Antes de começar a análise do filme devo avisar a quem não assistiu
que há vários spoilers ao longo do texto.
O filme começa nos contando a história de Cooper um ex engenheiro da Nasa, viúvo e que vive com seus dois filhos e o sogro em uma fazenda. Cooper agora se tornou fazendeiro, uma vez que uma praga nas colheitas fez com que a humanidade regredisse e agora precisasse mais de fazendeiros do que engenheiros.
Veremos então que em um futuro indefinido, a humanidade corre o risco de extinção, devido a exploração indevida dos recursos do planeta e está sendo ameaçada de extinção devido a fome e a uma onda de poeira que causa sérios problemas respiratórios.
Se analisarmos a sociedade ocidental não estamos longe disso. Vivemos ainda em sociedade dominada pelo Logos, ou seja, pelo principio racional, patriarcal, dominado pela ânsia do poder. Uma vez que Carl Jung atribui ao Logos, a masculinidade, na mulher, o Logos é atribuído ao seu animus.
Conforme Carl Jung o Logos, luta por se desembaraçar do calor e da escuridão primevos do útero. Porém, o espírito que ousa isto sofre inevitavelmente a desvantagem de uma excessiva ênfase na consciência patriarcal. Nada, porém, pode existir sem seu oposto, e, portanto, a consciência é incapaz de existir em a inconsciência, assim como o Logos sem sua contraparte compensatória, o Eros, principio feminino (Dicionário Critico Junguiano, 2015).
O principio feminino Eros, se encontra representado aqui pela natureza, ou seja, nossa sociedade se encontra fortemente identificada com o principio masculino e com a racionalidade pura. O homem ocidental perdeu o contato com o inconsciente e com o irracional. E o filme traz justamente uma critica e uma antevisão do que pode acontecer se continuarmos em uma atitude unilateral.
Murphy a filha mais nova de Cooper começa a ter contato com um “fantasma”, o qual ela acredita querer se comunicar com ela. Cooper descobre que o fantasma é uma inteligência que se comunica por meio de mensagens codificadas graças ao campo gravitacional.
Essas mensagens o leva a uma estação secreta da Nasa, onde uma missão especial está sendo desenvolvida afim de encontrar um planeta habitável para a raça humana. Cooper é então convocado a essa missão. Nessa estação o engenheiro fica sabendo a respeito do buraco de minhoca que foi aberto próximo a Saturno e que leva a novas galáxias onde é possível encontrar um planeta compatível para a raça humana.
Bem o buraco de minhoca, é um conceito hipotético da física, que significa um atalho no espaço-tempo. O nome “buraco de minhoca” (ou verme) vem de uma analogia usada para explicar o fenômeno. Da mesma forma que um verme que perambula pela casca de uma maçã poderia pegar um atalho para o lado oposto da casca da fruta abrindo caminho através do miolo, em vez de mover-se por toda a superfície até lá, um viajante que passasse por um buraco de verme pegaria um atalho para o lado oposto do universo através de um túnel topologicamente incomum.
Um dado interessante sobre isso é que ao final do filme duas mulheres salvam o planeta. Com a ajuda de Cooper evidentemente, mas são elas os dois elementos principais da salvação: a menina Murphy e a cientista Amelia Brand. A NASA anteriormente já havia enviado algumas naves de exploração nas chamadas Missões Lázaro. Uma clara alusão ao mito bíblico de Lázaro, que retorna da morte, porque eles entram em sono induzido para acordar quando for necessário.
Três pilotos dessa expedição encontram três planetas possivelmente habitáveis e é para lá que a equipe de Cooper vai. Cooper é o comandante, Amelia a cientista, Romily o co-piloto, Doyle o técnico e o robô Tars formam a equipe expedicionária.
Ao passar pelo buraco de minhoca a equipe se dirige ao primeiro planeta, porém descobrem que ele possui uma enorme dilatação gravitacional temporal por estar tão perto da gargântua (um buraco negro). Lá cada hora na superfície equivale a sete anos na Terra. Além disso, o planeta é inóspito uma vez que é coberto por um oceano raso e agitado por ondas gigantescas. Ao regressarem descobrem que ficaram 23 anos lá. Agora a equipe só tem combustível para apenas um planeta. Amélia sugere ir ao planeta de Edmunds, seu grande amor, amor que havia partido anteriormente para lá, e havia enviado notícias de que as coisas iam bem.
