A relação entre obesidade, alimentação e transtornos neurodegenerativos

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Desde meados do século XX, passamos a conviver com o comprometimento da saúde cada vez mais cedo e a acompanhar o crescimento acentuado de transtornos neurodegenerativos

Se você perguntasse aos seus avós qual a causa da morte de familiares, amigos, vizinhos, certamente ouviria que morreram de “velhice”. Dificilmente havia conhecimento de mortes causadas por complicações do diabetes, câncer, demência e doenças cardíacas. É evidente que devemos considerar que havia limitações nos diagnósticos clínicos, inclusive no diagnóstico precoce, que viabilizassem o tratamento e prevenção.

A velhice pode ser entendida como uma deterioração provocada pelo tempo, em que o envelhecimento gradualmente se instala como uma ferrugem em um carro antigo, que vai oxidando e corroendo uma célula aqui, outra ali, declinando as funções corporais, esgotando vitaminas, minerais e organelas naturais de defesa.

Aos companheiros dos nossos antepassados, atribuímos a morte ao corpo velho, que vai ficando mais vulnerável a uma doença degenerativa ou um vírus oportunista comprometendo gravemente a saúde.

Hoje nossa realidade é outra, desde meados do século XX, passamos a conviver com o comprometimento da saúde cada vez mais cedo, não de forma única com o envelhecimento, mas acometidos por síndromes e complicações que vão se acumulando com o tempo de forma crônica e degenerativa.

                                                                                                                             Fonte: Pixabay.com

Crescem as complicações com doenças como o diabetes, câncer, doenças cardíacas e o foco do nosso texto os transtornos mentais, ou desordens cerebrais, em especial o Alzheimer.

Nesse sentido, como mencionado acima, crescem as complicações com doenças como o diabetes, câncer, doenças cardíacas e o foco do nosso texto os transtornos mentais, ou desordens cerebrais, em especial o Alzheimer. Muito temido por todos e foco de estudos na medicina, cerca de 1,2 milhões de pessoas vivem com alguma forma de demência no Brasil e 100 mil novos casos são diagnosticados por ano.  No mundo, o número chega a 50 milhões de pessoas.

De acordo com o ministério da saúde (MS), o Alzheimer é um transtorno neurodegenerativo progressivo e fatal que se manifesta pela deterioração cognitiva e da memória, comprometimento progressivo das atividades de vida diária e uma variedade de sintomas neuropsiquiátricos e de alterações comportamentais.  Ainda segundo o MS, o mal de Alzheimer tem causa desconhecida, de origem genética, inevitável e atribuída a idade, sendo responsável por mais da metade dos casos de demência na população idosa.

Mas será que a origem é genética e imutável?

Voltando novamente no tempo, aos nossos bisavós dessa vez, imagine-se sentado na frente da casa deles contando como a nossa vida cotidiana conta com a tecnologia, é provável que essa conversa seja regada a um morno chá, cujas ervas foram cultivadas logo ali atrás da casa. Contextualizando a eles a evolução das máquinas e da internet incluiremos nesse panorama da vida moderna os meios de transportes, forno de micro-ondas, comida congelada, os controles remotos, smartphones e junto deles as facilidades a um clique. Nesses cliques devemos incluir a entrega a domicílio de comida, sanduíches, pizzas, doces, sorvetes, batatas fritas e demais produtos alimentícios. Entenda por produto alimentício alimentos que passam por processamento e inclusão de aditivos químicos, glúten, realçadores de sabor, corante, conservantes, diferente de alimento, que não passa por processos de modificação. Ao final da nossa explanação certamente estariam boquiabertos, incrédulos e o chá esfriando na caneca.

                                                                                                                                          Fonte: Pixabay.com

As mudanças socioculturais vêm trazendo mudanças nos hábitos alimentares e impactando a forma como estamos envelhecendo.

As mudanças na nossa vida cotidiana, a participação maior das mulheres no mercado de trabalho, a sobrecarga que vivemos de responsabilidades e estresse vem trazendo mudanças nos hábitos alimentares e esses têm impactado diretamente na forma como estamos envelhecendo.

No ano de 2005, pesquisas descreveram o Alzheimer como sendo um terceiro tipo de diabetes. Recentemente novas pesquisas têm se voltado mais para a alimentação como esperança de prevenir e até mesmo tratar o Alzheimer.

