Le Petit Prince, ou O pequeno príncipe é uma animação de 2015, baseada na obra homônima de Antoine de Saint-Exupéry,de 1943. O filme traz uma narrativa original, onde uma menina está lidando com uma mãe ausente emocionalmente e que quer que ela cresça rápido demais.
Portanto, o cerne da historia do filme é a relação mãe e filha e a cura dessa relação e do amor entre elas. Falta o elemento Eros na relação, o que afeta a função sentimento tanto da mãe quanto da filha. A mãe cobra que a filha seja eficiente e que entre em uma escola renomada. Cria regras e esquemas de horários para a menina.
Conforme Von Franz (1984), os contos de fadas parecem exercer no âmbito de um povo, uma função semelhante a dos sonhos, para o individuo; eles confirmam curam, compensam, contrabalançam e criticam a atitude coletiva predominante, assim como os sonhos curam, compensam, confirmam, criticam ou completam a atitude consciente de um individuo.
Essa adaptação à obra O Pequeno Príncipe critica e traz uma compensação para a atitude do homem ocidental, cuja consciência é pautada pelo patriarcado.
Em uma sociedade patriarcal, é valorizada a eficiência, a ação e o fazer. Isso não é ruim desde que não seja uma atitude unilateral. No entanto, a consciência tanto individual quanto coletiva tende a permanecer em um curso de ação que antes foi favorável, mas que já se desgastou com o tempo. E a persistência em uma atitude ultrapassada, desgastada e que precisa de renovação leva a atitudes impossíveis.
É impossível exigir de uma criança uma eficiência extrema daquelas. A criança precisa da brincadeira e do lado lúdico da vida. Além disso, não é nada estranho o fato de o herói da história ser uma menina.
A criança representa a juventude e também pode ser considerado, por um lado, como símbolo do Self. Conforme Von Franz (2005b), a criança simboliza tanto a infantilidade quanto a vida futura, e é também o cerne da genialidade e criatividade.
Para Carl Jung (2008) o motivo da criança representa o aspecto pré-consciente da infância da alma coletiva. Além disso, Jung (2008) diz:
O motivo da criança não representa apenas algo que existiu no passado longínquo, mas também algo presente; não é somente um vestígio,mas um sistema que funciona ainda, destinado a compensar ou corrigiras unilateralidades ou extravagâncias inevitáveis da consciência. A natureza da consciência é de concentrar-se em poucos conteúdos, seletivamente,elevando-os a um máximo grau de clareza. A consciência temcomo conseqüência necessária e condição prévia a exclusão de outros conteúdos igualmente passíveis de conscientização. Esta exclusão causa inevitavelmente uma certa unilateralidade dos conteúdos conscientes.
Sobre o herói dos contos de fadas Von Franz (2005a) diz:
O herói é, consequentemente, o restaurador da situação sadia, consciente. Ele é um ego quer estabelece o funcionamento normal e sadio de uma situação, onde todos os egos da tribo ou nação estão desviando-se do padrão básico e instintivo da totalidade. Pode-se dizer, então, que o herói é uma figura arquetípica que representa um modelo de ego funcionando de acordo com o SELF. Sendo um produto da psique inconsciente, ele é um modelo que deve ser observado, pois demonstra o ego funcionando corretamente, ou seja, um ego que funciona de acordo com as solicitações do SELF.
Portanto, nossa pequena heroína é a responsável por mostrar um caminho para a renovação da atitude unilateral da consciência ocidental. Enquanto criança ela traz para a consciência elementos ignorados e esquecidos e assim compensar a atitude exagerada que vivemos hoje. Ela anuncia um futuro para o qual a consciência ocidental pode se encaminhar.
Mas ela é uma menina e enquanto mulher ela se difere do herói masculino. Conforme Von Franz (2010), a heroína tende a suportar o sofrimento e não a sair matando. Sua força consiste nesse suportar o sofrimento e em aceitar o seu destino, para então, depois mudá-lo. Ela sabe esperar; sabe a hora de ser passiva e a hora de ser ativa.
Além disso, Newmann (1995), diz que mesmo na mulher a consciência do ego tem um caráter masculino e que a relação consciência – dia – luz e inconsciente – escuridão – noite se mantêm independente do sexo. Ele diz também, que a consciência é masculina mesmo nas mulheres, assim como o inconsciente é feminino nos homens. Ele então define a consciência patriarcal, que se separa do inconsciente e fica livre de suas influências.
