“Procurando Nemo” conta a história de dois peixes-palhaço, Marlin e Nemo, pai e filho. O início da história apresenta a base de sustentação de muitas das motivações e medos dos personagens principais, pois a Coral (o peixe-mãe de Nemo) morre ao tentar proteger seus filhotes. Marlin estava junto, mas não conseguiu proteger Coral, nem as crias. Somente uma ova sobreviveu ao ataque. Nemo, o sobrevivente, além de ser criado apenas pelo pai, nasceu com uma das nadadeiras diferenciadas (era bem menor que o normal). Agregando esse fato à questão de ser o sobrevivente de uma tragédia, eis o cenário ideal para uma criação superprotetora e insegura. No primeiro dia de escola, Nemo – ao discutir com seu pai – vai em direção ao alto-mar e é capturado por um mergulhador. Daí inicia-se a jornada do pai a procura do filho.
Nessa jornada, Marlin conta com a ajuda de um peixe chamado Dory, uma criatura otimista, engraçada e com sérios problemas de memória. Enquanto isso, Nemo passa a viver em um aquário no consultório do dentista que o capturou. Nesse aquário faz novos amigos e estes tentam lhe ajudar a voltar para o pai e a se livrar da sobrinha do dentista (uma criança mimada que costuma matar seus pobres peixes). O desafio, o ato de bravura, a dor, a perda, a necessidade de superação, a amizade e o amor entre pais e filhos formam a tônica que fizeram desse filme um sucesso de público e crítica. Com “Procurando Nemo”, a Pixar ganhou o Oscar de melhor animação e fez um conto belíssimo sobre as buscas que travamos dentro do oceano de significados que compõe cada um de nós.
As contingências encontradas no filme e que podem ser relevantes em um contexto clínico serão dispostas a partir da contingência de Três Termos:
S — R –> S, onde:
• S indica estímulos ambientais.
• S antes do R – ambiente antes da ação.
• R indica resposta (ou comportamento).
• O traço, uma probabilidade de a resposta ocorrer.
• A seta uma certeza que haverá conseqüência.
• S depois da seta – o ambiente depois da ação.
As contingências apresentadas acima podem ser usadas em diversos contextos clínicos, a saber:
– Suponhamos uma situação em que os pais enviam o filho para a terapia por acreditarem que a criança não tem limites. Depois das entrevistas realizadas, de alguns encontros com a criança e seus pais, a psicóloga entende que a criança está apenas realizando ações relativa a sua idade e o que ocorre é que os pais em questão são muito protetores, pois já perderam um filho em um trágico acidente. Como tal situação envolve uma criança cujos pais estão reforçando a incidência de um comportamento rebelde justamente por não darem espaço à criança de vivenciar coisas comuns a sua idade, é interessante que a psicóloga – em um dos encontros – convide os pais para participar do processo e mostrar o filme para eles e a criança. A analogia para tal situação do filme é clara, nesse aspecto é até interessante que não haja maiores explicações por parte da psicóloga. Mas que, a partir da exposição do filme, sejam trazidas à tona certas variáveis de controle que possam ser usadas para uma mudança do comportamento tanto dos pais, quanto da criança.
– A vida cotidiana de pessoas extremamente desconfiadas não deve ser das melhores, pois se há uma desconfiança extrema, então todas as decisões tendem a cair sobre a própria pessoa, já que estas não confiam no outro o suficiente para compartilhar certos aspectos da vida. Um ponto interessante do filme é a amizade que surge entre Marvin e Dory mesmo sendo tão diferentes. Tal diferença até contribui para que eles possam vencer os desafios que lhes são apresentados. Nesse contexto, a cena em que Marvin tem que deixar uma difícil decisão nas mãos de Dory é emblemática, pois ali ele prova que, finalmente, confiou nela. A ideia que fica é a de que a busca dos dois é um trabalho em equipe, uma jornada conjunta. Tal ideia pode ser muito bem utilizada no setting terapêutico.
– Um ponto divertido no filme, ainda que quase trágico, é a luta dos três tubarões contra o desejo de comer peixe. Ali é mostrada o quão complexa é a fuga do que se acredita ser “sua real natureza”. Talvez o pior tipo de preconceito seja aquele que a pessoa carrega dentro de si por achar que está presa a um tipo de comportamento ou a um estereótipo. Compreender que a maior luta que se trava não é com o outro, mas sim consigo mesmo, é um desafio extremo. As variáveis necessárias para a mudança de comportamento, consideradas em função de um dado ambiente, têm que provocar o entendimento da contingência pelo próprio indivíduo. Ou seja, muitas consequências negativas não são percebidas pelas pessoas, é como se as respostas das quais essas se derivaram não tivessem um link entre si ou, melhor, que tais links não fossem claros para o indivíduo que os provocou.
– Muito interessante também a questão de relacionarem o Marlin a um comediante em potencial por ele ser um peixe-palhaço. Essa passagem do filme é uma maneira lúdica de mostrar à criança questões relativas a determinados preconceitos, por exemplo, de credo, classe social etc. Não precisamos ser simplesmente aquilo que nosso contexto histórico-social nos impõe, pois apesar de ser histórico e social, o indivíduo também é reflexo de suas contingências, do comportamento que tem no tempo presente. E isso é algo que deve ser considerado em qualquer análise comportamental, ou seja, que a força de um passado não pode ser fator decisivo para engessar o presente e subtrair o futuro.
De uma forma geral, essas situações apresentadas corroboram com a ideia de que filmes podem ser usados para o entendimento de contingências. Mesmo histórias lúdicas ou metafóricas podem, em um dado nível, contribuir muito para que o indivíduo entenda certas operações capazes de estabelecer determinados comportamentos. Ao invés do terapeuta apontar diretamente tais conseqüências que advém de determinados comportamentos do sujeito, é mais apropriado promover a descoberta disso pela própria pessoa. Essa descoberta pode ser construída a partir de várias situações e, nesse ínterim, a história de um filme ou de um livro pode ser uma delas.
REFERÊNCIAS:
OLIVA, V. H. S.; VIANNA, A.; NETO, F. L.. Cinematerapia como intervenção psicoterápica:características, aplicações e identificação de técnicas cognitivo-comportamentais. Disponível em: http://www.hcnet.usp.br/ipq/revista/vol37/n3/138.htm. Último acesso: 27/06/2010.
SKINNER, B, F. O comportamento verbal. São Paulo: Cultrix, 1978.
VANDENBERGHE, Luc. A Análise Funcional. In: M. Z. S. Brandão; F. C. S. Conte; F. S. Brandão; Y. K. Ingberman; V. L. M. Silva; S. M. Oliani. (Org.). Sobre Comportamento e Cognição. Contingências e Metacontingências: Contextos Sócio-verbais e o Comportamento do Terapeuta. 1 ed. Santo André, SP: ESETec, 2004, v. 13, p. 62-71.
FICHA TÉCNICA DO FILME:
PROCURANDO NEMO
Título original: Finding Nemo
Diretoção: Andrew Stanton, Lee Unkrich
Roteiro: Andrew Stanton, Bob Peterson, David Reynolds
Ano: 2003
País: EUA/ Austrália
Gênero: Animação