Parece muito absurdo para você relacionar uma doença cerebral degenerativa com a alimentação? E mais ainda, mudanças no estilo de vida e na alimentação ser preditivo para evitar que males como Alzheimer, depressão e TDAH acometam o seu cérebro? A explicação para essa relação pode ser bem simples: a inflamação e a metabolização da glicose.

Hipócrates, o pai da medicina disse que todas as doenças começam no intestino. Nesse sentido, alto consumo de alimentos ricos em carboidratos tem um papel fundamental no gatilho de cascatas inflamatórias no nosso organismo, entenda por carboidrato uma fonte de açúcar rápida, que pode ser um pão ou um sorvete cheio de açúcar refinado. No contexto do pão um fator ainda agrava nossa saúde intestinal e mental, que é uma proteína denominada glúten. O glúten está presente em grãos como trigo, centeio, cevada, aveia e malte, e apresenta -se maléfico ao intestino e ao cérebro.

O médico e pesquisador Alessio Fasano é especialista em doença celíaca e distúrbios relacionados ao glúten, professor na Harvard Medical School autor de diversas pesquisas diz que os sintomas relacionados ao consumo de glúten e a hiperpermeabilidade intestinal, as reações cruzadas e mimetismo molecular precisam ser reconhecidos para serem manejados corretamente. Fasano afirma em seus estudos que ainda se pensa que o trigo faz mal apenas aos celíacos, mas a sensibilidade ao glúten não celíaca, o espectro de sintomas e doenças autoimunes relacionadas é uma realidade forte no impacto da saúde intestinal e distúrbios cerebrais como TDAH, autismo e Alzheimer.

Fasano descobriu em suas pesquisas que uma proteína chamada zonulina, liberada na presença do glúten, como um mecanismo de defesa, altera nossa permeabilidade intestinal. Nosso intestino que é como uma peneira bem fininha, passa a ficar esburacada, ou seja, hirperpermeável. Assim o indivíduo torna-se altamente suscetível a sensibilidades alimentares, favorecendo o surgimento de processos inflamatórios e o desenvolvimento de doenças autoimunes.

                                                                                                                                    Fonte: Pixabay.com

Já há trabalhos científicos que relacionam a sensibilidade ao glúten a sintomas como depressão, ansiedade, câncer, autismo, confusão mental, distúrbios digestivos, doenças cardíacas entre outros.

Como dissemos, os processos inflamatórios são base para muitos problemas cerebrais, com a liberação de citocinas inflamatórias e podem atacar o cérebro. Tal relação já é bem descrita em trabalhos que relacionam a sensibilidade ao glúten a sintomas como depressão, ansiedade, câncer, autismo, confusão mental, distúrbios digestivos, doenças cardíacas entre outros.

Com relação ao açúcar, vamos entender como nosso corpo metaboliza a glicose e o papel da insulina nesse metabolismo. Quando nos alimentamos, nosso corpo digere, transforma e absorve os nutrientes do que comemos, vamos chamá-los aqui de macronutrientes, os estruturais: Carboidrato, Proteína e Gordura. Cada um deles é recebido e metabolizado por nosso organismo de maneira particular, mediados por enzimas e substâncias próprias de cada reação bioquímica necessária a sua transformação e absorção.

Nosso corpo usa como principal fonte de energia a glicose, necessária ao funcionamento do cérebro, músculos, fígado e coração, por exemplo. A glicose é obtida da metabolização dos carboidratos da alimentação, porém as células dependem de um hormônio para esse aproveitamento, a insulina, que é produzida no pâncreas.

Assim, na presença de glicose na corrente sanguínea, o pâncreas libera insulina, que viabiliza o uso adequado das células pelo combustível, e nossas células quando bem “treinadas” apresentam sensibilidade a insulina, de maneira que na presença dela, prontamente a reconhecem e encaminham tudo para a metabolização da glicose. Esse é o modelo das células dos nossos bisavós, aqueles do chá citado anteriormente. Eles tinham na sua alimentação um equilíbrio na oferta de alimentos, obtendo dela os macronutrientes, além disso as suas atividades laborais, eram de modo geral com mais esforço físico e a oferta de alimentos fonte de carboidratos eram mais escassas.

