
Autor: Letícia Bender
Jornalista egressa do CEULP/ULBRA.

Constatações

Surdez não é doença e merece respeito
“O que importa a surdez da orelha, quando a mente ouve? A verdadeira surdez, a incurável surdez, é a da mente”. (Surdo francês Ferdinand Berther)
Alexander Graham Bell, inventor do telefone, Jonathan Swift, escritor do romance “As Viagens de Gulliver” e o ex-presidente dos EUA Bill Clinton possuem uma característica em comum, além de destaque no cenário mundial: têm deficiência auditiva. No Brasil, por exemplo, estima-se que existam cerca de 15 milhões de pessoas com algum tipo de perda de audição e percebe-se a grande dificuldade no que diz respeito a relacionamentos e socialização ao analisar adolescentes com esse tipo de deficiência, o que gera maiores desafios e complicações na fase adulta da vida.
Adolescência é fase delicada e determinante. Mudanças em todos os aspectos ocorrem e na vida de um surdo não é diferente. Pelo contrário, são necessários mais cautela e respeito. “Um adolescente surdo, que precisa de um intérprete, de uma prótese, tende a ser visto diferente. Frequentemente, passa por situações de evitamento ou distanciamento por parte dos ouvintes, ou ele mesmo acaba não facilitando esse tipo de aproximação”, explica Marta Schorn, psicóloga argentina, especialista em surdez. A condição de surdo os inibe de certas possibilidades e situações e, futuramente na vida adulta, percebem-se características peculiares.
A psicóloga e pesquisadora Gisele Oliveira da Silva, professora de Libras do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Rio Grande do Norte – IFRN, comenta que os surdos são, por vezes, considerados imaturos e problemáticos nas relações que estabelecem com si mesmos e com o mundo. “Mas isto não é um efeito que tem como causa a própria surdez, mas da forma com que a família, a escola e outras instituições formadoras lidam com estes sujeitos ao preservarem estigmas que, somados a barreiras linguísticas, os privam de orientação, esclarecimento, e os eterniza como seres “infantis””, esclarece Gisele.
Isso porque a sociedade no geral não sabe lidar com surdos. Muitas das situações preconceituosas acarretam grandes consequências e podem ser evitadas. Blogs e vlogs relatam erros graves dos ouvintes que não têm sensibilidade e respeito com deficientes auditivos. Da mesma forma que há regras de convivência e educação na cultura ouvinte, há também na vida dos que não escutam. Algumas dicas podem ajudar na relação:
– Não é correto dizer que alguém é surdo-mudo. Muitas pessoas surdas não falam porque não aprenderam a falar. Muitas fazem a leitura labial, outras não.
– Quando quiser falar com uma pessoa surda, se ela não estiver prestando atenção em você, acene para ela ou toque em seu braço levemente.
– Quando estiver conversando com uma pessoa surda, fale de maneira clara, pronunciando bem as palavras, mas não exagere. Use a sua velocidade normal, a não ser que lhe peçam para falar mais devagar.
– Use um tom normal de voz, a não ser que lhe peçam para falar mais alto. Gritar nunca adianta.
– Fale diretamente com a pessoa, não de lado ou atrás dela.
– Faça com que a sua boca esteja bem visível. Gesticular ou segurar algo em frente à boca torna impossível a leitura labial. Usar bigode também atrapalha.
– Quando falar com uma pessoa surda, tente ficar num lugar iluminado. Evite ficar contra a luz (de uma janela, por exemplo), pois isso dificulta ver o seu rosto.
– Se você souber alguma linguagem de sinais, tente usá-la. Se a pessoa surda tiver dificuldade em entender, avisará. De modo geral, suas tentativas serão apreciadas e estimuladas.
– Seja expressivo ao falar. Como as pessoas surdas não podem ouvir mudanças sutis de tom de voz que indicam sentimentos de alegria, tristeza, sarcasmo ou seriedade, as expressões faciais, os gestos e o movimento do seu corpo serão excelentes indicações do que você quer dizer.
– Enquanto estiver conversando, mantenha sempre contato visual, se você desviar o olhar, a pessoa surda pode achar que a conversa terminou.
– Nem sempre a pessoa surda tem uma boa dicção. Se tiver dificuldade para compreender o que ela está dizendo, não se acanhe em pedir para que repita. Geralmente, as pessoas surdas não se incomodam de repetir quantas for preciso para que sejam entendidas.
– Se for necessário, comunique-se através de bilhetes. O importante é se comunicar. O método não é tão importante.
– Quando a pessoa surda estiver acompanhada de um intérprete, dirija-se à pessoa surda, não ao intérprete.
Com informações de www.avozdosurdo.com.br

Holocausto Brasileiro silencioso e desumano
“O repórter luta contra o esquecimento. Transforma em palavra o que era silêncio. Faz memória. Neste livro, Daniela Arbex devolve nome, história e identidade àqueles que, até então, eram registrados como ‘Ignorados de tal’. Eram um não ser”. O prefácio, escrito por Eliane Brum, introduz o livro Holocausto Brasileiro, da jornalista Daniela Arbex.
