Cinema retrata precarização no mercado de trabalho

“Estou me guardando para quando o carnaval chegar” é um longa-metragem estreado em 2019, que tem como roteirista, diretor e personagem principal o cineasta Marcelo Gomes. O longa se passa na cidade de Toritama – PE, que fica a 171,5 km da capital pernambucana, Recife. O filme é narrado por Marcelo Gomes que exibe em imagens o seu retorno a cidade que atualmente é considerada a capital do jeans no nordeste.

Toritama é responsável pela produção de jeans e essa produção é realizada pelos moradores da cidade, cerca de 40 mil pessoas habitam e mais de 90% da população trabalha na confecção de jeans. As fábricas de jeans são chamadas de facções, que estão localizadas em galpões, garagens, salas e nas casas das pessoas, as facções estão por todos os lados.

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De acordo com Antunes (2001), a partir da década de 90 houve um grande aumento na informalidade e precarização do trabalho, o aumento da informalidade provoca péssimas condições de trabalho, ritmos intensos e carga de trabalho excessiva que não é fiscalizada, pois os trabalhadores são subcontratados por empresas que burlam a legislação.

No caso de Toritama, os trabalhadores são profissionais autônomos e o tempo todo na obra é retratado como eles acreditam na falsa e ilusória ideia de liberdade e autonomia. Os trabalhadores reproduzem o discurso de serem seus próprios patrões e de ganharem mais, pois ganham de acordo com o que produzem. Antunes (2014, p. 40) alerta que:

A flexibilização produtiva, as desregulamentações, as novas formas de gestão do capital, a ampliação das terceirizações e da informalidade acabaram por desenhar uma nova fase do capitalismo no Brasil. As novas modalidades de exploração intensificada do trabalho, combinadas com um relativo avanço tecnológico em um país dotado de um enorme mercado consumidor tornaram-se elementos centrais da produção capitalista no Brasil.

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Em Toritama, casas passaram a virar fábricas de jeans, famílias inteiras se ocuparam em alguma parte do processo de produção, onde dependendo de qual parte do processo se encontrarem podem ganhar de R$ 0,10 a R$1,00 por peça produzida. É comum ver pessoas de idades variadas trabalhando em facções e todos com um denominador comum que é a informalidade.

Na obra é possível perceber as péssimas condições de trabalho, jornadas excessivas e o enorme cansaço dos trabalhadores que fazem apenas pequenas pausas para refeições rápidas e retornam ao trabalho. Alguns trabalham das 7h da manhã e encerram às 22h, apenas com pequenas interrupções durante a jornada.

Faltam EPI’s e sobram riscos, pois os trabalhadores se expõem ao contato direto com reagentes químicos, objetos cortantes e têm que ficar na mesma posição por horas repetindo um dado movimento, o que pode ocasionar lesões por esforço repetitivo e outros problemas de saúde ocasionados pela falta de condições básicas e seguras de trabalho.

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A indústria têxtil é um dos ramos que mais cresceu no capitalismo brasileiro, e junto com ela veio a flexibilização da mão de obra, que criou a falsa ideia de liberdade quando na verdade corresponde a uma neoescravidão. Conforme Antunes (2014, p. 684):

E  a  terceirização,  prática  presente  em  quase  todos os  ramos  e  setores  produtivos,  vem  se  tornando  a  modalidade  de  gestão  que  assume  centralidade  na  estratégia  patronal, uma vez que as relações sociais estabelecidas entre capital e trabalho são disfarçadas em relações interempresas, baseadas em contratos por tempo determinado, flexíveis, de acordo com os ritmos produtivos das empresas contratantes que desestruturam ainda mais a classe trabalhadora, seu tempo e trabalho e de vida, seus direitos, etc.

A cidade de Toritama parou quase que por completo para dedicar-se somente a produção de jeans, existem poucas outras formas de renda no município, além de que existem pouquíssimas opções de lazer dentro da cidade, visto que não há público para consumir ou desfrutar do lazer num lugar onde as pessoas vivem para trabalhar e descansam enquanto trabalham.

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Quando o carnaval se aproxima a pacata cidade de Toritama entra em colapso e diversos bazares surgem pelas ruas. Pessoas desesperadas para venderem tudo o que têm visando conseguir dinheiro para que possam viajar no carnaval para o litoral. O desespero é tamanho que aceitam valores inferiores ao que o produto corresponde e juntam tudo o que têm para obter ainda mais dinheiro que seja suficiente.

Algo interessante a respeito disso é que a quantia almejada não costuma ser alta, o que faz com que essas pessoas vendam seus bens por preços extremamente sucateados e quando retornam do carnaval empenham-se novamente para comprar de volta o mesmo produto que venderam e por um valor maior. O carnaval é o único período onde os trabalhadores param suas produções e fecham as portas de suas facções para descansarem e também para aproveitarem a festividade da data.

 FICHA TÉCNICA 

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Nome: Estou me guardando para quando o Carnaval chegar

Nome Original: Estou me guardando para quando o Carnaval chegar

Origem: Brasil

Ano de produção: 2019

Gênero: Documentário

Duração: 85 min

Classificação: Livre

Direção: Marcelo Gomes

REFERÊNCIAS

ANTUNES, R. Trabalho e precarização numa ordem neoliberal. In: GENTILI, P.; FRIGOTTO, G. (Org.). A Cidadania Negada: políticas de exclusão na educação e no trabalho. 2 ed. São P

aulo: Cortez, 2001, p. 37-50

ANTUNES, Ricardo (2015) Desenhando a Nova Morfologia do Trabalho, Revista Estudos Avançados, 28 (81), 2014, Instituto de Estudos Avançados, USP, São Paulo

ANTUNES, R e DRUCK, G. (2014). A epidemia da terceirização in Antunes, R. (org), Riqueza e Miséria do Trabalho, vol III, SP, Boitempo.