‘Além da sala de aula’ e a educação cidadã

A ação pedagógica deveria ser voltada para garantir a todos o saber e as capacidades necessárias a um domínio de todos os campos da atividade humana.

A história se passa em 1987 e apresenta uma jovem professora, mãe de dois filhos e grávida do terceiro, recentemente formada na faculdade, que acaba lecionando para crianças de rua em uma escola de abrigo sem um nome. Aos poucos vamos acompanhando a evolução e a mudança social que Stacey provoca nos alunos e naquela comunidade de pessoas sem teto. Ao chegar à escola ela se depara com um grande galpão, cheio de buracos e rachaduras, sem o mínimo de material necessário para lecionar e crianças e pais completamente desinteressados no processo de ensino-aprendizagem, uma vez que só frequentam o lugar para receber abrigo e comida.

Um dos desafios relevantes que Stacey enfrente é a evasão, pois aquele é um lugar de passagem, as pessoas vêm e vão. Numa mesma sala de aula ela precisa manejar várias crianças de idades diferentes e que estão desniveladas em relação aos saberes que são esperados para a idade escolar que deveriam se encontrar. Além disso a falta de recursos é limitante para se fazer um trabalho de qualidade no local, temos como exemplo a cena em que a professora tenta aplicar uma prova na classe, mas as crianças não têm nem lápis para responder.

Quanto às variáveis familiares que mais influenciam a evasão e a repetência, nosso estudo de revisão apontou os seguintes componentes: nível socioeconômico dos pais, situação habitacional, número de filhos e o grau educacional dos pais. Deve-se ressaltar que o nível de escolarização dos pais é preditor do nível de escolarização dos filhos, ou seja, é possível prever, com considerável exatidão, a evasão escolar através da história educacional dos pais, como ressaltou Brandão (1982). Outra variável familiar de importância neste problema é a mobilidade de emprego dos pais, que mudam e rematriculam a criança em diferentes escolas, várias vezes por ano. (WECHSLER, 2008, p.149)

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A relação com a família das crianças também é um problema, pois nem os pais receberam educação, para eles frequentar escola não é algo relevante e por vezes tiram as crianças da sala de aula por razões aleatórias. Stacey se vê de mãos atadas, pois sem a colaboração dos pais ela não consegue conduzir o processo. Frustrada com a situação, porém motivada pela vontade de não desistir das crianças, ela decide provocar mudanças na escola a fim de melhorar as condições de trabalho e consequentemente o aprendizado das crianças.

A instituição escolar, por sua vez, […] carece, muitas vezes, de condições mínimas para a estimulação da aprendizagem. Este fato fica bem real ao visitarmos as escolas das periferias, onde há falta de cadeiras e carteiras, vidros quebrados, água potável nem sempre acessível, inexistência de bibliotecas ou demais materiais escolares, mostrando-nos quão difícil se torna a motivação para aprender em tais condições. (WECHSLER, 2008, p.149)

Stacey passa a tirar do próprio bolso recursos financeiros para investir em materiais didáticos para a escola, se utilizando de seu tempo de folga para limpar, pintar e cuidar de sua sala de aula. Comovidos pelo interesse da professora, os demais usuários do abrigo, trabalhadores e familiares das crianças passam a colaborar com os planos de Stacey. Um senhor idoso e morador de rua passa a ser assistente de aula dela e ensina às crianças desenho, cores, pintura e arte.

Os pais passam a ser ativos no processo e ajudam as crianças com o dever de casa ao invés de passar tempo na televisão. Conforme as mudanças ocorrem, Stacey consegue chamar a atenção do representante do distrito escolar que passa e fornecer recursos para aquela escola. O filme termina com a conquista da lei “Mckinney-Vento homeless assistance” de 1987 que garante acesso a educação para crianças de rua nos Estados Unidos.

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Wechsler (2008) afirma que “as características e as necessidades emocionais do aluno necessitam de atenção por parte do professor e compõem a relação professor-aluno, positiva ou negativa, influenciando assim, o clima da sala de aula”; podemos entender isso a partir da relação que Stacey estabelece com os alunos da Ana, Maria e Danny. Maria passa de aluna novata à aluna assistente da professora; Ana, que tinha medo de contato físico devido a agressões que sofria, passa a ter autoconfiança, melhora sua autoestima e seus relacionamentos interpessoais, e Danny assume papel de líder na sala de aula, estimulando e incentivando os demais alunos a serem acolhedores e participarem das atividades propostas na escola. Essas mudanças refletiram também no relacionamento com os pais dos alunos, uma vez que os pais de Ana, Maria e Danny conseguiram se sentir assistidos pelas mudanças provocadas pela professora na vida das crianças.

