O terceiro episódio da série documental Em nome de Deus traz depoimento de pessoas próximas a João Teixeira e informações judiciais sobre o que foi encontrado nos endereços pertencentes a ele, além de histórico de denúncias, ameaças e suspeita de envolvimento com organizações criminosas.
A sexualidade masculina é relacionada com armas, violência, dominação e agressividade quando existem indícios de uma psique em adoecimento. Freud (1923) faz uso do termo falo, fálico e pênis, onde ele afirma que: “o que está presente, portanto, não é uma primazia dos órgãos genitais, mas uma primazia do falo” (FREUD, 1923, p. 158). É válido lembrar que em psicanálise não podemos confundir falo com pênis, entretanto não devemos ignorar a relação entre os termos.
André (1998, p. 172) denota que Freud ao utilizar o termo falo, onde: “se o falo tem relação íntima com o órgão masculino, é na medida em que designa o pênis enquanto faltoso ou suscetível de vir faltar. Portanto, é a falta frequentemente presente como ameaça ou como fato, desse modo, o que corresponde ao elemento organizador da sexualidade não é o órgão genital masculino, mas a representação psíquica imaginária e simbólica que foi construída a partir desse órgão (COSTA; BONFIM, 2014).
Marcel Maior é jornalista especializado em espiritismo, e releva como João Teixeira era um homem ambicioso, bem articulado e que conseguiu construir um império a partir do exercício da espiritualidade. Marcel expõe detalhes sobre vendas e o comércio que existia dentro da Casa Dom Inácio, onde os pacientes atendidos recebiam receitas psicografadas por entidades médicas, indicações de água fluidificada, uso de cristais para limpeza e fortalecimento espiritual e outras práticas.
Os pacientes recebiam receitas médicas psicografadas durante os atendimentos realizados por João Teixeira, e em seguida eram orientados a procurar a farmácia da Casa, que fornecia o remédio prescrito. Entretanto, os remédios possuíam propriedades na composição que funcionava para fugir da vigilância sanitária, porém os pacientes acreditavam que cada receita era única.
A farmácia da Casa Dom Inácio vivia constantemente cheia, afinal, mais de 5 mil pessoas passavam pela casa todos os dias e buscavam a farmácia para comprarem os remédios que foram indicados. Os fiéis se organizavam em longas filas, aguardando pacientemente e em silêncio pela sua vez de ser atendido. Porém, muitas vezes as indicações e recomendações não se bastavam apenas em remédios, mas eram indicados cristais, água fluidificada, livros e outros objetos. Coincidentemente ou não, tudo isso era vendido dentro da Casa Dom Inácio.
Marcel relata sobre o grande comércio que existia na Casa, comércio que movimentava milhões, e era o que João Teixeira dizia que custeava o lugar, os funcionários e todos os gastos existentes. As receitas eram direcionadas apenas para os lugares existentes dentro da propriedade, não podendo sair de lá ou realizar as compras em outras instituições.
Existia uma grande variedade de cristais e pedras na loja de cristais da Casa, que diziam que eram abençoados exclusivamente pelos espíritos que trabalhavam na Casa, ou seja, os espíritos dos médicos que realizavam os tratamentos espirituais. O preço dos cristais variava muito, podendo chegar a mais de 5 mil reais, de acordo com o tamanho e a indicação.
Além dos cristais e dos remédios, ainda era indicado que o paciente tomasse água fluidificada que era vendida dentro da Casa. Essa água era vendida como algo abençoado, com propriedades espirituais de limpeza e preparação espiritual. Marcel releva que a água não deveria ser compartilhada ou dividida com outras pessoas, pois era exclusivamente de consumo individual. O que levava os pacientes a comprarem suas garrafas separadamente, gerando mais vendas.
Além desses produtos, a Casa possuía uma livraria com todos os livros, DVD’s e outros materiais oficiais sobre o médium João de Deus. Marcel afirma que com tantas coisas dentro do local era fácil gastar 100 reais num piscar de olhos, o que reforça a ideia de como o comércio era forte e movimentado dentro da Casa Dom Inácio de Loyola.
Um ex funcionário da Casa fornece uma entrevista na série, onde ele afirma ser ex contador do local. Esse funcionário revela detalhes sobre como funcionava a contadoria da Casa, e pedidos de João Teixeira para burlar impostos e fugir da Receita Federal.
Clodoaldo Turcato releva informações sobre como João Teixeira era amado e odiado na cidade de Abadiânia, e como ele exercia o controle do comércio local através de ameaças e chantagem com os empresários locais. Turcato conta sobre no final da década de 1990, as pousadas e hotéis do lado da cidade “pertencente” a João, que era o lado onde o idolatrava, tinham que ter a autorização dele para abrirem as portas, além disso, era cobrado um valor mensal que os empresários deveriam pagar a João Teixeira através de seus capangas para que pudessem continuar funcionando e recebendo os turistas do mundo inteiro.
Clodoaldo conta sobre como o comércio local girava ao redor de João de Deus, e como ele ameaçava os comerciantes para exercer o poder. Não era permitido que qualquer tipo de comércio fosse aberto sem a autorização prévia de João Teixeira, e sem o pagamento dos valores estabelecidos.
João cobrava taxas de cada pousada, e as que não pagassem ou não fossem autorizadas por ele, eram fechadas e os proprietários eram ameaçados pelos seus capangas. João detinha o poder econômico da cidade e nada poderia acontecer sem a sua permissão.