O interessante nessa escolha, é que Amélia (uma cientista) se baseia apenas em seu sentimento, uma vez que não há dados racionais para a ida ao planeta de Edmunds. Ela se diz cansada da racionalidade e que o amor pode ser a resposta que a humanidade procura. Algo irracional, baseado apenas em uma intuição profunda.
O amor na psicologia analítica é um grande catalisador do processo de individuação. Uma força propulsora que transcende o ego. O amor é capaz de transcender tempo e espaço. E como dito anteriormente é justamente essa força que precisa ser resgatada na consciência coletiva.
Amelia representa a função sentimento, aquela que dá valor a alguém ou algo e oposta ao pensamento estatístico e cientifico vigente em nossa sociedade atual. É esse valor que nos faz enxergar nossa individualidade, mesmo tendo características em comum com toda humanidade. E é essa função que ensina o valor do lugar em que vivemos. No filme vemos que embora existam tantos planetas e galáxias assim como a Terra, nosso planeta é especial e único para nós.
E a jovem Amélia tem razão. Após a escolha errada (eles vão ao planeta que a cientista não queria ir tendo vários problemas inclusive a morte de um componente da equipe), ela é enviada por Cooper ao planeta de Edmunds e fica como a responsável pela exploração e colonização do planeta.
Murphy, filha do comandante Cooper, em Terra e agora adulta, devido a sua inteligência trabalha como cientista da NASA ajudando na equação que permitirá o lançamento de uma enorme estação espacial usando a gravidade, mas para que a equação funcione é necessário dados adicionais da singularidade de um buraco negro.
Ao mesmo tempo seu pai Cooper se joga em sacrifício no buraco negro para coletar os dados que podem salvar a raça humana. Eles e Tars emergem em um hipercubo multidimencional, onde o tempo é mostrado como uma dimensão espacial enquanto portais mostram pequenos momentos do quarto de infância de Murphy. Ele está na quinta dimensão!
Cooper descobre que ele era o fantasma de sua filha que enviava os dados dados “do futuro” para o momento da infância. A quinta dimensão pode ser interpretada como uma metáfora sobre inconsciente.
Para Carl Jung (2008) o inconsciente é atemporal e não espacial.
“Há neste algo de não-espacial e de atemporal. A prova empírica deste fato encontra-se nos chamados fenômenos telepáticos que, no entanto, ainda são negados por um ceticismo exagerado, mas que na realidade ocorrem com muito mais freqüência do que em geral se acredita’. A intuição da imortalidade repousa, a meu ver, num sentimento peculiar de expansão espaço-temporal.”
No inconsciente não há passado, nem futuro. Os fenômenos sincronísticos descritos por Jung são justamente uma quebra na consciência do ego que é pautada no pensamento cartesiano e presa no espaço-tempo. Sincronicidade tem a ver com simultaneidade. É uma coincidência significativa de dois ou mais acontecimentos, em que se trata de algo mais do que uma probabilidade de acasos (JUNG, 2000).
Na verdade o filme é uma tentativa de mostrar de forma simbólica o fenômeno da precognição e de como funciona nos “bastidores” do inconsciente a sincronicidade. Observamos no filme algumas suposições de Jung de que a psique não pode ser localizada espacialmente e nem ser determinada de forma temporal.
E mais do que isso, somos totalmente influenciados no presente pelos acontecimentos passados e pelas possibilidades futuras. As pessoas que possuem a função intuição bastante desenvolvida possuem a capacidade de se conectar com essa corrente do inconsciente, por essa razão são pessoas que possuem extrema dificuldade de viver no aqui agora.
No hipercubo Cooper descobre que na verdade quem criou o buraco de minhoca são na verdade humanos do futuro que dominaram outras dimensões e construíram esse espaço para que ele pudesse se comunicar com a filha e salvar a humanidade. Dessa forma ele descobre que quem foi escolhido para salvar a humanidade não foi ele, mas Murphy. Cooper levanta uma questão metafísica importante quando afirma ao computador TARS que quem abriu o buraco de minhoca “fomos nós”. Ou seja, seres humanos do futuro se comunicando e influenciando o presente e passado.