Não precisamos abordar apenas gerações passadas como exemplo de equilíbrio alimentar e hábitos de vida saudáveis, mas a realidade é que estamos frente a uma epidemia de obesidade e doenças crônicas não transmissíveis (diabetes, hipertensão arterial, dislipidemia, sobrepeso e obesidade). Segundo a Associação Brasileira para o Estudo de Obesidade e Síndrome Metabólica (ABESO), a estimativa é que em 2025 cerca de 2,3 bilhões de pessoas estejam acima do peso e 700 milhões com obesidade (IMC>30). No Brasil, a obesidade aumentou 72% nos últimos 13 anos.                                                                            

                                                                                                                                           Fonte: Pixabay.com

O sangue açucarado torna-se pesado, tóxico para muitos órgãos, e pode provocar inúmeras doenças, dentre elas o Alzheimer.

Em comparação com o sistema metabólico dos nossos antepassados, podemos esperar de um organismo hoje, uma maior oferta de glicose na alimentação (pães, massas, salgados, doces, sorvetes, frituras, etc) e hábitos de vida sedentários, mediados por estresse, insônia e aumento de doenças crônicas não transmissíveis.

As células desse indivíduo hoje passam por diversos processos de oxidação e inflamação e o excesso de glicose gera uma resistência à insulina, ou seja, em comparação às células treinadas dos nossos bisavós, nossas células perdem parte dos receptores de insulina, fazendo com que nosso pâncreas trabalhe em dobro até que estas reconheçam a presença da insulina, e a permitam participar do metabolismo da glicose. Temos aí o pré diabetes e caminhamos para o diabetes tipo 2. O sangue açucarado torna-se pesado, tóxico para muitos órgãos, e pode provocar inúmeras doenças como cegueira, danos aos nervos, danos vasculares que levam à hipertensão arterial, doenças cardíacas e danos ao cérebro como o Alzheimer.

De acordo com a Federação Internacional de Diabetes (IDF) a projeção é que até 2030 o número de diabéticos no Brasil esteja em 21,5 milhões. O surgimento do termo diabetes tipo 3, atribui-se a perda da capacidade dos neurônios do cérebro a reagirem à insulina, reação essencial para tarefas básicas como memorização e aprendizado. Acredita-se também que a resistência à insulina contribui para a formação das famosas placas nos cérebros em diagnóstico, e é fato que os diabéticos têm chances dobradas de desenvolver Alzheimer.

                                                                                                                                        Fonte: Pixabay.com

  1. Zheng e colaboradores em um estudo em 2018, demonstraram que quanto maior a glicemia, maior o declínio cognitivo.

Não se pode afirmar que o diabetes seja diretamente a única causa do Alzheimer, mas o diabetes e o Alzheimer começam nas mesmas origens, como demonstraram E. Zheng e colaboradores em um estudo em 2018, onde pessoas com glicemia mais alta mostraram nível de declínio cognitivo mais elevado que pessoas com glicemia normal. O estudo acompanhou mais de 5 mil pessoas durante 10 anos e quanto maior a glicemia, maior o declínio cognitivo, sendo diabéticos ou não.

Nosso cérebro é sensível àquilo que comemos, e nesse contexto explicamos com mais detalhes a sensibilidade ao glúten, a metabolização do açúcar e a elevação da glicemia no sangue, no entanto nossa alimentação está cada vez mais inundada de gorduras ruins, proteína e carboidratos em excesso, o que também contribui para a inflamação.

O caminho então seria melhorar a sensibilidade à insulina, adotar uma dieta mais equilibrada em carboidratos e evitar o consumo de glúten e ultraprocessados. É fato que a oferta de produtos ricos em açúcar e a facilidade com que acessamos esses alimentos favorece o comportamento alimentar visto hoje, mas a reflexão pode ir além de uma vida estressante ou da falta de tempo para cozinhar.

                                                                                                                                                  Fonte: Pixabay.com

As recomendações de uma vida saudável incluem também propiciar uma alimentação adequada a saúde mental.

