Já correm aproximadamente 130 anos de pesquisas relacionadas ao aprendizado. Entender como aprendemos e o porquê de muitas pessoas inteligentes (e até mesmo aquelas que atingem níveis acima da média de inteligência) experimentarem dificuldades paralelas em seu caminho de aprendizado, são desafios que a ciência vem deslindando diariamente afim de obter resultados que possam suprir essas dúvidas. Nos últimos dez anos, com todo o avanço tecnológico e, principalmente, com o apoio da técnica de ressonância magnética funcional, as conquistas relacionadas ao que é Dislexia, estão finalmente obtendo resultados satisfatórios e concretos.
Toda a complexidade que rodeia o entendimento do que é Dislexia está diretamente ligado ao entendimento do ser humano; o que somos, o que é Memória, Pensamento e Linguagem, como adquirimos aprendizado e porquê algumas pessoas encontram dificuldades enquanto outras têm facilidades em aprender o mesmo conceito ou como as pessoas consideradas geniais também encontram facilidades mescladas de dificuldades durante seu aprendizado.
É difícil conceituar e definir Dislexia, pois foi criado um mundo diversificado de informações, que hora informa, hora confunde. A mídia brasileira peca nas abordagens de temas tão graves e importantes, como este, informando parcialmente sobre o problema, usando explicações fora do contexto global das descobertas atuais da Ciência.
Dislexia é causa ainda ignorada de evasão escolar em nosso país, e uma das causas do chamado “analfabetismo funcional” que, por permanecer envolta no desconhecimento, na desinformação ou na informação imprecisa, não é considerada como desencadeante de insucessos no aprendizado (Dislexia, s/p, s/d).
Há inúmeras classificações em torno da Dislexia, que derivam de diferentes focos e ângulos pessoais e profissionais de visão. De modo geral, a Dislexia é uma específica dificuldade de aprendizado da Linguagem; expressão do pensamento por meio de palavras. É um processo mental de caráter essencialmente consciente, significativo e orientado para o social. Neste caso, a dificuldade relacionada ao aprendizado da linguagem estaria associada a leitura, soletração, escrita em linguagem expressiva ou receptiva, cálculos matemáticos, linguagem corporal, social e razão. É interpretado erroneamente como motivado pela falta de interesse, vontade ou esforço, pois não há ligação com acuidade visual ou auditiva. 80% dos disléxicos possuem dificuldades no aprendizado da leitura e escrita.
Segundo a literatura a dislexia tem sido relacionada a fatores genéticos, porém, a não estimulação das crianças também agrava o problema, uma vez que, por terem mais dificuldades que as demais crianças, os disléxicos necessitam de uma atenção maior, focada em seus problemas. O apoio da família e dos amigos também é essencial nesse desenvolvimento.
Antes de tudo dislexia é um jeito diferente de ser e de aprender; é o aprendizado individual de uma mente brilhante, que aprende em compasso diferente dos demais.
“As letras estão dançando” diz Ishaan Awasthi, o personagem central de Como Estrelas na Terra. Dirigido por Aamir Khan, que também dá vida ao professor Nikumbh, personagem que faz a diferença ao longo da história.
Ishaan Awasthi é um garoto de 9 anos, que vive com os pais e o irmão mais velho em uma pequena comunidade da Índia. Ishaan é uma criança normal, brinca, desafia os pais e faz artes como qualquer garoto da sua idade, no entanto está passando por dificuldades na escola e corre o risco de reprovar mais uma vez. É motivo de constantes punições por conta de sua “desobediência” na escola.
Durante as aulas, Ishaan é disperso e vive num mundo que somente ele vê. Sua mente criativa é ignorada e repreendida pelos professores. Na sala de aula os números da prova de matemática criam vida e travam uma verdadeira guerra intergaláctica com Ishaan, o garoto, por sua vez,ignora os códigos, para ele o seu mundo é totalmente diferente, seja na cor ou no ritmo, do que aquele em que seus colegas de classe vivem. Ishaan é capaz de alçar voo junto com os pássaros que vê, admira por hora os voo das borboletas, se encanta com os pássaros alimentando seus filhos, com os pingos da chuva e a imagem que forma quando estes vão de encontro a um poça d’água. As nuvens se tornam o seu chão, é um verdadeiro sonhador. Mas na escola sonhos não fazem parte do currículo escolar. Para os professores Ishaan não passa de uma criança irresponsável e preguiçosa.
O mesmo pensamento tem o pai do garoto, que o ameaça diversas vezes, acusando-o de preguiça, burrice e até mesmo de nomes piores. Por conta das diversas advertências da escola, o pai de Ishaan cumpre com as promessas e o manda para um colégio interno, acreditando ser essa a única solução para a falta de educação do filho.
Mas é nesse novo colégio que a situação de Ishaan agrava, pois os alunos e os professores também criticam a criança todo o tempo, fazendo com que ela se sinta sozinha, humilhada e se excluindo dos grupos sociais. Ishaan perde a vontade de progredir, de aprender e de ser criança, tornando-se “invisível” para os demais. O lema do colégio é “Disciplinar Cavalos Selvagens”, os professores repudiam a hipótese de que as crianças comportem-se como crianças, pois ali estão sendo preparadas para a vida, para o mercado competidor.
