A dor é minha

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Passei por um processo depressivo que foi difícil de superar e longo de acabar. O que digo de minha experiência é que quando se está ali afundado numa inércia de tristeza consigo mesmo é muito difícil que se tenha força e energia para ir atrás das pessoas que sempre estiveram presentes em sua vida.

Dessa forma, é esperado – e isso não é um julgamento de valor, porque cada um sabe a dor e as questões suas próprias que já têm de carregar – que haja, naturalmente, uma percepção da depressão e uma consequente ajuda do amigo, do parente ou de quem estiver mais próximo.

No meu caso, eu tive pessoas que me ajudaram muito nesse processo que digo, meus caros, é algo de tirar você do seu próprio eixo. Mas outras pessoas, algumas próximas, deixaram de ser presentes, e pode ser por várias razões. Como disse, se sua própria dor já é difícil de carregar, que dirá a de uma outra pessoa que precisa de ajuda.

Quando tudo passou, me separei, mudei de casa, de hábitos e não me chateei com essas pessoas. Talvez me decepcionei um pouco. Mas isso não me torna, e não os torna melhores ou piores. Nós passamos a vida conhecendo as pessoas em todas as situações que vão aparecendo. Sendo assim não há como adivinhar a reação de todos diante de uma situação difícil como a depressão de uma pessoa próxima.

Eu fui muito bem assistido, tanto pelos profissionais que me guiaram como por outras pessoas.
E esse texto não se trata de uma cobrança. É um relato sobre a condição humana diante da dor do outro. As relações, elas acabam, recomeçam, ressignificam e esse é o ciclo tão difícil de compreender de nossas vidas.

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Duas mães

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Nunca acreditei no significado tradicional, quase dogmático, de família. Papai, mamãe, filhinhos. Se fosse assim, pensava eu, quando esse grupo de pessoas se desfazia, não se chamaria mais de família?

Há pessoas que, por questões sociais, e mais profundamente por sangue, acabam por conviver para sempre ou por um determinado momento de suas vidas. Suas existências se entrelaçam ou seguem uma jornada paralelamente. Mas e o que dizer daquelas que se escolhem, sem as relações sociais ou a definições genéticas?

Eu tenho duas mães. Uma a qual estou ligado há 42 anos e nove meses e amo, e outra há 42 anos, e amo. Essa dupla maternidade, unicamente explicada pelo afeto de duas mulheres por mim desfez, pelo menos em minha jornada de autoconhecimento a ideia obrigatória de família do sentido literal, religioso ou mesmo legal.

Uma, Francisca me gerou e escolheu a maternidade. A outra, Cecília, me escolheu. E posso dizer que, entre as poucas certezas que tenho da vida, seu amor é o mais generoso que uma pessoa pode ter pela outra, porque nunca houve uma obrigação moral, genética ou legal dela para comigo. Nossa relação é do mais puro amor.

Era de se esperar, por Francisca ser a pessoa que é, que amasse todos os filhos que viesse a ter. Mas Cecília não gerou filho algum, não planejou ser mãe, não casou, não pensou em ser mãe solo. Nossas existências se encontraram em um determinado ponto, no caso, o meu nascimento, e de lá pra cá, mais de quatro décadas ela provou ter por mim, um amor daqueles raros, de tamanha generosidade e dedicação que conceito algum conhecido de família poderia definir.

Quando criança, falavam “a sua mãe e a sua tia”. Por mais novo que fosse eu dizia “não, ela não é minha tia. É minha mãe”. As pessoas tentam se enquadrar e enquadrar as situações suas e dos outros em estereótipos, arquétipos, caixinhas. Elas fazem isso porque para muitos a vida só tem sentido se explicada dentro de uma lógica social matemática, que é cruel para quem está à margem desse comportamento esperado.

