Herbert Marcuse e a Teoria Crítica da Técnica

Fonte: http://zip.net/bgtGct
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O filósofo alemão Herbert Marcuse foi um dos primeiros pesquisadores a estudar os mecanismos de dominação tecnológica e política que surgiram com o desenvolvimento da sociedade moderna. Ele realizou estudos que foram fundamentais para compreensão do avanço da ciência e das tecnologias que transformaram a vida humana. As suas interpretações sobre o funcionamento das sociedades industriais avançadas, do desenvolvimento da técnica e da tecnologia, das implicações sociais do desenvolvimento da tecnologia na sociedade moderna, continuam importantes para a compreensão da sociedade contemporânea, sobretudo no que tange às contradições sociais.

Marcuse tornou-se membro do Instituto de Pesquisa Social, conhecido como “Escola de Frankfurt”, em 1933. O Instituto, a partir da década de 1930, começou a utilizar um conceito de Teoria Social crítica opondo-se a teoria tradicional de cunho positivista. Marcuse entende que um dos objetivos da Teoria Crítica é analisar o desenvolvimento da sociedade e examinar as alternativas históricas para melhoria da qualidade de vida, no sentido de minimizar a luta pela existência e aperfeiçoar os recursos materiais e intelectuais disponíveis.

Marcuse na Universidade Livre de Berlim, 1967. Fonte: http://zip.net/bgtGct
Marcuse na Universidade Livre de Berlim, 1967. Fonte: http://zip.net/bgtGct

A Teoria Crítica deve analisar as origens dos problemas e examinar a maneira como a sociedade está organizada comparando com outras formas possíveis buscando demonstrar as possibilidades reais de desenvolvimento e satisfação das necessidades humanas. Para tanto, ela parte de bases empíricas, isto é, da análise das condições objetivas de organização social, priorizando a forma como está estruturado o sistema de produção e consumo para verificar as possibilidades de produzir emancipação.

Notadamente, Marcuse observa que no capitalismo o sistema de produção e consumo precondicionam os indivíduos e os condenam à unidimensionalidade das condições de existência, tanto subjetiva quanto objetiva, inviabilizando a crítica e impedindo o afloramento de outras possibilidades históricas. Portanto, não produz emancipação, apenas aumenta a labuta pela existência, reproduzindo um estilo de vida pautada na troca da liberdade pelo conforto.

A Teoria Crítica visa analisar a opção histórica de organização social estabelecida e mostrar, mediante os critérios estabelecidos, as opções viáveis para organização da vida humana. Organização essa que privilegie todos os homens de forma igual. Que leve a satisfação das necessidades humanas de forma consciente e com a menor degradação possível

Em 1941, Marcuse publicou o seu primeiro livro, intitulado Razão e Revolução, onde “[…] introduziria Hegel, Marx e a teoria social ao público de língua inglesa e que iria delinear as origens e perspectivas do tipo de teoria social crítica que estavam sendo desenvolvidas pelo Instituto […]” (KELLNER, 1999, p. 24). Nesse mesmo ano ele também publicou o ensaio Algumas implicações sociais da tecnologia moderna, que trata sobre o processo de dominação tecnológica, a produção da escassez, o conformismo, surgidos a partir de mudanças ocasionadas na esfera da produção.

Fonte: http://zip.net/bmtF52
Fonte: http://zip.net/bmtF52

A Teoria Crítica da técnica e tecnologia de Herbert Marcuse começou a ser delineada na década de 1940 visando mostrar as implicações sociais do desenvolvimento de um projeto histórico de sociedade, o projeto capitalista. Em um primeiro momento Marcuse defendeu que a técnica em si mesma é neutra, podendo servir para várias finalidades, e somente inserida em um modo de produção capitalista que é utilizada pela tecnologia como instrumento de dominação. A técnica, vista desse modo, pode servir tanto para a manutenção do status quo da sociedade industrial avançada quanto para suavizar a luta humana pela existência. Definindo a tecnologia como um mecanismo de dominação ideológica.

