A primeira parte de Jogos Vorazes – A Esperança mostra a heroína Katniss sendo preparada para ser o símbolo de uma revolução que irá liberta Panen do domínio da Capital.
Ela irá assumir o papel do tordo, o símbolo da resistência que irá mobilizar a população.
Portanto essa primeira parte fala sobre a força do símbolo e a capacidade que ele possui e mover uma nação toda. Entretanto antes de falar do tordo é importante compreendermos alguns símbolos em torno do filme.
Segundo a própria autora do livro (no qual se baseia a trilogia), Suzanne Collins, o nome do continente em que a história se passa, Panem, é uma referência a expressão Panem et Circenses, que no Império Romano nomeava a política que alienava a população em troca de alimentos e diversão.
Essa forma de política não é tão antiga e distante quanto nos parece e o filme faz justamente uma critica a essa política do espetáculo.
Hoje em substituição às batalhas no coliseu romano temos alguns entretenimentos que visam nos alienar: o futebol, o carnaval e a profusão de reality shows.
Nesse tipo de entretenimento escolhemos nossos heróis e projetamos nossas sombras elegendo os inimigos. Tudo isso a uma distancia segura.
O pai da psicanálise Sigmund Freud nos deixou os conceitos do principio do prazer e o principio da realidade. Que significa que quanto mais inseridos no prazer, mais distantes da realidade nos encontramos. Portanto quanto mais nos alienamos buscando o prazer momentâneo da televisão mais distantes do que ocorre conosco ficamos.
Isso acontece em Panem. O povo subjugado era controlado pelo medo e pelo espetáculo da guerra não enxerga o verdadeiro inimigo e dessa forma não se rebela. Vivendo em um estado letárgico de alienação.
Sobre a guerra apresentada em Panem entre os 24 tributos podemos observar a projeção de nossa sombra coletiva. Apesar de ser um espetáculo macabro, onde jovens são assassinados brutalmente, ele mobiliza o fanatismo que simplesmente adora a competição.
Nisso podemos observar um prazer imenso. O prazer do assassinato. Sobre esse tema Von Franz (2010) diz:
“Somos assassinos, não podemos viver sem matar, e mesmo quando somos vegetarianos não podemos mais ter a ilusão de não termos parte na roda da destruição. Toda vida natural está baseada no crime; trata-se sem duvida de um pensamento terrível, mas, a não ser que tenhamos uma natureza excessivamente sensível, ele levará, paradoxalmente, à vontade de viver. O ter consciência da destruição está estreitamente ligado a esse desejo.”
E é exatamente isso que ocorre em Panem, mesmo que de forma inconsciente. O povo, com sangue nos olhos e com sede de morte, acaba constelando a vontade de viver e de ter uma vida mais plena.
Enquanto vivermos achando que somos cheios de compaixão, iluminados, e que não possuímos em nós o instinto de destruição não teremos uma vida completa. Somos luz e sombra, vida e morte!
E é nessa disposição de espírito que surge nossa heroína.
O herói sempre é constelado quando os indivíduos não vivem sua própria vida.
Katniss é alguém que segue a sua interioridade, ela inspira as pessoas porque faz aquilo que ela deseja e não o que é imposto a ela. Ela é uma pessoa comum, simples que apenas vive conforme seus próprios anseios.
Dessa forma ela recebe a projeção de milhares de indivíduos que estão longe de sua própria natureza e acaba representando o símbolo da liberdade de ser quem se é.
Outra coisa importante sobre Katniss é que ela é uma inspiração da deusa grega Artemis. A menina – assim como a deusa – usa arco e flecha e logo na primeira cena de Jogos Vorazes a personagem é vista caçando um cervo – animal que está diretamente relacionado à deusa.
Von Franz (2010) aponta para um problema muito importante em nossa época. Ela diz que o maior mito da sociedade contemporânea: o de Cristo é um mito que mostra o Deus que encarnou em um filho. E esse filho, a despeito da repressão da igreja possui todo aspecto de totalidade, incluindo a sua sombra. Entretanto, infelizmente não possuímos um mito com a encarnação da Deusa. A única representante do feminino no cristianismo atual é a Virgem Maria, que infelizmente se apresenta com várias restrições sendo uma imagem unilateral do feminino. A imagem da Deusa foi purificada de sua sombra para agradar o patriarcado.
As antigas deusas do matriarcado como Hera e Afrodite apresentam aspectos de vingança e de sexualidade que foram destituídos da imagem da Virgem bondosa e acolhedora. Hera diante as investidas sexuais de Zeus buscava se vingar das mulheres e dos filhos inocentes, e se formos honestas conosco mesmo veremos que isso ocorre instintivamente com o feminino. A sexualidade natural e sem compromisso de Afrodite também passou a não ser bem vista na sociedade.
Nesse ínterim, vemos que a sombra da deusa ainda não fez a sua reaparição em nossa civilização, por meio de um mito da encarnação em uma filha humana. Entretanto, vejo um esforço da psique coletiva nesse sentido. Alguns filmes, como por exemplo, Valente e Malévola, são tentativas de trazer a sombra reprimida de volta a consciência humana.
E Katniss como representante humana de Artemis também mostra essa mudança e tentativa de inserção da totalidade feminina, uma vez que essa deusa, a despeito de ser uma representante da Grande Mãe, era uma deusa cruel, vingativa e agressiva.
E para finalizar, o tordo, símbolo da libertação é um pássaro muitas vezes usado como símbolo pelos amantes da música devido ao seu amplo repertório musical. Além disso, ele também pode representar a conciliação, a harmonia e a concordância entre partes dissonantes e opostas.
Ele representa então o símbolo da busca do equilíbrio e concordância entre os opostos. Um símbolo da totalidade.
Em meio à guerra e a destruição será possível encontrar a paz?
Guerra e paz, vida e morte encontrarão o equilíbrio na psique coletiva de Panem?
Essa é uma resposta para a segunda parte do filme.
FICHA TÉCNICA DO FILME
JOGOS VORAZES: A ESPERANÇA – PARTE1
Direção: Francis Lawrence
Música composta por: James Newton Howard
Ano:2014
Antecessor: Jogos Vorazes: Em Chamas
Continuação: Jogos Vorazes: A Esperança – Parte 2