O termo meio social, empregado pela Psicologia, restringe-se ao ambiente onde se dá o processo de socialização, ou seja, o ambiente é o ponto de chegada, e não o ponto de partida. A sociedade determina as condições de educabilidade da criança, pois ela já é socializada desde que nasce. As ações educativas, portanto, como são provenientes do meio social, impõem à criança propósitos e tarefas que não são, necessariamente, correspondentes ao desenvolvimento espontâneo da natureza humana individual. A educação é uma atividade de fora, externa à criança. Ela é, de certa forma, uma atividade forçada, que intervém no curso do desenvolvimento do indivíduo. Ao provocar a socialização entre os alunos e a comunidade com feiras de ciência e exposição dos trabalhos das crianças, Stacey estende o meio social das crianças.

A ação pedagógica deveria ser voltada para garantir a todos o saber e as capacidades necessárias a um domínio de todos os campos da atividade humana, como condição para a redução das desigualdades de origem social. Ela deve partir das condições concretas da vida da criança, considerando que a busca de saber deve ser espontânea, por um processo de descoberta. Além disso, deve haver uma Pedagogia Social que entende que há saberes universais que devem ser constantemente reavaliados face às realidades sociais, através de um processo de transmissão-assimilação-reavaliação crítica. Ao ter o primeiro contato com a sala de aula Stacey fala sobre realidades muito distantes da que as crianças vivem com familiares presos e sem recursos para terem férias de verão, por exemplo.

Conforme Libâneo (1984) é fundamental que o professor aprenda a adaptar-se ao aluno para que consiga aproximar-se do interesse, compreensão e linguagem do mesmo, sem ter que sacrificar o ato de ensinar. Posteriormente é necessário que o psicólogo trabalhe com o supervisor escolar (orientador), uma vez que este tem o papel de auxiliar o professor no seu fazer de sala de aula, por isso é necessário que ele consiga dar assistência em problemas de aprendizagem bem como adequar a proposta de conteúdos e métodos as condições socioculturais e psicológicas das crianças.

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Em relação ao ensino de psicologia no contexto escolar, Libâneo (1984) destaca que, primeiramente, é necessário articular os princípios e explicações com a prática do cotidiano do professor, onde ele mesmo irá transformar seus métodos de acordo com as suas demandas. As principais problemáticas reais relacionadas ao seu dia a dia são: classes lotadas, condições desiguais de base de aprendizagem dos alunos, desmotivação, desinteresse, classes sociais diversas, problemas de comunicação, problemas de indisciplina e inadequação de programas de ensino-aprendizagem.

A visão de Freire (2001) sobre as relações entre educação e responsabilidade se inicia quando este define que ser responsável no desenvolvimento é a soma do cumprimento de deveres com o exercício de direitos. Propõe ainda que existe a necessidade de haver transformações sociais e políticas, para que estas viabilizem cada vez mais a educação voltada para a responsabilidade.

Ele define a responsabilidade como “a prática educativa progressista, libertadora, exige de seus sujeitos tem uma eticidade que falta à responsabilidade da prática educativa autoritária, dominadora”, ou seja, a educação autoritária leva em consideração apenas os aspectos éticos e interesses de determinado grupo social, não respeitando assim a individualidade de cada sujeito, suas potencialidades e o bem coletivo que a educação responsável propõe.

Logo, Freire (2001) destaca que “o educador progressista é leal à radical vocação do ser humano para a autonomia e se entrega aberto e crítico à compreensão da importância da posição de classe, de sexo e de raça para a luta de libertação”. No filme de Bleckner (2011) fica claro o papel social da professora Stacey, mesmo que muitas vezes ela tenha levado questões de sala de aula e das condições sociais dos moradores de rua para dentro de casa, ela exerceu papel de agente transformadora daquele contexto.

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Stacey Bess é uma autora e educadora, mais conhecida pelo livro “Nobody Don’t Love Nobody” que originou o filme; atualmente trabalha como oradora pública, defendendo os direitos educacionais das crianças carentes.

FICHA TÉCNICA DO FILME:

Além Da Sala De Aula
Título Original: Beyond The Blackboard
Direção: Jeff Bleckner
Elenco: Emily Vancamp, Steve Talley, Timothy Busfield 
País:  Eua
Ano: 2011
Gênero: Drama

Referências

FREIRE, P. Política e educação: ensaios. 5. ed – São Paulo, Cortez, 2001.

LIBÂNEO, J.C. (1984). Psicologia Educacional:Uma Avaliação Crítica. In: Psicologia Social: O Homem Em Movimento. São Paulo: Brasiliense, 1984. 220 p.

WECHSLER, Solange Muglia. Criatividade: descobrindo e encorajando. 3. ed. [s. L.]: Lamp Wechsler, 2008. 354 p.