Turcato relata que no final do dia quando ele realizava o fechamento os caixas da farmácia, água, lanchonete, livraria, loja de cristais e outras lojas dentro da Casa Dom Inácio, o volume de dinheiro era tanto que ele precisava de um saco de lixo para colocar todas as cédulas. Ele revela que levava esse saco para a sala particular de João Teixeira, e ele abria o teto e guardava o dinheiro nesse espaço escondido.
Clodoaldo revela que João Teixeira realizava pedidos a ele para que ele fizesse tudo o que tivesse que ser feito para que ele não pagasse impostos. João não gostava nem queria pagar impostos, então pressionava sua contadoria para que fugissem e burlassem o que fosse necessário. As vendas na casa eram realizadas em dinheiro, o que facilitava o processo de ocultação, desvio e lavagem.
Nos endereços de João de Deus foram encontrados cofres escondidos em fundos falsos e cômodos ocultos, e nesses cofres existiam quantidades exorbitantes de dinheiro em real, dólar e euro. Os dinheiros estavam escondidos em malas, e a polícia precisou recorrer a máquinas para poder contar tudo o que foi encontrado, que chegou a casa dos milhões.
As montanhas de dinheiro foram apreendidas, além disso, a Justiça decretou o bloqueio dos bens de João Teixeira, que chegava à casa dos quase 50 milhões de reais. O que a Justiça aponta é que João pode estar envolvido com o comando de uma organização criminosa.
Além do dinheiro, foram encontradas muitas armas nos endereços de João, e ele ao ser questionado sobre a origem das armas respondeu que eram de amigos que ele não se lembrava mais quem eram, e que ele estava apenas guardando as armas em sua casa a pedido deles. João Teixeira foi indiciado por porte ilegal de armas, visto que, as inúmeras armas encontradas não possuíam registro nem autorização.
Freud (1990) em A interpretação dos Sonhos, apresenta a arma de fogo como um dos símbolos masculinos, além de outros como o falo. O pênis é visto como símbolo de poder desde muito tempo em outras culturas, pois é capaz de perfurar, penetrar e dominar a genitália feminina, e religiões mais primitivas apontam que o poder agressivo do homem em relação a mulher possui características fálicas.
João Teixeira foi acusado de cometer abuso sexual contra mais de 500 mulheres, e em vários desses abusos houve o uso do pênis. O que aponta para essa relação entre a dominação fálica e a arma como símbolo de dominação, uma vez que as armas correspondem a capacidade de controlar o outro para aquele que porta a arma (CONELL, 1995).
Kimmel (1996) armas que são pensadas apenas para casos de legitima defesa dentro da masculinidade hegemônica possuem a função de suprir o medo de dominação por outro indivíduo, o que corresponde a masculinidade dominante: “a masculinidade tem menos a ver com a busca pela dominação, do que com o medo de sermos dominados por outros, e de vermos os outros com poder e controlo sobre nós” (KIMMEL, 1996, p. 6).
No que tange os sonhos, Ferenczi (1992) atribuía que em sonhos com armas emperradas, enferrujadas, que não acertavam o alvo, que a capacidade era curta e durava pouco tempo, possuía relação com o coito mal sucedido, incapacidade sexual e baixo desempenho sexual.
Dessa forma, Kimmel (2010) afirma que a utilização de armas de fogo ocorre como uma maneira de compensar a masculinidade hegemônica, onde o sujeito faz a equação com a perda da capacidade física em decorrência do envelhecimento e a resposta às tentativas de dominação por parte dos outros. Portanto, as armas de fogo possuem o papel simbólico de assunção da virilidade e como uma forma de recuperar a masculinidade reduzida.
FICHA TÉCNICA
EM NOME DE DEUS
Argumento e criação: Pedro Bial
Roteiro: Camila Appel e Ricardo Calil
Produção musical: Dé Palmeira
Direção de fotografia: Gian Carlo Bellotti e Dudu Levy
Produção: Anelise Franco
Direção de conteúdo: Fellipe Awi
Direção: Gian Carlo Bellotti, Monica Almeida e Ricardo Calil
Produção Executiva: Erick Brêtas e Mariano Boni
(A série documental está disponível para assinantes Globoplay).
REFERÊNCIAS
FERENCZI, Sandor. Interpretação e tratamento psicanalíticos da impotência psicossexual (1908). Tradução de Álvaro Cabral. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 25-38. (Obras completas, 1)
FREUD, Sigmund. Três ensaios sobre a teoria da sexualidade (1905). In: __. Um caso de histeria, três ensaios sobre a teoria da sexualidade e outros trabalhos (1901-1905). Direção geral da tradução de Jayme Salomão. Rio de Janeiro: Imago, 1996. p. 119-229. (Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud, 7).
FREUD, Sigmund. (1900). A Interpretação de Sonhos. Rio de Janeiro: Imago, 2001. Connell, R. W (1995), Masculinities. Cambridge, UK: Polity.
KIMMEL, Michael. Manhood in America: A Cultural History. 1996. New York: Free Press.
KIMMEL, Michael. “Masculinity as Homophobia: Fear, Shame, and Silence in the Construction of Gender Identity.”. 2010. in Michael S. Kimmel e Abby L. Ferber (orgs.), Privilege. Boulder: Westview.