Star Wars – O Despertar da Força: o herói solar

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Com seis indicações ao OSCAR 2016

Edição de Som, Mixagem de Som, Trilha Sonora Original, Efeitos Visuais, Montagem, Edição

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É bem sabido que a Trilogia inicial de Star Wars é baseada na Jornada mítica do herói Solar. Sobre isso é importante salientar que toda sociedade Ocidental se encontra sob o estigma desse herói que pautou a entrada da era Patriarcal do homem Ocidental.

Erich Neumann em sua obra A História da Origem da Consciência (1995), trata com detalhes esse assunto do herói Solar, afirmando que a consciência do ego tem um caráter masculino e que a relação consciência – dia – luz, e inconsciente – escuridão – noite se mantêm independente do sexo. Ele diz também, que a consciência é masculina mesmo nas mulheres, assim como o inconsciente é feminino. Ele então define a consciência patriarcal, que se separa do inconsciente e fica livre de suas influencias.

Essa fase da humanidade foi muito importante para o desenvolvimento da intelectualidade, tecnologia e cultura, No entanto, a figura arquetípica herói solar possui alguns aspectos negativos, que quando unilateral se torna destrutivo: ele é separatista, pautado na perfeição e não na completude, tem medo da morte e do inconsciente e não aceita o seu destino.

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Star Wars – O despertar da Força também segue o script da Jornada do Herói. Mas de forma incomum, tendo uma mulher como heroína. Na primeira trilogia, o herói Luke segue bem a cartilha do típico herói mitológico. Luke é o escolhido, aquele que vai restabelecer a situação saudável e acabar com o mal. Como se trata de uma Jornada do Herói então temos um rito de passagem para a heroína.

Portanto, para Neumann, a mulher moderna, assim como os homens, possui uma consciência patriarcal e um ego denotado pelo herói masculino. Ou seja, o herói Solar. O herói solar típico possui aspectos de uma consciência patriarcal que ao buscar a perfeição exclui os defeitos e o mal, por essa razão o herói usa a espada para cortar o mal e assim ela exclui a totalidade.

Em “O Despertar da Força” ainda vemos aspectos do herói solar na heroína Rey, mas agora com diferenças marcantes. Diferenças essas que refletem mudanças em nossa sociedade Ocidental, necessárias para sairmos da unilateralidade.

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Para iniciar é importante analisar Rey, a heroína em questão.

A moça é bem diferente do grande herói de Star Wars, o Luke Skywalker. Ela não é indefesa e não tem duvidas quanto ao que deve fazer. Apesar de não se imaginar uma Jedi ela não foge das responsabilidades. No entanto, ela ainda possui traços do herói solar: assim como Luke está em busca do Pai e sua figura é um tanto perfeita demais.

O Pai na psicologia analítica simboliza a realização externa, a segurança material, a eficiência, a realização profissional. Ou seja, tudo aquilo que é voltado para a realização no mundo externo. E essa premissa é o que ainda norteia nossa sociedade, à custa de uma separação do mundo interior. Contudo, o filme mostra já algumas mudanças em relação a esse tipo de consciência e parece que há uma busca por equilíbrio, mesmo que lenta.

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Já vemos uma mulher passando por essa jornada, coisa que não vemos nos outros filmes. Apesar da Princesa Lea ter um importante papel na trama, ela nunca tem o verdadeiro destaque. Além da garota Rey que é catadora de sucata, temos um negro, dissidente do lado negro e que auxilia Rey e que também irá passar por uma jornada semelhante de autodescoberta. Vemos então figuras perseguidas pelo preconceito com destaque de heróis.

O mais interessante no filme é que Rey não é heroína sozinha. Nos filmes anteriores, Luke resolvia os problemas, já nessa nova versão vemos uma equipe trabalhando junta. Não é Rey quem desativa os escudos, não é ela que destrói o Starkiller. Isso mostra uma mudança significativa, pois hoje vemos cada vez mais que precisamos do outro (uma típica característica da Era de Aquário), e que a busca de realização pessoal não pode mais ser centrada em nosso próprio ego.

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Para Jung, a individuação é um processo de diferenciação que tem por meta o desenvolvimento da personalidade individual. Assim como o individuo não é um ser isolado, mas supõe uma relação coletiva com sua existência, do mesmo modo o processo de individuação não leva ao isolamento, mas a um relacionamento coletivo mais intenso o geral (JUNG, 1991).

Outro aspecto importante a se observar é o vilão do filme: Kylo. Apesar de diversas vezes se apresentar como fraco, ele também apresenta uma dimensão bem humana. Ele questiona algumas vezes seus atos e se emociona com o lado luminoso as Força. Ele é apenas um garoto mimado que precisa se sentir forte e se destacar; por essa razão se aproximou do lado sombrio da força.

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Kylo simboliza aquele que sucumbe à sombra. Que não estabelece uma relação com seu inconsciente, nem com seu processo de individuação. Ele também mostra algo sintomático: quando tentamos excluir o mal, para nos tornarmos perfeitos, somos pegos pela sombra e dominados por ela. Ele é oposto de Rey, responsável e madura. Quantos jovens hoje não se encontram infantilizados como Kylo. Temos uma sociedade que não aceita responsabilidade, pressão, quer tudo na hora e faz cenas (como Kylo fez diversas vezes no filme). Ele também mata seu pai, mostrando o tema edípico que pautou a psicanálise e o inicio do estudo do inconsciente.

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O parricídio é um tema constante na Mitologia. Newmann (1995), aponta como uma fase do desenvolvimento da consciência do herói, tanto para o homem quanto para a mulher. Simboliza o afastamento do inconsciente e o medo do herói de ser castrado e morto. Édipo, conforme os estágios de desenvolvimento do herói solar, foi o matador de dragão (esfinge), que simboliza a Grande Mãe e assassino de seu pai.

No entanto aqui cabe o questionamento sobre essa teoria que pauta até hoje a Psicologia Analítica. Édipo falhou em sua jornada. Sua falha foi justamente a de não aceitar o seu destino: ao fugir dele, simplesmente corre em direção a ele. Ele mata literalmente seu pai e, ao final, sucumbe ao incesto, ficando cego. A cegueira é, como aponta Neumann (1995), uma das formas de castração. Uma castração que vem “de cima”, sendo uma fase arquetípica do herói-sol que é castrado e devorado.

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Édipo não encontra a Anima, ou melhor, ela ainda se encontra contaminada pelo complexo materno. Ele deveria libertar o aspecto fecundo e benéfico do elemento feminino, mas falha nisso, regredindo ao estágio de filho. Segundo Neumann (1995), ao assassinar o pai, Édipo se rebela contra a velha lei, os velhos costumes, e a consciência moral existente, pois o pai incorpora o sistema cultural dominante no meio ambiente do filho.

No entanto, no filme, ao matar o pai Kylo se torna mais fraco e Rey mais forte. Ele não se torna um herói. Na verdade, Kylo possui duas figuras paternas: seu pai biológico e um pai espiritual Snoke. Esse pai divino na Mitologia costuma ser positivo e, no entanto aqui ele é a força do mal. Aqui fica o questionamento: a figura de Kylo é trágica como Édipo e se torna fraco enquanto a moça cresce em força, talvez devêssemos desenvolver um novo olhar sobre essa teoria.

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Muitas supresas nos aguardam para o próximo episódio. Kylo irá enfrentar seu tio materno, Luke? Segundo Neumann (1995), é o portador daquilo que denominamos “céu”, símbolo da masculinidade. O tio materno representa a lei coletiva, a consciência ética. Com esse enfrentamento talvez consigamos observar as mudanças, pois será através dele que o elemento feminino poderá trazer a união de ambos aspectos, para que a sociedade ocidental chegue mais perto da completude.

REFERÊNCIAS:

JUNG, C. G. Tipos Psicológicos. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 1991.

KAWAI, H. A Psique Japonesa – Grandes temas dos contos de fadas japoneses. São Paulo: Paulus, 2007.

NEWMANN, E. História da Origem da Consciência. 10 ed. Cultrix. São Paulo: 1995.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

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STAR WARS EPISÓDIO VII – O DESPERTAR DA FORÇA

Direção: J. J. Abrams
Elenco: Daisy Ridley, John Boyega, Harrison Ford, Adam Driver
País: EUA
Ano: 2015
Classificação: 12

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Robin Hood e o mito do anti-herói

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Robin Hood é um mítico herói inglês. Resumidamente ele era um ladrão que roubava dos ricos para entregar aos pobres. Segundo sua lenda ele teria vivido no século XIII, na época das Cruzadas, juntamente com o Rei Ricardo Coração de Leão, sendo a ele leal.

É comumente dito que Robin existiu de verdade, mas o fato é que se realmente existiu, isso não importa, pois a sua lenda permanece viva e encanta o mundo a séculos, sendo retratada diversas vezes ao cinema, quadrinhos, e televisão.

Em Nottingham, cidade no centro de Inglaterra onde se passam as aventuras de Robin, além das estátuas, há as ruas batizadas com o seu nome e um festival anual que lhe é dedicado. E há também o que resta da Floresta de Sherwood, onde é possível encontrar a árvore em redor da qual o bando de Robin se reunia em conselho.

Robin Hood ficou retratado no imaginário coletivo como alguém exímio no arco e flecha. Ele vivia na Floresta de Sherwood e tinha como grandes amigos e auxiliares João Pequeno, Will Scarlet e Frei Tuck. Seu grande amor era Lady Marian, com quem se casa em todas as versões.

O Príncipe dos Ladrões – como ficou conhecido – prezava a liberdade, a aventura e a vida ao ar livre. Uma das primeiras referências escritas ao personagem é o poema épico Piers Plowman, escrito por William Langand por volta de 1377. A compilação Gesta de Robin Hood, datada de 1400, sugere que as histórias que compõem a lenda já circulavam bastante e eram de conhecimento público anos antes, pelo menos desde 1310.

Existem diversas versões e origens do herói. A mais conhecida é a de que Robin se chamava Robert Locksley. Robert serviu em uma Cruzada ao lado do rei Ricardo, mas ao retornar ao lar, Nottingham, o encontra sob a tirania do irmão do Rei, o Príncipe John. O povo estava debaixo de leis abusivas e a caça – forma de sustento na época – havia sido proibida. Indignado, ele se recusa a aceitar a situação e se torna um fora da lei. Aproveitando – se de seu conhecimento em cavalaria, arquearia e combate adquirido na guerra, ele une um grupo e inicia um combate à tirania da nobreza, roubando nobres arrogantes e clérigos abastados, como forma de compensar o abuso.

Ao final da historia ele vence o príncipe John e casa-se com Laid Marian, sobrinha de Ricardo. No fim da história, Ricardo Coração de Leão reaparece após sua derrota em terras estrangeiras e nomeia Robin Hood cavaleiro, tornando o nobre novamente. A verdade é que Robin Hood sempre foi fonte de versões para o cinema e televisão. A ideia do anti-herói que usa um artifício antiético para promover a justiça agrada a consciência coletiva.