Logo após os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial, Marcuse viu a necessidade de repensar o papel da técnica e da tecnologia enquanto inseridas em uma determinada ordem social que utiliza as suas bases materiais como instrumentos de dominação. Dessa forma, a técnica, a ciência e a tecnologia passam a ser percebidas como meios de dominação nos seus processos de elaboração. Portanto, já estariam precondicionadas a uma determinada finalidade. Finalidade essa que é criar ferramentas para o desenvolvimento da produção capitalista e, concomitantemente, meios de coordenação da vida. A aparente neutralidade da técnica só serviria para consumar a sua força conservadora, alegando que ela não estaria ligada a fins políticos ou econômicos.

A moderna sociedade industrial capitalista é um projeto social que foi estabelecido em detrimento de outros. A sociedade industrial avançada é racional e eficiente no seu modo de produção. Produção tanto de bens materiais quanto de harmonia e coesão social. Entretanto, a produção capitalista não é disponível para satisfação das necessidades de todos os indivíduos. Ela é mantida em prol da geração e acumulação de capital nas mãos de poucos indivíduos. Sendo assim, ao mesmo tempo em que há abundância de bens disponíveis em determinados setores coexistem zonas de escassez.

Herbert Marcuse e Angela Davis , 1968. Fonte: http://zip.net/bgtGct
Herbert Marcuse e Angela Davis, 1968. Fonte: http://zip.net/bgtGct

Após constatar que a sociedade industrial capitalista não é a melhor forma possível de organização social, Marcuse afirma que é necessária uma mudança na estrutura da sociedade para buscar melhorias sociais para todas as pessoas, visto que o capitalismo, apesar de ter aumentado a qualidade de vida, realizou melhorias de modo quantitativo, com o aumento da produção de bens de consumo, mas não modificou de forma qualitativa a vida dos indivíduos. A pouca melhoria da qualidade de vida foi à custa da ampliação do trabalho, da produção de riqueza para poucos em detrimento da labuta de muitos. Sendo que para manutenção de uma ordem repressora das potencialidades humanas foi instituído um governo de dominação e coordenação.

Com as mudanças qualitativas “a própria estrutura da existência humana seria alterada; o indivíduo seria libertado da imposição, pelo mundo do trabalho, de necessidades e possibilidades alheias a ele […]”, e ainda “[…] ficaria livre para exercer autonomia sobre uma vida que seria sua” (MARCUSE, 1978, p. 24).

Herbert Marcuse, a partir da Teoria Crítica, defende que somente mediante uma transformação da base material da sociedade capitalista poderemos passar de uma realidade de repressão e dominação para uma de emancipação de todas as aptidões humanas, instaurando uma sociedade fundamentada nos princípios de pacificação, preservação e melhoria da vida de todos os indivíduos.

REFERÊNCIAS:

FREITAG, Barbara. A Teoria crítica: ontem e hoje. 2. ed. São Paulo: Brasiliense, 1988.

KELLNER, Douglas. Tecnologia, Guerra e fascismo. Marcuse nos anos 40. In: MARCUSE, Herbert; Tecnologia, Guerra e Fascismo. Douglas Kellner (ed.), Tradução de Maria Cristina Vidal Borba e Isabel Maria Loureiro. São Paulo:  Editora da UNESP, 1999.

MARCUSE, Herbert. Tecnologia, guerra e fascismo. Douglas Kellner (ed.).Tradução de Maria Cristina Vidal Borba e Isabel Maria Loureiro. São Paulo :  Editora da UNESP, 1999.

__________. Algumas Implicações sociais da tecnologia moderna. In: MARCUSE, Herbert; Tecnologia, guerra e fascismo. Douglas Kellner (ed.), Tradução de Maria Cristina Vidal Borba e Isabel Maria Loureiro. São Paulo: Editora da UNESP, 1999.

__________. A ideologia da sociedade industrial. Tradução de GiasoneRebuá. 6° ed. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.

PISANI, Maria M. A “máquina” como instrumento de controle na sociedade tecnológica: Herbert Marcuse crítico da tecnologia. In: Anais do Congresso Internacional A Indústria Cultural Hoje. Piracicaba: Unimep, 2006.

__________. Técnica, Ciência e Neutralidade no pensamento de Herbert Marcuse. Tese (Doutorado).  São Carlos: Universidade Federal de São Carlos, 2008, 235f.

SOARES, Paulo Sérgio Gomes. Uma análise da técnica na concepção de Herbert Marcuse. In Revista Olhar. São Carlos. Ano 6°, vol. 10-11, 2004. p. 77-86.