Amor no espectro: reality da Netflix aborda autistas em busca do amor

A Netflix incluiu no seu catálogo o reality show, que aborda pessoas em busca de um amor. Entretanto, Amor no espectro é um reality que aborda essa temática pelo prisma do Transtorno do Espectro Autista (TEA). Os participantes do programa são autistas adultos, que decidiram sair em busca de um par romântico.

O reality é composto por 5 episódios de 40min em média, que conta com depoimentos e preparações para o primeiro encontro de autistas. O programa promove os encontros entre pessoas que fazem parte do espectro. Para quem ainda não possui familiaridade com o Transtorno do Espectro Autista irei explanar algumas informações a seguir sobre o transtorno para que facilite a compreensão do que se trata o reality australiano.

O Transtorno do Espectro Autista (TEA) é definido pelo Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais- DSM-5 (2014) como um distúrbio do neurodesenvolvimento, que gera prejuízos na interação social, na comunicação e apresenta padrões repetitivos de comportamentos. Além disso, sabe-se que os sintomas podem surgir aos 3 anos de idade, o que possibilita que o diagnóstico seja realizado ainda na infância (APA, 2013).

Vale ressaltar que alguns estudos empíricos apontam que a grande parte das crianças com autismo apresentam problemas no desenvolvimento entre 12 e 24 meses (CHAKRABARTI, 2009), e que alguns desvios de ordem qualitativa no desenvolvimento podem aparecer antes do primeiro ano de vida (MAESTRO et al, 2002).

Fonte: Netflix

Também, acredita-se que o TEA atinge mais indivíduos do sexo masculino, tendo como prevalência por volta de 1% da população, consistindo numa vasta diversidade de sintomas no âmbito cognitivo-comportamental e sem preferência relacionadas a antecedentes étnicos (CID 10, 2000).

O número crescente de indivíduos diagnosticados mundialmente com TEA não aponta necessariamente para o aumento na sua prevalência, pois esse fato pode ser explicado pela sua expansão nos critérios diagnósticos, pela ampliação dos serviços de saúde relacionados ao transtorno, pela alteração na idade do diagnóstico e outros motivos (FAMBONNE, 2009).

Assim, dentro do TEA existem variações em casos entre leve e severo, que variam com sintomas mais intensos que comprometem e acomete em deficiência intelectual, e casos clínicos que apresentam níveis de inteligência normais e capacidade de adaptação, que torna os sintomas de interação social mais leves (CID 10, 2000; APA, 2013). É possível verificar que existem várias comorbidades no TEA, tais como o Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividades (TDAH), epilepsia, e variadas síndromes de ordem genética e ambiental (APA, 2013).

Dessa forma, de acordo com Rutter (2011), a aparição dos sintomas do TEA são precoces e apresentam comprometimento no desenvolvimento do indivíduo ao decorrer da sua vida, apresentando uma vasta variação na intensidade e na forma como os sintomas se manifestam nas áreas que definem o seu diagnóstico.

Fonte: Netflix

Entende-se que devido a ordem dimensional do conjunto de condições que compõem o TEA, existem controvérsias sobre o diagnóstico diferencial entre elas. Diante disso, o DSM-5 define a classificação do TEA em substituição a Transtornos Globais do Desenvolvimento, pois a última versão do manual aponta a inclusão de comprometimentos qualitativos no desenvolvimento sociocomunicativo. Além disso, tem a apresentação de estereotipias ou comportamentos estereotipados e repertório baixo e restritivo de interesses e atividades, onde os sintomas desse âmbito unidos podem limitar ou dificultar o funcionamento rotineiro e diário do indivíduo (APA, 2013).

Também, em concordância com Bárbaro (2009), ressalta-se que o Transtorno do Espectro Autista (TEA) inclui o transtorno autístico, o transtorno ou síndrome de Asperger, o transtorno desintegrativo da infância e o transtorno global do desenvolvimento não especificado, que é conhecido como autismo atípico.

Outro aspecto interessante é que o TEA não possui etiologia ainda completamente estudada e conhecida, porém já se sabe que existem anormalidades cromossômicas (2%), ambientais (3%), síndromes monogênicas (5%), microduplicações e microdeleções (10%), e questões multifatoriais e epigenéticas representam cerca de 80% (ZANOLLA et al, 2015).

