria Crítica da técnica e tecnologia de Herbert Marcuse começou a ser delineada na década de 1940 visando mostrar as implicações sociais do desenvolvimento de um projeto histórico de sociedade, o projeto capitalista. Em um primeiro momento Marcuse defendeu que a técnica em si mesma é neutra, podendo servir para várias finalidades, e somente inserida em um modo de produção capitalista que é utilizada pela tecnologia como instrumento de dominação. A técnica, vista desse modo, pode servir tanto para a manutenção do status quo da sociedade industrial avançada quanto para suavizar a luta humana pela existência. Definindo a tecnologia como um mecanismo de dominação ideológica.

Logo após os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, Marcuse viu a necessidade de repensar o papel da técnica e da tecnologia enquanto inseridas em uma determinada ordem social que utiliza as suas bases materiais como instrumentos de dominação. Dessa forma, a técnica, a ciência e a tecnologia passam a ser percebidas como meios de dominação nos seus processos de elaboração. Portanto, já estariam precondicionadas a uma determinada finalidade. Finalidade essa que é criar ferramentas para o desenvolvimento da produção capitalista e, concomitantemente, meios de coordenação da vida. A aparente neutralidade da técnica só serviria para consumar a sua força conservadora, alegando que ela não estaria ligada a fins políticos ou econômicos.

A moderna sociedade industrial capitalista é um projeto social que foi estabelecido em detrimento de outros. A sociedade industrial avançada é racional e eficiente no seu modo de produção. Produção tanto de bens materiais quanto de harmonia e coesão social. Entretanto, a produção capitalista não é disponível para satisfação das necessidades de todos os indivíduos. Ela é mantida em prol da geração e acumulação de capital nas mãos de poucos indivíduos. Sendo assim, ao mesmo tempo em que há abundância de bens disponíveis em determinados setores coexistem zonas de escassez.

Herbert Marcuse e Angela Davis , 1968. Fonte: http://zip.net/bgtGct
Herbert Marcuse e Angela Davis, 1968. Fonte: http://zip.net/bgtGct

Após constatar que a sociedade industrial capitalista não é a melhor forma possível de organização social, Marcuse afirma que é necessária uma mudança na estrutura da sociedade para buscar melhorias sociais para todas as pessoas, visto que o capitalismo, apesar de ter aumentado a qualidade de vida, realizou melhorias de modo quantitativo, com o aumento da produção de bens de consumo, mas não modificou de forma qualitativa a vida dos indivíduos. A pouca melhoria da qualidade de vida foi à custa da ampliação do trabalho, da produção de riqueza para poucos em detrimento da labuta de muitos. Sendo que para manutenção de uma ordem repressora das potencialidades humanas foi instituído um governo de dominação e coordenação.

Com as mudanças qualitativas “a própria estrutura da existência humana seria alterada; o indivíduo seria libertado da imposição, pelo mundo do trabalho, de necessidades e possibilidades alheias a ele […]”, e ainda “[…] ficaria livre para exercer autonomia sobre uma vida que seria sua” (MARCUSE, 1978, p. 24).

Herbert Marcuse, a partir da Teoria Crítica, defende que somente mediante uma transformação da base material da sociedade capitalista poderemos passar de uma realidade de repressão e dominação para uma de emancipação de todas as aptidões humanas, instaurando uma sociedade fundamentada nos princípios de pacificação, preservação e melhoria da vida de todos os indivíduos.

REFERÊNCIAS:

FREITAG, Barbara. A Teoria crítica: ontem e hoje. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988.

KELLNER, Douglas. Tecnologia, Guerra e fascismo. Marcuse nos anos 40. In: MARCUSE, Herbert; Tecnologia, Guerra e Fascismo. Douglas Kellner (ed.), Tradução de Maria Cristina Vidal Borba e Isabel Maria Loureiro. São Paulo:  Editora da UNESP, 1999.

MARCUSE, Herbert. Tecnologia, guerra e fascismo. Douglas Kellner (ed.).Tradução de Maria Cristina Vidal Borba e Isabel Maria Loureiro. São Paulo :  Editora da UNESP, 1999.

__________. Algumas Implicações sociais da tecnologia moderna. In: MARCUSE, Herbert; Tecnologia, guerra e fascismo. Douglas Kellner (ed.), Tradução de Maria Cristina Vidal Borba e Isabel Maria Loureiro. São Paulo: Editora da UNESP, 1999.

__________. A ideologia da sociedade industrial. Tradução de GiasoneRebuá. 6° ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

PISANI, Maria M. A “máquina” como instrumento de controle na sociedade tecnológica: Herbert Marcuse crítico da tecnologia. In: Anais do Congresso Internacional A Indústria Cultural Hoje. Piracicaba: Unimep, 2006.

__________. Técnica, Ciência e Neutralidade no pensamento de Herbert Marcuse. Tese (Doutorado).  São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2008, 235f.