Lançado em junho deste ano, o livro dá voz às vítimas do maior hospício brasileiro localizado em Barbacena – MG. O Colônia, como é chamado, começou a funcionar em 1903 e tornou-se destino de desafetos, homossexuais, militantes políticos, mães solteiras, alcoolistas, mendigos, negros, pobres, pessoas sem documentos e todos os tipos de indesejados, inclusive os chamados insanos, escreve Arbex.
“Cerca de 70% não tinham diagnóstico de doença mental. Eram epiléticos, alcoolistas, homossexuais, prostitutas, gente que se rebelava, gente que se tornara incômoda para alguém com mais poder. Eram meninas grávidas, violentadas por seus patrões, eram esposas confinadas para que o marido pudesse morar com a amante, eram filhas de fazendeiros as quais perderam a virgindade antes do casamento. Eram homens e mulheres que haviam extraviado seus documentos. Alguns eram apenas tímidos. Pelo menos trinta e três eram crianças.”
(Imagem retirada de http://www.cafecomnoticias.com)
(En)Cena – O que lhe motivou a escrever o “Holocausto Brasileiro”?
Daniela Arbex– O fato de essa ser uma história desconhecida da maioria do país. Como 60 mil mortes ocorreram durante oito décadas dentro de uma instituição brasileira e a nação jamais soube disso? Logo que tive acesso aos números, senti necessidade imediata de encontrar os rostos dessa tragédia. Holocausto brasileiro é a história contada pelo olhar de quem sentiu na carne toda essa dor e sobreviveu.
(En)Cena – Qual sua ligação com esse tema?
Daniela Arbex– Tudo que diz respeito à defesa dos direitos humanos me atrai. Me considero uma porta-voz das vítimas silenciosas. O que busco com o meu jornalismo é fazer a sociedade enxergar os invisíveis. Além disso, sou brasileira e a dor dos pacientes da Colônia é a dor de todos nós. Não é possível ficar indiferente à barbárie, a injustiça e a covardia.
O que sempre digo é que a verdade tem força, mesmo 50 anos depois, como no caso do Holocausto brasileiro. A indiferença alimenta o extermínio. Não podemos mais continuar fingindo que não vemos. Por isso, o meu sonho é que o livro possa fazer com que a exclusão dê lugar ao acolhimento. Todos nós conhecemos alguém que não se ajusta as normas sociais. Então cada um de nós tem motivo suficiente para lutar pela humanização do atendimento oferecido aos considerados insanos. Não podemos permitir que modelos como o Colônia ainda tenham espaço na nossa sociedade.
(En)Cena – Qual é o seu objetivo com o “Holocausto”? Como jornalista, qual é a responsabilidade que você tem ao escrever esse livro?
Daniela Arbex– Meu desejo é que o Brasil conheça a extensão dessa tragédia. O meu desejo é que este livro inspire a sociedade na busca da verdade e da justiça. Como porta-voz das vítimas silenciosas, utilizo o jornalismo para dar voz aos socialmente mudos.
(En)Cena – Qual a história que mais te impressionou?
Daniela Arbex– A do bombeiro João Bosco. Nascido dentro do Colônia, ele foi retirado da mãe aos 2 anos de idade. Os dois passaram a vida inteira separados. Ela sofrendo por não saber como enterrar um filho vivo e ele por achar que foi rejeitado. Somente em 2011 eles se reencontraram e puderam, enfim, conhecer toda a verdade. Duas vidas destruídas por um sistema excludente e injusto.
(En)Cena – E hoje o prédio do Colônia é utilizado de que forma? O que foi feito dele?
Daniela Arbex– O hospital continua funcionando, mas deixou de ser uma unidade unicamente psiquiátrica para atender outras especialidades médicas. Tornou-se um hospital regional. Do período do Colônia restam 160 pessoas que tem sobrevida estimada em, no máximo, mais dez anos.
(En)Cena – No fim do prefácio, escrito por Eliane Brum, ela afirma que “o holocausto ainda não acabou”. Onde ele ainda existe? Como se manifesta?
Daniela Arbex– É verdade. O holocausto não acabou e se manifesta em modelos de atendimento desumanizados e excludentes que reproduzem as condições indignas do Colônia. Instituições como essa estão espalhadas por todo o país, basta verificarmos o levantamento das últimas caravanas realizadas no país para checar o atendimento oferecido em hospitais psiquiátricos.
(En)Cena – Mas afinal, de quem é a culpa de toda essa barbárie?
Daniela Arbex– De toda a sociedade. Do governo brasileiro por ter permitido a existência de uma barbárie como essa, de funcionários, médicos, familiares que se omitiram diante deste genocídio. A responsabilidade pelo nosso holocausto é coletiva.