O caminho de volta desses resultados pode parecer difícil, mas nos leva ao encontro dos nossos avós e bisavós: Praticar uma alimentação pobre em açúcar, pobre em carboidratos refinados (massas, pães, batatas, doces, guloseimas, arroz); Descascar mais e desembalar menos: usar alimentos naturais, minimamente processados na alimentação, comprados em feiras, de preferência frutos e vegetais da estação; Cozinhar com gorduras boas, que alimentam o cérebro, como por exemplo azeite de oliva extravirgem, manteiga e óleo de coco; Priorizar o consumo de frutas menos doces; Praticar atividade física ou mesmo ter uma vida ativa: caminhadas, uso de escadas, passear com seu cachorro, filhos; Ter boas noites de sono.

As recomendações de uma vida saudável incluem também propiciar uma alimentação adequada a saúde mental. O guia alimentar para a população brasileira (2014), uma atualização da versão antiga de 2006, inclui orientações básicas ao comer como: regularidade e atenção, comer em ambientes apropriados e comer em companhia.

Sabemos que comer com calma e atenção favorece uma boa mastigação, respiração e como resposta induz a uma melhor digestão; proporcionar um ambiente agradável e comer à mesa são atitudes importantes para dar a verdadeira importância ao momento de se nutrir, mas destacamos aqui o comer em companhia. Algo extremamente importante para manter a conexão entre pessoas, a troca de experiências e vivências, o senso de compartilhar e pertencer a um lugar.

Refeições compartilhadas feitas no ambiente da casa, são momentos preciosos para cultivar e fortalecer laços entre pessoas que se gostam. Preparar as refeições em casa envolve as pessoas em atividades que as antecedem e podem promovem o desenvolvimento e autonomia das crianças e adolescentes através do preparo, das compras, da escolha de receitas de família e assim criar memórias afetivas, fortalecer laços e tradições, bons hábitos de alimentação e colaborar para a valorização do compartilhamento, perpetuação de boas escolhas alimentares e promoção de saúde mental e emocional.

Biografia:

 

Josiane Buzachi é nutricionista, formada pela Universidade Federal do Tocantins. Especialista em disbiose, alergia alimentar, doença celíaca e doenças inflamatórias intestinais. Atua em consultório e online desde 2018, hoje atende presencialemente em Goiânia, onde reside desde o início de 2023.

Referências:

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Guia alimentar para a população brasileira / Ministério da Saúde, Secretaria de Atenção à Saúde, Departamento de Atenção Básica. – 2. ed., 1. reimpr. – Brasília : Ministério da Saúde, 2014. 156 p. : il.

BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Vigilância em Saúde. Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças Não Transmissíveis. Vigitel Brasil 2019 : vigilância de fatores de risco e proteção para doenças crônicas por inquérito telefônico : estimativas sobre frequência e distribuição sociodemográfica de fatores de risco e proteção para doenças crônicas nas capitais dos 26 estados brasileiros e no Distrito Federal em 2019 [recurso eletrônico] / Ministério da Saúde, Secretaria de Vigilância em Saúde, Departamento de Análise em Saúde e Vigilância de Doenças não Transmissíveis. – Brasília: Ministério da Saúde, 2020. 137. : il.

BRASIL. Ministério da Saúde.2021. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-de-a-a-z/a/alzheimer#:~:text=A%20Doen%C3%A7a%20de%20Alzheimer%20(DA,neuropsiqui%C3%A1tricos%20e%20de%20altera%C3%A7%C3%B5es%20comportamentais.Acesso em 20 de setembro de 2023.

FASANO, A. Zonulin and its regulation of intestinal barrier function: the biological door to inflammation, autoimmunity, and cancer. American Physiological Society Bethesda, MD. 2011.

SERRANO, Amanda. Diabetes vai atingir 21,5 milhões de brasileiros até 2030. Estado de Minas, 2020. Disponível em: https://www.em.com.br/app/noticia/saude-e-bem-viver/2022/06/24/interna_bem_viver,1375768/diabetes-vai-atingir-21-5-milhoes-de-brasileiros-ate-2030.shtml. Acesso em 20 de setembro de 2023.

STEEN.E. et al.,Impaired insulin and insulin-like Growt factor Expression and Signaling Michanisms in Alzheimer’s Disease: Is This Type 3 Diabetes? Journal of Alzheimer’s Disesase,v.7 n.1,pp.63-80,2005.