SOARES, Paulo Sérgio Gomes. Uma análise da técnica na concepção de Herbert Marcuse. In Revista Olhar. São Carlos. Ano 6°, vol. 10-11, 2004. p. 77-86.

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Nietzsche e a formação da consciência

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No primeiro aforisma da Segunda Dissertação da Genealogia da Moral, Nietzsche descreve a relação entre a capacidade de fazer promessas e o esquecimento. O esquecimento é uma capacidade inibidora ativa inerente a natureza humana. A função do esquecimento é impedir que a consciência fique carregada de experiências já vivenciadas (BRANDÃO, 2011). Para o filósofo alemão, o homem é um animal que precisa esquecer para poder experimentar coisas novas e utilizar a habilidade de criação. O esquecimento é essencial para a vida. A medida que o indivíduo consegue esquecer a existência torna-se suportável, a capacidade de esquecimento proporciona “[…] felicidade, jovialidade, esperança, orgulho […]” (NIETZSCHE, 2008, p. 47-48).

 

 

Prometer está relacionado com a constituição da memória. A memória é uma força oposta ao esquecimento, ou seja, possibilita a habilidade de não esquecer as experiências vivenciadas. Para ser capaz de prometer o homem teve que desenvolver uma memória. A promessa proporcionou o surgimento de uma memória da vontade, desta forma, passou-se a continuar querendo o já vivenciado. A memória causa interrupção na capacidade de esquecimento, isto impossibilita o homem de experimentar o novo e suprime a habilidade de criação. Com a memória e a promessa o homem tornou-se confiável, pois é impossível confiar em uma pessoa que esquece e não consegue lembrar do prometido.

A capacidade de fazer promessas legou ao indivíduo não apenas a supressão do esquecimento e o aparecimento da memória, mas também se constituiu como base para o aparecimento da ideia de responsabilidade. Para o autor da genealogia, o surgimento da responsabilidade também é devido a moralidade do costume, que tem como tarefa reprimir os instintos e impor leis aos homens. Para transformar o homem em um animal confiável foi preciso subordina-lo a um conjunto de leis, implantando, desta forma, a capacidade de obedecer, recordar e cumprir normas de uma determinada comunidade ou sociedade. Como resultado do aparecimento destas novas capacidades o autor demonstra o aparecimento de um novo sujeito, o indivíduo soberano.

O ser humano, tendo conhecimento e orgulho da capacidade de fazer promessas e da ideia de responsabilidade, surge como um indivíduo confiável, uniforme e com ideia de coletividade. Porém, a sua capacidade de esquecimento foi danificada, ele não consegue ter uma boa assimilação das informações absorvidas pela consciência e a sua saúde psíquica sofre constantes lesões.

 

 

Graças a habilidade de prever o futuro, este indivíduo conseguiu controle sobre si mesmo e o destino. A capacidade de responder por uma promessa foi interiorizada pelo indivíduo soberano e transformou-se em instinto.  Segundo o autor, o homem soberano nomeou este instinto de Consciência (ALVES, 2010).

Este longo processo de formação da consciência teve em sua base a violência e a crueldade. A instauração da memória foi grafada a fogo no homem. “[…] jamais deixou de haver sangue, martírio e sacrifício, quando o homem sentiu a necessidade de criar em si uma memória. […]” (NIETZSCHE, 2008, p.51). Várias técnicas cruéis e inescrupulosas foram utilizadas para auxiliar no processo de memorização. Pela violência o indivíduo passou a obedecer leis que eram contra os seus instintos. Cabe notar que, para o autor, os instintos fundamentam a espontaneidade da vida. O homem visava, ao reprimir o esquecimento e os instintos, os benefícios do convívio social e a suposta proteção de conviver em grupo.

A tese de Nietzsche é de que esses sistemas de sacrifícios, que utilizavam objetos exteriores, foram-se interiorizando no homem. Essa profunda violência para conosco é uma forma de pagar a dívida que temos com a nova estrutura de vivência. O resultado disso é que o homem tornou-se “sério” e desenvolveu a faculdade da razão. Para Nietzsche, este sacrifício que criou a razão é uma severa violência contra o ser humano.

 

REFERÊNCIAS

ALVES, V. F. C. Promessa e Esquecimento- a Formação da Memória no Pensamento de Nietzsche. Argumentos, Goiás, Ano 2, N° 3-2010.

BRANDÃO, Caius. As relações entre o esquecimento, a memória e a capacidade de fazer promessas. 2011. Disponível em: http://www.academia.edu/1085661/Genealogia_da_Moral. Acesso em: 22 de Março de 2015.

GIACOIA, Oswaldo. Nietzsche: o humano como memória e como promessa. Rio de Janeiro: Vozes, 2013.

NIETZSCHE, Friedrich Wilhelm. Genealogia da moral – uma polêmica. São Paulo:Companhia das Letras, 2008.

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