Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban: a projeção do complexo paterno

O terceiro filme da saga Harry Potter, mostra o menino novamente na casa dos desagradáveis tios Dursley. Irritado com uma tia que vem visitar os Dursley foge de casa e vai viver em um abrigo de bruxos.

Observamos agora há uma diferença marcante em Potter: ele está amadurecendo!

Aos 13 anos ele não quer mais se submeter ao desprezo e maus tratos por parte dos tios, pelo fato de ser diferente. Ele precisa desenvolver sua independência e autonomia. No texto anterior, Potter cada vez mais se afastava de sua família consangüínea retirando as projeções do arquétipo paterno e materno dos pais pessoais. Em O Prisioneiro de Azkaban esse arquétipo paterno encontrará um novo objeto de projeção.

Harry Potter ao fugir dos Dusley, descobre que o assassino Sirius Black, um discípulo de Voldemort, fugiu da prisão de Azkaban, considerada até então como à prova de fugas, e tudo indica que está atrás do herói.

Após o desenvolvimento da estória e com o encontro de Potter e Sirius, descobrimos que o ultimo não é um vilão, mas que foi injustamente acusado de assassinato. Aqui ocorre um sincronicidade: Potter e Sirium, ambos fogem de uma situação injusta e aprisionante. E ambos precisam um do outro para se libertar. Além disso, Potter descobre que Sirius é seu padrinho.

Carl Jung (xx) menciona o motivo da dupla descendência, ou seja, a descendência de pais humanos e divinos, presente na Mitologia Grega, como no caso de Héracles, que foi inconscientemente adotado por Hera, alcançando a imortalidade. No Egito é até mesmo um ritual. O Faraó é por sua natureza um ser humano e divino. Nas paredes da câmara de nascimento dos templos egípcios vê-se representada a segunda concepção e nascimento divinos do Faraó – ele“nasceu duas vezes”. O próprio Cristo nasceu duas vezes: através de seu batismo no Jordão ele renasceu pela água e pelo espírito.

Ou seja, esse segundo nascimento dá base ao motivo dos pais duplos, onde o renascido recebe uma “adoção mágica” representada pelo padrinho e madrinha. Essa adoção sustenta a fantasia infantil de muitas crianças pequenas e crescidas de que seus pais não são os verdadeiros, mas apenas pais adotivos a quem foram confiadas (JUNG, 2000).

Potter reflete essa necessidade humana universal. Os pais humanos não são reais, e os bruxos estão mortos. A possibilidade de um padrinho, que ira satisfazer essa fantasia se aproxima. Somente alguém “divino”, e cuja natureza se aproxima da de Potter, por estar ligada também a Volemort, poderá compreende-lo e aceita-lo.

Por essa perspectiva, pode-se supor um complexo paterno em Potter. Além disso, Carl Jung (2000) diz que os padrinhos possuem a incumbência principal de cuidar do bem-estar espiritual do batizando. Eles representam o par divino, que aparece no nascimento anunciando o tema do“duplo nascimento”, que considera o herói como descendente de pais divinos e humanos.

Quando o jovem busca sua autonomia e independência na adaptação ao mudo, não é fácil se desligar com facilidade das figuras parentais. Potter simboliza o complexo paterno, devido à demora anormal a destacar-se da imagem primordial do pai.

Como Jung (2000) aponta ninguém suporta a perda total do arquétipo, e Sirius representa então a projeção do arquétipo paterno, representante da lei e da ordem. No filme anterior, Potter lidou com os aspectos regressivos da psique, simbolizados pela mãe terrível, e agora ele precisa lidar com o complexo paterno. No entanto, os complexos não necessariamente são negativos. Potter precisa de um modelo masculino para orientar seu ego. No aspecto positivo, esse complexo traz autonomia, independência e o desenvolvimento da inteligência do individuo.

 

 

O filme, então gira em torno do desenvolvimento do laço afetivo de Potter com Sirius e a ajuda que o menino presta para fugir da prisão e provar sua inocência. Outro aspecto interessante do filme é o fato de Potter e Hermione voltarem no tempo para auxiliar Sirius. Antes de voltar no tempo, Potter havia enfrentado os Dementadores (seres estranhos que sugam a energia vital de quem se aproxima deles), mas sem sucesso. Ele atribui sua salvação e a de Sirius a uma estranha visão, a qual ele atribui ao seu pai.

Nessa visão ele vê uma corça que lança um feitiço que afugenta os Dementadores salvando a vida dele e de Sirius. No quarto trabalho, Hércules precisa capturar a corça de Cerínia. A corça pertencia à deusa Ártemis. A corça possuía pés de bronze e cornos de ouro, trazia a marca do sagrado e, portanto, não podia ser morta. Mais pesada que um touro, mas bem rapidíssima, o herói, que deveria trazê-la viva a Euristeu, perseguiu-a durante um ano.

Embora consagrada a Ártemis, essa corça, no mito grego, é propriedade de Hera, deusa protetora do amor legítimo, sendo um símbolo essencialmente feminino. É muito interessante que um animal associado às deusas mães da Mitologia apareça para Potter e seja associada ao pai.

Conforme Brandão (xx), o lado puro e virginal da corça é bem acentuado, mas o “peso do metal”poderá pervertê-la, fazendo-a apegar-se a desejos grosseiros, que lhe impedem qualquer vôo mais alto. Essa corça se contrapõe a uma agressividade dominadora. A corça então pode significar um símbolo da alma de Potter.

Ao retornar no tempo, o herói descobre que ele mesmo lançou o feitiço que salvou sua vida e o de Sirius. E isso tem um significado muito profundo, pois a força de Potter esta na sua alma (anima) e não na masculinidade e na força. Pois bem, mas como ocorreu a resolução desse complexo paterno e o subsequente contato com a anima será abordado nos próximos filmes da série.

FICHA TÉCNICA

HARRY POTTER E O PRISIONEIRO DE AZKABAN

Direção: Alfonso Cuarón
Adaptação de: Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban
Música composta por: John Williams
Duração: 2h 22m
Ano: 2004

Psicanalista Clínica com pós-graduação em Psicologia Analítica pela FACIS-RIBEHE, São Paulo. Especialista em Mitologia e Contos de Fada. Colaboradora do (En)Cena.