Mas como explicar o amor de mãe que Cecília nutriu, mostrou e prova todos os dias por mim? Eu mesmo nunca tentei explicar porque não vou racionalizar algo que só me fez bem e, acredito, faz bem a ela. E o mais curioso de tudo isso é que meus pais nunca, em momento algum, se enciumaram, ou tentaram tolher essa relação. Muito pelo contrário. Passei a vida tendo duas casas, dois quartos, duas mães e um pai, e isso é máximo de matemática que posso lhes dar, meus caros.

No último dia das mães, liguei para Francisca para dizer que a amo. Ela terminou dizendo algo que jamais esquecerei. “Marcos, eu te amo, você é meu filho. Eu tenho três filhos e, talvez, a Cecília seja até mais mãe sua do que eu, porque eu acolheria você de qualquer forma, mas ela escolheu você unicamente por se sentir sua mãe. Jamais se esqueça disso”.

Sendo assim, eu retiro o conceito ordinário, comum, de família e adoto o de pessoas que se aceitam, se agregam sem explicar suas relações, unidas apenas pelo tipo de amor generoso que não cobra da vida nada além da felicidade do outro.

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O amor e outras coisas

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Por Marcos Antônio Silva Carneiro

Há o amor pelas coisas e o amor das coisas. O primeiro é aquele desejo por um sapato, um carro, uma bolsa cara. Tudo está ligado ao valor material que os outros dão e que você paga.

Mas o amor das coisas é aquela dedicatória num livro que você compra num sebo e dá a alguém que ama. E é aí que minha estória começa. Minha mãe, uma vez, me deu um livro, cuja edição dos anos de 1950, era uma peça de Shakespeare, Ricardo III. O livro era tão difícil ler, que lia quase uma página por dia, mas ele era um tesouro pra mim. Não apenas pelo esmero que ela teve em escolher algo de tão bom gosto. Capa dura, camurça vermelha, letras em dourado. O que realmente me encantou naquele livro antigo é que ele tinha duas dedicatórias. A primeira era dela para mim, e dizia “espero que enriqueça sua cultura e seu vocabulário”, e outra, essa sim datada de 23 de abril de 1957, era de um Felipe para uma Maysa com apenas um “com amor, Felipe”.

Isso é o mais puro amor das coisas. É o sentimento, a vida, a exclusividade de uma subjetividade que, voluntariamente, damos a algo inanimado. Não é apenas um objeto, no caso o livro, é um objetivo, o de dar sentido a algo por alguém que se ama.

Tempos atrás eu dei um buquê de rosas para minha mãe, coisa que ela sempre gostou. Aproveitei a ocasião e tirei uma pétala de umas das flores e coloquei dentro daquele livro que ela havia me dado muitos anos antes, esse sim, um hábito meu. Por vezes abria o livro e checava se a pétala estava lá, até que um dia não a encontrei mais entre aquelas páginas.

Não me entristeci, sequer uma melancolia senti. Tudo naquele livro havia cumprido seu ciclo. Um livro que Felipe deu à Maysa, e Francisca deu Marcos, e que continha uma pétala que se perdeu com o tempo, tinha tanto amor, tanto sentimento, que a gente nem se lembrava que era Shakespeare. Era uma estória dentro da estória dentro da estória…

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Cada coisa em seu lugar

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A Terra não gira ao contrário, mas a vida, essa sim, tem uma outra dinâmica. Ela para, volta, pula, vai rápido ou devagar, às vezes, ela chegar a voltar para o ponto em que você se encontrava em uma bifurcação do destino e escolheu um caminho.

Eu estou passando por esse momento, em que volto para a bifurcação. Como já fiz um caminho, e o cumpri até o fim, vou pegar o outro e ver até onde ele vai me levar.

Meses atrás eu comprei um quadro de um artista que curto. A peça foi até cara para quem aprecia, mas que não consumia esse tipo de arte. Por mais que eu e meu, agora, ex-namorado ensaiávamos pendurar o quadro, nunca o fizemos, e ele ficava de um lado pra outro da casa. De móvel em móvel, testemunha de nossa relação, praticamente do começo ao fim.

