Lincoln: política, escravidão e liberdade

 


Com doze indicações ao Oscar:

melhor  filme, direção (Steven Spielberg), ator (Daniel Day Lewis), atriz coadjuvante (Sally Field), ator coadjuvante (Tommy Lee Jones), roteiro adaptado, figurino, edição, fotografia, trilha sonora original, direção de arte, mixagem de som.

 

Steven Spielberg não perdeu tempo ao saber que a historiadora Doris Kearns Goodwin estava trabalhando na biografia de Abraham Lincoln e logo comprou os direitos autorais da obra. A escritora já havia escrito a biografia de outros presidentes americanos: Lyndon Johnson, Kennedy e Roosevelt (a biografia deste último e de sua esposa lhe rendeu o Prêmio Pulitzer).

Entretanto, da obra original em inglês, um calhamaço de 948 páginas, Spielberg baseou-se em um trecho relativamente pequeno, mas que serviu para mostrar a totalidade da personalidade deste que se apresenta como um dos mais emblemáticos presidentes dos Estados Unidos da América. Vale ressaltar que quem se aventurar pela edição do livro em português vai se deparar com um livro de enxutas 322 páginas, uma versão condensada elaborada para o “público externo” e que, justamente, não conta com a parte da história que é retratada no filme.

 

 

Lincoln, o 16º presidente dos EUA, do Partido Republicano, foi praticamente incorporado pelo ator Daniel Day Lewis, conhecido pela forma visceral com que assume os papéis que lhe caem nas mãos. Impossível ver diferenças entre o Lincoln das fotos históricas e aquele que vemos na tela do cinema, em um brilhante trabalho de caracterização e de interpretação.

O ponto central do filme reside em torno da difícil tarefa de aprovar, no Congresso Americano, a 13ª Emenda, aquela que aboliu oficialmente a escravatura e a servidão involuntária em território americano. Tarefa hercúlea quando se trava uma batalha que envolve um grande número de congressistas que dividem a opinião de que “o Congresso não pode considerar iguais (…) aqueles que Deus criou desiguais!”. Momento interessante para se observar que os congressistas contrários à abolição da escravatura eram do Partido Democrata, o mesmo que elegeu, quase 150 anos depois, o primeiro presidente negro dos EUA.

Na luta pela aprovação da 13ª Emenda Lincoln faz uso de sua habilidade política, ao perceber o momento certo para colocar a emenda em votação, em meio às tratativas para dar fim a Guerra Civil Americana. Ele sabia que após o fim da guerra o povo americano e os deputados que a representavam não estariam mais dispostos a encarar os debates que tal emenda exigia: “Não posso terminar essa guerra até nos curarmos da escravidão”.

Neste processo Lincoln articula muito bem seus argumentos, usados em conjunto com uma perfeita análise da condição humana, para obter o apoio necessário, inclusive dentro do próprio Partido Republicano. Entretanto, é irônico perceber que o presidente que é apresentado como o mais ético e moral dos EUA teve que utilizar artimanhas escusas, como a compra de votos e a cooptação de deputados, para chegar ao seu objetivo final, a abolição da escravatura. Talvez ele tivesse certo desde sempre que, neste caso, os fins justificariam os meios. O tempo e a história lhe dariam razão.

 

Obviamente que, sendo um filme histórico, sabemos que a 13ª Emenda será aprovada, que a Guerra Civil será finalizada com a vitória do norte, que Lincoln não conclui seu segundo mandato, entre outros elementos já conhecidos. Felizmente, a forma como cada parte da história é apresentada nos prende ao filme e nos mostra, com grande sensibilidade, aspectos que, se não foram reais, deveriam ter sido. E aqui faço uma referência particular, e com enorme esforço para não estragar a história, à cena “de cama” mais bonita que já vi em um filme.

É claro que um filme sobre um presidente dos EUA diz mais aos americanos que ao restante do mundo e que isso poderia deixar o ritmo enfadonho para alguns, especialmente naqueles momentos em que os EUA são, mais uma vez, apresentados como responsáveis pela salvação da ordem mundial: “Estamos diante de uma plateia mundial. Com o destino da dignidade humana em nossas mãos. Sangue foi derramado para chegarmos a esse momento”. Mas a questão da abolição diz respeito a todos, em qualquer tempo e em qualquer lugar, e acompanhar o esforço de um ser humano para alcançar este objetivo acaba sendo inspirador.

Bem que o esforço para o fim da escravidão, assim como para o fim da guerra civil, como ali retratados, poderiam servir para trazer à tona palavras que tem sua utilidade ontem, hoje e sempre: “Que nós possamos admitir que esses homens não morreram em vão. Que essa Nação, com a graça de Deus, renasça na liberdade. E que o governo do povo, pelo povo e para o povo jamais desapareça da face da terra”.

 

“Isto selará o destino dos anos que estão por vir. Não apenas dos milhões agora envolvidos,
mas também dos milhões que ainda vão nascer. Paremos de derramar sangue.”
(Abraham Lincoln)


FICHA TÉCNICA DO FILME

LINCOLN

Título Original: Lincoln
Gênero: Biografia, Drama, História
Direção: Steven Spielberg
Roteiro: Tony Kushner – Adaptado do livro “Team of Rivals: The Political Genius of Abraham Lincoln” de Doris Kearns Goodwin
Elenco: Daniel Day-Lewis (Abraham Lincoln), Sally Field  (Mary Todd Lincoln), David Strathairn (William Seward), Joseph Gordon-Levitt (Robert Lincoln), James Spader (W.N. Bilbo), Hal Holbrook  (Preston Blair), Tommy Lee Jones (Thaddeus Stevens), Lee Pace (Fernando Wood), Gulliver McGrath (Tad Lincoln), Chase Edmunds (Willie Lincoln)
País de Origem: Estados Unidos
Classificação: 12 anos
Duração: 150 min

Alguns prêmios:

Golden Globe: Melhor Ator em Filme Dramático (Daniel Day-Lewis)
Screen Actors Guild Award: Melhor ator (Daniel Day-Lewis), Ator Coadjuvante (Tommy Lee Jones)
BAFTA Awards: Melhor ator (Daniel Day-Lewis)
Boston Society of Film Critics Awards: Melhor ator (Daniel Day-Lewis), Atriz coadjuvante (Sally Field), Roteiro
Broadcast Film Critics Association Awards: Melhor ator (Daniel Day-Lewis), Roteiro Adaptado

Fonte: Internet Movie Database (IMDb)

Bacharel em Psicologia. Graduado, Especialista e Mestre em Ciência da Computação pela UFSC. Professor dos cursos de Ciência da Computação, Sistemas de Informação e Engenharia de Software so CEULP/ULBRA.