ZENG,F. et al., HbA1C, Diabetes and Cognitive Decline: The English Longitudinal Study of Ageing. Diabetologia, v.61, n.4, pp.839-48,2018.

 

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Educação Socioemocional e Bem-Estar: Uma dupla imbatível

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As habilidades socioemocionais são verdadeiras ferramentas para a vida

Por Débora Gerbase, Professora e Tradutora –  missgerbase@gmail.com

A Educação Socioemocional e o bem-estar são dois temas muito abordados ultimamente nas escolas. Embora possam parecer serem diferentes, eles estão extremamente ligados e trabalham mutuamente para converter a jornada educacional em algo verdadeiramente enriquecedor.

Além do conteúdo acadêmico, necessário para a aprendizagem dos alunos, existe um segredo sutil escondido entre as linhas do currículo escolar: as habilidades socioemocionais. Estas habilidades são aquelas que não ganham destaque nas provas ou nos livros, mas que são as verdadeiras ferramentas para a vida. Elas cooperam para que os alunos tenham mais sucesso, estabeleçam melhores conexões e usufruam do bem-estar naquilo que desejarem realizar.

Linda Lantieri e Daniel Goleman (2008) explicam que essas habilidades são o “elo perdido na educação”. Em seu livro “Building Emotional Intelligence”, eles destacam que a educação vai além do intelecto. Elas se referem à capacidade dos alunos em conseguirem compreender e controlar as emoções, trabalhar em equipe, construir relações sólidas, resolver conflitos e saber comunicar-se de forma clara, assertiva e eficaz, cruciais para uma vida plena, em uma sociedade em constante transformação.

O que é a Educação Socioemocional?

                                                                                Fonte: Pixabay.com

A educação socioemocional fortalece os alunos para enfrentar a vida acadêmica e profissional

 

O Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning (CASEL) descreve a aprendizagem socioemocional como:

 “o processo pelo qual todos os jovens e adultos adquirem e aplicam conhecimentos, habilidades e atitudes para desenvolver identidades saudáveis, gerenciar emoções e atingir metas pessoais e coletivas, sentir e demonstrar empatia pelos outros, estabelecer e manter relacionamentos positivos e tomar decisões responsáveis e cuidadosas” (CASEL, 2019).

Em outras palavras, ela é como a estrutura invisível que dá sustentação às pontes que construímos com os outros e nós mesmos. Ela propõe-se a ensinar ao aluno a lidar com a raiva, a tristeza, a empatia e a resiliência, fortalecendo-o para enfrentar os desafios que se apresentam em sua vida acadêmica e pessoal.

As “Habilidades do século XXI” foram agrupadas na Education For Life and Work (2012) em três domínios:

  • Habilidades Cognitivas: Capacidades mentais como pensamento crítico e criativo para resolver problemas e compreender conceitos complexos.
  • Habilidades Intrapessoais: Competências internas como autoconhecimento, autorregulação e resiliência para lidar com emoções e desafios pessoais.
  • Habilidades Sociais: Capacidades interpessoais para interagir eficazmente, expressar empatia, colaborar e construir relacionamentos saudáveis e produtivos

                                                                                 Fonte: Pixabay.com

As principais habilidades do século XXI são as cognitivas, sociais e intrapessoais

 

O que é bem-estar?

O bem-estar, nesse contexto, pode ser definido como um estado de harmonia e satisfação que abrange diversas dimensões da vida, incluindo: o emocional, o social, o físico e o psicológico. De acordo com o modelo PERMA, desenvolvido pelo psicólogo Martin Seligman (2012), o bem-estar é composto por cinco elementos essenciais: Emoções Positivas, Envolvimento, Relações Significativas, Sentido e Realização.

Como a Educação Socioemocional e o bem-estar se conectam?

Desta forma, a Educação Socioemocional e o bem-estar se conectam e se entrelaçam de maneira inseparável, como fios de uma mesma trama, em uma trilha de um terrenos desconhecido, explorada por um viajante. Para esta jornada, o viajante precisa estar equipado com as ferramentas essenciais para navegar pelas complexidades do mundo acadêmico e das relações intra e interpessoais. Esse encontro começa quando se percebe que a educação não é apenas um acúmulo de fatos, dos estudos, mas uma jornada de autodescoberta.

