Com duas indicações ao Oscar:
Melhor Fotografia e Melhor Mixagem de Som
Na dificuldade de pronunciar o nome Llewyn a opção mercadológica pela “Balada de um homem comum”, mais fácil e digerível na leitura, não é uma balada. O Na América hispânica traduziram também por Balada de um hombre común, os espanhóis foram mais felizes com A propósito de Llewyn Davis.
O filme não é uma balada, como já dito, porque foge da candura lírico-dramática e aponta para a história de um alguém, uma pessoa, que tenta estar na sua pele, inside Him, e o mais tocante da narrativa que em tom de comédia dramática, de erros e acertos de uma personagem ordinária da vida cotidiana, descobrimos muitas coisas de nós mesmos. Inside Llewyn Davis é um pouco a propósito de nós mesmos .
Filmes dos irmãos Coen – Joel e Ethan – sempre são bem vindos. Embora tenha sido tornado em muito os “queridos” dos críticos cabeças e “roubadores” de prêmios (de direção, elenco, roteiro, fotografia) em vários festivais, isso não atrapalha, mas filme incensado demais tende a decepcionar (a exemplo de “Les Míséráblés”, acentuo tudo como uma vingança contra o musical…). Felizmente, A propósito de Llewyn Davis não decepciona.
Inside Llewyn Davistem estilo de filme vocacionado a ser clássico, porque ele narra a odisseia de um cara que não tem lugar para ir. Llewyn é anti-Ulisses da década de 60, um antecessor sério e aprofundado dos “mimimis” pós-modernos de personagens que interpretam celebridades do cinema. Essa anti-Ulisses traz como pano de fundo ou de frente uma New York (desculpe pelo deslumbramento de agência de turismo: Nova Iorque) castigada por um inverno frio e feio de 1961 e a trilha sonora folk.
Vou cutucar alguns puristas ou defensores da sertaneja dita “raiz” (não sei de que, mas…) e das duplas sertanejas com suas calças apertadas e trinados gritantes ou daqueles defensores incólumes dos samba (de quintal, de roda, de laje, de boteco, de palco): assumo aqui o folk como o termo é assumido na Inglaterra e nos Estados Unidos, enquanto um gênero influenciado por alguns elementos pinçados do folclore como ritmos, combinações de instrumentos musicais, maneira de trabalhar a percussão e jeito brejeito-provocador-intimista dos (as) cantores (as). Os anos 60 com Bob Dylan, Joan Baez, Phil Ochs… muita gente com vozes sem primor de afinação ou refinamento das “baladonas” engajava-se sob várias bandeiras contra o estabelecido pelo imperialismo. A música folk também amoleceu com o tempo e ficou um pouco “água com açúcar”, mais isso é briga para outro texto.
New York foi celeiro dessa “tchurma” de autores, músicos, artistas plásticos, dramaturgos, escritores e loucos de plantão. As cidades internacionais como New York, Tokyo, Paris, Roma, London e até mesmo, Rio de Janeiro (antes da poderosa platinada e dos teatros por metro quadrado nos shoppings centers) trazem essa atmosfera de criatividade. A cidade inspira… algo que falta em muito por aqui, mas daqui umas décadas pode ser que algo exploda na criatividade.
As cidades são celeiros, mas de portas fechadas. Poucos são os que detêm as chaves para adentrar em seus espaços de poder, notoriedade, respeitabilidade. A propósito de Llewyn Davis conta parte dessa narrativa. Como um Ulisses em busca de superar perigos e desesperadamente tentando sobreviver aos perigos da vida, Llewyn se encontra numa anti-odisseia. Ulisses chegou a bom termo, mas Llewyn se assemelha a um “Zé Ninguém” com um diploma (no caso seu violão) debaixo do braço ou nas costas que aporta numa cidade grande atrás da oportunidade de ser alguém na vida.
Durante o filme, recordei-me de algumas (des) venturas vividas como as de muitos colegas, também ex-alunos já graduados, que buscavam espaços de trabalho e respeitabilidade. As opções que surgem por vezes vão contra tudo aquilo que se acredita e se é obrigado segui-las para continuar vivo. Além disso, nesse processo de viagem a partir de si mesmo se deve aprender a conviver e gerenciar os fantasmas interiores.