Portanto, para Newmann, a mulher moderna possui uma consciência patriarcal e um ego denotado pelo herói masculino. Ele também coloca a consciência patriarcal em um patamar de superioridade em relação à matriarcal (mesmo reconhecendo que no matriarcado se encontra a criatividade).
De fato, hoje, o ocidental – tanto homem quanto mulher – vive sob o jugo do patriarcado. No entanto, essa classificação apresentadapor Newmann lesou intensamente a mulher e alguns homens mais criativos. A mulher hoje paga um preço altíssimo por igualar seu ego a esse herói masculino. Apesar de hoje a mulher estar no mercado de trabalho e de poder estudar, ela não tem confiança em si mesma e não sabe mais como se relacionar, tendendo hoje a uma solidão profunda. Sua essência feminina foi perdida, e isso se passa de mãe para filha: se uma mulher não reconhece seu valor enquanto ser feminino, ela não reconhece em sua filha.
Para as mulheres atuais a maternidade pode ser um fardo e ela acha insuportável cuidar dos filhos, passando até a odiá-los, pois seu instinto materno está mau funcionamento; ela também pode tentar se tornar uma mãe “perfeita” para compensar a culpa, se desviando de uma reação instintiva elas passam a agir como uma boa mãe deve e segue normas ditadas pelo coletivo; uma reação muito mais provinda de seu animus negativo do que um instinto materno profundo.
São mães rígidas e “perfeitas” como a do filme, que não se permitem o prazer e exercem a maternagem como se estivesse no exército. Até os momentos de lazer com os filhos são um fardo, pois ela não está produzindo, nem sendo eficiente. Existe um senso de dever até no brincar.
Tanto o homem quanto a mulher podem apresentar uma consciência patriarcal ou matriarcal. Nos mitos gregos vemos tanto deuses matriarcais, ou seja, próximos à Grande Mãe, tanto deusas patriarcais, próximas ao Pai.
No entanto, a consciência feminina se assemelha à consciência matriarcal e por isso é representada nos contos e mitos por uma imagem feminina. Essa consciência não está separada do inconsciente, mas está em harmonia e consonância com ele. Ela sabe esperar sem luta e impaciência e não é absoluta, aceitando a relatividade. Ela também não aceita a separação e a oposição.
No contexto atual temos a divisão masculino – ativo e feminino – passivo, pois bem, a consciência matriarcal não aceita essa divisão. Ela procura englobar ambos os lados englobando inclusive a consciência masculina. Como a consciência feminina não deve aderir demais ao inconsciente, pois é consciência, no entanto, por estar mais próxima do inconsciente, ela pode trazer a tona elementos sombrios e esquecidos pela consciência.
Voltando a animação, a mãe da menina quer que sua filha entre em uma escola de renome, e para garantir que sua filha passe na prova de inscrição, lhe impõe um plano de estudo rigoroso para o verão que deixa quase nenhum tempo para o lazer. A menina, no entanto, distrai-se com seu vizinho, um aviador aposentado que, ao longo do verão, compartilha com ela a história de um menino chamado “Pequeno Príncipe”, a quem ele supostamente haveria encontrado em um deserto quando seu avião caíra. E assim ela estabelece um relacionamento com o velho, esquecendo das tarefas impostas pela mãe.
Von Franz em sua obra Puer Aeternus analisa O Pequeno Príncipe, e aponta que o aviador da obra é o próprio autor que sofreu um acidente de aviação na segunda guerra mundial e morreu. Ela diz que Exupéry apresentava uma personalidade de PuerAeternus. Ele era casado, mas não suportava ficar com sua esposa, sendo que entrava em depressão quando não voava. Ele morreu cedo, assim como todo Puer.
Portanto, o aviador é uma fantasia de que Exupéry tenha superado o seu complexo de criança eterna e sobrevivido.
O aviador, então já velho e sozinho, conta a historia do Pequeno Príncipe para a menina, pois ninguém acreditava nele e por essa razão não podia divulgar a história.
Ou aviador é um personagem que pode ser associado ao Senex, ou seja, ao velho, que sempre aparece acompanhando o Puer. Kawai (2007) diz que a aparição de personagens velhos é muito freqüente nos contos de fadas japoneses e é extremamente raro um velho ser o protagonista de um conto de fadas europeu. Portanto, nessa adaptação do conto de Exupéry temos um novo olhar e uma possível renovação provinda do inconsciente coletivo ocidental.
