A trajetória de um dia

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Ilustração: Hudson Eygo

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Manhã de sol e lembranças

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São exatamente 7h22 de 10 de junho de 2014, quando me sento à mesa, na minha sala de escritório residencial, a minha baguncinha privada.  O sol de verão chega muito bonito, a salpicar de um dourado bem característico as árvores, janelas, paredes e tudo mais. O céu marabaense está lindo, muito lindo, e, desde as 6 horas, as rolinhas fogo-pagou e os bem-te-vis cantam e esvoaçam nas árvores do meu quintal e dos quintais vizinhos. As rolinhas parecem chorosas; os bem-te-vis, arrogantes e atrevidos.

Puxa vida, bateu no peito agora aquela lembrança agradável das manhãs da minha infância na zona rural de São Domingos do Araguaia! Lembrança agradável, mas, paradoxalmente, muito doída sempre, pois – bem o sabemos – tudo fica, a cada dia, mais distante no tempo. Sou um quase eterno inconformado com a fragilidade da vida e a rapidez com que ela, dia a dia, se esvai! Oh, como a vida é frágil e curta!

Tirei fotos e fiz pequenos filmes, como gosto de fazer, no meu natural instinto de querer guardar as coisas e, conquanto impossível, perpetuar esses momentos. São coisas simples: para muitos, por certo, até sem valor, besteira mesmo. Para mim, contudo, assim como para muitos outrostambém, têm valor inestimável. É a situações como esta que a Ana Miranda, bela escritora cearense, chama, linda e poeticamente, de pequenos assuntos da alma.

Claro que isso tudo nada tem de pequeno, senão o tempo que fica conosco, este, sim, muito pequeno. A vida se esvai inexoravelmente dia a dia, momento a momento. Foi por isso, é certo, que, com sabedoria e muita razão, Davi, um poeta divinamente inspirado lá do Oriente, faz muitos anos, deixou para a posteridade, escrita na Bíblia Sagrada, a comparação do homem com a flor da erva, a qual floresce pela manhã e ao entardecer já está seca e sem vida. Disse ele que a vida passa e nós voamos.

É verdade. A vida passa e a fila anda, em todos os sentidos. A perecibilidade assusta, confunde e amedronta. É terrível isso!… A Bíblia registra, contudo – e o faz de forma muito bonita –, que a vida não se acabará e chegará o dia em que haverá novo céu e nova terra, nos quais já não haverá morte, nem luto, nem pranto, nem dor.

Está escrito no Apocalipse, capítulo 21, versículo 4, que “a morte já não existirá, já não haverá luto, nem pranto, nem dor, porque as primeiras coisas passaram”. E o profeta Isaías, muitos anos antes, também dissera, no capítulo 65, versículo 25, que “o lobo e o cordeiro pastarão juntos, e o leão comerá palha como o boi”. Que belas promessas! Quanta esperança! Eu creio nisso e, crendo, me alegro. Muito!

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Antes tarde do que nunca

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Não lembro se já falei disto, tal como falarei agora. Caso o tenha feito, que me perdoe o leitor. É que, às vezes (às vezes?), sou mesmo repetitivo. Ora o faço por provocação (provocação tola talvez), ora, não. Involuntariamente de vez em quando, diria. Vamos lá, então. Quero falar do pensar calado. Aliás, lembro-me agora de que já tratei disso, sim, em 2008 ou 2009. Contudo, vamos lá! Não faz mal.

Fui, sempre fui, ao longo da vida, uma pessoa introspectiva. Era um menino tímido e vergonhoso, cerimonioso, sempre muito metido consigo mesmo, que pensava muito, porém calado, sem revelar o que sentia a quem quer que seja. Assim era, como ainda sou, com projeto de maior monta, mas também com coisas simples, como, por exemplo, pôr no quadro um cartaz que achara bonito.

Vem daí o não desistir facilmente dos meus sonhos, anseios, planos ou coisa que o valha. Sempre adiei muito as coisas, passava anos, pensando calado em fazer determinada coisa, levar a efeito determinado projeto. Isso é verdade. Só que adiava, mas não desistia, como ainda adio, mas, geralmente, não desisto – nem fácil nem dificilmente – dos meus projetos. Adiar, se necessário, sim; desistir, nunca! Eis aí o meu lema.

Falei de cartaz parágrafo acima porque pretendo citar um exemplo acerca do qual falei hoje cedo ao telefone com uma amiga muito querida. Refiro-me a um quadro que possuo na minha modesta biblioteca. Passei, mais ou menos, de 1992 a 2009 com ele guardado, pensando em mandar pô-lo no quadro. Um belo dia o fiz. Pode haver pequeno equívoco de datas aí, tipo 1993 ou 1994 em vez de 1992, e 2010 em vez de 2009. Mas foi isso. Um cartaz, um simples cartaz, mas eu não desisti. Demorou demais? Talvez. Penso que não, porque não havia razão para a pressa.

