“Grandes palavras são necessárias para expressar grandes ideias”
A série canadense Anne with an E é baseada no livro Anne of Green Gables de L.M. Montgomery e se tornou um grande sucesso por abordar temas atuais em um contexto onde pouco era discutido sobre empatia, direitos humanos, respeito às diferenças e empoderamento feminino. A série é ambientada no século XIX, na década de 1890 e é protagonizada por uma menina órfã chamada Anne Shirley que com sua história e personalidade conquistou o coração de leitores e telespectadores da respectiva série. Neste trabalho serão abordadas três lições de vida que podemos aprender com Anne: a empatia, a quebra de preconceitos e a resiliência.
A história conta que Anne após a morte de seus pais, vai para um orfanato e que já foi adotada por outras famílias, mas que depois é devolvida para o orfanato. Lá ela sofre com o bullying das colegas por ser apaixonada por histórias que envolvem a imaginação e a poesia. Até que um dia ela é adotada por engano por um casal de irmãos idosos chamados Matthew e Marilla Cuthbert. Eles pensavam que estavam adotando um menino.
À primeira vista, Mattew ao conhecer Anne decide levá-la para casa, mas Marilla não a aceita pois queria que fosse um menino, para ajudar na produtividade da fazenda. Anne sofre, pois não quer ser rejeitada novamente e faz de tudo para que seja adotada pelos irmãos.
Osório (1996) ressalta que a família tem um papel muito importante na vida do indivíduo, sendo um modelo de referência que uma pessoa pode ter, além de exercer influência cultural, social, e no desenvolvimento em diferentes aspectos. Ter uma família, além de representar os papéis de pai e mãe, para Anne era uma forma de se sentir amada e acolhida.
Após ser aceita pelos irmãos Cuthbert, ela começa a frequentar a escola e faz uma amiga: Diana Barry e juntas fazem um juramento de amizade eterna. Na escola, Anne sofre preconceitos por ser órfã, ruiva e com sardas. Ela acreditava que essas características a deixavam mais feia que as outras meninas.
A primeira lição que podemos citar é a resiliência. Pois diante do preconceito por ser órfã e da rejeição das colegas, Anne teve que ter forças para prosseguir com seu sonho de frequentar a escola. Com o tempo, Marilla e Anne se tornam muito mais próximas fazendo com que ela se sinta mais segura para voltar a escola e seguir com sua vida.
Segundo Yunes (2001), a resiliência se refere a voltar ao seu estado de saúde mental ou de espírito após doenças, deficiências ou problemas. Também chamada de flexibilidade, pois fala sobre até que ponto um material ou uma pessoa podem suportar impactos e não sofrerem deformações.
A empatia esteve presente em toda a história de Anne, podemos ver que ela nunca enxergou as outras pessoas como menores que ela ou piores, todos mereciam respeito e para ela, todos poderiam ser ótimos amigos. Com o tempo ela descobriu que as diferenças de gostos e sonhos faziam com que aproximasse ou afastasse as pessoas. Disputas amorosas também aconteceram, pois Ruby, uma garota apaixonada por Gilbert, percebe que ele trata Anne diferente e faz com que inicialmente sejam inimigas. Anne não se deixa abalar por isso e não trata Ruby diferente, pelo contrário ela tenta ser amiga. Anne também pratica a empatia quando ajuda Josie a se livrar do assédio de Billy. Mas sofre, pois foi apontada como culpada por Josie se tornar mal falada na ilha.
Em algumas situações, Anne se deixa levar pela sua revolta pessoal e impulsividade, tomava atitudes que para ela, beneficiaria a todos. Por mais que sua intenção fosse boa, afetou principalmente Josie que se sentiu exposta por um problema que era motivo de vergonha para a reputação dela.
Outro exemplo de empatia é quando ela faz amizade com Cole, um garoto que é homossexual e que se vê sem liberdade pois as pessoas não o aceitavam como ele era. Anne o entende e não o rejeita, e se emociona por saber que Cole encontrou um lugar onde pode viver sendo ele mesmo, após desistir de ir à escola devido ao preconceito das pessoas.
A empatia segundo Koss (2006) apresenta um significado que é “sentir de dentro de si”. Ales Bello (2004,2006) e Manganaro (2002), relatam que empatizar é se colocar no lugar do outro, simpatizar é compreender a vivência do outro como sendo sua. E que do ponto de vista fenomenológico, são reações do ânimo, portanto é um processo psíquico.