Em todas as teorias que sustem que Robin realmente existiu, o herói escolheu a vida clandestina e de fato era um fora da lei, transgressor da ordem, por ter sido injustiçado e assim convocando para sua missão um grupo enorme de aliados. Ele se torna então o símbolo do heroi para o povo de generosidade e o temor dos governantes. Robin costuma ser retratado com uma roupa verde, que maneja o arco como ninguém, não teme nada e vive livre e feliz, rodeado de amigos que se ajudam a cada nova ameaça.

Antes de começar a analise então é importante salientar que é de pouca importância o que se sabe sobre o homem real que teria servido de inspiração para o surgimento dessa figura mitológica. Pretendo analisar o símbolo e o suposto contexto histórico. A grande questão e cerne central da epopéia de Robin Hood são as Cruzadas.

O Rei Ricardo parte em combate em nome da Igreja. Ele vai para Jerusalém na Terceira Cruzada e seu trono é então usurpado por seu irmão tirânico o Príncipe John. Temos aqui o inicio do problema: o rei é fraco e sucumbe ao poder.

Conforme Von Franz (2005), os contos e as lendas sempre se iniciam com um problema ligado ao rei:

Agora, nós continuamos com a exposição, ou seja, com o início do problema. Você o encontrará na forma do velho rei que está doente, por exemplo, ou o rei que descobre que toda noite são roubadas maçãs douradas de sua árvore, ou que seu cavalo é estéril, ou que sua mulher está doente e que precisa da água da vida. Algum problema sempre aparece no início da história obviamente, porque se assim não fosse, não haveria história. Então se define o problema psicologicamente e procura-se também entender sua natureza.

Com essa explanação faz-se necessário compreender a natureza desse problema inicial. Primeiramente o simbolismo do Rei é de muita importância. Um estudo mais aprofundado sobre o rei encontra-se em um capítulo intitulado “Rex et Regina”, do livro de Jung, Mysterium Coniunctionis. O Rei nas tribos mais antigas possuía qualidades mágicas para o povo. Certos chefes, por exemplo, eram tão sagrados que não podiam mesmo tocar a terra e por isso são carregados pelo seu povo (VON FRANZ, 2005).

Em diversas sociedades primitivas, a prosperidade de todo o país dependia da sanidade física e psíquica do rei: se ele se tornasse impotente ou doente, tinha que ser morto e outro rei deveria tomar seu lugar, cuja saúde e potência garantissem a fertilidade das mulheres e do gado, bem como prosperidade de toda a tribo. Com isso existe a ideia de que o Rei deve ser renovado periodicamente.

Conforme Von Franz (2005)

Pode-se dizer, em resumo, que o rei ou chefe incorpora um princípio divino, do qual depende o bem-estar físico e psíquico de toda a nação. O rei representa o princípio divino na sua forma mais visível, é sua encarnação e sua moradia. Consequentemente, ele tem muitas características que nos levariam a considerá-lo o símbolo do SELF, porque o SELF, de acordo com a nossa definição, é o centro do sistema autorregulado da psique, do qual depende o bem-estar do indivíduo.

O Rei Ricardo então, como símbolo do Self, e ligado a uma civilização ocidental, representava, sobretudo a religião vigente: o Cristianismo, que deveria ser a fonte de saúde psíquica do povo. No entanto, a sua época havia um grande descontentamento com o Cristianismo, devido as Cruzadas. Esse descontentamento aparece diversas vezes nas adaptações do herói no cinema, principalmente em suas falas.

E a religião, assim como qualquer sistema regente, se desgasta. Seus símbolos perdem as qualidades numinosas. A história comparada das religiões mostra a tendência dos rituais ou dogmas religiosos a tornarem-se superados depois de um tempo, a perderem seu impacto emotivo original, tornando-se fórmulas mortas. Embora adquiram qualidades positivas da consciência, como a continuidade, eles perdem o contato com a corrente irracional da vida e tendem a tornar-se mecânicos (VON FRANZ, 2005). O mesmo acontece como os sistemas políticos, que se torna com o tempo desgastado.

Em Robin Hood, vemos os sistemas político e religioso vigente em processo de desgaste. Ricardo como Rei sucumbe as Cruzadas e abandona o que era essencial: o povo. As Cruzadas eram movimentos militares de inspiração supostamente cristã que partiram da Europa Ocidental em direção à cidade de Jerusalém com o intuito de conquistá-la, ocupá-la e mantê-la sob domínio cristão. Foram cerca de nove Cruzadas.

A Terceira Cruzada, pregada pelo papa Gregório VIII após a tomada de Jerusalém pelo sultão Saladino em 1187, foi denominada Cruzada dos Reis. É assim denominada pela participação dos três principais soberanos europeus da época: Filipe Augusto (França), Frederico Barba-Ruiva (Sacro Império Romano-Germânico) e Ricardo Coração de Leão (Inglaterra). Com isso, vê-se que o Cristianismo havia sucumbido ao principio do Poder. Não havia mais Eros na religião vigente. Cobiça e brutalidade marcaram esse movimentos.

O irmão do Rei, então usurpa o trono. John é a sombra do Rei, o principio do poder. Onde quer que uma estrutura cultural, religiosa ou civilizatória perca seu caráter religioso, ocorrem lutas políticas entre ditadores e grupos exclusivos que determinam o destino inteiro de uma civilização. Caso não haja um símbolo mais poderoso ainda capaz e unificar o povo, então a influencia disruptiva, aliada a lutas por prestígio e vaidade aparece (VON FRANZ, 2002).

A igreja nessa época não possuía mais vida espiritual capaz de manter o povo unificado, e assim estava destinada a perecer na luta contínua por poder. Nessa época, onde o Rei precisa ser renovado o principio do poder, representado por John, impera. Na figura de John temos a ira destrutiva. Na animação da Disney de 1973, John é representado por um leão, animal que para Jung, além de ser símbolo da realeza, representa os impulsos animais, fortes e apaixonados desejos, afetos. O leão representa um impulso poderosíssimo.

Conforme Von Franz (2002):

“Se um ser humano perde o seu ponto de apoio religioso, ela se desintegra se tornando alvo fácil de afetos, tais como sexo, poder, além de outros impulsos e desejos. (…) É o momento em que a personalidade é avassalada pela cobiça.”

É nesse cenário que surge Robin Hood, em defesa dos oprimidos e se torna uma figura mítica. Apesar de fora da lei, Hood é um herói. Entre as figuras de herói existe uma grande variedade: o tipo “tolo”, o tipo trapaceiro, o homem-forte, o inocente, o jovem belo, o feiticeiro, aquele que resolve os problemas e obstáculos através da mágica e aquele que os suplanta e resolve através de poder e coragem. O herói é o salvador, ele renova situação de vida.

Conforme Von Franz (2005):

O herói é, consequentemente, o restaurador da situação sadia, consciente. Ele é um ego que restabelece o funcionamento normal e sadio de uma situação, onde todos os egos da tribo ou nação estão desviando-se do padrão básico e instintivo da totalidade. Pode-se dizer, então, que o herói é uma figura arquetípica que representa um modelo de ego funcionando de acordo com o SELF. Sendo um produto da psique inconsciente, ele é um modelo que deve ser observado, pois demonstra o ego funcionando corretamente, ou seja, um ego que funciona de acordo com as solicitações do SELF.

Robin cumpre os desígnios do arquétipo do herói, pois ele realmente compensa e restaura a situação sadia. O fato de ser um fora da lei mostra que os elementos que provem do Self não se adequam a moral vigente. O inconsciente é amoral diante da consciência. Mas na verdade, Robin é então um transgressor. O ato de roubar o aproxima do mítico Prometeu, que rouba o fogo dos deuses para dar a humanidade. Robin rouba os valores dos poderosos, e do principio regente da consciência, que se desviou do padrão instintivo de funcionamento.

Como Prometeu trouxe o progresso a humanidade, Robin traz uma nova visão ao homem Ocidental, um acréscimo de consciência. Esse acréscimo de consciência vem por meio do questionamento das ações humanas. A destruição de um povo em nome do poder e o abandono de outro povo à custa do que se denomina Deus. Assim como Jó bíblico e Prometeu, ele questiona essa divindade. Ele questiona seus atos, sua agressividade, seu instinto. A dúvida é o início da consciência.

Mas tanto o mito, quanto a lenda mostram que a cada ganho em conhecimento e consciência, é acompanhado, inexoravelmente, por sofrimento, culpa e castigo. O ônus a ser debitado àquele que sai das trevas. Robin paga seu débito com a exclusão e a solidão. Além disso, Robin vive na floresta, em meio à natureza. A floresta é um símbolo do feminino e de uma parte intocada da psique. Tanto que a deusa associada as florestas é a deusa virgem Ártemis, um dos aspectos da Grande Mãe.

Na lenda e nas adaptações cinematográficas não há uma figura feminina juntamente com o rei. Ou seja, falta o elemento feminino no principio regente da consciência. A lenda de Robin mostra um fato bastante atual na humanidade, que é a exploração dos recursos naturais provinda do homem moderno. Essa exploração já vem chegando ao limite do absurdo. E a vida na floresta escolhida por Robin, mostra um caminho completamente oposto do homem ocidental, que prefere a vida agitada das grandes cidades. Essa característica o aproxima dos deuses pagãos da natureza, consortes da Grande Mãe.

O elemento feminino também é trazido à tona com o herói que passa a auxiliá-lo e sua aventura, que é sua amada Marian, retratada as vezes como sobrinha do rei Ricardo. Outro aspecto interessante em Robin é o fato de utilizar seu arco e flecha com maestria. Sobre isso podemos fazer algumas associações. O arco e flecha pode ser considerado como uma das mais inteligentes invenções da história da humanidade. Com essa arma, o homem passou a evitar a luta corpo a corpo, à qual estava submetido na antiguidade.

Nessa época, o homem precisava lutar corpo a corpo com os animais para caçá-los ou atirar dardos ou lanças, o que era extremamente perigoso e tornava praticamente impossível a caça às aves. O arco e flecha, então, passa a proteger o homem que podia atirar a uma distância segura e em silêncio. Levando a humanidade a um salto para frente em termos de melhoria quanto à sobrevivência. Arco e flecha então é um fruto da função intuição, uma vez que veio a se opor a força bruta. Além disso, para se utilizar o arco e flecha em uma caçada, era necessário não apenas ter uma boa pontaria, mas um estado psicológico adequado. Se antes disso o caçador houvesse tido uma briga, certamente erraria o alvo.

Portanto é necessário para se atingir um alvo buscar o equilíbrio interior. Acertar o alvo requer concentração, inteligência e intuição. Uma vez que o Self é representado como o centro da psique em sua totalidade, Robin além de ser extremamente inteligente, é hábil em acertar o alvo, mostrando que está em consonância com os desígnios do Self. E sendo por isso capaz de conduzir as pessoas à totalidade. Robin integrou a sombra, pois nele também vemos o aspecto negativo do herói, na figura do fora da lei.