Me pergunto por que não penduramos o tal quadro, se tantas outras coisas fizemos para dar a nossa cara àquela outra casa. Investimos em iluminação, mudamos móveis, compramos objetos e até chuveiros trocamos, mas o quadro não viu um prego.

Quando passei a procurar um novo apartamento, foi uma surpresa pra mim, me deparar com o mesmo imóvel para onde eu iria, antes de decidirmos morar juntos. Assinei o contrato de aluguel, e me mudei para o novo lugar. A primeira coisa que fiz foi pendurar a peça.

Hoje, ela tem sua parede e é testemunha da história de apenas uma pessoa.

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É possível um amor não romântico?

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Eu descobri que não espero nada do Davi, além daquilo que ele me oferece, e é. Vou esperar mais o quê? Não falo de forma conformista ou desdenhosa das relações, usando a minha como exemplo. Eu não vou mudá-lo. Não tenho estofo emocional para isso e nunca me passou pela cabeça. Gostamos das pessoas pelo que vemos, e pelo que entendemos que elas são, e não pelo que gostaríamos que elas fossem dentro do nosso ideal de parceiro.

Se me perguntarem o que espero dele, vou dizer: “nada”. Não tenho mais a ilusão ou a idealização de conhecer alguém por completo, e nem quero, para ser bem sincero. O interessante é descobrir, aos poucos, e com a intimidade, aquilo que me é permitido por ele e por meus conceitos do ser humano.

Seria isso comodismo? Não. Isso se chama realidade, mas não cruel, ou pragmaticamente desinteressante. O amor idealiza em sua essência o outro. E isso é um processo. Com o tempo, o amor passa ser o presente, e não a perspectiva ou a expectativa. Esse é meu conceito “não ideal” de felicidade. É o gostar do que se é, do que se tem, não do que se quer. E, há que se dizer, que até a nossa avaliação do que se é o amor já é carregada de significados, conceitos. É um pouco de você refletido no outro. Sendo assim, não espere nada do amor, a não ser ele mesmo, em si, ali.

Eu falo pelo que sinto, pelo que vejo, sob minha ótica limitada, e porque não dizer até ignorante de mundo. Tantos pensadores poderia citar aqui, mas esse texto não é um trabalho acadêmico. Ele é um tratado de sentimento unilateral.

As relações amorosas não são projetos estrategicamente planejados, como um casamento arranjado da Idade Média. Esse conceito de relação amorosa tomou mais força no século XIX, portanto, é incipiente em nossa sociedade.

O amor romântico é tão novo que, quanto mais se lê, e quanto mais se vive, se desenvolve a percepção de que ele é um lindo ideal. Mas ele não se sustenta sozinho.

O cotidiano é você e os momentos que compõem a sua vida. Aí podem entrar família, as relações de trabalho, os amigos, seus gostos, e seus parceiros amorosos ou não.

Conheço pessoas que optaram por não se relacionar amorosamente. Isso nada tem a ver com amargura, mas com uma escolha de vida. Viver sem um parceiro não é triste. Triste é você não viver nada que lhe agrade. Antes eu diria que essas pessoas não estavam nem certas e nem erradas. Mas hoje eu diria que estão certas porque não há nada, minimamente libertador, dentro de nossa sociedade castradora, do que você fazer uma escolha por si e para si.

Eu tenho amor por Davi. Aquele sentimento voluntário que é a junção de vários outros, como a vontade da companhia do outro, o bem-querer, a intimidade natural, e aquela sensação de proteção. E o mais importante de tudo: a consciência de entender uma pessoa que você não precisa e que não é obrigado a estar junto, mas que apenas quer.

Escrevo isso imbuído da minha mais pura verdade, que pode não ser a sua ou de ninguém, mas que é a forma como vejo o mundo, o meu mundo.

Vivemos vários abismos semânticos. Aquilo que eu falo, que você entende, que eu quis dizer. Uma ação tem tantos destinos de significados que a menor preocupação que se deve ter é o que esperar de uma pessoa.