A quebra de preconceitos e a luta pelos direitos de liberdade de expressão são mais algumas das lições aprendidas com Anne. Enquanto ela acolheu Cole que lutava para encontrar seu lugar de aceitação, a chegada da professora que queria trabalhar, usar calças e andar de bicicleta, eram motivos de estranhamento para a época. Pois para a maioria das pessoas da época, as mulheres precisavam cuidar da casa, da família e ter aulas de etiqueta. Anne não deixou de sonhar com sua família, mas também não queria ficar refém de uma cultura padrão que em nada ajudava as mulheres.
Anne e a turma da escola também lutaram contra a opressão que sofreram, pois, a educação que estavam tendo na escola, segundo os maiorais da cidade não era adequada. E por isso, a escola foi queimada e a professora foi praticamente expulsa e proibida de dar aulas. A turma conseguiu fazer um protesto para que as aulas voltassem e apresentaram para todos da ilha o que haviam aprendido com a professora. Por fim, conseguiram ter aulas novamente, e voltarem às atividades. Estes exemplos são de lutas que por anos foram necessárias para que nos dias de hoje tenhamos o direito à educação e liberdade de expressão na nossa democracia atual.
As autoras França, Santos e Sousa (2019), apontam que situações de preconceito são corriqueiras na nossa sociedade e que estão presentes em diversas áreas como as mídias sociais, instituições de ensino, nas famílias e nos demais grupos sociais. Dessa forma, o preconceito configura-se como um grande problema da sociedade. Faz-se necessário, cada vez mais, a compreensão e combate deste problema.
O combate se dá pelas estratégias de enfrentamento, como nas escolas onde pode ser trabalhada a superação das situações vividas pelas classes que mais sofrem, como por exemplo, as pessoas pretas, LGBTQIA + e as mulheres. Como também a conscientização de todos, principalmente daqueles que praticam o preconceito. Estas estratégias podem ser ampliadas para os grupos familiares também, onde dentro de casa as pessoas podem discutir e ensinar que somos diferentes e que cada um merece ser compreendido da forma que é, sem precisar ter que explicar o porquê de ser diferente (FRANÇA; SANTOS; SOUSA, 2019).
Ressalto que, a série nos mostra muitos valores que hoje em dia ainda integram nossas lutas, o preconceito sempre existirá na sociedade, e diante da modernidade líquida, que é a fragilidade das relações sociais (Bauman, 1999), a empatia com o outro e a resiliência para enfrentar as dificuldades do dia-a-dia se fazem muito importantes. Anne teve que vencer muitos obstáculos para que conseguisse realizar cada um dos seus sonhos. Sabemos que não são todas as pessoas que têm os mesmos privilégios. Muitos não têm acesso à educação, saúde básica, alimentação, e por isso não conseguem uma chance de realizar o que sonha.
Esta história nos inspira a lutar pelo que acreditamos, tudo o que sentimos e pensamos é importante, não podemos deixar de acreditar que iremos conseguir e que somos capazes de fazer acontecer o que tanto almejamos.
“Não é o que o mundo reserva para você, mas o que você traz para o mundo”
FICHA TÉCNICA
Título: Anne With An E (Anne com E)
Intérprete: Amybeth McNulty
Ano: 2017-2020
País: Canadá
3 temporadas
Gênero: Romance, Drama, Aventura
Duração dos episódios: 89 min.
REFERÊNCIAS:
Ales Bello, A. (2004). Fenomenologia e ciências humanas: psicologia, história e religião(M. Mahfoud & M. Massimi, Orgs. e Trads.). Bauru, SP: EDUSC.(Original publicado em 2004).
Ales Bello, A. (2006). Introdução à fenomenologia(J. T. Garcia & M. Mahfoud, Trads.). Bauru, SP: EDUSC.(Original publicado em 2006).
Bauman, Z. (2001). Modernidade líquida. Brasil: Zahar.
Koss, J. (2006). On the limits of empathy. The Art Bulletin, 88(1), 139-157
OSÓRIO, L. C. Família hoje. Porto Alegre: Artes Médicas, 1996.
Yunes, M. A. M. (2001). A questão triplamente controvertida da resiliência em famílias de baixa renda. Tese de Doutorado Não-Publicada, Programa de Psicologia da Educação, Pontifícia Universidade Católica de São Paulo.