Muita gente, eu sei, pode pensar e dizer que isso é besteira, ou, pior ainda, que é errado. Concordo, talvez sejam mesmo as duas coisas ao mesmo tempo: erro e besteira, não necessariamente nessa ordem. É, contudo, meu jeito de ver, pensar e agir. Embora respeite a quem pensa e age diferentemente, sempre fui adepto da filosofia do antes tarde do que nunca. É! Eu sou assim mesmo, e daí? Quer ser diferente? Seja!… Às vezes, sou mesmo cínico, ou (como queiram) debochado, mas somente um pouquinho. Já me cansei de viver sempre muito seriamente e sofrer com isso.

E olhem que, um pouquinho debochado ou não, eu vivo quase a morrer de angústia, ansiedade, aborrecimentos e sentimentos que tais, com pessoas e instituições. Viver seriamente é muito difícil e penoso, não vale a pena. O outro, o semelhante, o próximo, o seu como chama, o coisa que o valha é, quase sempre, muito complicado, embora, não muito raramente, o problema esteja em nós mesmos. O outro é o bicho, conquanto, em relação aos demais, todos nós sejamos o outro. Você já pensou nisso? Se não o fez, faça-o! É muito proveitoso e leva a mudar de atitudes (às vezes, claro).

Pois é. Eu pensava calado sempre. Pensava. Isso, contudo, era quando solteiro. Agora, casado, minha mulher me obriga a pensar alto, a falar o que penso. É verdade! Às vezes, de tanto ouvi-la falar de determinados assuntos ou projetos, vejo-me obrigado a revelar-lhe que, há tempo, ando pensando sobre a mesma coisa e planejando fazer isso ou aquilo. “Quando?”, ela, quase invariavelmente, me pergunta.  “Ah, isso não sei! No tempo devido”, quase invariavelmente, lhe respondo.

Não desista jamais dos seus sonhos! Antes tarde do que nunca. Eu acredito nisso. A demora, às vezes, traz benefícios. Tudo depende do caso concreto. O que não vale, repito, é desistir. Pensar e guardar em silêncio o que pensa, não raro, faz muito bem, a depender do assunto e da situação, claro.

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Tomar um “cachet”

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Fonte: Google Imagens

“Estava com dor de cabeça e tomei um ‘cachet’, para aliviar”; “dá um ‘cachet’ a ele, que passa”. Puxa vida, quantas vezes, desde criança, ouvi essas e outras frases semelhantes, no meio da minha parentela! Meus parentes – os maternos, principalmente, mas não somente eles – falavam e ainda falam isso. Ah, que saudade!

É comum, entre pessoas de origem nordestina, empregar, como substantivo masculino, a palavra “cachet”, que se pronuncia “caché”, com o som aberto de “é”, com o significado de comprimido ou cápsula. É francês. Comprimido, em francês, é “cachet”. O que eu acho estranho é que, a despeito de ser corrente esse uso pelos nordestinos, não encontrei em dicionário algum o registro dessa palavra, nem mesmo como estrangeirismo.

Seria no caso, como é, um galicismo. Galicismo inútil, inteiramente desnecessário – pois temos no vernáculo “comprimido” e “cápsula” –, mas muito usado pelos maranhenses e piauienses, por exemplo. Aliás, é somente em relação a maranhenses e piauienses que, neste caso, posso falar, uma vez que minha mãe é maranhense, de Pedreiras, e meu pai era piauiense, de Canto do Buriti.

O estranho – repito – é que nem os dicionários nem a literatura registram esse uso. Nem mesmo entre os muitos autores nordestinos o vejo. Se há algum registro, não o encontrei, ou dele não me lembro. Todos os registros que encontrei, embora venham também do francês, se referem a cachê (do francês “cachet”), preço pago a artista, a título de honorários, por espetáculo realizado ou coisa que o valha. Contudo, com segurança também o repito, comprimido ou cápsula de medicamento, em francês, é “cachet”.

Assim, “cachet”, significando comprimido ou cápsula, remédio para a dor de cabeça, a dor de dente, ou outro incômodo semelhante, é uma das muitas lembranças da minha infância, adolescência e juventude que carrego com carinho. É como munganga, emboança e tantas outras palavras tão nossas que já não vejo no meio em que hoje vivo. Bate-me uma saudade imensa ouvi-las de quem quer que seja.