Toda essa rigidez e educação arcaica muda com a chegada do professor substituto Nikumbh, que traz em sua personalidade a fé de que toda criança é especial. O professor possui uma metodologia própria e não se curva diantedas regras rigorosas da escola e isso faz com que todos os alunos se apaixonem por ele.
Quando Nikumbh conhece Ishaan, percebe que há algo errado, pois trata-se de uma criança saudável mas que carrega dor nos olhos, é sempre calado e reservado.“Seus olhos berram por ajuda”, afirma Nikumbh. Um dos amigos de Ishaan conta que o menino nunca aprende, por mais que se esforce, todos os cadernos tem correções vermelhas. Ao saber disso o professor decide investigar o que acontece com seu aluno. É então que Ishaan recebe o diagnóstico de dislexia, um problema bastante conhecido por Nikumbh que decide, então, tirar o garoto do abismo no qual se encontrava.
“Quando irão aprender que cada criança tem seu tempo? Que cedo ou tarde irão aprender”Indaga Nikumbh, decepcionado com a atitude do pai de Ishaan ao descobrir que seu filho tem Dislexia. “Para alguém conseguir ler e escrever é essencial relacionar sons com símbolos, saber o significado das palavras, e Ishann não consegue isso”. O pai não acredita nas afirmações do professor, sendo agressivo e resistente as orientações que Nikumbh quer passá-los.
Num trabalho excepcional, o professor consegue mostrar caminhos que facilitam o jovem Ishaan aprender. Assim, com a ajuda de Nikumbh, o garoto aprende a ler e a escrever, supera dia após dia cada uma de suas limitações, começando pela opressão do pai e o preconceito das outras pessoas.
Trata-se de uma história repleta de ensinamentos. Não é somente a educação que está em jogo, é a saúde de uma criança, é a nova forma de encarar a vida, é a importância do apoio familiar.“Importar-se. Isso é essencial. Tem o poder de curar feridas, é um bálsamo para dor”. Diz o professor ao pai de Ishaan, quando este faz uma visita a escola. Nikumbh, em muitos dos seus diálogos, deixa isso claro, a importância de se observar os detalhes sem rotular, sem que isso impeça que o outro cresça.
Cada dia que passa o progresso de Ishaan é melhor, provando que a única coisa que ele precisava era de estímulo, confiança e principalmente: Amor. Como bem destaca o professor, cada criança tem seu talento, uma facilidade em desenvolver mais em uma determinada área do que em outra. No caso Ishaan, apesar de sua dificuldade na escrita e leitura, ele possuía um incrível talento para criar, imaginar e transformar tudo isso em arte; através de suas pinturas.
Todo o enredo é de uma maestria tão perfeita que é quase impossível não chorar junto com os personagens, principalmente por saber que é um assunto real. Não é uma criação cinematográfica, mas a realidade transformada em imagens. Apesar de ser um filme longo, não é cansativo, trata-se de uma história convidativa, que nos retira de um universo individual e nos faz enxergar além das aparências.
É, além de tudo, um filme que nos instiga a pensar; quantos garotos como Ishaan passaram por nós, foram incompreendidos e encaminhados – equivocadamente- à instituições especiais, indicados a tratamentos farmacológicos ou ignorados devido as suas condições especiais e magnificas? Foram, por isso, excluídos e rotulados, por uma sociedade que não enxerga o essencial? Trata-se de um convite a novas reflexões, sobre a educação das nossas crianças e sobre como elas esperam aprender. O que é importante ter em seus currículos? A genialidade natural, adquirida e estimulada, ou uma educação “programada”, que segue padrões de anos atrás e que não provocam o interesse real dessas crianças?
Chama atenção, também, para as interpretações errôneas; o que seria “errado”, “falta de atenção”, “erros”, “falta de esforço”, “incapacidade de ler, escrever ou realizar cálculos”, qual o significado real de cada uma dessas expressões, será que estamos usando-as corretamente? Ou todas estão passando batidas diante dos nossos olhos para mascarar a verdade? Crianças aprendem a seu tempo, então não é aconselhável afirmar, com tanta convicção, que é uma incapacidade no aprendizado, se olharmos em outros ângulos, outras áreas, essas crianças nos provam, a cada dia, que conseguem se desenvolver de forma magnifica em diversos outros campos da vida.
Como diz Nikumbh “todos os grandes artistas sofreram oposição, mas venceram, e o mundo ficou maravilhado. Somos todos especiais”.
Saiba mais sobre Dislexia.
FICHA TÉCNICA DO FILME
COMO ESTRELAS NA TERRA: TODA CRIANÇA É ESPECIAL
Direção: Aamir Khan
Elenco: Aamir Khan (Ram Shankar Nikumbh), Darsheel Safary(Ishaan Awasthi), Tanay Chheda(Rajan Damodaran), Alorika Chatterjee(Science Teacher), Aniket Engineer(Young Yohan Awasthi)
Gênero: Drama
Nacionalidade: Índia
Duração: 165 minutos
Tipo: Longa-metragem
Ano: 2007