A figura do Puer sempre esteve associada ao seu laço com a mãe, no entanto Hillmann (1973) traz um novo olhar para essa imagem, que julgo ser mais adequado para o estudo em questão. Hillmann (1973) salienta que o Puer deve ser pensado não na sua relação com a mãe, mas com o Senex. Para ele Senex e Puer devem ser compreendidos como duas faces de um mesmo arquétipo e não dois arquétipos separados.O objetivo do Pueré redimir o pai, sobrepujando-se a ele, e não vencer e matar a mãe. Nos mitos a Deusa Mãe inclusive encoraja a ambição do Puer.
Os orientais, como os chineses e os japoneses estão mais familiarizados com essa imagem dupla e ambígua. Para nós ocidentais ela ainda gera uma confusão. A consciência Senex apresenta um aspecto duplo: por um lado representa o velho sábio tentando manter as leis antigas e por outro destrói com rapidez e força essas leis (aqui surge a imagem do Puer). Portanto, por baixo de uma imagem dura e fria, queima o fogo da destruição.
Conforme Kawai (2007) a consciência Senex se encontra nas profundezas do subterrâneo, enquanto que a consciência do herói é adequadamente identificada com o sol que brilha no céu.A consciência do herói, como conhecemos em nossa sociedade ocidental, contribui para o desenvolvimento e progresso da civilização, mas está sempre ameaçada pela morte. Já a consciência Senex não se preocupa tanto com a morte, pois ela existe dentro dela própria e ela não tem nada a ver com desenvolvimento e sim com imutabilidade, que quando chega ao seu máximo leva a autodestruição que termina em anarquia devido ao aparecimento repentino do Puer.
Na animação o velho possui características de Puer. Ele é anárquico e também criativo. Não se preocupa com a morte, mas com a falta de flexibilidade e criatividade do mundo atual. A rendição aqui é ao contrário: não é o pai que precisa ser redimido, mas o próprio Puer, o seja o aspecto anárquico, o estimulo e a criatividade que foram perdidos.
Para a consciência ocidental é muito difícil não pensar em termos de progresso e eficiência. A imutabilidade, a anarquia criativa e a espera com aceitação do destino são desprezadas pela consciência do herói valorizada pelo homem moderno. No novo conto apresentado vemos então, a rendição de três formas perdidas de consciência: a feminina, a senex e a puer.
De fato, hoje por mais que se queira aparentar que não, existe ainda um menosprezo pelo velho, pela criança e pela mulher. Ambos são considerados fracos e inferiores diante da força masculina heroica. Perto do fim do verão, o Aviador fica doente e é internado. Naquela noite, a menina tem um sonho em que ela voa no avião do Aviador até um asteroide habitado exclusivamente por adultos, onde todos trabalham sem alegria para o Empresário da história do aviador. Lá, ela encontra o Príncipe, agora um homem crescido que trabalha como zelador. Ele é agora um homem dócil e nervoso, tendo esquecido seu passado, e agora preocupado em agradar o Empresário.
O Empresário e o seu asteroide simbolizam a eficiência unilateral do patriarcado e dessa consciência coletiva pautada pelo herói masculino. Não há crianças no mundo e assim se perdeu a renovação e a criatividade. Não existe mais tempo para as relações e a natureza foi completamente dizimada, ou seja, o elemento feminino, juntamente com Eros, foi também reprimido. A menina então, resgata o Pequeno Príncipe e o planeta da tirania do empresário. E leva o Pequeno de volta a sua rosa e ao seu asteroide, e assim ele volta a ser criança.
Em seu sonho a menina age de forma ativa e heroica, mostrando que a consciência feminina engloba também a ação e não aceita divisões. Ela pode agir de forma tanto passiva quanto ativa. Por englobar e aceitar o diferente e o mal, ela é a única capaz de levar o Puer ao seu devido lugar, pois ela aceita a sua natureza. Como citei algumas vezes, a China e o Japão possuem muitos contos de fadas com essa estrutura Senex – Puer. Cada vez mais o homem ocidental tem se voltado para a sabedoria oriental, com suas práticas meditativas e contemplativas.
A consciência oriental é mais voltada para o feminino, dessa forma os contos orientais podem nos indicar caminhos de redenção. Não podemos mais ficar restritos a uma única forma de consciência. A multiplicidade hoje se faz Necessária e acredito que a sociedade caminhe para uma maior diversidade. Incluir a consciência puer, senex e feminina pode nos colocar no caminho da totalidade, pois como disse o aviador para a menina:
“O problema não é crescer, mas esquecer! ”
FICHA TÉCNICA
O PEQUENO PRÍNCIPE
Título em Original: Le Petit Prince
Direção: Mark Osborne
Adaptação de: O Pequeno Príncipe
Música composta por: Hans Zimmer, Richard Harvey
Duração: 1h 50m
Ano: 2015