                                                                                 Fonte: Pixabay.com

A educação não é apenas um acúmulo de fatos, dos estudos, mas uma jornada de autodescoberta.

 

Por exemplo, no seu percurso de aprendizado, esse viajante carrega uma bússola interna, representando a autorregulação. Assim como um navegador habilidoso ajusta sua bússola para se orientar, a autorregulação capacita-o a ajustar sua mentalidade, mantendo-se no rumo certo mesmo diante dos desafios acadêmicos, emocionais, desafios interpessoais e autodescoberta.

À medida que o aventureiro avança, encontra outros viajantes que compartilham a mesma estrada, cada um trazendo consigo uma bagagem única de experiências. Aqui, a empatia atua como um guia silencioso, permitindo com que ele se coloque lugar dos outros ao enfrentarem desafios na sua jornada. A empatia, então, emerge como um elemento vital do bem-estar, nutrindo relacionamentos saudáveis e cultivando um ambiente de apoio mútuo.

Mas a jornada não é sempre fácil. Segundo Haim Ginott (1972): “As crianças são como navios; as águas tranquilas não as formam. São as tempestades.” E é aqui que entra a resiliência, outro pilar do bem-estar, como a mochila resistente do viajante. Ela abriga as ferramentas necessárias para enfrentar terrenos acidentados e tempestades emocionais com determinação e continue avançando, não apenas na estrada acadêmica, mas também na estrada da vida.

Quando o indivíduo domina as habilidades socioemocionais, é como se ele estivesse criando uma armadura de equilíbrio emocional. As pressões da educação e da vida não o derrubam facilmente, porque ele aprendeu a equilibrar o intelecto com o coração. Entretanto, dominar essas habilidades não acontece da noite para o dia. É preciso consistência e perseverança no ensino e na sua prática.

 

                                                                         Fonte: Pixabay.com

Quando o indivíduo domina as habilidades socioemocionais, é como se ele estivesse criando uma armadura de equilíbrio emocional

Sendo assim, a Educação Socioemocional reflete-se no bem-estar, uma vez que o aluno se torna um viajante habilidoso, percorrendo sua trajetória da aprendizagem e pelas complexidades das emoções humanas. Tal como um explorador que acumula histórias valiosas em cada parada, o estudante coleciona habilidades que não apenas enriquecem sua jornada acadêmica, mas também tecem uma rede de bem-estar duradouro e que envolve sua mente, coração e espírito, para si mesmo e para o outro.

Nas encruzilhadas da educação, onde mentes jovens florescem, uma conexão profunda ganha vida. É uma jornada não apenas de conhecimento, mas de autodescoberta e equilíbrio emocional. Nesse enredo, a Educação Socioemocional e o bem-estar encontram-se como parceiros inseparáveis, tecendo a trama de vidas mais plenas e resilientes.

Biografia:

Débora Gerbase é uma professora e tradutora que atua nas áreas de inglês, português e português para estrangeiros. Atualmente, reside em São Paulo, onde concluiu sua formação em Letras – Tradução e Pedagogia e, posteriormente, obteve pós-graduações em Psicopedagogia e Formação de Docentes para o Ensino Superior.

Além de seu trabalho como educadora, Débora é autora dos livros “Sem pé nem cabeça – Expressões idiomáticas em português” e “Manual de Sobrevivência para o Professor Esgotado”, e coordenadora e coautora do livro “A realidade diversa na sala de aula: como lidar com a inclusão e a educação Socioemocional nas escolas” e coautora do livro “Alfabetização Bilíngue: benefícios e mitos na formação de crianças bilíngues”. Tem paixão pelo ensino e aprendizagem, bem como por seu compromisso com o sucesso de seus alunos.

Referências Bibliográficas:

CASEL. CASEL guide: Effective social and emotional learning programs—preschool and elementary school edition. Chicago, IL: Collaborative for Academic, Social, and Emotional Learning, 2019.

Education for Life and Work: Developing Transferable Knowledge and Skills in the 21st Century. National Research Council, 2012.

Fredrickson, B. L. The role of positive emotions in positive psychology: The broaden-and-build theory of positive emotions. American psychologist, 56(3), 218-226, 2001.