Não sou especialista em mecânica quântica, mas pelo pouco que sei, de acordo com ela um elétron pode se comportar como partícula e como onda. Partícula é um objeto sólido com uma localização especifica no espaço. Ondas não são sólidas e estão espalhadas assim como as ondas na água e não possuem localização especifica.
Como onda um elétron pode estar em qualquer lugar, sem localização precisa, dentro de um campo imenso de possibilidades. Mas o simples ato de observar um elétron faz com que ele se comporte como partícula. É como se ele tivesse consciência de estar sendo observado. Entretanto quando não se está observando ele pode estar em qualquer lugar.
Transpondo para o aspecto psicológico todos nós temos uma consciência cujo ego é o centro. O ego não é totalidade da consciência (apesar de no processo de conscientização os conteúdos passarem pelo ego) e é ele quem nos dá a noção de eu. Entretanto, por não ser toda a consciência, sentimos algumas vezes que temos outro alguém em nós a nos observar. Esse observador, que é a nossa consciência e que observa a matéria, faz com que nos comportemos como partícula e assim faz com que tenhamos localização especifica no tempo e espaço.
O ato de não haver mais a consciência como observadora, que se esvai com a morte, faz com que a psique volte a se comportar como onda. Retornando a totalidade do inconsciente. Ao entrar no braço negro Cooper não possui mais localização no tempo e espaço e está no campo de onda, onde as possibilidades futuras e o passado estão juntos. Ele está com consciência no inconsciente. E nessa gama de infinitas possibilidades ele age como observador do passado colapsando uma nova realidade.
O engenheiro, usando radiação gravitacional, passa os dados que TARS coletou da singularidade do buraco negro para o relógio de pulso da Murphy adulta, permitindo que ela solucione a equação e lance a estação espacial da NASA. E assim ela salva a humanidade, enquanto Amélia continua desbravando o novo planeta.
O fato de uma consciência observar a matéria no inconsciente soa de forma bastante paradoxal! Mas se compreendermos de forma simbólica fazemos algo semelhante no processo da psicoterapia, quando observamos nossos sonhos, nossos processos inconscientes e nossos aspectos sombrios. E quando observamos o inconsciente colapsamos em partícula aquele aspecto observado dando forma a ele na realidade do aqui agora, promovendo foco e podendo alterar a nossa realidade.
Concluindo, o ser humano sempre olhou para o céu e se perguntou qual seria seu lugar entre as estrelas. Entretanto esqueceu-se de olhar para baixo, para seu próprio lar e não se questionou qual o seu lugar e papel no aqui agora, na Terra.
Esse filme é, portanto, uma grande reflexão para que passemos a olhar nosso presente, nosso papel na sociedade e de qual forma podemos, individualmente, contribuir para a melhoria da sociedade, principalmente na questão da Ecologia, duramente afetada pela modernidade, conforto e explosão habitacional. No filme eles não fazem isso e se voltam para as estrelas fugindo de seu papel social e da responsabilidade de “consertar” o estrago feito. Mas o filme é uma ficção, e nós ainda podemos mudar antes que seja tarde.
Referências:
ARNTZ, W; BETSY, C & VICENTE, M. Quem somos nós? – A descoberta de infinitas possibilidades de alterar a realidade diária.Rio de Janeiro: Prestigio Editorial, 2007.
JUNG, C. G. Os arquétipos e o inconsciente coletivo. 6. ed. Petrópolis:Vozes, 2008.
JUNG, C. G. Sincronicidade. Petrópolis: Vozes, 2000, 10ª edição.
VON FRANZ, M. L. Puer Aeternus – A luta do adulto contra o paraíso da infância.
http://www.rubedo.psc.br/dicjung/verbetes/logos.htm – Acesso em 16-01-2015
Trailer:
FICHA TÉCNICA DO FILME
INTERESTELAR
Diretor: Christopher Nolan
Roteiro: Jonathan Nolan, Christopher Nolan
Elenco: Matthew McConaughey, Anne Hathaway, Jessica Chastain, Michael Caine, John Lithgow
Produção: Legendary Pictures