A Coruja Era Filha do Padeiro – Um Estudo Revelador sobre Obesidade, Anorexia Nervosa e o Feminino Reprimido

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A obra “A coruja era filha do padeiro: um estudo revelador sobre a anorexia nervosa, obesidade e o feminino reprimido” (originalmente “The Owl Was a Baker’s Daughter – Obesity, Anorexia Nervosa and The Repressed Feminine”), de Marion Woodman, publicada no Brasil pela Editora Pensamento-Cultrix em sua 5ª edição de 2020, oferece uma profunda análise dos distúrbios alimentares sob uma perspectiva da psicologia analítica junguiana. O livro se propõe a desvendar as complexas raízes psíquicas e somáticas da obesidade e da anorexia nervosa, especialmente em mulheres, argumentando que essas condições são manifestações de um feminino reprimido na cultura ocidental.

A Tese Central e a Metáfora de Ofélia

Woodman inicia a discussão notando como a percepção da corpulência mudou dramaticamente no Ocidente, de um símbolo de felicidade para motivo de vergonha. A autora rejeita a ideia de que a obesidade seja uma questão simples de excesso alimentar, sugerindo que nenhuma “fórmula mágica ou científica” resolveu o problema crescente. Em vez disso, ela postula que esses distúrbios são sintomas de uma profunda alienação da mulher de seu próprio princípio feminino.

Para ilustrar sua tese, Woodman utiliza a figura de Ofélia de Shakespeare, retratando-a como uma “princesa adormecida num corpo obeso”, incapaz de responder à vida com maturidade ou de ser fiel a si mesma. A frase do título, “A coruja era filha do padeiro”, retirada de Hamlet, faz referência a uma antiga lenda inglesa sobre uma filha de padeiro transformada em coruja por sua maldade e mesquinhez ao negar pão ao Salvador. Esta metáfora simboliza a negação do alimento verdadeiro – seja ele físico, emocional ou espiritual – e a subsequente transformação em uma criatura que, como Ofélia, não encontra a própria voz nem o próprio corpo. A autora argumenta que a mulher moderna, ao viver numa cultura de orientação masculina e aceitar valores patriarcais, reprime sua feminilidade, que então se rebela, manifestando-se somaticamente como obesidade ou anorexia. A cura reside em descobrir e amar a “deusa perdida” em seu próprio corpo rejeitado.

Fundamentos Experimentais e a Conexão Corpo-Psique

O livro explora a inter-relação entre psique e soma, afirmando que o corpo e a mente são uma unidade indivisível. Woodman diferencia a obesidade primária (endógena), que é geneticamente influenciada e “programada”, com excesso de células adiposas (hipercelularidade) desde cedo, tornando a perda de peso permanente difícil, da obesidade secundária (exógena), que resulta do excesso de alimentação e é mais fácil de corrigir com dieta. O hipotálamo, que coordena hormônios e apetite, e a complexa resposta do corpo ao açúcar e à insulina são detalhados para mostrar a base fisiológica.

Para aprofundar a compreensão psicológica, Woodman aplicou o Experimento de Associação de C. G. Jung a vinte mulheres obesas e a um grupo de controle. O experimento, que identifica “complexos de tom emocional” – imagens psíquicas emocionalmente carregadas e incompatíveis com a consciência, que agem como corpos estranhos autônomos –, revelou padrões perturbadores nas mulheres obesas. Palavras como “tentar” “fracassar”, “fome”, “mal” e “nadar” causavam invariavelmente hesitação e desconforto emocional, evidenciando complexos como o alimentar, a agressão e o temor do inconsciente.

As descobertas indicaram que, nas mulheres obesas, a comida se torna o foco tirânico da depressão, raiva reprimida, ansiedade e sexualidade reprimida, sendo usada para controlar o destino, expressar desafio ou como recompensa/punição. As comparações com o grupo de controle sublinharam a singularidade dos problemas alimentares na psique das obesas, onde a comida nunca foi mencionada como fator determinante pelos controles.