Hood é conclamado o Príncipe dos Ladrões. O ladrão é uma figura mítica, sendo que a mais famosa é a do deus Hermes, considerado pelos gregos o padroeiro da inteligência, astúcia e dos ladrões. Todas essas características de deuses pagãos vistas em Robin são muito interessantes. Em uma época em que o paganismo foi reprimido em função de um Deus único, muito do conhecimento perdido dessa época foi para o inconsciente. Juntamente com esse conhecimento pagão, está o feminino que possui uma expressão mais magnífica no paganismo.

Robin então é responsável por trazer esse conhecimento reprimido à consciência e trazer a tona para que ocorra uma renovação. Também é importante salientar que nos contos de fadas vemos que a renovação se inicia nas camadas mais baixas da sociedade, Toda renovação não atinge de imediato as classes mais altas da sociedade. A renovação vinda de baixo seria a expressão da necessidade do povo de se livrar da opressão e ter liberdade. Aprofundando mais na imagem arquetípica de Robin Hood.

Conforme Hillman (1998), a figura do Puer Aeternus, como arquétipo único tende a unificar em um só as seguintes imagens: o Herói, a Criança Divina, O Filho do Rei, O Filho da Grande Mãe, Eros, o Psicopompo, Mercúrio – Hermes, Trickster e o Messias (o Salvador). Robin Hood possui várias dessas qualidades citadas: ele é um Herói; um sedutor assim como Eros; um Trickster, pois prega peças nos poderosos da cidade; um Mercúrio – Hermes por sua inteligência, criatividade e astucia; um ilho da natureza, ou seja, da Grande Mãe; e também um Salvador.

Ainda conforme Hillman (1998) o arquétipo do Puer Aeternus personifica ou está em relação especial com os poderes espirituais transcendentes do inconsciente coletivo. Representa com isso, o impulso do Espírito. A problemática do Puer foi muito bem detalhada por Marie Louise Von Franz em sua obra Puer Aeternus – A luta do adulto contra o paraíso da infância. Nessa obra ela aborda com clareza e detalhes o plano principal neurótico.

Contudo, agora quero enfatizar, com a figura de Robin Hood, o plano de fundo arquetípico, que traz a luz e a sombra e uma grande possibilidade de crescimento e desenvolvimento. O Puer é nossa própria natureza, algo de primordial em nós que transcende as normas coletivas. É a nossa essência que nos liga ao Self.

Através do Puer nos é dado nosso sentido de destino e missão, de que temos uma mensagem, de que somos portadores da chama divina. Ele é nosso sentido de vitalidade, de abundância, de entusiasmo. Assim como Robin ele está a serviço dos deuses (no caso o Rei Ricardo), ou seja do Self. Não quero com isso fechar o assunto, pois muito há o que se falar de Robin Hood e sua imagem de Herói, Trickster, Sedutor e Transgressor. Mas já é de muita valia compreender que ele representa o frescor da alma, a faísca do espírito e nossa mais profunda originalidade.

 

REFERÊNCIAS:

HILLMAN, J. O Livro do Puer – ensaios sobre o Arquétipo do Puer Aeternus. São Paulo: Paulus, 1998.

KAWAI, H. A Psique Japonesa – Grandes temas dos contos de fadas japoneses. São Paulo: Paulus, 2007.

VON FRANZ, M. L. A interpretação dos contos de fada. 5 ed. Paulus. São Paulo: 2005.

VON FRANZ, M. L. A sombra e o mal nos contos de fada. 3 ed. Paulus. São Paulo: 2002.

VON FRANZ, M. L. A individuação nos contos de fadas. 3 ed. Paulus: São Paulo: 1984.

VON FRANZ, M. L. Puer Aeternus – A luta do adulto contra o paraíso da infancia. 5 ed. Paulus. São Paulo: 2005.

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Harry Potter e as Relíquias da Morte: o sacrifício do herói

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Harry Potter e seus amigos, Ron e Hermione, decidem não cursar o sétimo ano da Escola de Hogwarts. Após a morte de Dumbledore, a direção foi assumida por Severo Snape, que agora responde ao Lorde Voldemort. Os três amigos decidem encontrar e destruir as Horcruxes – objetos nos quais Voldemort depositou pedaços de sua alma para então se tornar imortal – antes que o vilão recupere totalmente seus poderes e mate Harry.

Antes de partirem, os três bruxos recebem itens deixados a eles por Dumbledore como herança: Hermione recebe uma cópia do livro “Os Contos de Beedle, o Bárdo”; Rony recebe o Desiluminador; e Harry, o primeiro Pomo de Ouro que ele pegou em um jogo de Quadribol com as inscrições “Abro no fecho”. Todos esses acessórios serão de grande utilidade a eles.

Mesmo com Voldemort ainda em busca da destruição de Harry, os três amigos vão em busca da Horcruxes. Um medalhão que está sob o poder de Dolores Umbridge no Ministério da Magia. A alma de Voldemort foi quebrada em sete pedaços e depositada em diversos objetos, para que assim continuasse vivo após ter o corpo destruído. Já comentei anteriormente que se trata da operação alquímica separatio, que consiste em pegar a prima matéria e separá-la em pedaços para que possa ser transformada.

Em nosso processo de digestão, as moléculas dos alimentos precisam ser quebradas e separadas para que o organismo consiga assimilar os nutrientes. Harry precisa confrontar cada parte da alma de Voldemort para que possa assimilar esse conteúdo sombrio. Sua alma e a do vilão na verdade são a mesma. O assassinato, a maldade são aspectos sombrios que Harry precisa encontrar e encarar. Tanto que em seus sonhos Potter consegue ver as ações de Voldemort.

Ron destrói o medalhão usando a espada de Grifinória, enfrentando seus maiores medos no processo. Cada Horcruxes representa um enfrentamento do medo e é um processo para que os jovens bruxos cresçam. Com isso, três Horcruxes estão destruídas (O diário de Tom Riddle, o anel de Tom Riddle e o medalhão de Salazar Sonserina), restando apenas três (Nagini, a taça de Helga Lufa-Lufa e o diadema de Rowena Corvinal), e também o pedaço da alma de Voldemort que ainda reside com ele.

Nesse ínterim os três jovens descobrem sobre as Relíquias da Morte: A Varinha das Varinhas, a Pedra da Ressurreição e a Capa da Invisibilidade, que juntos, dão ao seu mestre o poder de enganar a morte. Sobre essa história é importante salientar que as três relíquias formam uma reta, um circulo e um triângulo. Ou seja, elas seriam símbolos da vida tridimensional na Terra, ou seja, a vida humana.

Não é um símbolo de totalidade, pois falta um quarto elemento. Essa totalidade está no elemento sombrio e renegado pela consciência. No entanto, essas relíquias simbolizam a busca pela imortalidade que o ser humano anseia. A busca por vencer a morte. É o cerne a sociedade contemporânea. Cada vez mais se vê remédios e os cosméticos mostram essa ânsia pela juventude eterna e pela luta pela vida eterna. No entanto, a morte é extremamente importante. É por meio dela que se constela a vida. Fugir da morte só a atrai.

É o que se chama de enantiodromia.

Heráclito exemplifica esse conceito com o exemplo do arco e flecha: ao puxar a corda do arco em uma direção lançamos a flecha na direção oposta. O mesmo ocorre quando atiramos um objeto para cima: quanto mais forte o lançamos, maior é o impacto que causa ao retornar. Dessa forma, o retorno ao oposto da força seria uma lei natural da vida.

Em termos psicológicos, Jung (1973) dizia:

“Todo extremo psicológico contém secretamente o seu oposto ou está de alguma forma em estreita relação com ele. Na verdade, é desta contradição que ele deriva a dinâmica que lhe é peculiar. Não existe rito sagrado que eventualmente não se inverta em seu oposto, e quanto mais extremo se tornar uma posição, tanto mais se pode esperar a sua enantiodromia, sua reversão para o contrário”.

Portanto aquele que domina a morte é o senhor da vida. Para Jung (1995),

“Só escapa à crueldade da lei da enantiodromia quem é capaz de diferenciar-se do inconsciente. Não através da repressão do mesmo — pois assim haveria simplesmente um ataque pelas costas — mas colocando-o ostensivamente à sua frente como algo à parte, distinto de si.”

Harry então está em busca dessa diferenciação, se colocando a frente daquilo que mais teme: a morte.
Paralelamente, Voldemort abre a tumba de Dumbledore e rouba a Varinha das Varinhas, apontando-a para o céu e invocando a Marca Negra. Harry e seus amigos seguem em busca das Horcruxes restantes. Para isso precisam retornar a escola que agora está sob a direção da professora Minerva. E assim começa a batalha entre Voldemort e os comensais da morte e Harry e os seus aliados.

Voldemort assassina Snape. E Harry descobre que tudo foi armado por Snape e Dumbledore, inclusive a morte do ultimo. Harry vê, então, as memórias de Snape e descobre que ele mesmo é uma Horcrux. Ele decide se entregar à morte e, após ver, dentro do Pomo de Ouro, a Pedra da Ressurreição, Harry vê seus pais e Sirius o que lhe dá mais forças para fazê-lo e se juntar a eles na morte.

É muito comum os filhos quererem, por amor, seguir os pais (ou um dos pais) na morte. Harry se sente dessa forma, pois os pais e o padrinho morreram. Ao encarar que já vivia na morte ele se conscientiza de que precisa viver, e que o amor deles é o combustível para que viva a vida plenamente. Harry é “morto” por Voldemort percebe que além de Voldemort não poder matá-lo quando era bebê, ele não pode fazer isso porque usou seu sangue para reconstruir seu corpo.

Harry percebe que ele é a vitima sacrificial.

É importante salientar que quando há um encontro do ego com o inconsciente, o ego sempre sente a experiência como uma morte. Isso ocorre com o problema dos tipos psicológicos, no enfrentamento da função inferior. Todo encontro com a função inferior resulta em uma morte para o ego, pois há uma transformação total da personalidade.

Harry vai passar por uma transformação profunda em sua mortificatio. Ele ouve de Dumbledore que Voldemort não pode matá-lo, pois parte de sua alma está nele. Nesse instante Harry se torna consciente de sua identificação.

Conforme Newmann (1995) no desenvolvimento da personalidade da fase do herói solar ocorre o assassinato dos pais. Esses pais não são os pais pessoais, mas figuras transpessoais internas – as imagos parentais – que prendem o ego ainda em um estágio indiferenciado e dependente. O herói precisa com isso provar a sua masculinidade e força.

Harry tem os pais mortos por uma figura sombria. Newmann (1995) ainda cita que em contos é comum o herói enfrentar um dragão, uma bruxa, um monstro e também um bruxo. Após esse enfrentamento o herói encontra a cativa e começa a se relacionar com a anima e se torna ele mesmo pai e alguém responsável.

O jovem então retorna da morte e se torna apto a matar Voldemort, travando um longo duelo com o bruxo. A conscientização de Harry se deu pela separação do eu e não-eu. Harry olha para seu complexo paterno de forma objetiva e retira a desidentificação, adquirindo forças para matar o bruxo, ou seja, para superar esse complexo aprisionador.

Após esses eventos, Harry se casa com Gina, e após 19 anos seus filhos vão para Hogwarts, juntamente com os de Rony e Hermione. Mostrando que novas aventuras estão por vir, novos enfrentamentos e que o processo de individuação é cíclico.