Lembro-me, com inconsolável saudade, do meu avô materno, José Monteiro da Silva, único avô que conheci, do meu tio Américo – tio por afinidade, marido da minha tia materna Hosana, mas muito estimado –, e do meu pai, João Belizário de Souza, os três já falecidos. Do tio Américo, que era cearense, lembra-me, como se fosse hoje, o sotaque mais forte de todos com que nos contava piadas e fazia brincadeiras.

Tio Américo, nos meus tempos de criança, lá em São Domingos do Araguaia, Estado do Pará, era dono de tropa de burros. Gostava de nos contar piadas e tirar brincadeiras, enquanto ficava a costurar e encher os talabardões das cangalhas, ou a pôr o milho nas mochilas dos burros para, enquanto os encangalharia na manhã seguinte, alimentá-los. Ele também dizia “cachet”, querendo dizer cápsula ou comprimido.

Fonte: Google Imagens

Bons tempos aqueles! Os tempos e as pessoas se vão de nós, inexoravelmente, queiramos ou não! Como disse (aliás, escreveu) José de Alencar, mas poderia ter sido dito ou escrito por qualquer um: “Tudo passa sobre a terra.” E para não esquecer Eneida de Moraes: “Tudo pode acontecer na vida de uma pessoa que tem um gato e ele se chama José.”

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A arte de esquecer

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Minha alma se faz carregar exagerada e desnecessariamente com o meu apego a pessoas, lugares, instituições, coisas e acontecimentos. Sei que já está ficando chato escrever isso, mas é verdade. Sou assim mesmo e, por isso, quero mudar. Quero esquecer pessoas e quinquilharias que, por causa do meu apego a elas, têm-me perturbado a existência: preciso abandoná-las, esquecê-las definitivamente, como se não tivessem existido para mim. Cansei, porque elas me têm sido inútil e demasiadamente pesadas.

Sempre me preocupei de certa forma com o que pensamos, porque acredito que, como dizem, somos o que pensamos. Eis a razão por que muita gente não é lá coisa boa. No entanto, não sou obstinado e, não muito raramente, trato este assunto com um pouco de ironia, tal qual faço com muitos outros. A vida é muito curta, para ser levada tão a sério. E, demais disso, um pouco de ironia – quando não ofensiva, imoral ou vulgar – faz bem àquele que dela se utiliza e às demais pessoas. Eu, pelo menos, penso assim. Nada tenho, todavia, contra quem pensa diferentemente.

“Se somos o que pensamos, acho que sou um lago ou um rio, porque eu só penso água. Danou-se!” – escrevi, ironicamente, dia 5 de junho de 2012, no grupo “Pensamentos”, do Facebook, a que pertenço. Foi uma brincadeira, é claro, mas a verdade, a despeito disso, é que meu interesse pelo assunto tem-se acentuado cada vez mais, embora não saiba dizer se isso é bom ou é ruim. Não sei nem quero saber. Como disse a amiga Valéria Bargmann, ao comentar no Facebook essa minha frase, “o bom é que temos um lago cristalino de ideiase,na maioria das vezes, as pessoas nos curtem”. É isso, Valéria!

Pois bem. Comprei recentemente e li quase de uma sentada o livro A Arte de Esquecer: Cérebro e Memória, do médico e neurocientista argentino naturalizado brasileiro Iván Izquierdo. Gostei muito. “Somos o que lembramos – e também aquilo que não queremos lembrar”, já diz a capa do livro. “Cada um de nós é quem é porque tem suas próprias memórias – ou fragmentos de memórias”, está insculpido na página 16. E (para fazer apenas mais uma citação), à guisa de epígrafe, está lá na página 19: “Nada somos além daquilo que recordamos.”

Caramba! Se, de fato, somos “também aquilo que não queremos lembrar”, a situação se complica, pois eu abri esta crônica afirmando que quero esquecer pessoas e quinquilharias inúteis que se me têm tornado pesadas. Quero esquecê-las, como se nunca tivessem existido para mim, para me sentir livre e leve. Pelo visto, ainda assim estarão comigo, porque continuarei sendo elas. Qual é, doutor Izquierdo?…Não, isso não! Estou fora! Não aceito isso, não! “Cai fora, jacaré, porque aqui ninguém te quer!”

Brincadeiras à parte, entendi muito bem o que Iván Izquierdo quis dizer. Aliás, quis dizer, não: escreveu, afirmando e fundamentando (o que é muito diferente de querer dizer). Claro, ele o disse fundamentadamente, e eu concordo com ele. Quero, por tudo isso, continuar pensando água. Aliás, o mesmo que a Valéria Bargmann quer fazer, segundo afirmou no mesmo comentário doFacebook que citei acima.

Foto: Irenides Teixeira

Sou um lago, ou um rio (de águas cristalinas, espero), porque só penso água. E escrevo baboseiras. Será?!… É brincadeira, penso que não.

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