Não é indiferença. É vivência.

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A existência, a vida e a finitude

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A vida é um tema cuja explicação é tão desejada, buscada, estudada em todos os seus aspectos. Fisiológicos, espirituais, psicológicos. Mas há algo além da vida, e não é o que vem depois da morte não, tá?

Há a existência humana. Essa sim é uma expressão que pode até ser chamada ou confundida com a alma, para os crentes na continuação após a morte. Viver é respirar, comer, dormir. Existir é ser. Ser alguém, ser algo com significado, para os outros e, principalmente, pra você mesmo. Só de se ter a consciência da diferença entre esses dois conceitos, vida e existência, o aventureiro já se atreve a enveredar por essas condições humanas, num labirinto do qual, raramente sai ileso.

Esse labirinto pode virar até uma espiral sem fim. Um buraco onde a queda é livre, e como no mito de Sísifo, não há fim. A existência, como uma condição complexa do ser humano, sempre me atraiu. Mas quando me deparei com mais outro fato da vida, que é a finitude, não tive como fugir, mesmo que em minha limitada capacidade de homem ordinário, de minha existência. Sim, porque só posso falar da minha. E esses pensamentos vão de como a esse labirinto, e essa jornada me afetam, me significam para mim e para os outros e, em especial, para aqueles que amo e que são ligados à minha existência. Para o bem e para o mal.

                                                                                                                                 Fonte: Frecpik.com

A existência perfaz o caminho da filosofia, da antropologia, e de tantas outras ciências do homem, num emaranhado de significados que levam a um único lugar: o autoconhecimento, ou para os mais religiosos, a maçã que Eva deu para Adão.

Eu entrei na espiral, no labirinto. Não caí no buraco ainda mas, por vezes, gostaria que minha busca fosse a “de um sono tranquilo”, como canta Maria Bethânia, no dueto com Chico Buarque, na música Sinal Fechado (1975), e me entregar ao ócio livre de pensamentos existenciais, e ser levado pelo doce cotidiano alienante. Mas como o tempo, que se diz “rei”, a existência é uma estrada de mão única.

Questioná-la é um jogo perigoso de questões como “minha existência importa para quem?”, “ela, além das intempéries da vida, também dá alento, paz, prazer?” “E para quem?”

Vou dizer-lhes, meus caros, que a existência é algo importante para você, mas é o que ela representa para quem você ama, que realmente o coloca na berlinda entre a solidão e o alento.

Minha mãe vive, hoje, um processo degenerativo, uma espécie de demência que, aos poucos, a torna outra pessoa, completamente diferente daquela que eu tanto idealizava. Quando a vi, após os sintomas começarem a aparecer, eu me enlutei. Mas como se pode enlutar por alguém, cujo prognóstico não é a morte próxima.

Demorou muito, mas percebi que o luto era por mim, não por ela. Era pelo ideal de mulher, e por aquela segurança emocional/afetiva que eu acreditava que seria imune a esse tipo de condição. Eu, aos 42 anos, seria aquele que cuida e não o que é cuidado e, para muito além disso, ter saído de casa aos 17 anos, e não ter acompanhado tantos momentos da vida dela, me trouxe a consciência da finitude das coisas e, consequentemente, sua existência. A dela e a minha. A minha para ela.

Sempre andei pelo mundo, no conforto de que a minha família estava no mesmo lugar e que, quando eu precisasse, era só correr para lá. Mas o amor não é a existência. Minha mãe me ama, mas quando me visita é nítido, num breve período, que ela já quer voltar, e não para a casa dela, mas para a existência daqueles que sempre estiveram com ela. Arrependo-me de pouquíssimas coisas, mas não ter deixado a existência dela se cruzar com a minha, de uma forma mais duradoura, é a angústia do que se perde para sempre.

O tempo leva tudo pra frente. A vida, a existência, as relações, e essa é a dinâmica nossa, do mundo. Mas, há vezes em que a roda do destino podia girar ao contrário.

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