REFERÊNCIAS:

EDINGER, E. F. Anatomia da psique: O simbolismo alquímico na psicoterapia. São Paulo, Cultrix: 2006.

JUNG, C. G. Símbolos da Transformação. C.W. V, 2.ª ed. Petrópolis : Vozes, 1973.

JUNG, C. G. Psicologia do inconsciente. C.W. VII/1, 10.ª ed. Petrópolis : Vozes, 1995.

NEWMANN, E. História da Origem da Consciência. 10 ed. Cultrix. São Paulo: 1995.

VON FRANZ, M. L. A individuação nos contos de fadas. 3 ed. Paulus: São Paulo: 1984.

FICHA TÉCNICA

HARRY POTTER E AS RELÍQUIAS DA MORTE

Direção: David Yates
Adaptação de: Harry Potter e as Relíquias da Morte
Série de filmes: Harry Potter
Música composta por: Alexandre Desplat
Autora da Série: J. K. Rowling
Precedido por: Harry Potter e o Enigma do Príncipe
Adaptações: Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 1 (2010),
Harry Potter e as Relíquias da Morte: Parte 2 (2011);
Prêmio: Prêmio Andre Norton

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Harry Potter e o Enigma do Príncipe: a separatio no processo de individuação do herói

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Harry Potter e o enigma do Príncipe é o sexto filme da franquia e se inicia logo após o confronto com Voldemort e os comensais da morte. Harry é levado por Dumbledore para o povoado de Buddleigh Baberton, onde conhece Horácio Slughorn, professor antecessor de Severo Snape de Poções da Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts. Dumbledore o que de volta, pois o ex-professor possui em segredo muito importante.

Apesar do tom obscuro e do estado da nigredo permanecer no filme, a ênfase principal do filme é o crescente interesse de Harry por Gina Weasley. Potter já havia iniciado um encontro com o feminino nos filmes anteriores, mas com Gina está também em desenvolvimento o que na alquimia é conhecida como Coniunctio, o casamento sagrado. No filme a Câmara Secreta esse encontro já se anunciava. Potter mata o monstro e salva Gina.

Gina estava sendo controlada por Voldemort mostrando que a anima do herói estava enfeitiçada, ou seja, misturada com aspectos sombrios. Se em Câmara Secreta o lado feminino do herói se encontrava contaminado por elementos sombrios e precisou ser resgatada para que ocorresse a diferenciação desse componente psíquico. Em O enigma do Príncipe vemos Gina diferenciada e sendo por vezes auxiliar e inspiradora de Harry.

Pois bem com Gina mais amadurecida e diferenciada, Harry passa a estabelecer um relacionamento com ela. Mas antes de aprofunda no tema da coniunctio é importante salientar que Harry ainda está vivendo a sua nigredo, a noite escura da alma, e a mortificatio ainda está acontecendo. A morte ainda está presente em O Enigma do Príncipe.

Nessa continuação o professor Snape se mostra um traidor e que está aliado a Voldemort. Dumbledore ainda confia nele e o coloca no posto de professor de Defesa Contra as Artes das Trevas. A traição, o medo e a busca de defesa contra o lado sombrio do inconsciente. Psicologicamente o uso de magia é uma forma do ego se proteger daquilo que não conhece, ou seja, da força do inconsciente, a qual é assustadora para o ego.

Os povos mais primitivos se valiam muito de magia, mas ainda vemos resquícios das artes mágicas nas religiões e ordens esotéricas atuais. Apesar de nossa sociedade ocidental conscientemente ter evoluído em termos culturais, tecnológicos e intelectuais e de haver alcançado um nível de ciência que explica boa parte dos fenômenos, ainda estamos engatinhando quando o assunto é o inconsciente. Por mais que nos vangloriemos de ser uma sociedade evoluída intelectualmente ainda somos tomados por atitudes “mágicas” como forma de proteção. Fazemos isso quando queremos nos proteger do mau olhado, inveja e tomamos banhos, oramos, rezamos e fazemos alguns rituais para ocorra a proteção externa.

Carregamos de nossos ancestrais esse costume. Ainda está entranhado em nosso inconsciente esse pensamento mágico, fantasioso e mitológico e a saga Harry Potter nos mostra isso: em momentos de crise, quando ocorre um abaixamento do nível mental e da consciência do ego, regredimos a um nível mais arcaico e primitivo e essa herança, que faz parte de nossa história é acessada.

Harry descobre que Voldemort que usou um feitiço para se tornar imortal: maldição das Horcruxes. Horcruxes são objetos nos quais um indivíduo pode depositar parte de sua alma para continuar vivo caso seu corpo seja destruído. Isso é alcançado através do assassinato de uma pessoa. Voldemort, obcecado pela imortalidade, dividiu sua alma em sete pedaços, criando seis Horcruxes que se esconde nos seguintes locais: O diário de Tom Riddle; O anel de sua mãe, O medalhão de Salazar Sonserina; a taça de Helga Lufa-Lufa; O diadema de Rowena Corvinal e a serpente Nagini. Duas já foram destruídas (O diário e o anel), e uma terceira foi localizada: O medalhão.

Essa operação da Horcruxes simboliza a operação alquímica da separatio. A separatio consiste em pegar o composto conhecido como matéria prima, que se trata de uma confusa mistura indiferenciada. Em termos psicológicos significa a criação da consciência por meio da separação dos opostos. E o primeiro par de opostos com os quais nos deparamos é o Eu e o Não – Eu; Ego e inconsciente.

A separatio é por vezes acompanhada da mortificatio, ou seja, em toda separação há dor lamentação e perda. A separação da alma do corpo também é um símbolo dessa operação alquímica. Essa separação da alma de Voldemort significa que o conteúdo sombrio se dividiu ao atingir a consciência e agora pode ser digerido pelo ego. Pois assim como o organismo precisa quebrar as moléculas dos alimentos para que se possa fazer a absorção do que é necessário para o corpo e descartar os resíduos, os conteúdos do inconsciente precisam ser separados para que o ego assimile melhor os aspectos sombrios sem sucumbir a uma dissociação.

Além disso, a operação mortificatio ainda está em andamento e Dumbledore é morto por Severo Snape, que revela a Potter ser o Príncipe Mestiço. Harry, na aula de poções mágicas, começou a usar um livro que um dia foi propriedade desse Príncipe Mestiço. Graças a uma série de encantos e dicas escritas nos versos do livro, o herói torna-se o melhor aluno da classe e ganha do professor Slughorn um frasco de Felix Felicis, uma poção da sorte, que lhe auxilia na descoberta das Horcruxes.

Pois bem, a morte de Dumbledore, mostra que Harry está mesmo sozinho e precisará confrontar seus aspectos renegados e esquecidos sem ajuda mágica. Quanto ao Príncipe Mestiço, ainda paira um segredo sobre essa figura que será revelado nos próximos filmes, pois o mesmo possui uma atitude bem ambígua: ele mata Dumbledore, mas acaba auxiliando Potter com as dicas no livro. Ele de fato, sabia que o livro cairia nas mãos do menino bruxo.

A separatio é uma operação alquímica que prepara para a coniuctio superior, ou seja, para o casamento do Sol e da Lua, masculino e feminino e a junção e para a ampliação de consciência. Resta saber se Potter irá suportar essa separação de opostos e a mortificatio que lhe acompanha.

REFERÊNCIAS:

EDINGER, E. F. Anatomia da psique: O simbolismo alquímico na psicoterapia. São Paulo, Cultrix: 2006.

JUNG, C. G. Psicologia e Alquimia. Petrópolis, RJ: Vozes, 1990.

VON FRANZ, M. L. Alquimia – Introdução ao simbolismo. São Paulo, SP: Cultrix, 2004.

FICHA TÉCNICA

HARRY POTTER E O ENIGMA DO PRÍNCIPE

Adaptação de: Livro Harry Potter e o Enigma do Príncipe
Direção: David Yates
Duração: 2h 33m
Série de filmes: Harry Potter
Ano: 2009

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Harry Potter e a Ordem da Fênix

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O filme se inicia com um ataque dos dementadores ao mundo dos trouxas. Harry usa seus poderes para livrar seu primo Duda do ataque dos dementadores e vai a julgamento por isso, pelo Ministério da Magia Harry inicia essa nova jornada ainda no estágio da mortificatio, como citado no texto anterior: Harry Potter e o Cálice de Fogo. Aqui partes do ego do herói ainda precisam morrer para que ele se desenvolva e amadureça mais ainda.

O Ministério da Magia não acredita que “Aquele que não se pode pronunciar o nome voltou” e sobre isso é importante colocar algumas observações.

Quando algo, ou alguém, não tem um nome também não possui existência. Ao nascermos, recebemos nomes e um registro de nascimento. No nome está a nossa personalidade. Ao não nomear o mal, estamos nega-se a sua existência. Essa é uma atitude muito comum no Cristianismo, que se refere ao Mal como a ausência do Bem.

Pois, por mais paradoxal que isso possa soar, ao não nomear o Mal e ignorar a sua existência lhe damos mais força. É comumente dito pela psicanálise e pela psicologia analítica que todo conteúdo psíquico ignorado retorna ao inconsciente se transformando em um complexo autônomo, com força e energia para tomar o ego e deixá-lo subjugado.

Em psicoterapia ao nomear um problema é colocado um rótulo nesse problema. Ao dizer ao paciente: “Isso é um Complexo Materno!”, rotula-se o problema e se utiliza a racionalização. Conforme Von Franz (1984) nomear um complexo é um produto da esperteza humana. Uma forma de aprisionar, por meio de sua sagacidade e inteligência, coisas que comumente lhe escapam.

Nós comumente desaprovamos a racionalização, pois usamos a palavra no sentido depreciativo. Dizemos: ‘”Não racionalize!”. Mas como em tudo mais, existe um duplo aspecto nisso: de fato, constantemente temos que utilizar a mente e a inteligência para aprisionar gênios e outros demônios.”(VON FRANZ, 1984).

A questão é que usar um pouco de racionalização pode auxiliar a pessoa a sair do estado caótico e seguir em frente. Essa é obviamente uma solução temporária e o conteúdo aprisionado pelo rotulo deve ser encarado. E é justamente a luta pela aceitação por parte da consciência de que existe um problema, ou seja, um complexo autônomo sombrio atuando, que o herói trava nesse filme da série.

Harry então é levado até a casa de Sirius Black e lá ele conhece a Ordem da Fênix. Uma ordem secreta de bruxos que acreditam em Harry e estão em prontidão de combate contra o Voldemort e seus aliados. Harry, Hermione e Rony retornam a Hogwarts e lá há outra professora de Defesa contra as Artes das Trevas, contratada do Ministério da Magia. A irritante Dolores Umbridge, que resolve ensinar a eles por um livro, ao invés da prática. Ela também desacredita Harry dizendo, que Lord Voldemort não voltara. Ela passa a perseguir Potter e praticar bullying com ele e com quem se aliasse ao garoto.

