Cobra Kai – A omissão de uma vitória

Em nosso mundo, o gênero e a honra masculina estão muito atrelados a competitividade em competições esportivas. Isto é muitas vezes indicativo de a versão contemporânea da Jornada do Herói, ajustada para tempos fleumáticos e sem territórios inexplorados para ir em descoberta. Em Karatê Kid, filme lançado em 1984, temos um exemplo característico desse fenômeno: Daniel, um jovem que tem dificuldade de adaptação que sofre com a violência dos pais, é salvo por um especialista em artes marciais e este o subordina a um árduo treinamento. Como desfecho, ele se fortalece fisicamente e mentalmente, ganhando o torneio local contra quem o agredia, e para valorizar suas vitórias pessoais, ganha o afeto da garota por quem se apaixonou. Contudo, de modo diferente dos mitos, competições e contos de fada, a vida tem que continuar requerendo atitudes menos heroicas dos homens, tais como pagar contas, procurar um emprego e constituir uma família.

Deste modo a série Cobra Kai presente na Netflix e Youtube, segue contando a história do filme 34 anos depois, porém com os mesmos autores, com base na história de vida de Johnny, o vilão da história é derrotado da competição. Este é o primeiro inconveniente da crônica, transparecer que o vilão não simplesmente desaparece com o fim da crônica. Ele de maneira simplória continua sendo a mesma pessoa. Tendo uma vida de adulto para levar. E essa, porventura, não é das mais agradáveis: subsistindo por meio de trabalhos informais, morando em uma casa desarrumada, tendo que enfrentar o alcoolismo, sem amizade e sem ninguém para pedir um abraço e um beijo, esse vilão não dá sinais de aprendizado com suas dificuldades, continuando sendo uma pessoa arrogante que te proporcionava popularidade na adolescência, porém agora de forma totalmente desajustada.

Fonte: encurtador.com.br/buFIT

A narrativa demonstra como os torneios esportivos tem muita autoridade sobre a masculinidade atual. Onde podemos observar como o resultado de uma competição desagregou duas vidas, aonde uma levou o troféu de vencedora e a outra levou o título de derrotada, deixando a vida adulta em segundo plano diante dos defeitos da adolescência. Isto nos mostra o mal-estar e uma vida sem sentido que muitos sendo ao longo de sua trajetória vital.

Todo o enredo da série se aplica ao reencontro entre os dois personagens, ocasionado por um acidente no qual a filha de um dos personagens estava envolvida. Metaforicamente, podemos sugestionar que a rivalidade era uma questão a ser solucionada em suas vidas, e por mais que tentassem esquecer essa rixa, alguma hora ela iria ser colocada à tona diante deles, por meio de muitas coincidências, submetendo-os a lidar com isso.

Fonte: encurtador.com.br/biGV2

Evidente que este conflito leva os personagens de volta ao caratê, o que acaba levando suas vidas de volta a realidade.  Se tradando de Johnny, ele passa a ter atitudes que quebram uma inércia de décadas, colocando força e ressignificação a uma vida que parecia perdida. Já pelo lado de Daniel, entendemos um vazio que sempre esteve consigo, embora ele seja orgulhoso. Ele tentava de maneira aflita colocar regras e doutrinas do caratê em sua vida de comerciante, o que era visto de modo excêntrico. Agora ele percebe uma oportunidade perfeita para colocá-los em prática.

Neste regresso às artes marciais, uma nova chance aparece aos personagens que é: qual os papeis eles devem desempenhar em seus estágios atuais de vida, já que não podem simplesmente competir em torneios como no passado. Para isso, o quesito fundamental é o relacionamento com as novas gerações, o que se confronta os valores enraizados e os leva a importante desenvolvimento interno.