Holocausto Brasileiro
Vida, Genocídio e 60 Mil Mortes no Maior Hospício do Brasil
Autora: Daniela Arbex
1ª edição, 2013

O albinismo (En)Cena: entrevista com Roberto Bíscaro
Foto: arquivo pessoal de Roberto Bíscaro
“Eles chamam atenção pela aparência física. Entretanto, são invisíveis nas políticas públicas de saúde e apenas agora começam a chamar a atenção da mídia”, como explica Roberto Bíscaro. Ele é professor de inglês/literatura no Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Birigui de São Paulo. É doutor em dramaturgia norte-americana pela USP e é albino. Roberto, em fevereiro de 2009, lançou o blog Albino Incoerente, projeto que deu grande visibilidade a essa causa principalmente no Brasil.
O (En)Cena entrevistou o pesquisador para também conhecer a realidade e as dificuldades do albinismo.
Foto: arquivo pessoal de Roberto Bíscaro
(En)Cena – Inicialmente, como você entende o albinismo? É doença, é condição?
Roberto Bíscaro – A Organização Mundial da Saúde (OMS) define-o como doença, com CDC e tudo, mas prefiro entende-lo como condição que pode levar a doenças. Exemplo, o câncer de pele pode ser evitado tomando cuidados necessários.
(En)Cena – Qual motivo que o levou a escrever o Albino Incoerente?
Roberto Bíscaro – A falta de material em português sobre o tema albinismo e também porque queria reunir a maior quantidade de material sobre o assunto num só lugar. Hoje, o blog é o acervo mais completo sobre albinismo em nosso idioma.
O blog se pretende como central de informações e narrativas sobre albinismo, mas trato de assuntos diversos para atrair públicos distintos, não apenas pessoas com albinismo. Senão, ficaria pregando para convertidos apenas, o que não é producente. Então, posto sobre visão, inclusão, deficientes em geral e até culinária. Também escrevo resenhas sobre cinema, TV, música e literatura para diversificar temas e leitores, mas também para mostrar que pessoas com albinismo podem contribuir para a sociedade; provar que nosso albinismo não nos limita mentalmente.
(En)Cena – E por que “incoerente”?
Roberto Bíscaro – Jogadinha de marketing para atrair leitores. A curiosidade pelo nome faz muita gente visitar a página.
Foto: arquivo pessoal de Roberto Bíscaro
(En)Cena – No blog há muitos registros de suas viagens para fora do Brasil. Quais são os maiores desafios para um albino no dia-a-dia?
Roberto Bíscaro – Provavelmente a baixa acuidade visual que muitos de nós temos. Além da baixa visão, existe extrema sensibilidade à luz, devido à ausência de pigmentação nos olhos em certos casos, então, imagine a dificuldade. Não poder se expor ao sol também é complicado, porque temos que nos proteger com protetor solar, boné, mangas compridas, guarda-sol, o que seja.
Quando viajo, por exemplo, isso tudo vai na mochila, além de óculos, óculos de sol, enfim, tem que ter uma logística, mas no fim, dá tudo certo se tomamos os cuidados necessários.
(En)Cena – Como instituições governamentais se posicionam quanto ao albinismo? Há alguma ação, projeto que auxilie pessoas albinas?
Roberto Bíscaro – O governo não tem feito muito sobre a questão do albinismo, poderia estar fazendo muito mais. Há um Projeto de Lei em tramitação na Assembleia Legislativa de São Paulo, que, se aprovado garantirá distribuição gratuita de protetor solar e óculos a albinos carentes. O autor é o deputado Carlos Giannazi, cuja equipe trabalhou com o blog na elaboração do texto. Projetos similares têm aparecido no país, mas geralmente são vetados depois, pelo Executivo, alegando falta de verbas etc. De certa forma, continuamos invisíveis aos olhos do governo.
(En)Cena – E, Roberto, como você percebe o preconceito com pessoas albinas? Há muito? Se sim, de quais formas?
Roberto Bíscaro – Existe sim e sentimos isso desde, e principalmente, a infância e adolescência, quando somos apelidados de muitas coisas desagradáveis e daninhas à autoestima. Também há casos de pessoas albinas com dificuldade de obter emprego devido à aparência pouco comum. Por isso, as cotas são importantes para grupos em situação de vulnerabilidade.
(En)Cena – Você, no ano passado, lançou a autobiografia Escolhi Ser Albino, da Editora Edufscar. Qual é a abordagem desse livro? O que os leitores e instituições têm comentado?
Roberto Bíscaro – ‘Escolhi Ser Albino‘ é um relato contundente, bem-humorado e sincero da trajetória de um albino que nasceu em um cortiço, mas atingiu sucesso profissional e acadêmico, além de reconhecimento no Brasil e no exterior por meio do Blog do Albino Incoerente. Uma viagem da lama ao lamê.
O livro tem tido excelente aceitação entre os leitores, mesmo e especialmente os não-albinos, que se identificam com a história de superação nele narrada. Todos temos limites, barreiras, sejamos albinos ou não. Então as pessoas se identificam. A página do livro no Facebook está cheia de comentários elogiosos de leitores que me enviam e eu os publico.