Goleman, D. Inteligência Emocional: A Teoria Revolucionária que Redefine o que é Ser Inteligente. Objetiva, 2012.

Ginott, H. Between Parent and Child: New Solutions to Old Problems. Macmillan, 1972.

Greater Good Science Center. Student Well-Being: Practices for cultivating the social, emotional, and ethical well-being of students. Disponível em: https://ggie.berkeley.edu/student-well-being/. Acesso em 26 ago.2023.

Lantieri, L., & Goleman, D. Building Emotional Intelligence: Techniques to Cultivate Inner Strength in Children. Sounds True, 2008.

Seligman, M. E. P. Florescer: Uma Nova Compreensão sobre Felicidade e Bem-Estar. Editora Objetiva, 2012.

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TDAH ou TPAC? A necessidade do olhar singular sobre o indivíduo para um diagnóstico diferencial

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Desafios em ensinar alunos com Transtorno do Processamento Auditivo Central

Débora Gerbase – Professora e Autora de livros missgerbase@gmail.com – @deboragerbase

 Transtorno do Processamento Auditivo Central (TPAC) é uma condição que impacta a habilidade de processar e interpretar informações auditivas, mesmo em alunos com bastante potencial

Em um cenário educacional repleto de diversidade e complexidade, somos frequentemente confrontados com enigmas que desafiam nossa compreensão e habilidades de ensino. Em um capítulo memorável de minha jornada como educadora, deparei-me com uma intrigante questão: como auxiliar alunos notavelmente corteses, tranquilos e afetuosos, que, apesar de parecerem atentos, enfrentavam dificuldades em reter informações e compreender plenamente as lições apresentadas em sala?

Eles eram alunos calmos, carinhosos, que se esforçavam para prestar atenção em sala de aula. Seus olhares atentos transmitiam a impressão de que absorviam o conhecimento compartilhado. No entanto, algo desconcertante acontecia durante as nossas lições. Ainda que demonstrassem engajamento, quando indagados sobre o tópico discutido, suas vozes ecoavam: “Hã?”, “O quê?”. Era como se o entendimento de tudo que havia sido transmitido se dissipasse no ar.

Foi este momento de questionamento que me conduziu a uma jornada de descobertas acerca do Transtorno do Processamento Auditivo Central (TPAC), uma condição que impacta a habilidade de processar e interpretar informações auditivas, mesmo em alunos com bastante potencial.

Ao adentrar esse universo, tornou-se evidente que a dificuldade encontrada por esses alunos não era um reflexo de desinteresse, mas sim um desafio real. Após uma conversa com especialistas e coordenadores do departamento de bem-estar da escola, fui introduzida ao mundo complexo do TPAC. Esses alunos não buscavam confundir ou desafiar minha autoridade, mas sim enfrentavam dificuldades em processar a informação oral.

De acordo com o Núcleo de Estudos Fonoaudiológicos, o TPAC aflige aqueles que não conseguem processar e compreender os sons de maneira convencional, pois algo no seu sistema cerebral interfere na interpretação adequada dos estímulos sonoros. Ele não deve ser confundido com um distúrbio de aprendizagem. Em um ambiente de sala de aula, isso se traduz em desafios para acompanhar debates, ler e escrever, bem como compreender instruções e enunciados de problemas matemáticos.

                                                                        Fonte: https://br.freepik.com/

O TPAC é uma questão auditiva, não cognitiva, e muitas vezes, os alunos sentem-se constrangidos ao admitir que não entenderam uma instrução ou orientação.

Contudo, a American Academy of Audiology (2010) destaca que essa condição frequentemente é mal interpretada, uma vez que seus sintomas se assemelham a outros distúrbios, como atrasos na fala e transtorno de déficit de atenção e hiperatividade (TDAH). Identificar o TPAC requer uma abordagem sensível e conhecimento aprofundado.

Muitas vezes, estes alunos sequer têm consciência de seu próprio problema, devido ao impacto na compreensão auditiva. O TPAC, como destaca o Núcleo de Estudos Fonoaudiológicos, é uma questão auditiva, não cognitiva, e muitas vezes, os alunos sentem-se constrangidos ao admitir que não entenderam uma instrução ou orientação.

