Neste livro fantástico da Ana Claudia Quintana Arantes, médica geriatra, pós graduada em psicologia com intervenções em luto e especializada em cuidados paliativos, a autora tem a coragem de lidar com um tema que é ainda um tabu, a morte. Me deparei com a sua palestra em um TED TALK (que teve quase 3 milhões de visualizações) e fiquei impactada! Soube que tinha que ler o livro também. Ela traz reflexões sobre o sofrimento, sobre a vida, sobre fazer valer.
Nos primeiros capítulos do livro, que foi publicado pela Editora Sextante, Ana Claudia conta sua trajetória de escolha profissional, e compartilha com o leitor a dificuldade que foi de assumir publicamente o seu propósito: o de cuidar de pessoas que morrem. São 26 capítulos no total, onde ela inicia contando como foram difíceis as decisões que a levaram escolher este caminho, pois a sociedade não está preparada para falar ou pensar no fim da vida. Tudo o que se faz é para a perpetuação da vida, a medicina, a estética, com intervenções, técnicas, procedimentos para o prolongamento desta existência que, por certo, terá dia e hora para acabar.
No quarto capítulo do livro “Cuidar de quem cuida”, ela diz de como sua vida ficou plena de sentido quando ela descobriu que tão importante quanto cuidar do outro é cuidar de si mesmo, e como muitos profissionais de saúde, principalmente os médicos, ela não deu importância para essa informação. Como soa bem socialmente muitas vezes dizer que você não teve tempo de almoçar, não teve tempo de dormir, de rir, chorar, não teve tempo de viver. Ela fala como a dedicação ao trabalho parece estar ligada a um reconhecimento social, a uma forma torta de se sentir importante e valorizada e como por um bom tempo negligenciou isso e acabou adoecendo. E como nessa busca por aliviar o sofrimento do outro, em lidar com a dor alheia com uma pergunta: Como lidar com a dor do outro sem tomá-la para si?
E com psicoterapia ela busca aliviar esse sofrimento e trazer sentido no que faz. Trago um trecho do livro aqui muito bacana sobre a complexidade da mente do ser humano.
“Sempre digo que a medicina é fácil. Chega até a ser simples demais perto da complexidade do mundo da psicologia. No exame físico, consigo avaliar quase todos os órgãos internos de um paciente. Com alguns exames laboratoriais e de imagem, posso deduzir com muita precisão o funcionamento dos sistemas vitais. Mas, observando um ser humano, seja ele quem for, não consigo saber onde fica a sua paz. Ou quanta culpa corre em suas veias, junto com o seu colesterol. Ou quanto medo há em seus pensamentos, ou mesmo se estão intoxicados de solidão e abandono.”
Uma pesquisa realizada em 2010 pela publicação britânica “The Economist” avaliou a qualidade de morte em 40 países. O Brasil ficou em 3º lugar como pior país do mundo para se morrer, ficando à frente somente (e por muito pouco) da Uganda e da Índia, e o quanto isso demonstra o quanto nossa sociedade não está preparada e o quanto a medicina no nosso país não está preparada para conduzir o processo de morte de seus pacientes. Sua reflexão diz respeito sobre como falta mesmo esse cuidado em aliviar o sofrimento físico, e também ajudar o paciente a lidar com o sofrimento natural que este momento final traz que é o sofrimento emocional e o espiritual. Nestes momentos finais da existência humana, a pessoa se questiona, se ela viveu realmente com sentido e significado, ou se neste momento ela está ainda cheia de “pendências”.
Um médico ao buscar o alívio do sofrimento físico, muitas vezes se dá por satisfeito, porque entende que os cuidados paliativos é sedar o paciente e esperar a morte chegar. Muitos ainda pensam que é apoiar a eutanásia ou acelerar a morte, mas isso é um imenso engano. A autora acredita que a vida vivida com dignidade, sentido e valor, em todas as suas dimensões, facilitam muito esse processo de morrer em paz. Porque não auxiliar as pessoas a morrerem bem também? E não só a viverem bem? Cuidar do bem estar físico, emocional, familiar, social e espiritual dessa pessoa e das famílias no processo da despedida?
Na prática dos cuidados paliativos, ela sonha em presenciar nas pessoas não só a ortotanásia (a morte no seu tempo certo), mas também a kalotanásia: a morte “bela”.
Ela traz no livro uma mensagem de agradecimento deixada por uma filha que acompanhou a morte do pai: “Cuidados Paliativos é tratar e escutar o paciente e a família, é dizer – SIM, sempre há algo que pode ser feito – da forma mais sublime e amorosa que pode existir. É um avanço da medicina.”
A terminalidade é a consequência do curso natural da vida, o que ela produz é o sofrimento, como ela diz, é uma melodia única. Cada um sofre de uma forma. E não faz diferença se somos pessoas boas ou não: vamos morrer. A única coisa que não temos opção é a morte. Para todo o resto na vida, há opções: podemos fazer ou não, podemos querer ou não. Mas morrer ou não, isso não existe.
Gostei muito do livro. Finalizando aqui as minhas considerações, acredito que a consciência da finitude é angustiante, mas nos oferece uma perspectiva mais apurada sobre como deveríamos viver esta vida. É um convite a uma reflexão pessoal. Se alguém quer pensar sobre a vida, deveria começar meditando sobre como ela é um recurso limitado e temporário.
A autora nos faz pensar que não nos preparar para a morte não ajuda a evitar esse processo, mas auxilia evitar o medo deste encontro e a transformá-lo em respeito. Muitas vezes é só com a consciência da morte que nos apressamos em construir o ser humano que deveríamos e gostaríamos de ser.
FICHA TÉCNICA DO LIVRO
Título: A morte é um dia que vale a pena viver
Autor: Ana Claudia Quintana Arantes
Editora: Sextante
Páginas: 192
Ano: 2019
REFERÊNCIAS:
ARANTES, Ana Claudia Quintana. A morte é um dia que vale a pena viver – E um excelente motivo para se buscar um novo olhar para a vida. Sextante,2019.
FOLHA Espírita: Porque precisamos falar sobre a morte, Humana vida, 2021. Disponível em: <https://www.humanavida.com.br/clipping/entrevistas/folha-espirita-por-que-precisamos-falar-sobre-a-morte/>. Acesso em 19 de out. de 2021.
A morte é um dia que vale a pena viver, You Tube, 2020. Disponível em: < https://www.youtube.com/watch?v=ep354ZXKBEs>. Acesso em 19 de out. de 2021.