Depois de algum tempo, Dolores é colocada pelo Ministério como Alta Inquisidora de Hogwarts. Com isso, Harry e alguns de seus amigos fazem um grupo secreto chamado Armada de Dumbledore para ensinar verdadeira Defesa contra as Artes das Trevas. E o professor é Harry!

Sobre essa Inquisição imposta por Dolores é importante colocar que a professora é o símbolo da repressão que a consciência impõe a qualquer conteúdo do inconsciente que está aflorando. Toda e qualquer mudança não é bem vinda pelo ego, em um primeiro momento. Vide as principais mudanças da humanidade: todas precedidas por perseguições e guerras.Sobre o bullying sofrido por Potter é importante salientar que existe uma tendência na consciência a se manter no mesmo estado. Há uma força que nos impele a nos manter inconscientes e dissolvidos no coletivo.

Quando uma pessoa se individua, deixa de ser um carneiro do rebanho e o equilíbrio do grupo deve ser restabelecido. No momento em que um dos fatores se retira os outros sentem como uma ameaça a lacuna assim criada; tornam-se então agressivos e tentam forçar o infiel a retornar ao nível inconsciente anterior (VON FRANZ, 2010).

Harry está seguindo no caminho da individuação e não está mais no estado inconsciente a respeito dos aspectos sombrios reprimidos e esquecidos. Por essa razão a figura da Inquisidora aparece. É como a pessoa que empreende um processo de analise e em seguida a família toda começa a ficar agitada e agressiva com essa pessoa.

No entanto, no aspecto positivo, quem segue o processo de individuação consegue influenciar sem esforço, outras pessoas; pois existe uma força no interior de cada ser humano que impele à consciência.
Essa força de atração para a consciência se vê no filme, quando Potter se torna professor. Sua vivencia com o inconsciente e com os desafios e as dores superados, o acionam como alguém que pode ensinar a outros a seguir seu próprio caminho.

Como citado ano começo do texto, Harry ainda está no processo alquímico denominado Mortificatio, que se iniciou com a morte de Cedrico. Ele parte com seu grupo de amigos em busca da profecia a respeito dele e de sua ligação com Voldemort, e descobre que um só pode viver se o outro morrer. A mortificatio está associada à nigredo, ou seja, ao negrume e à cor negra.

A nigredo é um estado muito doloroso muito difícil, pois se refere à sombra. No filme Potter reclama, xinga e é injusto muitas vezes, principalmente com Hermione e Rony. Ele está em contato com o que há de pior em sua alma, ele está se conscientizando sobre sua própria sombra. Esse negrume tem origem com a morte de alguma coisa. Como visto no filme anterior, o que morreu foi uma parte de Harry identificado com uma persona perfeita.

Conforme Edinger (2006), explosões de afeto, ressentimento, prazer e exigência de poder devem se submeter à mortificatio para que a libido emaranhada em formas infantis e primitivas se transforme. E Potter vai submeter essas explosões de afeto infantis suas à mortificatio. Ao buscar a resposta sobre sua condição seus amigos se tornam presas do grupo e Voldemort. A Ordem da Fênix então vai até lá e se inicia o confronto; um embate entre opostos onde Harry se encontra.

E nesse embate Sirius Black morre.

Sirius, como visto em O Prisioneiro de Azkhaban, é o padrinho de Harry e um símbolo do complexo paterno do menino. Von Franz (2010) diz que quando alguém morre em um sonho, isso indica que essa pessoa não representa mais de maneira válida o conteúdo inconsciente que nela se encarnava. Mas a energia psíquica que estava investida sob essa forma não se perderá; reaparecerá em outro nível.

A energia então investida em Sirius Black foi transformada e Potter agora terá que investi-la em algo mais evoluído. O arquétipo do Pai que está por trás do complexo paterno de Potter será investido em algo mais evoluído. Potter admira e busca figuras paternas em pessoas mais velhas. Observamos esse complexo atuando, quando o bruxo busca constantemente a atenção e aprovação de Dumbledore.

A questão do complexo paterno para o menino está ligada a formação de sua identidade masculina. Na relação com Sirius e Dumbledore, o menino descobriu o pai humano e acessível e essa imagem deixou de ser distanciada da realidade e idealizada. Agora ele consegue ver as qualidades e defeitos do pai. Potter está em processo de afirmação de sua identidade masculina e assimilando em sua personalidade as características desse pai da qual ele foi privado de contato afetivo. Por essa razão Potter é tão inseguro quanto a si mesmo.

É o pai que permite que o filho se lance no mundo externo com segurança. Ele sai do âmbito familiar para a sociedade, para colocar seus dons e criatividade a serviço do coletivo. A relação com o pai permite que o menino não caia na imagem do puer aeternus e assuma a sua virilidade e passe a ter um papel social. Potter então terá que colocar seus dons a serviço de algo maior. Ele assumirá a responsabilidade de ser o herói. Veremos então esse desenvolvimento da personalidade do herói nos próximos filmes da série.

REFERÊNCIAS:

EDINGER, E. F. Anatomia da psique: O simbolismo alquímico na psicoterapia. São Paulo, Cultrix: 2006.
VON FRANZ, M. L. A interpretação dos contos de fada. 5 ed. Paulus. São Paulo: 2005.
VON FRANZ, M. L. A individuação nos contos de fadas. 3 ed. Paulus: São Paulo: 1984.
VON FRANZ, M. L. O feminino nos contos de fada. Vozes. São Paulo: 2010.

FICHA TÉCNICA 

HARRY POTTER E A ORDEM DA FÊNIX

Adaptação de: Livro Harry Potter e a Ordem da Fênix
Direção: David Yates
Série de filmes: Harry Potter
Duração: 2h 22m
Ano: 2007

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“O Pequeno Príncipe” e o arquétipo Puer Aeternus

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Le Petit Prince, ou O pequeno príncipe é uma animação de 2015, baseada na obra homônima de Antoine de Saint-Exupéry,de 1943. O filme traz uma narrativa original, onde uma menina está lidando com uma mãe ausente emocionalmente e que quer que ela cresça rápido demais.

Portanto, o cerne da historia do filme é a relação mãe e filha e a cura dessa relação e do amor entre elas. Falta o elemento Eros na relação, o que afeta a função sentimento tanto da mãe quanto da filha. A mãe cobra que a filha seja eficiente e que entre em uma escola renomada. Cria regras e esquemas de horários para a menina.

Conforme Von Franz (1984), os contos de fadas parecem exercer no âmbito de um povo, uma função semelhante a dos sonhos, para o individuo; eles confirmam curam, compensam, contrabalançam e criticam a atitude coletiva predominante, assim como os sonhos curam, compensam, confirmam, criticam ou completam a atitude consciente de um individuo.

Essa adaptação à obra O Pequeno Príncipe critica e traz uma compensação para a atitude do homem ocidental, cuja consciência é pautada pelo patriarcado.

Em uma sociedade patriarcal, é valorizada a eficiência, a ação e o fazer. Isso não é ruim desde que não seja uma atitude unilateral. No entanto, a consciência tanto individual quanto coletiva tende a permanecer em um curso de ação que antes foi favorável, mas que já se desgastou com o tempo. E a persistência em uma atitude ultrapassada, desgastada e que precisa de renovação leva a atitudes impossíveis.

É impossível exigir de uma criança uma eficiência extrema daquelas. A criança precisa da brincadeira e do lado lúdico da vida. Além disso, não é nada estranho o fato de o herói da história ser uma menina.

A criança representa a juventude e também pode ser considerado, por um lado, como símbolo do Self. Conforme Von Franz (2005b), a criança simboliza tanto a infantilidade quanto a vida futura, e é também o cerne da genialidade e criatividade.
Para Carl Jung (2008) o motivo da criança representa o aspecto pré-consciente da infância da alma coletiva. Além disso, Jung (2008) diz:

O motivo da criança não representa apenas algo que existiu no passado longínquo, mas também algo presente; não é somente um vestígio,mas um sistema que funciona ainda, destinado a compensar ou corrigiras unilateralidades ou extravagâncias inevitáveis da consciência. A natureza da consciência é de concentrar-se em poucos conteúdos, seletivamente,elevando-os a um máximo grau de clareza. A consciência temcomo conseqüência necessária e condição prévia a exclusão de outros conteúdos igualmente passíveis de conscientização. Esta exclusão causa inevitavelmente uma certa unilateralidade dos conteúdos conscientes.

Sobre o herói dos contos de fadas Von Franz (2005a) diz:

O herói é, consequentemente, o restaurador da situação sadia, consciente. Ele é um ego quer estabelece o funcionamento normal e sadio de uma situação, onde todos os egos da tribo ou nação estão desviando-se do padrão básico e instintivo da totalidade. Pode-se dizer, então, que o herói é uma figura arquetípica que representa um modelo de ego funcionando de acordo com o SELF. Sendo um produto da psique inconsciente, ele é um modelo que deve ser observado, pois demonstra o ego funcionando corretamente, ou seja, um ego que funciona de acordo com as solicitações do SELF.

Portanto, nossa pequena heroína é a responsável por mostrar um caminho para a renovação da atitude unilateral da consciência ocidental. Enquanto criança ela traz para a consciência elementos ignorados e esquecidos e assim compensar a atitude exagerada que vivemos hoje. Ela anuncia um futuro para o qual a consciência ocidental pode se encaminhar.

Mas ela é uma menina e enquanto mulher ela se difere do herói masculino. Conforme Von Franz (2010), a heroína tende a suportar o sofrimento e não a sair matando. Sua força consiste nesse suportar o sofrimento e em aceitar o seu destino, para então, depois mudá-lo. Ela sabe esperar; sabe a hora de ser passiva e a hora de ser ativa.

Além disso, Newmann (1995), diz que mesmo na mulher a consciência do ego tem um caráter masculino e que a relação consciência – dia – luz e inconsciente – escuridão – noite se mantêm independente do sexo. Ele diz também, que a consciência é masculina mesmo nas mulheres, assim como o inconsciente é feminino nos homens. Ele então define a consciência patriarcal, que se separa do inconsciente e fica livre de suas influências.

Portanto, para Newmann, a mulher moderna possui uma consciência patriarcal e um ego denotado pelo herói masculino. Ele também coloca a consciência patriarcal em um patamar de superioridade em relação à matriarcal (mesmo reconhecendo que no matriarcado se encontra a criatividade).

De fato, hoje, o ocidental – tanto homem quanto mulher – vive sob o jugo do patriarcado. No entanto, essa classificação apresentadapor Newmann lesou intensamente a mulher e alguns homens mais criativos. A mulher hoje paga um preço altíssimo por igualar seu ego a esse herói masculino. Apesar de hoje a mulher estar no mercado de trabalho e de poder estudar, ela não tem confiança em si mesma e não sabe mais como se relacionar, tendendo hoje a uma solidão profunda. Sua essência feminina foi perdida, e isso se passa de mãe para filha: se uma mulher não reconhece seu valor enquanto ser feminino, ela não reconhece em sua filha.