Complexos e Características de Personalidade

Em sua análise, Woodman detalha complexos e traços de personalidade que, segundo ela, são comuns em mulheres com obesidade. O texto apresenta sete pontos principais: o complexo da Mãe Negativa e Dominadora, o Pai Idealizado ou Puer, a Perda da Imagem e Identidade Feminina, o Medo Básico da Vida e da Rejeição, a Agressão Reprimida, o Perfeccionismo e Fantasia e o Complexo Religioso.

A autora descreve a mãe como muitas vezes inconsciente da própria feminilidade, rígida e projetando suas frustrações nas filhas. Isso leva a sentimentos de rejeição, culpa e inadequação, fazendo com que a filha herde o “medo mortal” de sua própria essência feminina “instintiva”. O pai, por outro lado, é frequentemente ausente ou fraco, sendo idealizado. Sua projeção na filha cria a figura de uma “noiva-criança” inconsciente, resultando em uma confusão de papéis de gênero.

A imagem corporal da mulher se torna distorcida, sendo o corpo visto como uma prisão ou um inimigo. O peso serve como uma defesa contra a sexualidade e contra os homens, refletindo um afastamento da própria feminilidade. A autora aponta que há um medo profundo da vida, dos próprios instintos e da responsabilidade, além de uma sensação de não ser amada e de ser indigna.

A agressão reprimida, rigidamente controlada desde a infância, é voltada para si mesma, manifestando-se em excessos alimentares e autolesão. Esse comportamento resulta em um bloqueio de energia no corpo. O perfeccionismo e a fantasia também são traços presentes, com a busca por perfeição sendo uma forma de compensar um sentimento de inferioridade. A fuga para a fantasia, como a idealização de um pai principesco, é um modo de evitar a realidade. Por fim, o complexo religioso é descrito como uma busca por um Deus Pai idealizado, onde a incapacidade de controlar o corpo é vista como uma falha moral ou uma punição divina.

Para ilustrar essa teoria, o livro apresenta três estudos de caso: Margaret, Anne e Katherine.

Margaret, uma jovem obesa de 24 anos, é um exemplo de ambivalência, oscilando entre a alegria e a tristeza, a espiritualidade e a sexualidade. Com uma mãe rígida e um pai alcoólatra, ela internalizou expectativas irreais. Sua obesidade e episódios bulímicos são uma forma de fuga, autodestruição e rebelião contra a autoimagem dicotômica de “madona pura” versus “prostituta suja”. Seu peso funciona como proteção contra homens e a responsabilidade da feminilidade adulta.

Anne, anoréxica, é uma jovem inteligente e criativa que idealizou o pai ausente e tinha uma mãe rígida. Sua anorexia, que começou na adolescência, foi uma busca por controle e uma fuga de um mundo com o qual não conseguia lidar. Ela via a anorexia como uma rebelião contra a autoridade e as expectativas sociais, desejando se tornar um “zero” ou uma “bolha” para escapar da dor e da sexualidade.

Por fim, Katherine, uma mulher de meia-idade, superou a obesidade pela força de vontade, mas desenvolveu um edema cíclico, um sintoma de retenção de líquidos que a autora associa aos mesmos conflitos subjacentes.

Ficha Técnica:

  • Autora: Woodman, Marion
  • Título do original: The Owl Was a Baker’s Daughter – Obesity, Anorexia Nervosa and The Repressed Feminine. Copyright © 1980 
  • Copyright da edição brasileira © 1992, 2020 Editora Pensamento-Cultrix Ltda.
  • 5ª edição 2020.
  • Editor: Adilson Silva Ramachandra Gerente editorial: Roseli de S. Ferraz
  • Gerente de produção editorial: Indiara Faria Kayo Editoração eletrônica: Join Bureau
  • Revisão: Vivian Miwa Matsushita
  • Capa: Lucas Campos / Indie 6 Design Editorial Produção de ebook: S2 Books
  • ISBN 978-65-5736-010-1

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