As pessoas que passam pelos dias de New York de Llewyn são parecidas com algumas que passam em nossas vidas: os supostos benfeitores que não passam de lobistas em busca de benesses futuras a recolher, pseudo amigos que ao desprezarmos evidenciam tudo aquilo que temos de parecido com eles e refutamos em todos os momentos, os caras sinceros e originais que nunca chegaremos nem mesmo próximo à sombra deles, os “manes” que possuem tudo que invejamos e no fundo são grandes negações da vida de tão equilibrados e corretos, os intectuais “embacacados” que assim o são por condições econômicas de berço e por pertencerem às elites parcerias de todas as ditaduras. Adorei a personagem Turner porque como uma sereia de cauda quebrada, em um canto desafinado, ainda teima nos ouvidos do anti-Ulisses a desfiar uma cantiga cuja decadência é evidente, todavia mesmo na merda se recusa a assumir que tudo fede.
Llewyn é um herói perdido, alguém que quer carinho, dormir de conchinha, ter voz e ser escutado em meio a um sistema-máquina que vai lhe sugar todas as energias, depois descartá-lo. E Llewyn insiste, mesmo frente ao risco da obsolescência, na busca de oportunidades. Esse pobretão se vira, um sem-teto que vive com a ajuda-caridade dos amigos. Impressionante é a fotografia do filme que nos transporta para as ruas frias do Greenwich Village e mostra o homeless Llewyin vagando como um espírito no umbral, mal agasalhado, sem dinheiro e o pior de tudo, falta de rumo.
A balada é uma anti-odisséia, uma epopeia que os irmãos Cohen sabem contar muito bem, porque a eles caem muito bem essas narrativas sobre os fracassos, que no fundo é um pouco, também, de nós. A história de Dave Von Ronk, um músico folk, estimulou os Cohen a produzir o filme, mas criaram suas opções. Llewyn não quer estar ali, mas nem sabe por onde começar para ter outros planos de vida, o cara parou de sonhar. Ao tocar para um bar vazio de pessoas em Chicago evidencia o fundo do poço.
Trilha sonora é show a parte: a variedade das canções folks e de obras de Mozart, Beethoven, Chopin e outros substituem diálogos, são elas as falas mais superiores. Quem puder que se deleite. Dos irmãos Cohen, sugiro de 2009 “Um homem sério” (A Serious Man), o pesadão e concessão alguma de 2007 “ Onde os fracos não têm vez” tradução estúpida para No country for Old Men e de 2001, “ O homem que não lá”(The Man Who Wasn’t There)… esse aqui uma aula de fotografia no cinema.
Inside Llewyn Davisnão vai arrancar a gargalhada fácil de alguma sequela de franquia e nem o choro melodramático de historietas com final edificante e moralista. Os Cohen brincam com a desgraça, gente melancólica, tudo down. Eles mostram uma realidade com cores frias e impessoais, somente um gato callejero corta o filme como um fio condutor com sua cor alaranjada e, em algumas cenars, a roupa que uma das personagem usa num palco. Fora isso, é mais cinzento que La Ricoleta em dia de chuva.
O filme é história contada. Llewyn é a história de alguém na “merda” sem ter ponto de chegada ou de retorno. Ai reside um dos grandes trunfos do filme, ele mostra como somos nós também presentes debaixo da pele de Davi, por isso que concordo com os espanhóis que traduziram ao pé da letra, A propósito de Llweyn Davis… sobre ele e nós. Às vezes, nosso barco parece que fica nessa deriva também, como na anti-odisséia de Davis.
Oscar para Llweyn Davis, nem pensar, aquilo que chamam de Academia está longe de absorver o cinismo inteligente do filme.
FICHA TÉCNICA:
INSIDE LLEWYN DAVIS
Gênero:Drama
Direção: Ethan Coen, Joel Coen
Elenco: Adam Driver, Carey Mulligan, Ethan Phillips, Jeanine Serralles
Duração: 105 min.
Ano: 2013
País: Estados Unidos
Classificação: 12 anos