Ainda segundo o Núcleo de Estudos Fonoaudiológicos, crianças com TPAC são diversas e podem manifestar sintomas na sala de aula. Embora somente um profissional habilitado possa diagnosticar, os educadores podem estar atentos aos sinais, como:

  • Habilidades auditivas pobres;
  • Dificuldade em acompanhar o ritmo de colegas;
  • Dificuldade com consciência fonológica;
  • Desafios em leitura e escrita;
  • Sensibilidade a ruídos de fundo;
  • Dificuldade em recordar informações verbais;
  • Repetição frequente de “Hã?”, “O quê?”, “Eu não ouvi”;
  • Necessidade de repetições ou reformulações;
  • Dificuldade em participar de discussões em sala de aula;
  • Desatenção durante as aulas;
  • Dificuldade com enunciados de problemas matemáticos.

Diante disso, como facilitar a compreensão desses alunos?

Em primeiro lugar, os pais precisam buscar ajuda especializada, como o Exame de Processamento Auditivo, conduzido por médicos e fonoaudiólogos. O diagnóstico precoce é crucial. Em segundo lugar, os educadores devem se familiarizar com o transtorno e implementar estratégias que otimizem a escuta e compreensão, a fim de criar ambientes de aprendizado inclusivos e acolhedores. O Núcleo dos Estudos Fonodiólogos sugere adaptações físicas, como:

  • Redução do ruído de fundo;
  • Posicionamento estratégico na sala de aula;
  • Repetição e esclarecimento de instruções;
  • Comunicação clara e pausada;
  • Uso de apoio visual.

Embora não haja cura definitiva, estratégias bem aplicadas podem melhorar a escuta e desenvolver a via auditiva ao longo do tempo. Crianças com TPAC podem prosperar, especialmente quando apoio e compreensão estão presentes. Como pontua o Núcleo de Estudos Fonoaudiológicos, uma atitude positiva, realista e autoestima saudável são catalisadores para o sucesso.

                                                                                                  Fonte: https://br.freepik.com/

Com a combinação certa de apoio, estratégias e sensibilização, alunos com TPAC podem atingir suas metas acadêmicas e pessoais

 

 

Lidar com alunos com TPAC requer paciência e empatia, mas também proporciona a oportunidade de empoderamento. Com a combinação certa de apoio, estratégias e sensibilização, alunos com TPAC podem atingir suas metas acadêmicas e pessoais, reforçando que a superação é alcançável para todos.

Em um mundo onde cada aluno enfrenta suas próprias batalhas em busca do conhecimento, é nosso dever como educadores compreender e abraçar cada jornada singular. Dessa forma, capacitamos nossos alunos a enfrentarem os desafios com coragem e alcançar o sucesso com confiança.

Ao compreender a complexidade do TPAC e as estratégias que podem auxiliar alunos a superar seus desafios, abrimos as portas para um ambiente educacional mais inclusivo e enriquecedor. Cada aluno é uma história única de potencial, e é nosso privilégio como educadores ajudá-los a escrever capítulos de sucesso em suas jornadas de aprendizado.

Biografia:

Fonte: Acervo pessoal

Débora Gerbase é uma professora e tradutora que atua nas áreas de inglês, português e português para estrangeiros. Atualmente, reside em São Paulo, onde concluiu sua formação em Letras – Tradução e Pedagogia e, posteriormente, obteve pós-graduações em Psicopedagogia e Formação de Docentes para o Ensino Superior.

Além de seu trabalho como educadora, Débora é autora dos livros “Sem pé nem cabeça – Expressões idiomáticas em português” e “Manual de Sobrevivência para o Professor Esgotado”, e coordenadora e coautora do livro “A realidade diversa na sala de aula: como lidar com a inclusão e a educação Socioemocional nas escolas” e coautora do livro “Alfabetização Bilíngue: benefícios e mitos na formação de crianças bilíngues”. Tem paixão pelo ensino e aprendizagem, bem como por seu compromisso com o sucesso de seus alunos.

 

Referências:

American Academy of Audiology. Clinical practice guidelines. Guidelines for the diagnosis, treatment and management of children and adults with central auditory processing disorder; 2010.

Núcleo de Estudos Fonoaudiológicos. Orientações à Escola. São Paulo.

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