Para as mulheres atuais a maternidade pode ser um fardo e ela acha insuportável cuidar dos filhos, passando até a odiá-los, pois seu instinto materno está mau funcionamento; ela também pode tentar se tornar uma mãe “perfeita” para compensar a culpa, se desviando de uma reação instintiva elas passam a agir como uma boa mãe deve e segue normas ditadas pelo coletivo; uma reação muito mais provinda de seu animus negativo do que um instinto materno profundo.

São mães rígidas e “perfeitas” como a do filme, que não se permitem o prazer e exercem a maternagem como se estivesse no exército. Até os momentos de lazer com os filhos são um fardo, pois ela não está produzindo, nem sendo eficiente. Existe um senso de dever até no brincar.

Tanto o homem quanto a mulher podem apresentar uma consciência patriarcal ou matriarcal. Nos mitos gregos vemos tanto deuses matriarcais, ou seja, próximos à Grande Mãe, tanto deusas patriarcais, próximas ao Pai.

No entanto, a consciência feminina se assemelha à consciência matriarcal e por isso é representada nos contos e mitos por uma imagem feminina. Essa consciência não está separada do inconsciente, mas está em harmonia e consonância com ele. Ela sabe esperar sem luta e impaciência e não é absoluta, aceitando a relatividade. Ela também não aceita a separação e a oposição.

No contexto atual temos a divisão masculino – ativo e feminino – passivo, pois bem, a consciência matriarcal não aceita essa divisão. Ela procura englobar ambos os lados englobando inclusive a consciência masculina. Como a consciência feminina não deve aderir demais ao inconsciente, pois é consciência, no entanto, por estar mais próxima do inconsciente, ela pode trazer a tona elementos sombrios e esquecidos pela consciência.

Voltando a animação, a mãe da menina quer que sua filha entre em uma escola de renome, e para garantir que sua filha passe na prova de inscrição, lhe impõe um plano de estudo rigoroso para o verão que deixa quase nenhum tempo para o lazer. A menina, no entanto, distrai-se com seu vizinho, um aviador aposentado que, ao longo do verão, compartilha com ela a história de um menino chamado “Pequeno Príncipe”, a quem ele supostamente haveria encontrado em um deserto quando seu avião caíra. E assim ela estabelece um relacionamento com o velho, esquecendo das tarefas impostas pela mãe.

Von Franz em sua obra Puer Aeternus analisa O Pequeno Príncipe, e aponta que o aviador da obra é o próprio autor que sofreu um acidente de aviação na segunda guerra mundial e morreu. Ela diz que Exupéry apresentava uma personalidade de PuerAeternus. Ele era casado, mas não suportava ficar com sua esposa, sendo que entrava em depressão quando não voava. Ele morreu cedo, assim como todo Puer.

Portanto, o aviador é uma fantasia de que Exupéry tenha superado o seu complexo de criança eterna e sobrevivido.

O aviador, então já velho e sozinho, conta a historia do Pequeno Príncipe para a menina, pois ninguém acreditava nele e por essa razão não podia divulgar a história.

Ou aviador é um personagem que pode ser associado ao Senex, ou seja, ao velho, que sempre aparece acompanhando o Puer. Kawai (2007) diz que a aparição de personagens velhos é muito freqüente nos contos de fadas japoneses e é extremamente raro um velho ser o protagonista de um conto de fadas europeu. Portanto, nessa adaptação do conto de Exupéry temos um novo olhar e uma possível renovação provinda do inconsciente coletivo ocidental.

A figura do Puer sempre esteve associada ao seu laço com a mãe, no entanto Hillmann (1973) traz um novo olhar para essa imagem, que julgo ser mais adequado para o estudo em questão. Hillmann (1973) salienta que o Puer deve ser pensado não na sua relação com a mãe, mas com o Senex.  Para ele Senex e Puer devem ser compreendidos como duas faces de um mesmo arquétipo e não dois arquétipos separados.O objetivo do Pueré  redimir o pai, sobrepujando-se a ele, e não vencer e matar a mãe. Nos mitos a Deusa Mãe inclusive encoraja a ambição do Puer.

Os orientais, como os chineses e os japoneses estão mais familiarizados com essa imagem dupla e ambígua. Para nós ocidentais ela ainda gera uma confusão. A consciência Senex apresenta um aspecto duplo: por um lado representa o velho sábio tentando manter as leis antigas e por outro destrói com rapidez e força essas leis (aqui surge a imagem do Puer). Portanto, por baixo de uma imagem dura e fria, queima o fogo da destruição.

Conforme Kawai (2007) a consciência Senex se encontra nas profundezas do subterrâneo, enquanto que a consciência do herói é adequadamente identificada com o sol que brilha no céu.A consciência do herói, como conhecemos em nossa sociedade ocidental, contribui para o desenvolvimento e progresso da civilização, mas está sempre ameaçada pela morte. Já a consciência Senex não se preocupa tanto com a morte, pois ela existe dentro dela própria e ela não tem nada a ver com desenvolvimento e sim com imutabilidade, que quando chega ao seu máximo leva a autodestruição que termina em anarquia devido ao aparecimento repentino do Puer.

Na animação o velho possui características de Puer. Ele é anárquico e também criativo. Não se preocupa com a morte, mas com a falta de flexibilidade e criatividade do mundo atual. A rendição aqui é ao contrário: não é o pai que precisa ser redimido, mas o próprio Puer, o seja o aspecto anárquico, o estimulo e a criatividade que foram perdidos.

Para a consciência ocidental é muito difícil não pensar em termos de progresso e eficiência. A imutabilidade, a anarquia criativa e a espera com aceitação do destino são desprezadas pela consciência do herói valorizada pelo homem moderno. No novo conto apresentado vemos então, a rendição de três formas perdidas de consciência: a feminina, a senex e a puer.

De fato, hoje por mais que se queira aparentar que não, existe ainda um menosprezo pelo velho, pela criança e pela mulher. Ambos são considerados fracos e inferiores diante da força masculina heroica. Perto do fim do verão, o Aviador fica doente e é internado. Naquela noite, a menina tem um sonho em que ela voa no avião do Aviador até um asteroide habitado exclusivamente por adultos, onde todos trabalham sem alegria para o Empresário da história do aviador. Lá, ela encontra o Príncipe, agora um homem crescido que trabalha como zelador. Ele é agora um homem dócil e nervoso, tendo esquecido seu passado, e agora preocupado em agradar o Empresário.

O Empresário e o seu asteroide simbolizam a eficiência unilateral do patriarcado e dessa consciência coletiva pautada pelo herói masculino. Não há crianças no mundo e assim se perdeu a renovação e a criatividade. Não existe mais tempo para as relações e a natureza foi completamente dizimada, ou seja, o elemento feminino, juntamente com Eros, foi também reprimido. A menina então, resgata o Pequeno Príncipe e o planeta da tirania do empresário. E leva o Pequeno de volta a sua rosa e ao seu asteroide, e assim ele volta a ser criança.

Em seu sonho a menina age de forma ativa e heroica, mostrando que a consciência feminina engloba também a ação e não aceita divisões. Ela pode agir de forma tanto passiva quanto ativa. Por englobar e aceitar o diferente e o mal, ela é a única capaz de levar o Puer ao seu devido lugar, pois ela aceita a sua natureza. Como citei algumas vezes, a China e o Japão possuem muitos contos de fadas com essa estrutura Senex – Puer. Cada vez mais o homem ocidental tem se voltado para a sabedoria oriental, com suas práticas meditativas e contemplativas.

A consciência oriental é mais voltada para o feminino, dessa forma os contos orientais podem nos indicar caminhos de redenção. Não podemos mais ficar restritos a uma única forma de consciência. A multiplicidade hoje se faz Necessária e acredito que a sociedade caminhe para uma maior diversidade. Incluir a consciência puer, senex e feminina pode nos colocar no caminho da totalidade, pois como disse o aviador para a menina:

                  “O problema não é crescer, mas esquecer! ”

FICHA TÉCNICA

O PEQUENO PRÍNCIPE

Título em Original: Le Petit Prince
Direção: Mark Osborne
Adaptação de: O Pequeno Príncipe
Música composta por: Hans Zimmer, Richard Harvey
Duração: 1h 50m
Ano: 2015

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Harry Potter e o Cálice de Fogo: a opus alquímica

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Nesse filme da série, Harry Potter enfrenta vários perigos que podem ser analisados sob o prisma da Alquimia. A escola de Hogwarts foi escolhida como a sede da maior competição mágica que existe, o Torneio Tribruxo. Duas outras escolas, Beauxbatons e Durmstrang, irão competir.,

Três alunos são escolhidos pelo Cálice de Fogo para representar suas respectivas escolas. Por determinação do Ministério da Magia, apenas alunos com 17 anos ou mais poderem participar, mas Harry é escolhido (por manipulação) para representar Hogwarts, junto com Cedrico, um jovem popular aluno Lufa Lufa. Esse torneio é bastante perigoso e os participantes podem até morrer.

Pode-se observar aqui um ritual de iniciação para Harry. Os ritos de passagem, ou iniciação, nos povos primitivos uma transição particular para o indivíduo, bem como a sua progressiva aceitação e participação na sociedade na qual estava inserido, tendo, portanto um cunho tanto individual quanto o coletivo. Uma cerimônia muito importante era a passagem do jovem para a vida adulta e é nessa transição de menino para homem que Harry está passando. Velhas atitudes infantis devem agora ser abandonadas e novas responsabilidades devem ser aceitas.

Vemos essa mudança de atitude em Harry, Hermione e Ron, quando eles começam a se interessar pelo sexo oposto. Harry e Ron são obrigados a entrar no mundo feminino e convidar uma menina para o baile, o que é bastante difícil para eles. Portanto, o herói esta se tornando pronto para um relacionamento afetivo e desejando isso, para posteriormente formar sua própria família.

O torneio Tribuxo é composto por três provas. Na primeira os bruxos escolhidos precisam recuperar um ovo dourado que está sendo guardado por ferozes dragões. Como comentei no inicio do texto, essas provas podem ser mais bem compreendidas a luz da Alquimia.

Carl Jung consagrou muitos anos de estudo a este tema, e em seu livro Psicologia e Alquimia Jung introduziu, por assim dizê-lo, a alquimia na psicologia. Ele percebeu que o alquimista projetava sua própria psique durante a Opus alquímica que consistia na busca do valor supremo e essencial, ou seja, era a busca pelo Elixir da Vida Eterna e a Pedra Filosofal.

No primeiro filme da saga de Harry Potter comentei sobre a Pedra Filosofal, que é o inicio e a meta do processo alquímico e, por conseguinte da individuação. Ela é o começo e o fim. Tanto que ela da o nome ao inicio da saga. Dessa forma nota-se que a saga Harry Potter trata do processo de individuação pelo qual o herói (ego arquetípico) é submetido.

O motivo alquímico fica então mais evidente nesse filme da série. Aliás, não é a toa que o herói seja um bruxo, pois os alquimistas antigos eram considerados bruxos e alquimia uma arte mágica. Basicamente, o processo consistia na interação na interação de um sal e dois metais (o enxofre e o mercúrio). O sal é o dissolvente universal e é o meio de ligação entre o mercúrio e o enxofre, sendo associado à energia vital, que une corpo e alma.