Para Reichow (2011), a intervenção precoce pode provocar melhoras no quadro clínico do autismo, apresentando ganhos significativos e com grande durabilidade no desenvolvimento infantil, haja vista que as intervenções, quando realizadas precocemente, podem potencializar benefícios e efeitos positivos. Além disso, é apontado também que quando as intervenções são realizadas mais cedo, é possível que os gastos sejam reduzidos de forma considerável no tratamento das crianças com TEA, o que pode gerar economia para a família e dentro do sistema de saúde pública a longo prazo (NOVAK; ZUBRISTKSY, 2005).

Assim, Leo Kanner, autor da obra “Autistic disturbances of affectiv contact”, de 1942, no intento de descrever casos de crianças com curiosas características em comum, marcadas por um comportamento de auto-estimulação, tendência a um isolamento extremo, repetição mecânica de frases ouvidas anteriormente e obsessividade. Assim, seguiram-se alguns anos na busca de estudar a etiologia daquilo que ele apresentou como uma “psicose” que, por fim, não foi esclarecida através dos exames feitos com os pacientes em clínica e laboratorialmente.

Fonte: Netflix

Diante do exposto, percebe-se que o Autismo é um transtorno que interfere na comunicação e interação social. Logo, presume-se que ele pode influenciar na forma como o indivíduo expressa suas emoções e sentimentos, de modo que se torna importante compreender como são experienciadas as emoções e qual o significado delas para as pessoas com TEA e especialmente no que se refere às crianças, haja vista que é uma fase onde há curiosidade e necessidade de aprender sobre essas questões.

O reality traz uma discussão potente sobre o atraso no diagnóstico de mulheres, pois enquanto os meninos são diagnosticados ainda na infância, as meninas só recebem diagnóstico na adolescência ou na vida adulta. Isso acontece porque os critérios diagnósticos abarcam com maior profundidade os comportamentos dos homens, não possuindo um recorte de gênero eficaz que auxilie no diagnóstico precoce de meninas.

Enquanto um dado comportamento é tido como esperado ou adequado para as mulheres, ele é considerado como um sinal ou sintoma para homens. Então o reality enfatiza essa crítica a forma como o diagnóstico é tardio para as mulheres e como isso pode trazer prejuízos no tratamento.

O programa conta com o apoio de uma psicóloga especialista em encontros para autistas, ela auxilia aqueles que apresentam dificuldades de relacionamento ou falta de habilidades sociais. Esses participantes passam por treinos de habilidades sociais voltados para relacionamentos românticos.

O reality apresenta de forma real como são as dificuldades de relacionamento enfrentadas pelos autistas, exibindo preconceitos e estigmas que causam muito sofrimento. É uma ótima opção para quem quer aprender mais sobre o assunto e se divertir com tanta fofura.

Fonte: Netflix

REFERÊNCIAS

American Psychiatric Association. Diagnostic and Statistical Manual of Mental Disorders(5a. ed.). Arlington, VA: American Psychiatric Publishing. 2013

MANUAL DIAGNÓSTICO E ESTATÍSTICO DE TRANSTORNOS MENTAIS: DSM-5. [American Psychiatric Association ; tradução: Maria Inês Corrêa Nascimento … et al.]– 5. ed. – Dados eletrônicos. – Porto Alegre : Artmed, 2014.

PARKS, P. J. Self-injury Disorder. San Diego, California: Reference Point Press, 2011.

Mandell, D., Novak, M., & Zubritsky, C. (2005). Factors associated with age of diagnosis among children with autism spectrum disorders. Pediatrics, 116, 1480-1486.

ROBINSON, A. Emotion-focused therapy for autism spectrum disorder: a case conceptualization model for trauma-related experiences. Journal of congtemporary psychotherapy, v. 48, n. 3, p. 133-143, 2018. Disponível em: https://www.ncbi.nlm.nih.gov/ pmc/articles/PMC6061099/

ANTUNES, R. Trabalho e precarização numa ordem neoliberal. In: GENTILI, P.; FRIGOTTO, G. (Org.). A Cidadania Negada: políticas de exclusão na educação e no trabalho. 2 ed. São Paulo: Cortez, 2001, p. 37-50

ANTUNES, Ricardo (2015) Desenhando a Nova Morfologia do Trabalho, Revista Estudos Avançados, 28 (81), 2014, Instituto de Estudos Avançados, USP, São Paulo

ANTUNES, R e DRUCK, G. (2014). A epidemia da terceirização in Antunes, R. (org), Riqueza e Miséria do Trabalho, vol III, SP, Boitempo.