O mercúrio e o enxofre são as principais matérias-primas da alquimia. O enxofre é o princípio fixo, ativo, masculino, que representa as propriedades de combustão e corrosão dos metais. O mercúrio é o princípio volátil, passivo, feminino, inerte. Ambos, combinados, formam o que os alquimistas descrevem como o “coito do Rei e da Rainha”, ou casamento alquímico.

Essa matéria prima, resumidamente, era submetida a uma serie de operações alquímicas a fim de ser purificada e transformada. Cada operação pela qual a matéria prima era submetida simboliza um estágio do processo pelo qual o ego pode ser submetido durante o processo de individuação. E em Harry Potter e o Cálice de fogo vemos algumas operações alquímicas pelas quais o herói será submetido.

No primeiro desafio do Tribuxo, Harry é submetido ao fogo do dragão. Esse desafio pode ser associado à operação denominada calcinatio. O processo da calcinação consiste no intenso aquecimento de um sólido, destinado a retirar a água dele, portanto trata-se de uma operação ligada ao elemento fogo.

O dragão costuma ser um símbolo associado à calcinatio. Nos textos alquímicos a natureza da substancia a ser calcinada é chamada de “lobo”, “sedimento negro” ou “dragão”. Esses termos dizem que a calcinatio é efetuada no lado primitivo da sombra, que acolhe o desejo faminto e instintivo e é contaminado pelo inconsciente (Erdinger, XX).

Esse fogo que provem do dragão (símbolo dos desejos instintivos) vem da frustração desses mesmos desejos instintivos, que gera raiva. Portanto, Potter esta passando por uma provação de um desejo frustrado que irá levá-lo a um processo de desenvolvimento de sua personalidade. O ponto importante é compreender qual é esse desejo frustrado de Harry.

Bem como Bruxo detentor de poderes mágicos e extremamente famoso por ter sobrevivido a Voldemort, Harry deve lidar com o instinto de poder e a arbitrariedade de um ego inflado e inflamado. As garotas agora olham para ele com desejo, na escola ele é uma lenda e um dos bruxos mais poderosos é seu inimigo. Voldemort é um aspecto sombrio de Potter, que simboliza a força destrutiva do poder. Assim como o menino ele também era famoso e poderoso, mas que sucumbiu a essa força instintiva do poder e foi por ela dominado.

A calcinatio não foi compreendida por Voldemort. Em termos coletivos o vilão representa a ânsia de poder do homem moderno, que destrói os recursos da natureza em prol de uma afirmação e poder egóica. A calcinatio nos faz lembrar que o verdadeiro poder vem do Self, ou seja, de uma força transcendente que frustra nossas pretensões quando essas não estão de acordo com a totalidade psíquica. É nesse momento que precisamos lidar com a raiva, o grande combustível da calcinatio, pois ela emerge, juntamente com a frustração das exigências de poder do ego.

E é no instante em que Harry lida com a frustração e a raiva que emerge o Self, na forma de ovo de ouro. O ovo para a psicologia analítica é um símbolo do Self, ele representa o circulo, a uroboros e a totalidade. E agora é a partir ele que Harry é guiado para as outras provas. Isso significa que agora o herói passa a agir motivado pelo Self e não pelo desejo egóico.

A calicinatio, portanto nos leva ao abandono das nossas pretensões e coloca o ego em seu devido lugar.
A segunda tarefa Harry precisa mergulhar no fundo do Lago Negro e resgatar Ron, que foi colocado sob a guarda de ferozes monstros aquáticos. Ele consegue com a ajuda de Neville Longbottomd, que lhe dá uma planta de nome guelricho, que lhe faz mutações instantâneas e permite que ele respire debaixo d’água.

A segunda tarefa pode ser associada a operação alquímica da solutio. A solutio pertence ao elemento água e representa transformação do sólido em um liquido. O sólido desaparece no solvente parecendo que foi engolido. É um estado que se assemelha ao bebê que está contido no útero. Essa operação representa nosso desejo de dissolução e de retorno ao estado indiferenciado, inconsciente.

Esse estado indiferenciado é representado pelo redondo, a uroboros, o círculo, ou seja, um útero simbólico, onde não há consciência, nem separação dos opostos. É uma descida ao inconsciente de onde o ego se origina. Passamos pela solutio constantemente: quando dormimos ou quando estamos doentes, pois na solutio encontramos a renovação da energia, o renascimento e o rejuvenescimento.

Mas o perigo da solutio é o fato de um ego imaturo achar prazeroso, pois de fato é uma experiência agradável: na inconsciência não há conflito. No entanto, não há crescimento, amadurecimento, autonomia e consciência. À medida que o ego deseja voltar a esse estado indiferenciado, também deseja se tornar consciente. Vivemos esse conflito de duas forças contrarias nos puxando. Harry então passa pela solutio. Ele mergulha em um lago (símbolo da regressão e da solutio) e deve salvar seu amigo sem, no entanto ficar preso, com o perigo de morrer.

Algumas criaturas marinhas aparecem tentando prender Harry. Essas criaturas parecem sereias diabólicas. As sereias são símbolos comuns da solutio, pois na Mitologia elas tinham o poder de afogar os homens com o seu canto.

Na Mitologia Vênus e Afrodite (deusas do amor) têm ligações fortes com a água, pois nasceram no mar. Portanto o erotismo é um forte ativador da solutio. Potter pode ser engolido pela luxuria e amor. Seu desejo erótico que está ativo o leva ao afogamento. Harry então sofre o desaparecimento de sua antiga forma para o surgimento de uma forma regenerada. Por meio do afogamento o ego é limpo de suas impurezas, é retirado os conteúdos que não estão em acordo com a totalidade psíquica.

Na terceira prova, Harry precisa encontrar a Taça Tribuxo, que está escondida dentro de um labirinto encantado que tem vida própria. Restam apenas ele e Cedrico, que decidem pegar a taça ao mesmo tempo. Porém, eles são surpreendidos ao descobrir que ela é uma Chave de Portal que os tele transporta para o cemitério onde jaz a família dos Riddle.

Lá Harry encontra Voldemort e Cedrico é assassinado. O tema do labirinto é bastante conhecido na Mitologia Grega. Que ficou como uma elaborada construção erguida para o rei Minos de Creta, e projetada pelo arquiteto Dédalo e seu filho, Ícaro especificamente para abrigar a criatura chamada Minotauro, que não tinha qualquer fonte natural de alimento, e precisava devorar humanos para sobreviver.

O rei Minos exigia que pelo menos sete rapazes e sete donzelas atenienses (escolhidos por de sorteio) lhe fossem enviados a cada nove anos (ou, segundo alguns relatos, anualmente) para ser devorado pelo Minotauro. Quando se aproximava a data do envio do terceiro sacrifício o jovem príncipe Teseu se ofereceu para assassinar o monstro. Em Creta, Ariadne, filha de Minos, se apaixona por Teseu e o ajuda a se deslocar pelo labirinto, que tinha um único caminho que levava até seu centro. Na maior parte dos relatos Ariadne dá a ele um novelo, que ele utiliza para marcar seu caminho de modo que ele possa retornar por ele. Teseu então mata o Minotauro com a espada e lidera os outros atenienses para fora do labirinto.

No Tarot Mitológico, a lâmina A Torre representa o labirinto. A Torre oculta um segredo que está prestes a ser descoberto e tudo virá abaixo. Harry e Cedrico, assim como Teseu descobrem esse segredo oculto.
Esse segredo tem a ver com as nossas sombras tão bem escondidas por nossa persona. Aquilo que não queremos mostrar ao mundo e que sofregamente reprimimos.

O labirinto representa a iniciação, o caminho para se chegar ao centro, ou seja, a meta, O Self. Mas para isso é necessário encarar os aspectos sombrios e se sacrificar. O cemitério e a morte de Cedrico apontam para outra operação alquímica:a mortificatio. A mortificatio representa a experiência da morte. Representa a penitencia, abstinência, como meio de sujeição das paixões e apetites.

Ela é a mais negativa de todas as operações da alquimia, pois representa a derrota, a humilhação, a tortura, a morte e a mutilação. Contudo, essa operação leva, por compensação, a um estado altamente positivo posteriormente. Ela também é o símbolo da ressurreição e do renascimento. Seu símbolo pode ser a Fênix – que já apareceu anteriormente no filme anunciando a morte e o renascimento do herói.

A mortificatio está associada à cor preta e conseqüentemente à nigredo, que representa, em termos da psicologia analítica, ao encontro com a sombra. Isso significa, que quando tomamos consciência da nossa sombra é uma morte, uma derrota para o ego. É a tomada de consciência do mal. No filme Voldemort volta à vida por meio do sangue de Harry. A sombra do herói agora está viva e possui uma forma. O sangue (símbolo da morte e da vida) é libido, energia. Isso significa, que precisamos dispor uma quantidade de energia para nossa sombra, pois mesmo sendo uma derrota para o ego, é por meio dela que o ego renascerá renovado e mais fortalecido.

Harry entra agora na Nigredo, pois ele vê a morte de perto. Cedrico morre e isso abala Potter profundamente. Após essa morte ele não será mais o mesmo. Cedrico é um aspecto de Potter que morreu. Ele era um aluno perfeito e capitão do time de quadribol de sua casa, ou seja, uma unanimidade em Hogwarts, o herói apolíneo. E Potter tem admiração por ele, projetando em Cedrico todo o seu potencial. Pois é esse aspecto de perfeição apolínea em Harry que deve morrer. A perfeição não pertence aos humanos, mas aos deuses. Por essa razão Cedrico não pertence ao mundo humano.

Portanto, não é na luz que desenvolvemos nosso potencial, mas nas nossas sombras mais profundas. E assim nosso herói é transformado e fortalecido. Ele agora entra na Nigredo durante o restante da saga e lá permanecerá até o ultimo confronto com seu inimigo maior.

FICHA TÉCNICA

HARRY POTTER E O CÁLICE DE FOGO

Data de lançamento: 18 de novembro de 2005 (EUA)
Direção: Mike Newell
Série de filmes: Harry Potter
Música composta por: Patrick Doyle
Adaptação de: Harry Potter e o Cálice de Fogo

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Rainha de copas: da albedo à rubedo, uma análise alquímica da função sentimento

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A obra de Lewis Carroll, Alice no país das Maravilhas é bastante popular, sendo tema de séries e filme.

O livro trata de um sonho da menina Alice. Ou seja, ela mostra um encontro dela com seu inconsciente, justamente em uma época de grande transição, a entrada da puberdade. E nessa descida ao inconsciente ela entra em contato com a Rainha de Copas, que mostra algumas facetas de sua personalidade e aponta para um caminho de desenvolvimento.

A Rainha de Copas é uma figura extremamente caprichosa, mimada, mandona e emocional. Seu pavio é curtíssimo, parecendo um vulcão em erupção. E é conhecida por seu bordão: “Cortem-lhe a cabeça!”. Todavia, mesmo declarando freqüentes sentenças de morte, poucas pessoas aparecem realmente decapitadas.

Ela é casada com o rei de Copas que silenciosamente perdoa muitos condenados quando a rainha não está olhando. E seus soldados costumam não obedecer a suas ordens. Não obstante, todas as criaturas no País das Maravilhas temem a rainha.

Por ser uma figura que dita normas e padrões de comportamento no País das Maravilhas (ela manda que todos joguem seu jogo favorito, o críquete, e ninguém pode desobedecer), podemos associar a Rainha de Copas a função sentimento.

Tanto que quando ela manda cortar as cabeças ela tenta eliminar o pensamento, a função oposta, que poderia colocar uma lógica em suas atitudes. Quando uma função domina a consciência ela se torna unilateral e tende a reprimir sua função oposta devido ao medo de perder o controle.

A função sentimento fala de nossos valores, nossas normas de conduta e aquilo que herdamos de nossa família e cultura que se tornam importantes ao longo da vida. Mas quando ela é unilateral se transforma em dogmas e crenças sem fundamento e estéreis.

Quando o individuo entra na puberdade, ele começa a questionar esses valores adquiridos e ele começa a ter contato então com as funções de julgamento: o sentimento e o pensamento. E é isso o que acontece com Alice, ela começa a questionar as normas que lhe foram passadas e ela deverá estabelecer seus próprios valores e a desenvolver seu pensamento critico.

Outro ponto importante a ser analisado é o naipe de copas. O naipe de copas é geralmente associado ao elemento água e às emoções. A Rainha de Copas seria a mais emotiva de todas as Rainhas do tarô. E a Rainha de Copas de Alice mostra o lado agressivo e extremamente emocional desse naipe. Ela simboliza as emoções indiferenciadas de Alice.

Alice terá agora por meio da Rainha que se defrontar com suas emoções e desejos mais secretos. A Rainha de Copas é considerada a mais feminina do tarô, portanto, ela irá se deparar com sua feminilidade mais profunda.

Além disso, como o naipe de copas se relaciona com a água, ele simboliza uma imagem do inconsciente. Isso se traduz no fato de que a feminilidade de Alice, bem como seus sentimentos, emoções, desejos e anseios ainda não são conscientes ela terá que se defrontar com eles, agora que está prestes a se tornar mulher.

Outra curiosidade, a Rainha manda pintar todas as rosas de vermelho. Bem, a rosa vermelha está ligada a Afrodite, a deusa da beleza, paixão e luxuria. Isso simboliza o fim da inocência da infância e o contato com o desejo sexual e a libido, que na puberdade atinge seu ápice. Agora ela terá que aprender a se relacionar com o sexo oposto e a criar normas e condutas que não assassinem nem reprimam seus desejos. A cor vermelha também está associada a rubedo da alquimia.

Rubedo representa o quarto e último estado da alquimia, chamado a iluminação. É precedido pelos estados nigredo (morte espiritual), albedo (purificação), e citrinitas (despertar). Conforme Jung, citado em Anatomia da psique de Edinger:

Na linguagem dos alquimistas, a matéria sofre até a nigredo desaparecer, quando a aurora será anunciada pela cauda do pavão (cauda pavonis) e um novo dia nascerá, a leukosis ou albedo. Mas nesse estado de “brancura”, não se vive, na verdadeira acepção da palavra; é uma espécie de estado ideal, abstrato. Para insuflar-lhe vida, deve ter “sangue”, deve possuir aquilo que o alquimistas chamam de rubedo a “vermelhidão”, da vida. Só a experiência total da vida pode transformar esse estado ideal de albedo num modo de existência plenamente humano. Só o sangue pode reanimar o glorioso estado de consciência em que o derradeiro vestígio de negrume é dissolvido, em que o diabo deixa de ter existência autônoma e se junta à profunda unidade da psique. Então, a opus magnum está concluída: a alma humana está completamente integrada.

No caso da mulher, a rubedo está associada à menstruação, quando ela se torna capaz de gerar vida. E é nesse processo que Alice está entrando por meio da puberdade. Ela vai se inflamar de vida e um novo mundo agora irá se abrir a ela.

No capítulo final, a Rainha sentencia Alice (por defender o valete de copas) e oferece uma visão interessante da justiça: sentença antes do veredicto. Alice a enfrenta dizendo: “Quem se importa com você? Vocês não passam de um baralho de cartas!”. E nessa hora ela acorda.

Nesse ponto Alice enfrenta seu lado mimado e infantil, questionando as normas sem sentido que lhe foram passadas e começando a adquirir um senso critico sobre elas.

A Rainha de Copas, então representa o lado infantil de Alice que deve morrer e também uma Mãe Terrível com regras e normas de comportamento, que expulsa a menina do paraíso representado pelo País das Maravilhas, (mas que mantém a menina presa a um estado regressivo) e a leva a seguir seus instintos e desejos para que seu ego possa entrar e iniciar o processo de individuação.

REFERÊNCIAS

EDINGER, E. F. Anatomia da psique – O Simbolismo alquímico na psicoterapia. São Paulo: Cultrix, 1995.

JUNG, C. G. Tipos Psicológicos. 7. ed. Petrópolis: Vozes, 1991.

SHAMAN-BURKE, J. & GREENE, L. – O Tarô Mitológico. 27 edição Ed. Arx. São Paulo 2003.

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Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban: a projeção do complexo paterno

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O terceiro filme da saga Harry Potter, mostra o menino novamente na casa dos desagradáveis tios Dursley. Irritado com uma tia que vem visitar os Dursley foge de casa e vai viver em um abrigo de bruxos.

Observamos agora há uma diferença marcante em Potter: ele está amadurecendo!

Aos 13 anos ele não quer mais se submeter ao desprezo e maus tratos por parte dos tios, pelo fato de ser diferente. Ele precisa desenvolver sua independência e autonomia. No texto anterior, Potter cada vez mais se afastava de sua família consangüínea retirando as projeções do arquétipo paterno e materno dos pais pessoais. Em O Prisioneiro de Azkaban esse arquétipo paterno encontrará um novo objeto de projeção.

Harry Potter ao fugir dos Dusley, descobre que o assassino Sirius Black, um discípulo de Voldemort, fugiu da prisão de Azkaban, considerada até então como à prova de fugas, e tudo indica que está atrás do herói.

Após o desenvolvimento da estória e com o encontro de Potter e Sirius, descobrimos que o ultimo não é um vilão, mas que foi injustamente acusado de assassinato. Aqui ocorre um sincronicidade: Potter e Sirium, ambos fogem de uma situação injusta e aprisionante. E ambos precisam um do outro para se libertar. Além disso, Potter descobre que Sirius é seu padrinho.

Carl Jung (xx) menciona o motivo da dupla descendência, ou seja, a descendência de pais humanos e divinos, presente na Mitologia Grega, como no caso de Héracles, que foi inconscientemente adotado por Hera, alcançando a imortalidade. No Egito é até mesmo um ritual. O Faraó é por sua natureza um ser humano e divino. Nas paredes da câmara de nascimento dos templos egípcios vê-se representada a segunda concepção e nascimento divinos do Faraó – ele“nasceu duas vezes”. O próprio Cristo nasceu duas vezes: através de seu batismo no Jordão ele renasceu pela água e pelo espírito.

Ou seja, esse segundo nascimento dá base ao motivo dos pais duplos, onde o renascido recebe uma “adoção mágica” representada pelo padrinho e madrinha. Essa adoção sustenta a fantasia infantil de muitas crianças pequenas e crescidas de que seus pais não são os verdadeiros, mas apenas pais adotivos a quem foram confiadas (JUNG, 2000).

Potter reflete essa necessidade humana universal. Os pais humanos não são reais, e os bruxos estão mortos. A possibilidade de um padrinho, que ira satisfazer essa fantasia se aproxima. Somente alguém “divino”, e cuja natureza se aproxima da de Potter, por estar ligada também a Volemort, poderá compreende-lo e aceita-lo.

Por essa perspectiva, pode-se supor um complexo paterno em Potter. Além disso, Carl Jung (2000) diz que os padrinhos possuem a incumbência principal de cuidar do bem-estar espiritual do batizando. Eles representam o par divino, que aparece no nascimento anunciando o tema do“duplo nascimento”, que considera o herói como descendente de pais divinos e humanos.

Quando o jovem busca sua autonomia e independência na adaptação ao mudo, não é fácil se desligar com facilidade das figuras parentais. Potter simboliza o complexo paterno, devido à demora anormal a destacar-se da imagem primordial do pai.

Como Jung (2000) aponta ninguém suporta a perda total do arquétipo, e Sirius representa então a projeção do arquétipo paterno, representante da lei e da ordem. No filme anterior, Potter lidou com os aspectos regressivos da psique, simbolizados pela mãe terrível, e agora ele precisa lidar com o complexo paterno. No entanto, os complexos não necessariamente são negativos. Potter precisa de um modelo masculino para orientar seu ego. No aspecto positivo, esse complexo traz autonomia, independência e o desenvolvimento da inteligência do individuo.

 

 

O filme, então gira em torno do desenvolvimento do laço afetivo de Potter com Sirius e a ajuda que o menino presta para fugir da prisão e provar sua inocência. Outro aspecto interessante do filme é o fato de Potter e Hermione voltarem no tempo para auxiliar Sirius. Antes de voltar no tempo, Potter havia enfrentado os Dementadores (seres estranhos que sugam a energia vital de quem se aproxima deles), mas sem sucesso. Ele atribui sua salvação e a de Sirius a uma estranha visão, a qual ele atribui ao seu pai.

Nessa visão ele vê uma corça que lança um feitiço que afugenta os Dementadores salvando a vida dele e de Sirius. No quarto trabalho, Hércules precisa capturar a corça de Cerínia. A corça pertencia à deusa Ártemis. A corça possuía pés de bronze e cornos de ouro, trazia a marca do sagrado e, portanto, não podia ser morta. Mais pesada que um touro, mas bem rapidíssima, o herói, que deveria trazê-la viva a Euristeu, perseguiu-a durante um ano.

Embora consagrada a Ártemis, essa corça, no mito grego, é propriedade de Hera, deusa protetora do amor legítimo, sendo um símbolo essencialmente feminino. É muito interessante que um animal associado às deusas mães da Mitologia apareça para Potter e seja associada ao pai.

Conforme Brandão (xx), o lado puro e virginal da corça é bem acentuado, mas o “peso do metal”poderá pervertê-la, fazendo-a apegar-se a desejos grosseiros, que lhe impedem qualquer vôo mais alto. Essa corça se contrapõe a uma agressividade dominadora. A corça então pode significar um símbolo da alma de Potter.

Ao retornar no tempo, o herói descobre que ele mesmo lançou o feitiço que salvou sua vida e o de Sirius. E isso tem um significado muito profundo, pois a força de Potter esta na sua alma (anima) e não na masculinidade e na força. Pois bem, mas como ocorreu a resolução desse complexo paterno e o subsequente contato com a anima será abordado nos próximos filmes da série.

FICHA TÉCNICA

HARRY POTTER E O PRISIONEIRO DE AZKABAN

Direção: Alfonso Cuarón
Adaptação de: Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban
Música composta por: John Williams
Duração: 2h 22m
Ano: 2004

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